Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesUm conto de duas cidades revisitado [dropcap]H[/dropcap]ong Kong e Macau regressaram à soberania chinesa há cerca de 20 anos. Macau pode não estar a passar a sua melhor fase e Hong Kong, está seguramente a passar uma das piores. O que acontecerá a estas duas cidades em 2020, irão melhorar ou piorar? Apenas os seus Governos e populações podem dar resposta a estas perguntas. O Artigo 2 do Capítulo 1 das Leis Básicas de Hong Kong e de Macau são iguais e estipulam “A Assembleia Popular Nacional da República Popular da China autoriza a Região Administrativa Especial de Macau/Hong Kong a exercer um alto grau de autonomia e a gozar de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância, de acordo com as disposições desta Lei”. Em nenhuma das duas Leis Básicas vem mencionado que o Governo Central tenha jurisdição global nas Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong. Mas o Artigo 1 do Capítulo 1, que estipula “As Regiões Administrativas Especiais de Macau/Hong Kong são parte inalienável da República Popular da China”, define a relação entre o Governo Central e as Regiões Administrativas Especiais. Se as Leis Básicas precisassem de realçar a jurisdição da China sobre estas regiões, de que é que serviria estabelecer o conceito de Região Administrativa Especial com um alto grau de autonomia, regida pelo princípio “Um País, Dois Sistemas”? As Leis Básicas de Hong Kong e Macau são semelhantes, mas no capítulo onde se lê Estrutura Política, nos Artigos 45 e 68 da Lei de Hong Kong vem claramente mencionado que o objectivo político a atingir é eleger o Chefe do Executivo e os membros do Conselho Legislativo através do sufrágio universal. É de lamentar que, quando o Governo de Hong Kong avançou com a reforma constitucional, a sociedade tenha levantado objecções à proposta do Executivo para “a escolha do Chefe do Executivo por sufrágio universal, após nomeação dos candidatos por um comité largamente representativo, de acordo com os procedimentos democráticos”. Devido às divergências, a questão acabou por ficar pendente da interpretação dos termos da Lei Básica pelo Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo e, desde então, toda a sociedade de Hong Kong tem disputado vários pontos de vista sobre a forma certa de obter “o sufrágio universal genuíno”. A luta de longa data entre os dois Chefes do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying e Carrie Lam, e os dissidentes, fez com que a sociedade ficasse cada vez mais dividida e os recentes episódios e violência e confrontação, mergulharam Hong Kong no caos. Apesar de tudo isto, os eleitores da cidade participaram em massa nas eleições distritais do passado dia 24, que funcionaram como uma espécie de referendo. Os resultados eleitorais são uma mensagem clara para o Governo Central, expressando a insatisfação da população quanto à actuação do Governo da RAE de Hong. Se os Governos central e local escutarem a voz da população e resolverem os conflitos sociais apropriadamente, Hong Kong libertar-se-á dos motins e do caos. Caso contrário não haverá forma de ultrapassar as fissuras sociais. A situação de Macau é oposta à de Hong Kong. O Chefe do Executivo designado, Ho Iat Seng, acabou de anunciar a lista dos dez principais dignatários, na qual se incluem seis novos nomes e quatro que vão ser reencaminhados nas suas funções. Aparentemente esta nova equipa vem com outras aspirações. Mas, segundo os números da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, a economia de Macau registou uma contracção anual de 4,5% em termos reais e nos primeiros três trimestres de 2019, a economia de Macau registou uma retracção homóloga de 3,5%, em termos reais. Os números da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos indicaram que a Receita bruta mensal dos jogos de fortuna ou azar, referentes ao Novembro de 2019 foi 22,877 milhões de patacas, apontando um decréscimo de 13.5% em relação a Outubro passado, e um decréscimo anual de 8.5%. Segundo as estatísticas de 2018, o peso do sector secundário (que inclui o sector da construção e da indústria de manufactura) no valor acrescentado bruto de todos os ramos de actividade económica (4,2%) diminuiu 0,9 pontos percentuais e o peso do sector terciário (que inclui lotarias, outros jogos de aposta e actividade de promoção de jogos e dos “hotéis e similares) cresceu 0,9 pontos percentuais, de 94,9% em 2017 para 95,8% em 2018. Por outras palavras, a estrutura sectorial de Macau está a tornar-se cada vez mais uniforme e está a ser progressivamente afectada por factores externos. Quando todos os esforços e todos os recursos estão concentrados numa área única, pode deitar-se tudo a perder quando sobrevém uma crise. Embora Hong Kong esteja actualmente submerso no caos, os problemas vieram à superfície todos de uma vez, o que realmente pode ser benéfico em termos futuros. As autoridades competentes deverão lidar com estas questões de forma correcta, que passará pela criação de um comité de investigação independente, por medidas que ponham fim à violência, pela substituição de altos funcionários inaptos e pela reabilitação da credibilidade do Governo. Acredito que desta forma a insatisfação da população irá desaparecendo e a tensão entre a polícia e os cidadãos também. Nessa altura, Hong Kong poderá ombrear com as maiores economias da Ásia. Quanto a Macau, poderá aproveitar a oportunidade apresentada pela mudança de Chefe do Executivo para solucionar os problemas de fundo, que se foram acumulando uns atrás dos outros ao longo 20 anos, e poderá evitar um possível desabamento sócio-económico.