Um lugar à mesa

[dropcap]S[/dropcap]ão muitos, para todos os gostos, viciantes, uma pequena escola de culinária. Vão criando versões e reinventando-se uns aos outros. Contam-nos episódios ilustrados ao pormenor por fotografias em que os humanos são secundários e as refeições, o que importa. Fazem-nos companhia. Inspiram-nos. Vêem nascer amizades. A Ana Luísa Amaral tem muitos poemas que são, na verdade, receitas, e os seus poemas estão para a realidade como os blogs gastronómicos estão, bem, para o resto.

Já desconfiava da doença, porém nunca poderia adivinhar o resto. O que sabemos, realmente, senão o que as pessoas demonstram? Nas redes, pelo menos. A inevitabilidade de um ocasional revirar de olhos e uma crítica silenciosa quando surgem os moralismos que no fundo só são bons para os outros, sob a forma de posts partilhados. Share it until you make it, talvez. Partilhar para acreditar. Somos da velha escola, do blogspot e do livejournal, mas os flagelos que nos acometem são muito, muito mais antigos ainda e não parecem querer ir a lado algum.

Há cinco anos que este blog incontornável não era actualizado. Era como alguém cujo regresso desejamos secretamente mas não acreditamos que aconteça. Alguém com uma presença, um legado tão vincado que é impossível não nos entretermos mesmo na sua aparente ausência. Contar quantas vezes me alimentei e aos meus amigos com as suas receitas revelar-se-ia tarefa impossível.

“Deixa-a lá dentro, cortada, na cozinha,
e traz-me só café. Pousa a bandeja
ali, e depois vai. Não quero o seu olhar:

Recorda-me a prisão que ele habitou
(sem ser por mim) e a outra
em que eu morei, e onde fiquei,

Lembrando o seu olhar.”

Estava no supermercado, outro dia, a planear o que iria cozinhar esta semana, não fosse eu viciada em meal prep, mas algo me faltava. Algo que, tantas vezes, encontro no Ponto Espadana, na Smitten Kitchen, no Para Cozinhar, no The Kitchn, no Two Fat Ladies (saudades das originais) onde nem uma receita de caldo mancarra falta, na lista memorável de saladas do Mark Bittman no New York Times. Não desta vez. Abri um blog antigo, fiável, cujos links de receitas partilhei infindáveis vezes, e que, repito, não via posts novos há anos. Mas a verdade é que a última actualização aconteceu há precisamente um ano.

“E agora mostras
a toda a gente o cesto,
e não há sombra.”

A minha busca por inspiração foi abruptamente colocada em pausa. Fiquei ali, parada no corredor, a estorvar a multidão que se abastecia de mantimentos como se o fim de semana fosse uma catástrofe e o supermercado o bunker. Li um testemunho sincero, vulnerável, revelador: “assunto delicado e importante.”

“Tão brilhante e tão quente. Como
sabe a vermelho este café – ”

Uma despedida muito após o desaparecimento, com explicações para nós, os leitores.

“Deixo um bilhete à porta, junto ao Hades,
na esperança de que o cão
o não destrua – ”

Acontece que me habituara há muito a googlar o nome do ingrediente principal e o do blog, abrindo directamente as páginas que me interessavam, certa de que encontraria ali inúmeras receitas, dicas, dicionários de termos portugueses e brasileiros, curiosidades e histórias de familiares e amigos desta mulher que viveu em França, em Timor, na Terceira. Depois, espreitava as sugestões no fim de cada post. A Elvira (mãe dos blogs portugueses de culinária) lembrava-me a Filipa Vacondeus e o Chefe Silva (mãe e pai da tv e das revistas) por ter-se tornado um clássico. Por ensinar-nos os clássicos. Por ter sempre um nome carinhoso, de alguém que amava, para dar a uma receita em vez do original.

“Deve ser isso o que a mantém,
A faz vestir-se todos os dias, tomar o cesto das compras,
Escolher legumes naquela mercearia:
Os minúsculos gestos de que a vida é feita
Quando a guerra é ausente”

Um mês após esse último post, ela deixou-nos. Semanas passaram, no entanto, entre a minha primeira descoberta e a segunda, que me horrorizou ainda mais, quando procurei o seu nome no Google e surgiu o verbo morrer como sugestão complementar de busca. Agora, um ano após a sua partida, queria poder inventar uma receita que a honrasse, confortasse, fizesse dançar e cantar durante a preparação, ver o fuminho a sair delicado e seguro do que quer que estivesse no prato, talvez não um prato mas um tabuleiro de grão-de-bico com chouriço e ovos. Ou uma carne espiritual. Ou a delicadíssima lista que forneceu durante uma entrevista quando lhe perguntaram qual seria a sua última refeição. Não sei se a teve. Não sei se foi exactamente como ela queria. Não sei porque é que nunca lhe escrevi. Não sei se a Ana Luísa Amaral e a Elvira do Elvira’s Bistrot sabiam uma da outra, mas imagino-as a discutir receitas na cozinha e na vida, como nesta conversa imaginada. Não sei porque é que os cancros e as violências domésticas andam de mãos dadas. Mas sei que tudo aquilo foi real. Tudo: a sua dedicação e a nossa admiração.

“Vou apagar a luz. Sair da mesa.
Ela aguarda. E eu vou – ”

Sinto-me como se tivesse chegado tarde, demasiado tarde, a casa. Mas sei que a Elvira terá sempre um lugar à mesa.

12 Set 2019

Culinária | Tertuliano de Senna Fernandes premiado

[dropcap]T[/dropcap]ertuliano de Senna Fernandes foi distinguido como embaixador de gastronomia no sul da China, segundo um comunicado enviado ontem à comunicação social. A distinção é o resultado do concurso “King of Gastronomy in South of China” organizado pela Estação de televisão de Zhujiang e pelo Comité de Cantão.

Foi há 14 anos que o ‘Chef’ Tertuliano de Senna Fernandes começou a fazer formações na área da gastronomia na República Popular da China, tendo trabalhado no continente e, posteriormente, em Macau.

“A sua notoriedade levou a que começasse a ser convidado a participar em vários eventos tornando-se cada vez mais conhecido no meio, com a particularidade de ser o único macaense de ascendência portuguesa”, aponta um comunicado. Tertuliano de Senna Fernandes é Presidente da Associação de Gastronomia Internacional de Macau, instituição que se encontra na rede das Cidades Criativas da Ásia.

15 Jan 2019

Le Petit Chef, escola de cozinha | “As crianças gostam de actividades de adultos”

A funcionar numa creche, na Taipa, a “Le Petit Chef” pretende ensinar os mais novos a fazer comida a sério, e a preparar doces e refeições para toda a família. Há muito que Andreea Apostol desejava estabelecer o projecto em Macau, algo que só foi possível em parceria com outro estabelecimento de ensino

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma época em que cada mais se consome comida rápida mas, ao mesmo tempo, se tenta combater o consumo de açúcar em excesso, Andreea Apostol decidiu apostar em algo inovador. Oriunda da Roménia, a chef de cozinha investiu num negócio próprio: ensina os mais pequenos a cozinhar refeições leves, saudáveis e divertidas. A “Le Petit Chef” funciona na creche Ze Ai e tem actualmente 15 alunos, divididos por turmas que vão, no máximo, até aos 12 anos de idade.

Ainda assim, esta escola de culinária está aberta a todas as idades. “Esta escola não é apenas para crianças. Se tivermos adolescentes ou adultos interessados nas nossas aulas também iremos organizar aulas para eles”, contou ao HM Andreea Apostol.

A mentora da escola de cozinha em ponto pequeno conta como tudo começou. “Uma escola de cozinha não é uma ideia nova para mim. Há alguns anos no meu país, a Roménia, tive este tipo de negócio, um clube para crianças que oferecia muitas actividades. Disponibilizávamos aulas de culinária.”

A ideia deste negócio passa também pela mudança de hábitos e promoção de uma melhor forma de comer. “As crianças gostam de cozinhar, porque estamos numa fase de criação de chefs, porque é altura de ignorarmos a comida rápida, porque é bom para toda a gente ter o mínimo de conhecimento sobre cozinha. Eu própria gosto de cozinhar, sou chef de cozinha, gosto de crianças e penso que essa é a combinação perfeita para formar uma escola.”

O problema da renda

Apesar de o projecto estar há muito na sua cabeça, Andreea Apostol não o pôde concretizar de imediato. “Os problemas com as rendas nunca deixaram o meu sonho concretizar-se. Até que um dia recebi uma mensagem de Ellen Ho, gestora da creche Ze Ai, que me perguntou se estava interessada em colaborar com ela na criação de uma escola de culinária. Viu o meu trabalho no Facebook e ela própria tem um negócio de confecção de bolos em casa, intitulado ‘Macau Sweet Ideas’. Deve ter gostado do meu trabalho, daí ter-me convidado para ser professora de culinária na ‘Le Petit Chef’.”

Na página oficial do projecto pode ver-se que as crianças aprendem a fazer de tudo um pouco, desde pequenos queques a sanduíches ou até pratos mais elaborados. No final de um minicurso de cinco dias, a família é convidada a provar tudo aquilo que os seus rebentos prepararam.

“Na última classe os nossos pequenos chefes mostram aos pais tudo o que aprenderam na escola de cozinha e preparam os pratos para eles. Terminamos uma sessão para os mais pequenos sobre fruta, enquanto os pré-adolescentes aprenderam a fazer pequenos-almoços saudáveis.”

Para Andreea Apostol, aprender a cozinhar está longe de ser uma tarefa aborrecida ou antiquada. “As crianças gostam de fazer actividades de adultos, e cozinhar é uma delas. Ensinar as crianças a cozinhar é uma poderosa experiência de aprendizagem e aprender a cozinhar pode ser muito divertido. As crianças vão aprender tudo o que implica a preparação de refeições, vão aprender que a comida simplesmente não acontece do nada”, conclui.

A funcionar na Rua Cidade de Braga, a “Le Petit Chef” funciona apenas aos sábados entre as 9h e as 18h, a pensar numa oferta diferenciada para a ocupação dos tempos livres dos mais novos. A escola começa agora a mostrar o seu trabalho junto da comunidade, já que, este sábado, vão ser vendidas bolachas de gengibre feitas pelos mais novos no primeiro Mercado de Natal realizado no Albergue SCM. Todos os lucros irão reverter para acções de caridade.

Morada

Rua Cidade de Braga n.º 490
Aberta aos sábados, das 9h às 18h

30 Nov 2016