Centros de explicações | Estudo fala de “indústria sombra” no sector educativo

Nos últimos anos, os centros de explicações multiplicaram-se em Macau. Os alunos procuram tirar dúvidas geradas num sistema de ensino tradicional, mas também para passar tempos livres devido à excessiva carga horária dos pais. Estas são algumas das conclusões de um estudo de Alberto Pablo, docente da Universidade Politécnica de Macau

 

Em Macau é comum inscrever um filho num centro de explicações, sobretudo para tirar dúvidas sobre a matéria abordada nas salas de aulas ou para passar tempo livre enquanto os pais estão a trabalhar. Alberto Pablo, docente da Universidade Politécnica de Macau (UPM), realizou um estudo sobre o fenómeno da proliferação de centros de explicações em Macau e a sua sobrevivência durante a pandemia, intitulado “A influência dos centros de explicações – Sistema social de educação não superior de Macau em tempos de crise pandémica da covid-19”. O artigo foi publicado na edição de Março da revista académica “Sociologia – Problemas e Práticas”.

O estudo concluiu que os centros de explicações no território constituem “um grande negócio para o sector educacional não formal privado, que toma mesmo a forma de uma outra indústria educativa à sombra da educação escolar formal”. Estes espaços, que obrigam a uma despesa familiar adicional, servem também “como local absolutamente necessário para ‘depositar’ filhos e filhas que, além do apoio educativo, recebem também alimentação, cuidados e transporte”.

A prestação destes serviços adicionais é indicada como um trunfo preponderante para a sobrevivência durante a pandemia. Aliás, é descrito que “as salas de explicações locais se adaptaram bem mais rapidamente ao impacto económico da crise pandémica”, tendo sido pagos, na maioria, pelas oito mil patacas dos cartões de consumo atribuídos aos residentes pelo Governo neste período.

O autor escreve ainda que “contrastando com muitas lojas comerciais, pequenos restaurantes, agências de viagens e outras pequenas e médias empresas que desapareceram, provavelmente sem retorno, com a crise pandémica de covid-19, não consta nem se anunciou o encerramento de qualquer espaço de explicações e apoio educativo”. Segundo o académico isso demonstra que é uma “indústria próspera, mesmo em períodos com os piores ‘ventos e tempestades'”.

Porquê ter explicações?

Os inquéritos realizados para este estudo realizaram-se a partir de 9 de Janeiro de 2020 a estudantes do ensino superior de Macau, residentes permanentes, que frequentaram o ensino secundário e complementar em escolas privadas e que fizeram os exames de acesso à universidade.

O autor quis analisar, em parte, porque os alunos e encarregados de educação optam pelos centros de explicações. Um total de 90 inquéritos online gerou 78 respostas escritas válidas, correspondendo a 87 por cento do total. Houve ainda 12 estudantes que não responderam por não terem frequentado estes centros com regularidade ou por “completo desinteresse pelo tema ou dificuldade em escrever respostas pessoais às perguntas solicitadas”.

Em 78 respostas validadas, 28 alunos disseram ter recorrido aos centros para ter explicações de matemática ou de uma língua não materna, enquanto 26 o fizeram para se preparar para testes e exames. Apenas 11 estudantes usaram os centros de explicações para ocupar os tempos livres, enquanto que oito procuraram melhorar as notas na escola. Apenas cinco estudantes foram a centros de explicações para “recuperar de resultados negativos”.

O estudo de Alberto Pablo indica que a escolha dos centros de explicações prende-se com lacunas existentes no próprio sistema de ensino, em que os alunos sentem dificuldades em colocar questões ou dúvidas na sala de aula.

“A totalidade das respostas repetiu a conhecida impossibilidade de se levantar questões e pedir esclarecimentos durante as aulas da escolaridade formal por imperar sempre algum tipo de constrangimento em relação à autoridade dos docentes, os quais não dispunham de tempo suficiente ‘para ler os manuais’ ou os ‘powerpoints’ (na verdade, um texto projectado)”. Assim, “não restaria espaço lectivo para atender e resolver dúvidas pessoais dos alunos”.

O caso da EPM

O estudo refere o caso dos alunos do ensino secundário da Escola Portuguesa de Macau (EPM), que “destacaram a frequência regular de explicadores particulares – por vezes professores ou ex-professores da própria escola – a quem pagavam entre 300 e 500 patacas por hora, recebendo geralmente seis horas semanais, ou mais, de explicações de português e matemática”.

Alberto Pablo entende afirma que são “montantes pecuniários bastante elevados, mesmo para os padrões económico-sociais de Macau, rondando uma média mensal muito expressiva e onerosa entre 5.000 e 12.000 patacas por estudante, valor que normalmente duplica em função da família nuclear dominante de dois filhos”.

Os estudantes das escolas chinesas privadas, cujos inquiridos dizem ter frequentado centros de explicações durante 20 e 28 horas semanais, entre segunda-feira e sábado, três a quatro horas por dia, mediante pagamento mensal de cinco mil patacas.

O estudo destaca, ainda quanto aos resultados, “o número significativamente baixo de inquiridos que recorreu aos centros de explicações para contrariar o que se poderia designar como insucesso escolar”, apenas cinco alunos. Verifica-se ainda “a quantidade pouco expressiva de inquiridos que procuraram apoio extraescolar por terem obtido resultados ‘baixos’ nas avaliações formais escolares”, ou seja, apenas oito, dez por cento do total.

Desta forma, “69 por cento dos inquiridos frequentaram regularmente espaços de explicações durante o período da escolaridade secundária e complementar obrigatória para preparar testes e exames, mas mais ainda para recuperar de dificuldades e disfunções na aprendizagem nos domínios da matemática e língua não materna”. Segundo Alberto Pablo, a grande dificuldade reside no “inglês falado e escrito”.

Uma mentalidade própria

O estudo demonstra que os centros de explicações são um sector à margem do ensino formal porque os estudantes do ensino não superior são “‘empurrados’ para recorrerem regularmente” a estas instituições, devido à existência de um “sistema de ensino muito tradicional, factual e positivista, orbitando o manual, a memorização, testes e exames recorrentes”.

Há ainda uma carga social e cultural em torno destes centros, porque, como refere o autor, estes estudantes “são socialmente ‘obrigados’ a marchar diariamente depois do fim das aulas escolares porque os seus pais e encarregados de educação trabalham por turnos nos casinos e afins, cumprem jornadas intensivas de trabalho, mantém pequenos comércios abertos todo o dia ou labutam nas áreas da intermediação e do transporte”.

Tal faz com que os pais não tenham “tempo útil disponível para dedicar aos problemas de escolaridade dos seus educandos”, que ficam “entregues ao cuidado geral dos centros de apoio extralectivos”.

Mas mais do que dar resposta às famílias com horários laborais intensos, os centros de explicações têm muita procura graças à “mentalidade cultural dominante entre as famílias chinesas de Macau, que confiam quase exclusivamente a promoção social futura ao sucesso na escola no presente”.

Pouca transparência

O trabalho de Alberto Pablo descreve também que “a esmagadora maioria dos centros de explicações não apresenta organização clara, métodos pedagógicos ou planos didáticos”, sendo que o investigador também não conseguiu ter acesso a relatórios de contas e actividades que “não são conhecidos”.

“É difícil chegar aos responsáveis por estes espaços – acreditando que os há – sendo ingrata a tarefa de questionar, o que gera desconfianças inultrapassáveis”, refere-se. Os centros de explicações são, assim, um “peculiar mercado de trabalho”, e é “muito difícil de apurar e mesmo de estimar”, pois integra “diferentes trabalhadores com escolas formais, associações, empresas e intermediários”.

Estes permanecem “neste lucrativo campo cultivado pelas ‘explicações’ à sombra também das patacas pingues de Macau”. Além disso, o Governo “continua a certificar e subsidiar os espaços de explicações sem cuidar de fiscalizar as habilitações académicas necessárias do pessoal de apoio pedagógico”.

Local e não global

Se a pandemia trouxe o debate em torno da digitalização do ensino, a verdade é que não levou à modernização do sistema em vigor nos centros. “A maior parte destes espaços privados foi mesmo incapaz de evoluir no sentido das soluções ‘globais’ online, antes pressionando política e socialmente para um rápido regresso à sua actividade de ‘explicações’ habitual.”

Assim, conclui-se que “a multiplicação dos espaços de explicações [em Macau] é, sobretudo, um processo de localização”, não se conseguindo adaptar a novidades curriculares à escala global.

Em Macau, os centros apresentam “características muito próprias”, e são um sector “hostil a algumas futuras formas de transnacionalização da educação não superior, dos currículos às avaliações”, além de “hostil também a algumas modalidades de globalização dos sistemas educativos de aprendizagem”.

Esta localização dos centros explica-se ainda “pela sua especial capacidade de continuar a prosperar apesar dos devastadores efeitos da pandemia na economia de Macau”.

Existem actualmente no território 558 empresas com alvará de centros de explicações, um número bastante mais elevado em relação às 77 escolas existentes, dez delas públicas. As instituições de ensino são frequentadas 75 mil alunos, 96 por cento deles matriculados em escolas privadas.

18 Abr 2024

Centros de explicações | Governo vai permitir licenças provisórias de funcionamento 

As autoridades vão emitir licenças provisórias de 180 dias para que os centros de explicações possam ter receitas para suportar os custos das rendas. Os centros passam a ter de fechar às 22h e a avisar o Governo com 30 dias de antecedência da alteração dos valores cobrados aos pais

 

Os centros de explicações vão poder operar, com a nova lei, com uma licença provisória de funcionamento. Com esta medida, o Governo pretende flexibilizar o sistema e garantir que as empresas que gerem estes espaços educativos possam operar e receber receitas assim que começam a pagar renda.

A informação foi divulgada ontem pela deputada Ella Lei, no âmbito de uma reunião da primeira comissão da Assembleia Legislativa, e que discutiu, na especialidade, a proposta de lei da actividade dos centros particulares de apoio pedagógico complementar do ensino não superior.

“Se o centro reunir todos os requisitos de segurança poderá ter uma licença provisória de 180 dias, renovável. Depois, será destacado o pessoal para fiscalizar as condições do local. Poderá existir a emissão da licença definitiva, mas, caso [não haja condições], o centro não poderá funcionar”, explicou a deputada.

Com esta alteração, as autoridades pretendem “facilitar a vida dos interessados”. “Vai ainda ser disponibilizada ao sector uma consulta gratuita sobre as informações para a abertura de um novo centro de explicações”, acrescentou a deputada.

Novo horário

Com a nova lei fica também determinado que os centros de explicações passam a funcionar entre as 8h e 22h, passando as empresas gestoras a estar obrigadas a informar a Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) da alteração dos valores cobrados aos pais das crianças.

“No passado houve queixas apresentadas pelos pais sobre a falta de clareza das taxas. Há que existir um equilíbrio entre os interesses de ambas as partes. Se as taxas forem alteradas rapidamente, os pais podem não ter a opção de escolher outras soluções”, adiantou Ella Lei.

As autoridades disseram também que as taxas dos centros de explicações “devem ser informadas de forma transparente, com uma comunicação antecipada à DSEDJ, para que haja um equilíbrio”.

Relativamente às restantes regras de funcionamento dos centros de explicações, o Governo não quer uniformizar algumas matérias tendo em conta as alterações súbitas em contexto de pandemia.

“Não há normas claras sobre o número de alunos admitidos. Há questões sobre o facto de não haver normas para a definição das áreas úteis e a altura do estabelecimento. O Governo disse que não é adequado prever esses pormenores numa lei, pois, por causa da pandemia, por exemplo, as regras podem ser alteradas de acordo com as circunstâncias”, frisou a deputada.

O número de alunos a integrar num centro de explicações não será, assim, definido apenas pela DSEDJ, mas por quatro serviços públicos. Ainda assim, o Governo prometeu uniformizar alguns padrões e critérios. Segundo a presidente da primeira comissão, no passado “o sector [queixou-se] de que houve problemas na execução da lei, de não haver normas padronizadas”. “Pedimos ao Governo para definir essas regras de forma mais clara. Os serviços competentes destacam os fiscais para se deslocarem a estes locais, mas às vezes os padrões são diferentes”, concluiu Ella Lei.

Zona A | Governo confirma construção de nove escolas

Lou Pak Sang, director da Direcção dos Serviços de Educação e Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ), adiantou que serão construídas nove escolas na zona A dos novos aterros. O responsável falou aos jornalistas à margem da reunião de comissão do hemiciclo sobre a proposta de lei que regula os centros de explicações. O responsável disse ainda que a manutenção do plano de construção de escolas no terreno do antigo Canídromo ia levar mais tempo.

“A zona A dos novos aterros já está na fase de concepção, isso significa que vai demorar mais tempo”, explicou. Lou Pak Sang avançou ainda com alguns detalhes sobre as novas construções, referindo que nem todas as escolas localizadas em pódios de edifícios, integrantes do projecto “Obra de Céu Azul” vão para a zona A. Algumas serão transferidas para a zona norte da península de Macau.

14 Jan 2022

Centros de Explicações | Condenados por crimes de droga excluídos

Deputados e Governo determinam que quem cometeu crimes relacionados com droga é incompatível com a prática de actividades em centros de Explicações. A medida inclui criminosos reabilitados e é adoptada para “proteger as crianças”

 

Os condenados pelo crime de consumo de estupefacientes ficam proibidos de desempenhar funções nos centros particulares de explicações. A proposta está a ser discutida pelos deputados na especialidade e faz parte da “lei da actividade dos centros particulares de apoio pedagógico complementar do ensino não superior”.

Segundo a explicação da deputada e presidente da 1.ª Comissão Permanente, Ella Lei, para os centros obterem uma licença de funcionamento, quem desempenhar cargos de administração, coordenador dos centros, “agentes de apoio pedagógico” ou de “agentes de recepção de alunos” tem de ser considerada uma pessoa idónea.

Entre as características que o diploma define como idoneidade, consta que não pode ter havido qualquer condenação pelo consumo de estupefacientes, um crime punido com pena de prisão de três meses a um ano. E a proibição de exercer as funções mencionadas continua em vigor, mesmo depois de os prevaricadores terem sido “reabilitados nos termos legais”.

“O Governo que proteger os menores, ou seja, as crianças e por isso quer implementar medidas mais rigorosas”, explicou Ella Lei. Os deputados estão em sintonia com a proposta: “Queremos mesmo proteger as crianças. Quem tiver praticado esses crimes, não pode exercer funções no centro de explicações.”, justificou.

Dados escondidos

Após a reunião, entre os deputados e representantes dos Governo, que contou com a presença da secretária para os Assuntos Sociais e Justiça, Elsie Ao Ieong U, os legisladores não deixaram de se mostrar preocupados. Em causa, está o facto de um crime praticado por uma pessoa reabilitada poder desaparecer do registo criminal. “Alguns crimes deixam de constar no registo criminal, por isso, perguntámos ao Governo como é que se pode saber das condenações nesses casos”, explicou Ella lei.

O mesmo regime aplica-se a outros tipos de crimes como o tráfico e produção de estupefacientes. Fora do campo das drogas, quem tiver praticado crimes de violência doméstica, contra a vida, integridade física, liberdade e autodeterminação sexuais, ou qualquer delito com uma pena superior a três anos e transitada em julgado, fica igualmente excluído destas profissões.

Também ontem, os deputados discutiram com o Executivo o cargo de coordenador dos centros de explicações, ou seja, a pessoa responsável pelo pessoal e os assuntos relacionadas com o centro. De acordo com as informações trocadas entre deputados e Governo, chegou-se à conclusão que a função não tem de ser desempenhada a tempo inteiro. Por outro lado, os deputados pediram ao Governo para que equacione criar cursos de formação específica para esta posição.

11 Jan 2022

Deputados querem aumentar segurança nos centros de explicações

A garantia da segurança física e psicológica é a principal preocupação dos deputados que estão a analisar a lei da actividade dos centros particulares de apoio pedagógico complementar. O objectivo foi traçado por Ella Lei, presidente da 1.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, após a reunião de ontem.

“No nosso encontro de hoje [ontem] discutimos a questão do número mínimo de alunos para que os centros estejam regulados pela lei. A proposta do Governo diz que os centros são abrangidos se tiverem pelo menos cinco alunos”, começou por destacar Ella Lei. “Mas, e os centros com menos de cinco alunos, com por exemplo três? Ficam num vazio legal e fora da regulamentação? São vários os deputados preocupados porque o essencial é garantir a segurança e a integridade física e psicológica dos alunos”, justificou.

Com a proposta, espera-se também afastar dos centros os funcionários que tenham sido condenados por crimes de violência doméstica e crimes sexuais. O assunto esteve ontem em cima da mesa, mereceu grande atenção, e é visto como um dos requisitos mais importantes para que os centros possam ser licenciados para o exercício da actividade pelo Governo.

O nome das coisas

Ainda para assegurar o bem-estar dos alunos do ensino não-superior há mais aspectos da lei que colocam reservas aos legisladores, como a exigência de condições de iluminação e ventilação “adequadas”. Segundo os membros da comissão, a definição do diploma é demasiado geral.

“Na proposta de lei consta que as instalações dos centros têm de ser adequadas ao nível da iluminação e ventilação, para assegurar a integridade dos alunos. Só que nos parece que o texto deve ser mais concreto nas exigências face a estes aspectos e ao que se entende pelas condições adequadas”, justificou.

Os temas em discussão identificados nesta primeira reunião interna, que só envolveu deputados, vão ser levantados junto dos representantes do Governo, numa próxima reunião que deve ser agendada rapidamente.

24 Nov 2021