Chumbos | Professores e responsáveis a favor de novas regras

Apesar da controvérsia, professores e responsáveis estão sintonizados quanto aos efeitos positivos do fim das reprovações no primeiro ciclo e da inclusão de taxas de retenção noutros anos escolares. A medida entra em vigor no ano lectivo 2021/2022

 

[dropcap]É[/dropcap] unânime entre professores e responsáveis de institutos de ensino de Macau. A medida que põe fim aos chumbos até à quarta classe e prevê taxas de retenção para outros anos escolares, tem, de um modo geral, efeitos benéficos para os alunos.

Em causa está o regulamento administrativo anunciado na passada semana pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) que estabelece o sistema de avaliação do desempenho dos alunos da educação regular de Macau, interditando as reprovações no ensino básico, da primeira à quarta classe. Além disso, o regulamento que entra em vigor no ano lectivo 2021/2022, determina que a taxa de retenção global não pode ser superior a 4 por cento no 5º e 6º ano e exceder 8 por cento no ensino secundário.

Manuel Machado, presidente da Escola Portuguesa de Macau (EPM) revelou ao HM ser “100 por cento a favor” da introdução das novas medidas, até porque, por norma, os chumbos são sempre entendidos como “situações de excepção”.

“Numa escola devemos trabalhar para que os alunos progridam de ano de escolaridade em ano de escolaridade. As retenções devem ser consideradas situações de excepção aplicáveis quando, juntamente com as famílias e os próprios alunos, se chega a conclusão que é vantajoso ficarem retidos mais um ano do que progredirem, isto falando apenas do 1º ciclo”, explicou.

Apesar de admitir que é importante “não generalizar” e haver situações em que o chumbo é eventualmente “benéfico”, o responsável aponta que é sempre preciso ponderar bem todos os motivos dessa discussão. Contudo, Manuel Machado diz-se “a favor da progressão”. “Uma escola de sucesso é uma escola em que os alunos progridem, não é uma escola em que os alunos ficam retidos”, referiu.

Sobre as taxas de retenção, Manuel Machado entende que as percentagens de 4 e 8 por cento são “balizas” que servem “para não permitir que as escolas ultrapassem um determinado número de alunos retidos”. “Mas, quanto menos melhor”, rematou.

Salto em frente

Também Ana Correia, directora da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de São José (USJ) considera a medida “muito necessária”. Sobretudo porque a abolição das reprovações nos primeiros anos de escolaridade já existe em muitos países e, em Macau, “havia uma grande ignorância e desconhecimento dos professores”, sobre os alunos com mais dificuldades na progressão da aprendizagem.

Para a também professora da USJ, o novo regulamento é bem-vindo, dado que a reprovação é um mecanismo de controlo que, a ocorrer, pode ser discriminatório e ter efeitos extremamente negativos para as crianças entre os 6 e os 10 anos.

“Quando se trata da avaliação no final do ano, estamos a falar de uma faceta mais negra da avaliação digamos assim, que é a do controlo e da quantificação. Esta avaliação implica a exclusão de alunos que acabam, muitas vezes, por abandonar o percurso escolar e levar ao fracasso, contribuindo para a estratificação social”, partilhou Ana Correia com o HM. “Faz sentido exercer este mecanismo de discriminação e exclusão quando as crianças ainda estão numa fase inicial do seu percurso escolar?”, rematou.

Além disso, aponta a professora, quando um aluno reprova, no ano seguinte, estará mais desmotivado, dado que, não só perdeu o grupo de amigos e a auto-confiança, como será também “estigmatizado em relação aos outros e, inclusivamente, pela família, que decepcionou”.

“Os efeitos psicológicos penalizam mais a criança do que ela passar de ano e manter o seu o grupo de amigos. Além disso, mesmo que a criança tenha fragilidades é obrigação do sistema e da escola encontrar recursos e estratégias para ajudar o aluno a crescer e a desenvolver-se”, acrescentou a académica.

Ana Correia acredita que a medida vai contribuir para que as escolas se foquem mais nos mecanismos destinados a ajudar os alunos, podendo dar também início a uma nova forma de encarar a pedagogia e as estratégias de ensino. Ou seja, para além da dimensão académica, a professora acredita que o novo regulamento pode abrir portas para que no futuro seja dada atenção, por exemplo, ao desenvolvimento motor, pessoal e social da criança.

“A medida só por si não significa que os alunos venham a saber mais, isto é apenas o princípio. Espero que as escolas façam o seu ‘trabalho de casa’, repensem a forma de ensinar e garantam que os alunos aprendem. A avaliação não pode ter apenas como objectivo a parte académica tem de incluir outras dimensões, como o desenvolvimento motor, pessoal e social da criança”.

A concretização desse objectivo está, na óptica da professora, dependente de cada escola, existindo ainda muito trabalho que “tem de ser feito ao nível da formação de professores”, já que “ainda há muito ensino tradicional em Macau centrado no professor”.

Pais mais activos

Sobre o maior envolvimento dos encarregados de educação previsto no novo regulamento, Filipe Regêncio Figueiredo, presidente da Associação de Pais da EPM, mostrou estar “bastante agradado”.

“Há um avanço grande neste regulamento administrativo, que passa pela promoção da presença dos encarregados de educação em toda a avaliação. Não só na parte negativa de poder pedir que o filho chumbe, mas também no facto de prever que encarregados de educação colaborem com a escola na definição de elementos de avaliação”, partilhou Filipe Regêncio Figueiredo.

Já quanto ao fim dos chumbos e taxas de retenção, o responsável lembra que em Portugal “também há restrições” e que, no caso do primeiro ciclo, a lei “privilegia a estabilidade emocional em virtude da aprendizagem”.

“Pondo-me a mim na posição de pai será sempre uma situação muito excepcional, porque acho que nenhum pai, por muita razão que a escola e os professores tenham em chumbar um aluno, gosta que o seu filho chumbe”, aponta.

Admitindo não saber como a medida vai ser recebida pelos pais da EPM, Filipe Regêncio Figueiredo espera agora que, após adequar os regulamentos de avaliação à luz às novas regras, a escola partilhe com os encarregados de educação “para que se pronunciem”.

Estudos académicos não invalidam impacto pedagógico de chumbos

Um pouco por todo o mundo a validade das reprovações no percurso escolar tem sido matéria de estudo académico e controvérsia. Qual o mérito dos chumbos e o seu impacto?

Em Portugal, foram realizadas várias investigações, com as conclusões a caírem para os dois lados da questão, ou para lado nenhum, demonstrando que a matéria está longe de ser taxativa.

O estudo com a conclusão mais dramática na panóplia de investigações analisadas pelo HM, foi conduzido numa universidade do Estado da Florida, nos Estados Unidos. O artigo compara a retenção de ano escolar a um dos eventos mais traumáticos da vida de uma criança, equivalente a perder um progenitor ou a ficar cego. Além dos pedidos para enumerar os eventos mais stressantes da vida de alunos do 1º, 3º e 6º ano, o estudo comparou o futuro dos que foram retidos e dos alunos que sempre foram aprovados, e concluiu que 93 por cento dos estudantes chumbados continuou a ter resultados escolares que reflectiram competências insuficientes sete anos após o ano da retenção.

Além disso, os dados de investigadores da Florida Gulf Coast University apontam para a maior probabilidade de alunos de minorias étnicas e jovens oriundos de famílias desfavorecidas em termos socioeconómicos serem reprovados, em comparação com os seus pares caucasianos oriundos de famílias de classe média-alta.

Um estudo publicado no Boletim Económico do Banco de Portugal, e comissariado pelo Conselho Nacional de Educação, alarga o espectro das razões além da origem e estatuto socioeconómico, para um fenómeno multidisciplinar, elencando “atributos individuais, de família e dos colegas”, como “importantes factores na explicação da repetência”.

A investigação pegou em dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da OCDE, para analisar os índices de retenção na escola pública de Portugal. Os investigadores concluíram que “a repetência em níveis iniciais do ensino básico produz um impacto negativo no desempenho numa fase mais tardia, o que sugere que haverá vantagem em implementar práticas alternativas de apoio aos alunos nesses níveis”.

Porém, o documento abre a porta à nuance, sem comprometimentos para um lado ou outro. Assim sendo, indica que “os efeitos de curto-prazo da repetência numa fase mais avançada do percurso escolar são, pelo contrário, positivos, embora de pequena dimensão, o que não parece questionar tal prática neste caso”.

Por outro lado

Um outro estudo, de 2018, da Universidade Nova de Lisboa destaca alguns aspectos positivos das reprovações, quando estatisticamente insignificantes, e efeitos negativos quando numericamente mais frequentes.

“O impacto da retenção precoce não é estatisticamente significativo ou tem uma pequena magnitude positiva. Considerando os altos custos de manter os alunos na escola por mais um ano, o pequeno benefício obtido com a retenção sugere que a repetição é uma ferramenta ineficaz para lidar com o baixo desempenho nos estágios iniciais.”

Além disso, o relatório da Universidade Nova conclui que os professores têm tendência para não reter alunos que já reprovaram em anos anteriores e que os rapazes têm maior propensão para chumbar do que as raparigas. Outros factores que aumentam a probabilidade de reprovação, são habilitações académicas da mãe do estudante que se resumem ao ensino básico e o aluno ser originário de um país lusófono.

30 Jul 2020

Chumbos abolidos ou limitados do ensino básico ao secundário

A partir do próximo ano lectivo terminam as reprovações até à quarta classe. Para os 5º e 6º anos o limite máximo de chumbos será de 4 por cento e para o ensino secundário oito por cento. O Governo anunciou ontem as medidas que procuram evitar que os alunos percam o interesse no ensino

 

[dropcap]P[/dropcap]assa tudo, a bem ou a mal. Segundo o regulamento administrativo que estabelece o sistema de avaliação do desempenho dos alunos da educação regular de Macau, as reprovações no ensino básico, da primeira à quarta classe, estão abolidas. Ou seja, todos os alunos serão automaticamente aprovados, de ano para ano.

A novidade foi anunciada ontem, em Conselho Executivo, pelo porta-voz do organismo e secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, e pelo director dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), Lou Pak Sang e aplica-se a partir do ano lectivo 2021/2022.

O fim dos chumbos no ensino básico foi justificado pelo director da DSEJ com o desenvolvimento das crianças que frequentam este grau educativo e pelo pulo cognitivo e lógico que uma criança dá por volta do 4º ano de escolaridade. Reter um aluno nessa altura poderia ser contraproducente. “O quarto ano é essencial, dá-se uma grande alteração ao nível cognitivo e da lógica”, referiu Lou Pak Sang.

A decisão da DSEJ resultou de um relatório elaborado por uma comissão depois de visitas e reuniões com entidades congéneres de regiões vizinhas e nas observações dos sistemas de ensino tidos em consideração. Lou Pak Sang, sem referir as regiões envolvidas, adiantou que foram tidas em conta as vantagens e desvantagens deste sistema até se chegar ao regulamento apresentado ontem.

Outra novidade, é o peso da intervenção dos encarregados de educação que podem solicitar a retenção, com a autorização as escolas, por exemplo, se o aluno tiver faltado muito às aulas.

Para os 5º e 6º anos lectivos, a taxa de reprovação máxima é de 4 por cento dos alunos da escola, enquanto para o ensino secundário é 8 por cento. Em ambos, podem abrir-se excepções, caso a escola e os encarregados de educação entendam que o chumbo terá efeitos positivos no desenvolvimento educativo do aluno.

Especiais e retidos

Lou Pak Sang entende que o aluno não tira vantagens por ser retido um ano e aponta que um dos objectivos deste regulamento foi “controlar a retenção num nível justo para que os alunos possam consolidar a sua base” e que, se os chumbos se alargam nos anos, “os alunos podem perder o interesse na aprendizagem”.

Ontem foi também apresentado o regulamento administrativo do regime do ensino especial, que vem actualizar disposições em vigor há mais de 20 anos.

O regulamento distingue três graus de aluno de ensino especial. Os que estão em educação inclusiva (com objectivos curriculares basicamente iguais aos alunos da educação regular), os alunos de turmas pequenas de ensino especial e alunos das turmas do ensino especial. A distinção entre as duas últimas categorias encontra-se ao nível dos objectivos curriculares. Os alunos das pequenas turmas têm como missão “adquirir conhecimentos, desenvolver capacidades e atitudes fundamentais e factores imprescindíveis para se poderem dedicar a uma profissão. Os alunos das turmas de ensino especial, que sofrem de problemas mais severos, têm como objectivo adquirir capacidade para viver autonomamente, assim como competências técnico-profissionais e atitudes básicas.

Foi também criado e definido o conceito de aluno sobredotado. Nesse sentido, o director da DSEJ referiu que é necessário “seleccionar estes alunos e avaliar as suas potencialidades, permitir que desempenhem as suas próprias capacidades, e observar qual a área em que têm mais vantagem e talento.” Lou revelou ainda que em 2015 havia em Macau 38 escolas que ministravam ensino inclusivo, número que aumentou para 43 estabelecimentos no actual ano lectivo e que subirá para 48 escolas no próximo ano. Quanto ao número de turmas de ensino especial são no total 841.

24 Jul 2020

Ensino | Proposta alteração que limita a repetição de anos escolares

Depois da consulta ao sector do ensino, as regras estão alinhavadas. Os alunos do ensino primário poderão não reprovar e, nos anos seguintes, será difícil ficarem retidos. A ideia foi discutida ontem na reunião do Conselho de Educação para o Ensino Não Superior

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ensino primário pode vir a decorrer sem que se registem alunos reprovados. A ideia pode fazer parte da minuta para a criação de um regulamento administrativo, tendo em conta a recolha de opinião relativa ao “sistema de avaliação do desempenho dos alunos da educação regular do regime escolar geral”.

De acordo com a coordenadora da inspecção escolar, Wong I Lin, a consulta acerca da matéria, realizada entre Outubro e Dezembro do ano passado, reuniu 654 opiniões. O resultado foi uma demonstração de preocupações relativas à repetição de ano e à execução da avaliação dos estudantes.

Depois da reunião plenária de ontem, o Conselho de Educação para o Ensino Não Superior vai avançar com uma proposta de alteração relativa às preocupações demonstradas.

A ideia não é definitiva e pode passar pela passagem sem chumbos dos alunos do ensino primário. Poderão existir excepções, sendo que o professor terá de fazer um pedido a justificar a necessidade de retenção do estudante por mais um ano. Do pedido, disse Wong I Lin, pode constar uma apreciação da actividade do aluno em aula, ao seu comportamento, a assiduidade e a idade.

Já no quinto e sexto anos, os chumbos não podem ultrapassar os quatro por cento, enquanto os ensinos secundário e secundário complementar só vão poder reter no mesmo ano até oito por cento dos estudantes. Em números, “numa turma de 25 alunos do 5.º ano pode ser retido um, e numa turma do 8.º com o mesmo número de estudantes podem ser chumbados até dois alunos”, disse Wong I Lin.

Passagem controversa

A responsável manifestou ainda que “há alguma reserva por parte do conselho quanto à isenção de repetição de ano para os alunos da primeira à quarta classe”, na medida em que, refere, “há situações em que os alunos o querem fazer”. Estes casos também poderão ser submetidos a um pedido de autorização endereçado à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), disse.

Ainda em relação aos estudantes do ensino não superior, a reunião de ontem tratou das divergências no que respeita aos conteúdos a serem alvo de avaliação.

Se há quem se manifeste a favor de uma avaliação diversificada que tem como objectivo diferentes actividades dos estudantes, há também, dentro do Conselho de Educação para o Ensino Não Superior, quem considere que a prova escrita deve ser o mais importante. A razão, apontou Wong I Lin, é ser “um método objectivo em que as respostas ou estão certas ou erradas”. “Já na avaliação diversificada podem existir casos de injustiça”, afirmou.

Formação docente

As horas investidas pelo pessoal docente em actividades de desenvolvimento profissional vão ser alvo de contabilização. A ideia vai ser levada a consulta pública e o objectivo é que, com uma quantificação objectiva e rigorosa, a participação neste tipo de actividades venha a integrar os critérios de subida na carreira.

De acordo com o chefe de departamento de estudos e recursos educativos da DSEJ, Wong Kin Mou, para a subida de escalão, além do tempo de serviço, será necessária a presença comprovada em acções de desenvolvimento profissional. Na prática, para subirem de escalão, além do tempo de carreira exigido, os docentes têm de ter frequentado 30 horas anuais de formação.

As actividades em causa estão agrupadas em duas categorias: as promovidas pela DSEJ e as promovidas pelas próprias escolas.

O conteúdo do texto elaborado pelo Conselho Profissional do Pessoal Docente foi discutido na reunião plenária e irá passar agora pelas escolas e demais sectores ligados à educação para recolha de opiniões.

Antes da reunião de ontem foi celebrada a assinatura do protocolo entre o Governo e a Diocese de Macau que prevê a integração das três escolas do Colégio Diocesano de São José no sistema de escolaridade gratuita. Actualmente, são 57 as escolas privadas que estão no sistema.

 

Escola Pui Tou com novas instalações

A Escola Pui Tou vai ter um terreno para novas instalações. A informação foi ontem tornada pública numa cerimónia que antecedeu a reunião plenária do Conselho de Educação para o Ensino Não Superior. No total, são mais de mil metros quadrados, na Taipa, para a construção de mais de 40 salas de aula. “A ideia é a construção de 45 salas de aula e a integração da escola primária e infantil”, disse a directora dos Serviços de Educação e Juventude, Leong Lai. As novas instalações vão poder receber até 945 alunos, e aumentar o número de turmas de 17 para 27. A acção integra o projecto “Céu Azul”, que visa retirar gradualmente as escolas que se encontram a funcionar em pódios. O projecto poderá demorar mais de dois anos a ser construído e ainda não tem orçamento.

16 Jun 2017