Ó raparigas do meu bairro!…

Curioso inquérito realizado há algum tempo na Universidade de Macau às raparigas: o sonho de quase todas é casar, ter filhos e tomar conta do lar. Portanto, estas candidatas a fadas (do lar), se puderem, não tencionam seguir uma carreira, dedicar-se a uma profissão, no fundo, ter uma individualidade social. Convenhamos que este tipo de desejos não parece estar muito de acordo com o espírito do tempo. Ou será que está?

No Ocidente, desde o século XX que a mulher tem vindo a ocupar um lugar importante no plano da produção. Há mesmo quem diga que a superioridade ocidental passou, em grande parte, por ter aproveitado a força de trabalho feminina ao invés de as deixar em casa a tomar conta dos filhos e outras actividades domésticas. O escritor marroquino Tahar ben Jalloun diz que o seu país conhecerá um desenvolvimento sem precedentes no dia em que as mulheres ocuparem o espaço público, na medida em que lhes reconhece uma capacidade de trabalho, de organização e seriedade que não encontram na sua contraparte masculina.

Contudo, a saída da “casca” das mulheres não deixou de ter efeitos que alguns consideram negativos, nomeadamente na educação das crianças, cuja emotividade se desenvolverá de modo bem diferente sem a constante presença das mães. O curto tempo de amamentação provoca também, segundo a psicanálise, o aumento de carências orais, que se reflecte mais tarde em numerosos vícios, adicções e comportamentos violentos. Seja como for, não passa quase pela cabeça de ninguém inverter o actual estado das coisas. Ninguém (ou muito poucos) pensará em remeter as mulheres à vida que levavam no passado e ninguém ousaria imaginar que seriam as próprias mulheres a prescindir do seu actual estatuto e desempenho para se remeterem ao remanso do lar.

Pois em Macau, pelos vistos, a coisa não funciona como se esperaria. O mulherio, longe de pretender dedicar-se à política, às finanças, ao ensino ou ao comércio, parece mais inclinado a deitar fora as conquistas do seu sexo e voltar à vidinha doméstica que durante tantos séculos foi seu apanágio e destino. Por quê? É caso para perguntar.

Estarão as raparigas da universidade muito à frente ou muito atrás? Serão estas moçoilas de Macau uma vanguarda conservadora no mundo contemporâneo ou umas atrasadas mentais, preguiçosas e fúteis? Terão as mulheres de hoje chegado à conclusão que a vida de antes era melhor e mais eficiente, no cômputo geral, ou não estão simplesmente para a agarrar pelos cornos, preferindo agarrar os do marido, afinal mais manso que a vida? Pois não sei. Mas é caso para reflexão. E devia ser mais ainda por parte dos responsáveis políticos por esta terra, na medida em que assistem ao produto da educação que lhes proporcionaram e do ambiente cultural e social de que as rodearam. Numa palavra: são estas as mulheres que queremos?

É certo que o modelo tai-tai (mulheres casadas com um marido rico, viciadas em compras e beauty care) tem grande projecção em Hong Kong e por extensão em Macau. Mas estas senhoras têm, em geral, muito pouca educação e são, afinal, gozadas um pouco por toda a sociedade que lhes reconhece os ultrajantes tiques de futilidade. As tai-tai, sobre as quais existem dezenas de anedotas, não deveriam ser invejadas, mas constituir um modelo daquilo que as raparigas de hoje não querem ser. Não é que eu considere que o trabalho dá dignidade, mas a independência sim e ser dependente de um outro ser humano, nomeadamente do ponto de vista financeiro é, no mínimo, confrangedor.

Não chega por isso utilizar o modelo tai-tai para explicar as respostas das moças de Macau. Existe, isso sim, aqui um culto da preguiça e do dolce far niente que este regime casinodependente tem vindo a reforçar. As consequências não tardam em chegar. Elas são profundas, são mentais, duram gerações. Se o governo não implementar políticas de dignificação do ser humano em breve terá nos seus braços uma sociedade de inúteis e atrasados mentais. Desde o tempo dos portugueses que venho avisando neste sentido, agora o resultado começa a estar à vista.

Ó raparigas do meu bairro! Vamos lá a ter outro tipo de atitude! Deixem lá os cornos do gajo e agarrem os da vida! No fim, no finzinho, garanto que vale a pena. Se a vossa alma não for pequena. Se for, OK; regridam que daí não virá um mal especial ao mundo.

2 Jul 2023

Mulheres no topo, mas também em baixo

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje em dia há muitos casos reais e evidências que mostram que as mulheres têm mais habilitações do que os homens, sobretudo no mercado de trabalho. Muitas delas têm qualificações académicas mais altas, ocupando um maior número de cargos de destaque na carreira. Outras têm salários mais elevados em relação aos seus maridos, enquanto que muitas continuam a acreditar que ser mãe e dona de casa é um papel importante.

As razões são variadas. Pelo que observo, em Macau, nas escolas as meninas parecem ter mais vontade de estudar, são mais pacientes e concentradas na aprendizagem, enquanto que os rapazes tendem a ser mais activos e movimentados. Isto corresponde à ideia tradicional de comportamento muito presente na sociedade chinesa, que predomina ainda nas gerações dos avós e pais – as meninas são consideradas mais obedientes, enquanto os rapazes devem ser mais brincalhões. Claro que haverá excepções.

O que acabei de escrever pode muito bem ser um exemplo das conclusões de 2015 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, sigla em inglês), onde participaram mais de 4400 estudantes do ensino secundário de Macau, nascidos após o ano de 1999. A avaliação mostra que tanto na literacia em ciência, como na matemática e leitura, as notas das alunas sempre são melhores do que as dos alunos. Os investigadores apontaram que embora essa disparidade de género tenha tido uma melhoria comparando com os anos anteriores, a realidade é que os desempenhos das raparigas ultrapassam quase sempre os dos rapazes.

Este fenómeno é interessante. Desde que me lembro, falar da desigualdade de género remete para a questão das mulheres serem consideradas mais baixas, mais fracas em relação aos homens, mas a realidade pode ser bem diferente. As mulheres podem ser muito mais capazes.

Sendo do sexo feminino, sinto-me orgulhosa de ver que, nos dia de hoje, as mulheres ocupam cada vez mais lugares importantes na sociedade, lugares iguais aos que são ocupados pelos homens, ou mesmo superiores. Por outro lado, sinto-me triste quando o lado mais comum abordado na desigualdade de géneros persiste, sobretudo nos casos em que os homens tratam as mulheres como se pertencessem a uma classe inferior. Não as tratam sequer como pessoas, ameaçam-nas, agridem, maltratam.

A implementação da lei da violência doméstica em Macau fez-nos perceber a existência destes casos pouco humanos e de maus comportamentos dos homens em relação às mulheres. A lei entrou em vigor há poucos meses, mas já foram noticiados sete casos onde as vítimas eram agredidas há vários anos.

Na maioria das vezes as vítimas são imigrantes do interior da China que conseguiram ficar a viver em Macau por casarem com um homem portador do BIR. Numa situação como esta as mulheres pensam que a sua vida depende do marido, devendo ser obedientes, mesmo que esteja em causa um sofrimento constante.

O surgimento de casos de violência doméstica noticiados nos meios de comunicação social mostra, por outro lado, a coragem que as mulheres conseguiram ter para denunciar as situações de que eram vítimas.

Tanto em lugares mais altos como mais baixos, continua a existir homens que descriminam e não compreendem, que consideram que as mulheres não devem ganhar mais dinheiro do que eles, que devem ficar em casa a tratar dos filhos. É crítico o facto de muitos homens continuarem a acreditar em conceitos tradicionais.

10 Fev 2017