Fai Chi Kei | Remoção de árvores leva Governo a desculpar-se

O secretário para a Administração e Justiça reconheceu a existência de falhas na retirada de várias árvores da Zona do Fai Chi Kei, onde vai ser construída uma caixa de retenção de água para evitar as cheias

 

A remoção de várias árvores na Rua do Comandante João Belo, no Fai Chi Kei, gerou várias críticas e o Governo reconheceu ter falhado na altura de comunicar com a população. Na sexta-feira, numa conferência de imprensa do Conselho Executivo, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, fez um ponto de situação dos trabalhos de retirada das árvores para a instalação da caixa de retenção de água (box-culvert) e pediu desculpas à população.

“Tenho de pedir desculpas a todos [devido ao corte das árvores], porque houve realmente um vício nas operações. Não houve uma comunicação, nem um esclarecimento atempado junto da população”, afirmou André Cheong, que é igualmente porta-voz do Conselho Executivo.

Em relação ao futuro, o governante reconheceu existir a necessidade de fazer uma revisão do “vício nos procedimentos operacionais”.

Morrer de pé

O secretário justificou depois a opção de cortar as árvores. Segundo o esclarecimento, o “Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) está a construir, de forma faseada, a estação elevatória e box-culverts na baía norte do bairro Fai Chi Kei”. A reboque destes trabalhos, também está a ser alargada a “via de trânsito junto da Rua do Comandante João Belo, a fim de aperfeiçoar as condições de trânsito na zona”.

Durante os trabalhos foi feita uma “avaliação técnica” que levou a que apenas duas árvores fossem aproveitadas. “Após uma avaliação técnica, apenas duas [árvores] foram consideradas com valor de transplantação sendo que as outras casuarinas remanescentes foram retiradas porque já entraram em estágio de declínio, assim como pela redução das suas funções de protecção solar”, apontou André Cheong. “Fizemos uma avaliação das árvores e em termos de arborização não merecem ser removidas para outro local, por isso foram cortadas”, foi frisado.

No entanto, quando os trabalhos forem concluídos, o responsável prometeu que “os serviços competentes irão plantar árvores mais adequadas ao ambiente da zona, com melhor função de protecção solar”.

Canídromo esta semana

O projecto para o terreno do Canídromo e do Centro Desportivo Lin Fong vai ser apresentado esta semana. O anúncio foi feito por André Cheong, que não revelou mais detalhes. No passado, foram vários os pedidos de construção de espaços para escolas no local. Além disso, também nesta semana vai ser apresentado o projecto para a construção de um campo de actividades juvenis em Hac-Sá e o plano de melhoria das instalações da Barragem de Hac-Sá.

16 Jul 2023

E depois das árvores

[dropcap]O[/dropcap]u o orangotango e o escaravelho. Em subtítulo e como uma fábula encarnada por esse estranho par da floresta. Um, nos píncaros das árvores, o outro a rolar bolas de estrume, muito abaixo. Essenciais.

Horas passadas em frente a um ecrã a trabalhar, fechada em casa nesta consciência de que tem que ser e de que sei a razão. Ao contrário dos bichos. Isolados pela desflorestação. E passando, num curto passo conceptual, de habitantes a invasores. Ou tornados órfãos pela captura das mães. Desligo o computador e acendo a televisão. Outra janela no habitat da casa. E aterro no Bornéu. Esplendorosa visão sem tocar, da floresta tropical. E tão bonito o termo inglês: “rain forest”, a que brota da chuva, esse dialético alternar entre o que cai e o que ascende, numa medição de forças em que a vida impera. Ali. Vestígio de um milhão de anos de vida em renovação desde o mais inacessível rebento, a centenas de metros do chão, ao mais ínfimo verme escondido no segredo desse cadinho de desperdícios no solo. Árvores milenares, tanto de altura em busca dos abismos etéreos do espaço livre, como no oculto da profundidade, quase uma metáfora do dinamismo psíquico, que nos caracteriza e acrescenta ou transtorna. Enquanto no resto da natureza, as funções e as coordenadas se dividem. O elevado e o rasteiro. Uma imensa fábrica útil, maravilhosa e exuberante de diversidade e equilíbrio.

Grandes orangotangos, de enternecedora semelhança connosco no olhar, e nos noventa e tal por cento de ADN comum, em que foi seguramente incluída uma certa apetência à contemplação. Parecem tão serenos e sem outra actividade, que viver. Essa serenidade que nos falta. Mergulhados em ambição. Mas eles, ao contrário de nós, mesmo no gesto mais elementar de comer um fruto, retribuem à natureza, disseminando as sementes, em vez de lenços de papel. Têm mais utilidade do que nós, seres humanos. E garantem a biodiversidade que lhes assegura a existência. Também poluem com as suas fezes inevitáveis que exalam um metano nocivo para a atmosfera. Mas os pequenos escaravelhos, de poucos centímetros, que rolam bolas de estrume mil vezes mais pesadas do que eles próprios e as enterram, úteis aos seus hábitos de reprodução, neutralizam a poluição que delas se evolaria. Isto deveria dar-nos que pensar. A poesia das pequenas profissões da natureza. A utilidade de tudo. Comove.

O que é esta resina, que sela as dores de árvores feridas, e usamos em colares – como somos fúteis e a única espécie que se enfeita com a natureza alheia e que em quarentena, só reza para que reabram os cabeleireiros – penso, rolando uma pequena conta de cor ambarina entre os dedos, num gesto mecânico.

Mas sobretudo os que, no topo da cadeia alimentar, nada dão em troca. Nós que tanto falamos de reciprocidade. Que combatemos os da nossa espécie por ideais. Por ideias e ambições. E destruímos sem dó a nossa casa-mundo.

Toda esta beleza feita de um intricado e misterioso conjunto de cores e sons e vida escondida, de tirar a respiração. Mas nos permite respirar melhor. E, mesmo de longe, viver melhor. Porque é ali que se prende como a profundas garras, uma quantidade imensa de carbono, que subindo à atmosfera contribui para uma abóbada-estufa em que tudo definha.

E já se pode ver para crer, numa floresta digitalizada em camadas de cor, a quantidade de carbono retido nela e não deixado fugir livre para a atmosfera. Mas reduzida em um terço pela mão do homem. E, por comparação, as cores dessa ausência, em florestas rígidas de palmeiras novas, repetitivas, que vão substituindo hectare a hectare, cruéis, a maravilhosa diversidade da outra. Limpas do carbono fugido delas para a atmosfera, em liberdade de fazer mal. Os bichos em fuga, também. A vida em desequilíbrio. E depois de tudo isto, das árvores, fico a pensar que resta o depois de nós. E que se perde também uma espécie fascinante. Mas que ao contrário das outras, com toda a sua razão e imaginação, tanto produziu, que destruiu. Um tiro no pé.

Pesquiso no mundo Google: “como ir”. E corrijo: “como não ir”. Deveríamos poder ver de perto a fórmula feliz da natureza, mas tudo aquilo em que tocamos estragamos. E há muitos lugares no mundo que deviam ter sido ignorados pela espécie humana. Excepto agora, por aqueles que, dedicados à ciência, ali têm como missão de vida estudar, ler os limites, fazer contas ao mundo e proteger. Que tentam reconquistar a sustentável leveza do ser-mundo, à ganância de povos e políticas. Ali, onde cada ser estava no seu lugar e sem ambições para mais. No equilíbrio mútuo de vidas como um todo. Mas não é por altruísmo que são assim os seres vivos. É como se fosse uma forma superior de inteligência genética, que nos falta, a que os tem em harmonia no puzzle complicado de dependência e importância. Ao largo do Bornéu mergulhando a pique nas águas, outra forma de equilíbrio no arame. E qualquer sopro estrondoso de uma explosão para pesca apressada, faz ruir florestas subaquáticas e maravilhosas de corais, e com eles a fauna dependente. Não só não retribuímos, como somos predadores com meios desproporcionados que pescam mais para enriquecer que para comer.

E, em fuga para a frente. Marte. Talvez um dia tenhamos que nos mudar.

Depois o crepúsculo. Um burburinho ensurdecedor de aves e insectos que desafiam a noite. Ali, num mundo isolado e já quase inacreditável, no meio do vórtice de insanidade, as pequenas coisas belas e estruturadas persistem inexoráveis como uma camada do mundo que é intransponível, mas não é verdade. Enormes tensões que facilmente o abalam e põem em causa este perfeito mas delicado equilíbrio. Entre orangotango e escaravelho.

Por aqui também cai o dia. Sento-me em frente, com um copo de vinho. Transformado do natural. E o copo é bonito porque é vidro. Uma diáfana invenção. Talvez devêssemos ter ficado por aí. Para uma bebida, o entardecer. Uma emoção calma. Sim a cidade silenciosa também. Este céu branco enevoado antes do negro.

E não há grito possível. Nem medo. Medo é em tudo o resto.
Mas o ruído ensurdecedor da floresta fica a habitar-me e a casa.

Deixo respirar o vinho, como a terra precisa, enquanto o movo ligeiramente a sentir o aroma. Olho uma imagem de que gosto. Na parede. Outra coisa que nos distingue dos bichos. Produzir imagens. Ou a razão ou a memória. Ou imaginar o que não existe e esquecer o que há. A natureza em agonia. E depois, simplesmente, pergunto o porquê. Daquilo que nos distingue e de que nos orgulhamos, ser também o que destrói sem retribuição.

A vida é elaborar, ir. Mas também, com razões maiores que nós, o contrário. Ou o futuro é já ali, depois das árvores, depois do mar e depois de nós.
Marte é tão vazio e sem árvores.

11 Mai 2020

O outro lado

[dropcap]H[/dropcap]á uma árvore no meio da avenida. É uma árvore qualquer, sem nada de especial a não ser o facto de ter sido plantada a meio da avenida. Durante o ano muda de cor e esse ritmo prossegue inalterável apesar de existir na separação dos dois sentidos, sujeita aos humores dos automóveis.

Mas esta árvore não morre facilmente. A poluição diária não a destrói. Espera por esse grande vento que a derrubará, um suzuki ou um mercedes, conduzido por uma rapariga inocente e alcoolizada. A árvore não protestará. A árvore não é grande nem frondosa. Pelo contrário: lembra uma figura de Giacometti e a existência ténue daqueles seres que frequentam ruas de um homem só.

Distingui-a nitidamente, numa torção de pescoço, quando atravessei pela última vez a avenida a correr, ignorando a passadeira e o carro da rapariga de hálito inocente e alcoólico. Não sei se ainda lá está a árvore erecta a meio da avenida. A desgraça súbita não polui. Desta vez, cheguei ao outro lado.

16 Mar 2020

Secreta via das árvores

[dropcap]F[/dropcap]olheio em paragens de acaso os cadernos destas escritas de O. Não lhe prendo as raízes.
Tenho os olhos cheios de planície de sempre. Virasse-os do avesso e assim era o que lá encontro. Espaço. Sentido por detrás destas cores variáveis de vegetação e terra.
Leio estas linhas nos diários de Olive e sei que são escritos de amor. Não estão datados por tonalidade de cicatriz. Talvez pela contorção dos torços. Folheio a eito páginas daquela escrita. As cores são serenas como bordado num vestido melancólico. Cores de janeiro.

Voltando às árvores. Hoje deixo as que, serenas e verticais, parecem arrogantes de serenidade, saber, imutabilidade e razão. Seres de tonalidades soturnas discretamente emplumadas. Anjos nocturnos.

Silenciosos ou embalados naquele marulhar conjunto da folhagem longínqua. Mas numa pujança que ao olhar se oferece terrível e esquiva matéria, densa e pesada ao sentir. Que partículas que não são matéria de quantificação nos sufocam o ar parado nos prendem os passos ao pé de uma cadeira e que de amarras não parecem ser fundamento. Que coisa estranha seria o gostar, prendido a critérios mas nada que se pareça à estranha a tudo isso e mesmo estrangeira emergência do amar. Amamos tantas coisas, se amamos e quando amamos. Amamos aquilo que nos enternece, nos causa desvelo nos transcende para lá do estrito lugar próprio, na vocação boa de amar. E amamos o sublime terrífico real de que nem sempre podemos gostar mas sabe-se lá porquê e o que nele se prendeu. Viro uma página e retomo o olhar que divagou para longe.

Prendo-me às emocionais. Que as há na linguagem das formas. Aquelas que construíram campos de viagem e paisagens ilimitadas no terreno que não domino. Que nem sei como cabem em casa, e mais ainda nesta pequena caixa-de-ressonância. Mas é anseio que ficou a dar espaço. Amplificado para dentro. Feliz de ter visto tantas vezes, quando bastava só uma, que se estruturou como janela para o mundo. Elas em perfil sinuoso e lírico, sempre naquela espécie de agitação prévia à fuga, ao movimento, à dança. Como os sentimentos sempre prestes a extravasar porque não se fizeram para ser contidos. Apertados. Ou se o fossem, sempre entumescidos de coisas estranhas e tumultuosas. Espremidos destilariam algumas gotas de lágrima, ou apurando o silencioso olfato, talvez essências, perfumes claros e confusos simultaneamente.

Olhando as pequenas árvores à beira da secura. No espaço de passagem. Os corpos em variações irrepetíveis, tensas, expressivas e as pequenas folhas de colorido exausto, despenteadas em vagas, preparadas de sempre para poupar a água. Formas dramáticas e penosas de se ajeitarem à imobilidade. Quem diria a riqueza que das suas dores se exala em estado líquido. Árvore pinga-amor. Tão longe as oliveiras dispersas pela planície seca e pálida, da macia e líquida, perfumada luz que virá dos frutos amenizar o pão. Tão longe do ouro essa cor preciosa. Quem diria.

Tão diferentes da vertical e parada – sóbria, como se se pudesse dizer serena, se susceptível de sentir – natureza das outras árvores. Uma beleza sólida para outros dias. Hirtas afirmativas. Pontos próprios de uma exclamação como se universal. Gosto delas. Doem-me no fogo que as consome por todo o lado. Doem-me derrubadas em vida na centenária vocação ignorada. Ou em pé contra tudo mesmo sem vida para que os bicho se seguram da tragédia. Os bichos de rosto triste que se abraçam a elas ou uns aos outros ou a si próprios em desespero. Como os bichos são enternecedores e as árvores e tudo.

Depois lembro de novo as oliveiras. Elas mesmas num arremedo ou ímpeto de fuga do incêndio. Da vida. Das mais maduras a perpassar uma espécie de encantatória semelhança com seres móveis que não são. Dramaticamente retorcidas como a necessitar arregaçar raízes e correr desarvoradas planície terra adiante.

Com uma alma de duendes, de Elfos, de alquimistas com o mundo ao lume. Coisas insólitas a passar-me mente adiante, nas longas e antigas viagens por estradas nacionais. A passar dentro dos campos. Que semelhança poderia haver entre uma destas figuras de tragédia em contornos infantis e um amor sentido de adolescência. Em fuga, também, como uma vergonha de sentir. Aprisionadas à terra, mas aos olhos não. A dinâmica ilusão de fuga presa ao movimento eternamente potencial. Mas nunca praticado nem concluído.

Talvez isso. E os emaranhados de cabelos a rarefazer e os pequenos frutos como pequenos seios albergam o saber do tempo e da solidão e da seca. Daquelas em tão ampla e longínqua planície que não há animal que lhe chegue por acaso a alçar a perna e a marcar território. O profundo acaso que não acontece. Árvores solitárias com vida própria e enormidades de céu como testemunha da sua infantil pequenez. Sem sexo nem género que as aprisione nem que as revele. Necessárias ou suficientes. Seres de perna curta mas as mais ágeis do reino a que pertencem se isso existisse de pertencer.

Coisas estranhas de árvore. Mais secretas do que estranhas, essas coisas da vida das árvores. Encantatórias vestes de tule verde. De tudo. Essa folhagem leve e de cor ressequida de guardar e resistir. Vinda das profundezas da história natural, dos factos, mitos e lendas sempre se desprende a sua memória. E a sua presença a atravessar séculos, milénios. Fortaleza de amor à vida que o amor é sempre. Como uma coroa, expandiu-se em torno deste mar colorido e mediterrânico. Do sul do Cáucaso, das planícies do Irão, da Síria, da Palestina aos lugares da civilização Minóica e depois por todo o lado do litoral ao interior. A produzir, contorcidas e tenazes, um óleo que alivia feridas e dores, que alimenta e ameniza o pão. Longevidade milenária de muitas. A acompanhar a história ainda com vida. Como mães de civilização que não deixam de acompanhar o caminho. Folheio de novo para diante páginas e continuo na encantatória impressão de que são de um amor. Talvez às árvores. Talvez.

Esvoaço rapidamente pela bacia da Mesopotâmia. Diz. De novo um salto à Palestina, à Síria, Creta – breve paragem na lembrança da época Minóica, estão por todo o lado – em torno das águas pacatas, transparentes do Mar Mediterrâneo com os murmúrios cheios de afogamentos. Talvez as medusas. De cabelo emaranhado e a produzir dor lancinante onde toca na pele. E o norte de África. Tudo desenhado nas cores delicadas do mapa já frágil e de vincos puídos sobre a mesa. Gosto de desfiar os nomes, como um crédito de milhas para navegar. Visita rápida às árvores milenares. Quando não há tempo para mais, fico-me pelas centenárias. Que circulam pelas planícies. As mais velhas, tantas vezes de corpos dissociados em dois, mas num abraço para a eternidade. Coisas estranhas de árvore.

Poiso o caderno. Dobro o mapa. Mas não sei. Talvez O.

13 Jan 2020

Da pontuação I

[dropcap]P[/dropcap]aisagens de quase nada. Camadas de realidade em longitude.
“I am a forest, and a night of dark trees: but he who is not afraid of my darkness, will find banks full of roses under my cypresses.”*
Caminho.

As árvores que delimitam o caminho são as mesmas que o encobrem, numa simples curvatura do carreiro irregular. Serão?… A cada passo, outras na sua redonda aparência mutante. As mesmas. A cada passo afinadas as distância entre elas, entre nós. E elas. Numa coreografia que, dependendo das harmonias musicais, do ritmo, do número de pulsações segundo, de quanto teremos dormido na noite, com os anjos ou paralisados de monstros, nos induz um balanço suave, ou o desequilíbrio da tormenta.

Ou somente a serena e progressiva apropriação. Adaptação. Do olhar. Mas mantendo a percepção de que é real a variação de ângulos, sem deixar de o ser a orgânica mudança da aparência. Das coisas. Sendo elas e sempre. Mas sempre elas. E somente o olhar, a captar em imagens, diferente. Fotogramas de realidade que quando enfileirados perfazem o filme completo.

E, como elas, balançamos por acção do vento, mesmo se uma aragem amiga. E o olhar, recto – porque curvas, somente na imaginação. E a ficção, é a alma a encontrar caminhos bonitos para o que na realidade se resume, reserva e tolhe – fixando um ponto para não entontecer do rodopio. Não se formar da natureza sóbria e serena, um caleidoscópio de perturbação. Onde nos perdemos. Num temor maior do que o da floresta onde encontramos os passos que, somente a pouco e muito pouco, vão desenhando a cartografia possível.

Tanto se esconde em cada curva do caminho. Nos intervalos da flecha de um olhar. Melhor assim. E o horizonte, linear eternamente esquivo. Inalcançável em fuga para a frente. Desejado na intensidade de cada passo, porém. E depois, mesmo quando o caminho parece a direito, há sempre a curvatura geométrica da terra. A girar enquanto não se cansar. A sobrepor horizontes, a substituir linhas como se mal desenhadas. Na precaridade de cada momento de cada gesto imprevisto do corpo, de cada olhar. E vamos a favor ou vamos contra. O sentido dos ponteiros de um relógio. Mesmo parado, na suprema arte de ser livre. E regular.
E assim, nunca se sabe certamente o que está para lá. De Calcutá. Da linha do Equador, de uma face reservada, do meridiano de Greenwich. Coordenadas a tentar dosear quanto muito o estar, senão o ser. Caminhos são setas para a frente. Reticências boas, como pequenos salpicos de realidade que se apresentam aos poucos.

Todas as curvaturas interpõem novas linhas de horizonte. Essa é a verdade inquestionável no simples acto de pouco rigor de que é objecto o olhar. O ponto de vista que de tanto depende e em tanto se deixa mudar. Mas a noção do todo a estruturar as partes imperfeitas. Pequenos braços de flores. Fugitivas Rosas, em terror de Narcisos, são tristes Malmequeres. A gritar Amores-perfeitos. E Rosas e rosas com espinhos. Narcisos afogados, Malmequeres desfolhados. E amores sempre perfeitos contrafeitos e afirmados. Zoom out…
Floresta.

Caminhos na floresta densa, sem a noção longitudinal da terceira dimensão do carreiro possível, e apresenta-se um muro de troncos fortes, estanques e misteriosos e vidas a barrar qualquer visão em perspectiva. A noção do espaço. Como as volutas de uma cortina sólida e transversal a encobrir e a impedir. E não é assim, no entanto. Parece. Mas sabe-se de sempre que cada uma que se apresenta com se ao lado da outra e de todas as que são visíveis, e a fechar o olhar para o que depois, nem sempre está no mesmo plano. E como tal, abrem em si asas de vazio. Boas. Ao ensaio de caminhar. E assim se faz o caminho de desconhecimento e de saber teórico a moldar as possibilidades do olhar, do sonho. De continuar. A perspectiva, descoberta para ilusão da profundidade, ou a perspectiva, ardilosa, a iludir no real, a bidimensionalidade finita e aparente ao olhar. As árvores. E tentar para além das árvores. Como se o todo pudesse apresentar-se só assim. Por querer.

Fazer tempo. O tempo que se faz no caminhar.
E por entre as árvores. Mas não esquecer os sons bons. O estalar fino de ramos e o crepitar de folhagem seca sob os pés. A pontuar. O olhar para cima, entre ramos intrincados e folhagens densas. A entrever um céu sem dimensão e sem limite. E ser por momentos a sincronia exacta no espaço. A pontuação a fazer-se lugar de exactidão. No meio delas. E só por isso. Secretamente. Exclamações sóbrias, dramáticas ou afirmações delicadas, consoante a espécie e o estado do tempo. Conjugado no outro verbo.

*Friedrich Nietzsche

18 Nov 2019

Zona de arborização vai nascer junto ao edifício do Gabinete de Ligação

[dropcap]D[/dropcap]ois terrenos localizados perto do edifício do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM vão ser aproveitados para a construção de uma zona de arborização, ainda que as árvores tenham de respeitar a altura máxima prevista na lei, de cerca de 20 metros, devido à proximidade com o Farol da Guia. O projecto foi ontem aprovado em sede do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU).

Contudo, um membro do CPU questionou se seria possível alterar a finalidade do terreno, uma vez que o concessionário nada pode construir e, por isso, não irá obter lucros do pedaço de terra que lhe foi concessionado.

“O proprietário perdeu tudo, coitado. Este terreno é para uma zona verde que não tem qualquer fim de exploração. Será que o proprietário pode trocar este terreno por outro?”, questionou.

Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), garantiu que o assunto poderá ser debatido posteriormente. ”Este terreno tem como finalidade a construção de uma zona verde e não pode ser explorado para outros fins. Mas poderemos discutir as questões de propriedade numa outra ocasião.”

Os dois terrenos, localizados na estrada de Cacilhas, tiveram a última planta de alinhamento oficial emitida em 1995. Actualmente o local encontra-se ao abandono, com apenas alguns veículos estacionados.

Lugares precisam-se

Além do pedido de alteração de finalidade, outro membro do CPU questionou o Governo se seria possível estabelecer ali alguns lugares de estacionamento, pelo facto do Gabinete de Ligação ser um local com muitos eventos e visitas.

“Estes dois terrenos têm como fim a arborização, mas podemos ou não disponibilizar alguns lugares de estacionamento ali? Como ao redor está localizado o Gabinete de Ligação, que recebe muitas visitas e onde existe muita circulação. A rua é estreita e não há muito espaço para estacionamento, e neste terreno existe uma área muito vasta”, apontou.

Apesar de ter considerado esta opinião “muito pertinente”, Li Cafeng lembrou que o terreno não é público. “A finalidade é para a criação de uma zona verde. Sei que à frente deste edifício há um auto-silo público, mesmo em frente ao edifício do Gabinete de Ligação. Há falta de lugares de estacionamento mas o terreno não é público, pelo que não podemos ainda tomar medidas quanto a isso”, frisou.

20 Dez 2018

Hato | Dez anos para recuperar áreas florestais da Taipa e Coloane

As áreas florestais da Taipa e de Coloane devem precisar de uma década para se recompor totalmente dos estragos provocados pelo tufão Hato. Actualmente, a prioridade vai para as zonas urbanas, onde serão plantadas 2000 árvores até ao final do ano

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) calcula serem precisos dez anos para recuperar as zonas de floresta na Taipa e em Coloane, fortemente atingidas pela passagem do tufão Hato em Agosto. Ao todo, meio milhão de árvores, o equivalente a uma área de 500 hectares, foram afectadas.

“Os prejuízos foram tão graves que vai levar anos para se conseguir fazer a recuperação total da zona florestada das ilhas”, afirmou o chefe da Divisão de Espaços Verdes Urbanos do IACM, Ung Sio Wai, apontando que, “em princípio”, devem ser precisos dez anos.

Na chamada Semana Verde, iniciativa anual que vai decorrer entre 17 e 25 de Março, vão ser plantadas mil árvores, ou o equivalente a uma área de um hectare, nas zonas florestadas da Taipa e de Coloane, com a prioridade a ser dada ao restabelecimento da paisagem num raio de dez metros dos dois lados dos trilhos. No entanto, dado que “envolve um trabalho mais complexo e lento”, que exige “limpeza e replantação”, o plano de recuperação propriamente dito arranca vai arrancar apenas em 2019.

Mais de 2000 árvores nas zonas urbanas

Já nas zonas urbanas vão ser plantadas mais de 2000 árvores até ao final do ano, revelou Ung Sio Wai, durante um encontro com jornalistas que teve lugar na sexta-feira, na Areia Preta, onde estavam a decorrer trabalhos de replantação. “Até ao final do ano, 70 a 80 por cento das árvores destruídas serão replantadas”, garantiu o mesmo responsável.

Após a passagem daquele que foi o pior tufão a atingir Macau em mais de meio século, o IACM tratou mais de 17 mil árvores nas zonas urbanas (na península e ilhas), removeu 3500 e endireitou mais de 1000. Segundo Ung Sio Wai, do universo de 555 árvores antigas, houve 44 afectadas pelo Hato, incluindo nove que caíram e tiveram que ser arrancadas.

Após a experiência, o IACM, com a ajuda de especialistas da Administração Florestal de Guangdong, decidiu escolher para a replantação árvores “de menor porte”, mas com “características mais robustas”, com maior capacidade de resistência o vento, que vão demorar cerca de três a cinco anos a crescer. “As mudas são essencialmente provenientes da província de Guangdong e foram recomendadas pelo mesmo departamento”, adiantou Ung Sio Wai, dando conta de que, no total, foram seleccionadas 15 espécies.

De acordo com o chefe da Divisão de Espaços Verdes Urbanos do IACM, o tufão não colocou sob ameaça nenhuma espécie existente. Contudo, na opinião dos peritos, há árvores que não são muito adequadas para os arruamentos. “Por exemplo, a árvore de Pagoda tem as raízes grandes, mas não vão a uma profundidade que dê para [a] segurar”, explicou Ung Sio Wai.

Durante o processo de replantação, vão ser observados critérios como o reordenamento das ruas, as instalações envolventes das redes de transporte, a segurança de veículos e peões ou a distribuição da rede de esgotos. Além disso, o IACM vai também rever se o local é adequado para a replantação, conforme o número e localização das caldeiras de árvores, pelo que há a possibilidade de algumas poderem continuar cobertas com cimento.

Face à dimensão da destruição provocada pelo tufão Hato nas zonas verdes, o orçamento do plano de replantação vai ser gradualmente actualizado. Numa primeira fase, o IACM adquiriu perto de 1500 árvores, as quais vão então ser plantadas em diversos pontos da cidade, sendo o orçamento correspondente de mais de oito milhões de patacas.

Macau contava, no final de Janeiro, com 22.343 árvores nas áreas urbanas, de acordo com dados do Sistema de Gestão e Conservação das Árvores.

12 Mar 2018

Eleições | Lam U Tou defende intervenção urgente em casos de catástrofes naturais

Se for eleito nas eleições do próximo domingo, Lam U Tou, cabeça-de-lista da Poder da Sinergia, promete dedicar-se às questões ambientais. A promessa foi deixada ontem numa conferência de imprensa em que o candidato falou ainda dos efeitos da passagem por Macau do tufão Hato

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pontando que muitas árvores do território sofreram com a força do vento, Lam U Tou defendeu um plano de intervenção urgente. O candidato diz saber que o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) pretende plantar novas árvores a partir do próximo ano, mas considera que é preciso tratar já daquelas que, não tendo sido totalmente derrubadas, ficaram danificadas. O também director da Associação da Sinergia de Macau (ASM) vincou que podem ser afectadas por bactérias e morrerem por falta de trabalhos de preservação. Neste contexto, entende que este trabalho deve ser adjudicado a uma empresa que possa resolver o problema com a máxima celeridade.

Ainda sobre as zonas arborizadas que se perderam devido ao Hato, o aspirante a deputado defende que o Governo deve divulgar o plano que tem para a recuperação das áreas verdes, sendo importante que ouça a sociedade. Lam U Tou não concorda, por exemplo, com a ideia apresentada pelo IACM em relação à plantação de árvores com um elevado nível de resistência ao vento. “Deve haver espécies diferentes de árvores para poderem desempenhar funções variadas no território, incluindo a protecção da chuva e do sol”, argumenta.

Já sobre a protecção ambiental, Lam U Tou lamenta que o Governo não tenha ainda avançado com um plano concreto para criação de uma área de protecção mais rigorosa, medida que consta do planeamento oficial para os anos 2010 a 2020. Por isso, o candidato garante que o assunto será uma das prioridades na sua agenda, se conseguir um assento na Assembleia Legislativa.

Também a reciclagem de resíduos alimentares preocupa o deputado, uma vez que as autoridades não têm actualmente capacidade para tratar convenientemente deste tipo de lixo. Não há um terreno disponível para a criação de uma central de reciclagem de resíduos alimentares. Lam U Tou quer que os Serviços de Protecção Ambiental e a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes arranjem uma solução quanto antes.

Dinheiro mais fácil

Ambiente à parte, o candidato pronunciou-se sobre questões ligadas ao funcionamento da lista que encabeça, referindo que “o caminho tem sido difícil”. Assegurando que os membros da ASM trabalham em regime de voluntariado, congratulou-se com o que tem sido possível fazer com uma associação criada recentemente e que funciona de forma independente.

Lam U Tou explicou que recebeu apoio financeiro de residentes, enfatizando que o dinheiro arrecadado tem sido tratado de acordo com a lei e as contas serão apresentadas às autoridades depois da campanha eleitoral. Ainda a este propósito, o cabeça-de-lista da Poder da Sinergia defende futuras alterações à lei, para que seja mais fácil aos residentes contribuírem financeiramente para as candidaturas que apoiam.

12 Set 2017

Governo cria lista de salvaguarda de árvores antigas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo publicou ontem uma Lista de Salvaguarda de Árvores Antigas e de Reconhecido Valor, que inclui mais de 550 registos. A lista, publicada no Boletim Oficial, estava prevista na Lei de Salvaguarda do Património Cultural, aprovada em 2013, que estabeleceu que “integram o património cultural todos os bens”, incluindo árvores, “que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização”.
O diploma estabelece que os proprietários ou outros “titulares de direitos reais sobre as árvores” listadas devem comunicar “ao Instituto Cultural ou ao serviço público competente para a respectiva manutenção as situações susceptíveis de conduzir à sua deterioração, destruição ou perda”. A mesma legislação define que os proprietários das árvores “têm o dever de manter as mesmas, podendo, caso o necessitem, solicitar apoio técnico ao serviço público competente” para a sua manutenção.
“É proibido arrancar, cortar ou de alguma forma danificar, total ou parcialmente, árvores antigas e de reconhecido valor, salvo para efeitos da sua manutenção”, acrescenta ainda o texto, que proíbe também a transplantação ou remoção, “salvo no caso de relevante interesse público ou de adopção de medidas que visem prevenir situações de ameaça à segurança pública, declaradas pelo serviço público competente para a respectiva manutenção”.
A Lei de Salvaguarda do Património Cultural entrou em vigor em 2014, quase nove anos depois da inscrição do Centro Histórico de Macau na lista de Património Mundial da UNESCO, em Julho de 2005. O território, que tem crescido devido à criação de aterros, fechou 2015 com uma superfície total de 30,4 quilómetros quadrados.

6 Out 2016