PJ | Crimes de Jogo voltam a aumentar

Os crimes de Jogo, incluindo a agiotagem, voltaram a aumentar no primeiro semestre do ano. A Polícia Judiciária registou mais 108 inquéritos ou denúncias face a 2014 e diz ser necessário prestar mais atenção ao ajustamento do sector dos casinos

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]ados da Polícia Judiciária (PJ) ontem divulgados revelam que os crimes relacionados com o Jogo continuaram a subir no primeiro semestre do ano, face ao igual período do ano passado. De um total de 463 inquéritos ou denúncias a PJ recebeu um total de 571 nos primeiros seis meses, ou seja, mais 108. Só o crime de agiotagem levou a mais 37 inquéritos ou denúncias, para um total de 108 casos nesse período.
Os dados foram divulgados no âmbito das celebrações do Dia da PJ, tendo o seu director, Chau Wai Kuong, chamado a atenção para a necessidade das autoridades prestarem mais atenção ao ajustamento do sector do Jogo.
“Estes dados revelam que a segurança em Macau manteve-se estável e os crimes graves diminuíram. No entanto, os crimes relacionados com o Jogo, crimes informáticos e burlas mantiveram a tendência para subir. Isto significa que se torna necessário, para os órgãos policiais, prestar a máxima atenção aos reajustamentos no sector do Jogo, que poderão dar origem a impactos na segurança”, referiu Chau Wai Kuong no seu discurso. jogo casinos
O director da PJ considerou ainda ser “necessário fazer o combate e prevenção eficaz no crime transfronteiriço praticado por não residentes e nos casos em que tanto as vítimas, como os autores do crime, não são de Macau”.

Mais do mesmo

Recorde-se que já em Fevereiro, no balanço anual da actividade criminosa referente a 2014, a PJ apresentou um aumento de 16,3% dos crimes relacionados com o Jogo, um total de 3023 crimes ao longo do ano. A PJ garantiu que esses números se devem “à fase de ajustamento” do sector, que tem vindo a sofrer quebras consecutivas nas receitas há vários meses.
Olhando para o cenário fora dos casinos, o director da PJ concluiu que a segurança continua a existir no território. “Registaram-se diferentes níveis de queda noutros crimes graves, nomeadamente, narcotráfico, extorsão, fogo posto, furto e roubo, entre estes, houve uma descida de 38% nos casos de narcotráfico, assinalou-se uma descida de 30% nos casos de crime organizado e associação criminosa, uma redução de 18% no furto, uma queda de 28% no roubo, enquanto que a situação dos outros tipos de crime é semelhante à do ano anterior.”
Apesar disso, os crimes de burla e ligados ao meio informático mantiveram a tendência de subida, alertou Chau Wai Kuong. “Foram registados 655 casos relativos aos processos (inquéritos) de burla em telecomunicações, os quais sofreram um aumento de mais de 10% em igual período do ano passado. Isto demonstra que o sentido de segurança na área cibernética e de prevenção das burlas continuam escassos, por isso se deve trabalhar neste aspecto.”
Em relação aos crimes praticados por menores de 21 anos, os relacionados com a droga são os mais comuns, mas ainda assim diminuíram, de 12 casos para apenas nove no primeiro semestre. Houve menos três casos de furto, tendo ocorrido mais cinco casos de burla.
Em relação aos crimes de teor sexual, os casos de violação tiveram uma ligeira subida, de nove para 12, enquanto que ocorreram apenas três casos de abuso sexual de crianças, número semelhante a 2014.

Acusação no Sin Fong Garden “não é política”

O procurador do Ministério Público (MP), Ip Son Sang, disse ontem à imprensa chinesa que a acusação feita a sete moradores do edifício Sin Fong Garden é “para manter as regras do Direito” e não é uma “acusação política”. Recorde-se que os moradores foram acusados do crime de desobediência qualificada por causa da manifestação realizada o ano passado em frente ao edifício.

16 Jul 2015

Violência Doméstica | Vítimas partilham casos e apelam a crime público

São vidas que passam por nós entre corridas na rua, viagens de autocarro ou nas filas dos supermercados. Vítimas que se escondem com medo, atrás de portas que esperam a chegada de um agressor. Enquanto o Governo não toma qualquer decisão sobre uma lei que já devia estar pronta, as vítimas exigem: querem os agressores na prisão e, para isso, a criminalização pública da violência doméstica

[dropcap type=”3″]“D[/dropcap]isse-lhe que me devia ter avisado para comprar gás. Não tinha como fazer o jantar. Deu-me um murro que me fez cair no chão da cozinha. Agarrou-me pelos cabelos e arrastou-me até à casa de banho, aí começou a bater com a minha cabeça contra a sanita, vezes sem parar. Ouvi o meu filho mais novo a gritar ‘pára’ e desmaiei.” Esta é a história que Liona, uma vítima de violência doméstica, partilha com o HM. Como tantas outras, algumas com quem falámos, Liona pede que a nova lei contra a violência doméstica tome a forma de crime público.

Sob o olhar atento dos dois filhos, um de oito anos e outro de cinco, a mulher com pouco mais de 40 anos relembra o negro ano de 2012. “As agressões eram uma constante, mas eram só chapadas e insultos. Chamava-me muitos nomes”, recorda. Liona é do interior da China e veio para Macau procurar uma vida melhor. Casou com um homem chinês residente do território, arranjou trabalho numa creche como auxiliar e pensou estar a construir o sonho de qualquer mulher.

“Ele [o marido] ficou desempregado e passados meses percebi que andava a jogar muito. O dinheiro do meu trabalho pagava estas coisas todas”, conta ao HM enquanto aponta para a cozinha e para uma mesa cheia de livros e cadernos de criança. Durante largos meses, Liona sustentou aquele que achava ser o seu porto seguro, mas com o aumento dos apertos no orçamento da família os problemas chegaram.

“Começámos a ficar sem dinheiro porque ele gastava muito no jogo, deixou de estar em casa, só aparecia quando queria dinheiro e ia embora outra vez. Chamava-me nomes. Deixei de lhe dar dinheiro e ele começou a ficar furioso, berrava e batia-me na cara, até àquele dia”, relata, relembrando que, naquele dia, quem a salvou foi o filho mais velho.

“A violência marca não só a pessoa que apanha mas também quem assiste. Naquele dia, os meus filhos deram com a mãe no chão cheia de sangue na cara, com um pé partido e viram o pai bater na mãe. O mais novo gritava, chorava… o mais velho não abriu a boca, não ficou nervoso, olhava encostado à parede e pegou no telefone e ligou para a linha de emergência”, descreve.

Depois de uma semana internada e “sem saber” o que fazer, Liona tinha apenas uma coisa em mente: não mais poderia estar com aquele homem. “Ele é o pai dos meus filhos, durante muito tempo resignei-me aos insultos porque a minha educação sempre me disse que a família é o que de melhor temos. Mas não. Ele é um monstro. Senti tanta vergonha, achava que matar-me seria a solução”, conta.

Foi o “bom trabalho” das assistentes sociais que permitiram a esta vítima perceber que o suicídio não era a solução e que existem outros caminhos. Caminhos estes que não são assegurados pelo Governo, nem são garantidos por uma sociedade que não se mostra preparada a terminar com este tipo de violência e, mais que isso, a proteger as vítimas, como defende Liona.

“Não percebo porque é o que o Governo está a demorar tanto com a Lei [de Prevenção e Correcção da Violência Doméstica] e claro – claro – que tem que ser crime público”, argumenta, reforçando que “só assim as mulheres perderão o medo de falar”.

Vidas escondidas

Peng Peng, residente de Macau, conheceu “há uns anos” Rita Santos, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Trabalhadores Função Pública de Macau (ATPFM), e em várias conversas avançaram com o plano de criar um grupo na aplicação WeChat que se dedicasse aos problemas das mulheres.

“Criámos um grupo há dois anos e como eu conheço muitas mulheres com variados problemas fui adicionando-as, com a sua autorização, para conversarmos todas e darmos apoio umas às outras”, começa por explicar Peng ao HM.
A residente mora há muitos anos numa zona “problemática” de Macau – a zona norte – e sendo proprietária de uma loja, é fácil ter histórias que lhe batem à porta. “Muitas vezes as mulheres desabafam comigo, por isso é que decidi, com o apoio da ATPFM, criar este grupo”, assinala.

O grupo conta com 27 mulheres com problemas vários, sendo o mais comum os maus-tratos. “A Peng é a nossa ponte para este casos, nós [ATFPM] tentamos apoiar trazendo os casos para a associação. Angariamos fundos, ou coisas que as vítimas ou os seus filhos precisem, aconselhamos juridicamente. Sabemos que muitas mulheres precisam de ser conquistadas até nos contarem as suas histórias e abrirem as portas das suas casas. É preciso que estas mulheres percebam que não estão sozinhas”, explica Rita Santos.

Foi através do grupo que o HM chegou ao caso de Finn. “Durante a última semana, Finn começou a participar menos no grupo, interagia muito pouco e o que dizia era sempre muito negativo. Quisemos ir visitá-la e de facto ela estava a ter uma recaída, queria matar-se”, relata Rita Santos.

Finn tem quatro filhos, sendo que a mais velha tem 18 anos e é notória a sua incapacidade de comunicação com o mundo exterior. A mãe olha-a com revolta e culpa-a por não ser “boa na escola”.

Finn sofria com violência doméstica, já que o marido tinha um ligeiro atraso mental e batia-lhe “sempre que podia”. Um dia, num grito de basta, a mãe agarrou nos seus quatro filhos e fugiu. Vive num apartamento que não mais tem do que dois compartimentos. Uma sala com uma banca de cozinha, um quarto com uma casa de banho minúscula. O espaço é dividido por cinco pessoas. A filha mais velha dorme com a mãe. O mais novo está sempre doente e a mãe começa a apresentar sintomas de exaustão.

Os momentos de desespero parecem ser, aliás, uma constante na vida das mulheres. “Vivem com medo. Aqui, em Macau, quem bate fica impune, não lhes acontece nada. Elas são constantemente ameaçadas. E o que nos resta a nós que assistimos a isto fazer? Não podemos fazer queixa dos agressores”, argumenta Peng Peng.

A empresária não tem qualquer dúvida, “com uma lei a definir crime público as denúncias vão disparar. E de que maneira”. É o medo que impede estas mulheres com quem o HM falou de se mostrarem.

“Tenho medo, tenho medo, como é que posso proteger os meus filhos? Uma vez passei por ele [agressor] e tive que me esconder na rua do lado até ele passar. Ele não sabe onde é que estou, também quase que não ando na rua, vou ali à igreja porque são as irmãs que me estão a dar roupas e ajuda e não saio mais de casa”, conta Fiona.

Assistência Humana

[quote_box_right]Enquanto o Governo não toma qualquer decisão sobre uma lei que já devia estar pronta, as vítimas exigem: querem os agressores na prisão e, para isso, a criminalização pública da violência doméstica[/quote_box_right]

Fiona recebe um subsídio de apoio o Instituto de Acção Social (IAS) de 9920 patacas. “Pago 4500 patacas de renda, mais a escola dos meus filhos e a nossa comida. Não dá para comprarmos roupa ou termos uma televisão, mas não passamos fome”, sublinha.

O filho mais novo e a própria vítima recebem apoio psicológico desde a última agressão.

“O meu filho mais velho ficou muito diferente. Era uma criança alegre, agora é estranho, é muito apático. Nunca chorou, nem fala do assunto. E quando há muita confusão fica nervoso. É uma criança sem confiança em si, por isso é que este apoio do terapeuta é muito importante”, clarifica.

Também a filha mais velha de Finn vai começar agora uma nova etapa da sua vida. “Com o consentimento da mãe convidámos a jovem a integrar-se nos grupos jovens da ATFPM”, conta Rita Santos, sublinhando que servirá para a integrar e fazer conviver com outros jovens.

Uma dor calada

Foi uma má notícia que salvou Lai. No dia em que soube que tinha um cancro, o marido abandonou-a. Lai sofreu maus tratos durante muitos anos, que foram além das agressões.

“Este caso é muito delicado. Lai foi vítima de constantes violações sexuais por parte do marido, tinhas as pernas sempre marcadas, sangrava da vagina devido às lesões”, relata ao HM Rita Santos, em nome de Lai.

Este foi o segundo casamento da vítima, que parecia ter tudo para correr bem. O marido revelou-se um “homem muito agressivo” e os relatos de violência são infindáveis. Insultos, agressões físicas e sexuais faziam parte do dia-a-dia de Lai, que ainda hoje não quer que as pessoas saibam quem é.

“Agora com cancro, a fazer os tratamentos, ele deixou-a. Já não lhe serve. É triste, muito triste”, opina Peng.
A administradora do grupo do WeChat tem acompanhado o percurso de Lai e conta ao HM que “é muito difícil trazer para a rua um caso destes”. Uma vez mais, Peng reforça a necessidade do Governo em decidir classificar a violência doméstica como crime público. Rita Santos e Fiona concordam.

“Só com crime público é que deixaremos de ter medo, assim sabemos que eles não nos podem fazer mal porque vão ser castigados se o fizerem”, sublinha Fiona, frisando “o meu ex-marido devia estar preso”.

Rita Santos argumenta que, devido à cultura chinesa, estas mulheres, para além do medo, acham que não devem fazer queixa dos seus agressores. Por isso, se for decidido que a nova lei considera esta violência como crime semi-público muitas mulheres, acredita, vão continuar a sofrer em silêncio, porque lhes faltará sempre a coragem. “Isto não pode ser, não podemos deixar que isto aconteça”, remata.

Recorde-se que o Governo ainda não apresentou a nova versão da lei, mas já afirmou querer que a violência doméstica seja apenas crime semi-público, fazendo com que tenham de ser as próprias vítimas a fazer queixa. A justificação: precisamente a cultura chinesa.

No ano passado, 419 pessoas foram alvo de violência doméstica, um aumento de 47% em relação a 2013, de acordo com dados da polícia. A maioria das vítimas identificadas pelas autoridades foram mulheres: 277, ou seja, 66%. Os homens surgem em segundo lugar, com 132 casos, 31% do total, seguidos dos abusos contra menores, que envolveram dez crianças.

Também a nova base de dados existente no website da Comissão para os Assuntos das Mulheres (CAM), que reúne dados de 20 serviços públicos de Macau, divididos em oito categorias e que pretendem mostrar a situação global da população feminina no território, mostra que vários casos de violência contra o sexo feminino aumentaram entre 2013 e 2014. Só a violência doméstica teve um aumento de 19,26%, enquanto que os casos de violação aumentaram 37,5%.
* Todos os nomes das vítimas são fictícios, para protecção das mulheres que aceitaram contar as suas histórias ao HM

6 Jul 2015