Macau | Aberto mais um centro para tratamento de dependências

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) inaugurou ontem um novo centro para tratamento de dependências como droga, álcool e jogo, com capacidade para acolher um total de 80 pacientes.
“É um projecto antigo. Na ARTM temos estado sempre lotados e havia necessidade de aumentar o espaço, a capacidade de apoio. É um projecto que vem desde há muito tempo, desde 2008 sensivelmente que o temos em mente, e agora finalmente concretizou-se”, explicou o presidente da ARTM, Augusto Nogueira.
O centro tem capacidade para acolher 50 homens e 20 mulheres, estando reservadas dez camas para pessoas de ambos os sexos que “requeiram cuidados intensivos” ou que “estejam em grave situação de saúde”.
Trata-se da primeira valência da ARTM – fundada há mais de década e meia – direccionada em particular para diferentes tipos de dependências, apesar de os vários centros da organização não-governamental terem lidado no passado com casos de outras adições.
“Já temos vindo a trabalhar com pessoas com álcool e uma ou outra com problemas de jogo, apenas não estávamos focalizados para isso e agora vamos estar”, sublinhou Augusto Nogueira à agência Lusa.

Frentes diversas

Localizada em Ka-Hó, na ilha de Coloane, a nova unidade de reabilitação da ARTM conta com 28 funcionários, incluindo colaboradores que estiveram recentemente na Austrália a receber “formação intensiva”.
Das três dependências, Augusto Nogueira salienta que a droga constitui a que “exige maior atenção”, por ser aquela em que a organização que fundou e preside é “especializada” e por “requerer maior atenção, tanto a nível do tratamento como da prevenção”.
Segundo dados do Sistema de Registo Central do Instituto de Acção Social (IAS) estavam referenciados, no final do ano passado, 617 toxicodependentes em Macau.
Um número calculado com base na declaração voluntária de quem solicita ajuda, junto das instituições oficiais ou organizações não-governamentais, ou em dados da polícia ou dos tribunais, pelo que, como observa o presidente da ARTM, estima-se que “o número real seja superior”.
A ARTM opera em diversas frentes, contando com centros ou unidades de tratamento, incluindo com metadona, além de um programa de distribuição ou recolha de seringas e serviços de aconselhamento e apoio e ainda prevenção e sensibilização.

21 Set 2016

Marta Bucho, Coordenadora do Centro Feminino da ARTM: “Mulheres escondem até ao limite”

Um trabalho que acontece 24 horas sem que notemos. Um reaprender a ser. Marta Bucho fala de um novo método, mais aberto e ocidental, para tratar de adictos. Há ainda muito trabalho no campo feminino, sendo a abertura e aceitação da população uma delas. Uma dos objectivos é ainda trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau


Falamos muito no Centro de Tratamentos Masculino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau e pouco do Feminino. Desde quando é que existe este espaço?

Abrimos em 2010 e funciona um bocadinho à semelhança do centro para os homens. Pensámos que seria muito importante ter uma parte feminina. Queremos funcionar como uma comunidade terapêutica para mulheres com problemas de toxicodependência e alcoolismo também. Apesar de já termos registados casos de jogadoras, mulheres viciadas em jogo.

Mas esta comunidade é mais pequena do que a masculina?

Sim, são menos mulheres do que homens. Em termos de números, em cada cinco homens que entram no Centro Masculino, entra uma mulher neste Centro. O nosso número máximo de vagas é de oito mulheres, sendo que agora estamos com três mulheres e um bebé. Estamos também a acompanhar duas mulheres, uma que está presa, fora das instalações do Centro.

Também recebem as crianças?
Sim, filhos das nossas pacientes. Aceitamos senhoras com crianças, não é o primeiro caso.

Fala-nos um pouco do processo. Como é estas mulheres chegam até ao Centro?

A maior parte delas entrava pela programa da troca de seringas, agora isto já não acontece com tanta frequência porque as consumidoras já não são tanto de heroína, é mais o ice. Também podem entrar através de algum serviço da comunidade, seja o hospital, serviços que trabalham com famílias, associações, através do tribunal e também por famílias que sabem do nosso serviço e nos pedem ajuda.

Depois de entrar, como se processa? Ainda estão a consumir?

Não, a não ser metadona. Algumas, só. O nosso objectivo é que haja uma processo de re-socialização, ou seja, aprender um conjunto de valores, regras e até de rotinas que lá fora não conseguem ter com os consumos. Aqui, as mulheres quando entram já não consomem. A não ser, claro, como disse, a metadona.

Os membros da direcção da ARTM chegaram há pouco tempo de uma formação na Austrália. Novos modelos de tratamento?
Foi uma formação muito, muito boa. A nossa ideia é utilizar a metodologia que eles usam e aplicá-la aqui em Macau. Se é possível ou não? Acho que sim. Funcionará como uma comunidade terapêutica.

A ser aplicada já no novo Centro em Ká Hó? Quando é que abre?

Sim, sim. Em Julho. E aí já queremos ter o nosso staff todo preparado e formado com esta nova metodologia.

É difícil encontrar pessoas para trabalhar nesta área? Quantas pessoas tem o Centro?

Sim, é. É difícil arranjar pessoas que gostem desta área e que tenham alguma capacidade de perceber. É que não é uma área tão comum como se possa imaginar. Quando falamos de uma comunidade terapêutica, estamos a falar de uma sociedade pequena, em que existem diferentes responsabilidades, diferentes hierarquias, mas tudo funciona com os pacientes.

Voltemos então ao método. O que se pretende?
A nossa ideia é criar o novo Centro numa grande comunidade terapêutica. Porque aqui é mais difícil, neste Centro. A começar pelo número de pessoas, que são poucas. E para criar uma comunidade, em princípio deverá existir um maior número. O nosso objectivo passa também por fazer mais promoção em termos de divulgação do nosso serviço, no tribunal, nos hospitais, na comunidade, para que haja mais mulheres e homens, também, para tratamento.

O paciente trata-se a si próprio?
Os pacientes tratam-se a eles próprios, o papel deles é ajudarem os outros para se ajudarem a eles próprios. E tudo funciona de uma maneira muito suave, muito gira. Este método tem efectivamente resultados positivos e as pessoas acabam por mudar os seus comportamentos. Através do exemplo de alguém mais velho, conseguem perceber o que devem ou não devem fazer. Por exemplo, a honestidade. Tentamos muito que as nossas mulheres aqui do Centro sejam honestas e digam sempre a verdade. Na comunidade o facto de observarem alguém que “é como eles” a, por exemplo, ser chamado à atenção mas a aceitar e a mudar o seu comportamento, assumem o ensinamento.

Por exemplo?
Por exemplo, na Austrália, existem duas comunidades – uma para os homens e outra para as mulheres. Entre si, eles podem falar, mas não criam relações. Não pode existir intimidade, seja ela sexual ou não. Se alguém o faz de forma imediata é conversado isso em grupo. A pessoa tal envolveu-se ou falou de tal forma para a outra pessoa, por exemplo. Há uma repreensão. E as pessoas compreendem porque percebem que estão a focar a reabilitação para outro ponto. Vejamos, as mulheres, pelos exemplos que temos, é muito fácil envolverem-se com os homens, porque procuram sentirem-se bonitas, [vestirem] uma roupa bonita. Isto, neste tratamento, não é bom. O que se pretende é que as mulheres consigam que, na vida delas, lá fora, não precisem de ninguém, sejam independentes, que encontrem nelas uma confiança e auto-estima que vem da própria e não de fora. Nas sessões [na Austrália], eles discutiam os assuntos de uma maneira que os utentes percebem [e que os fazia] perceber que o facto de se focarem noutras coisas está a prejudicar o seu processo de recuperação.

Acha que é um método que será bem aceite?
É difícil. É preciso fazer com que o nosso staff perceba a dinâmica do que é uma comunidade terapêutica, é difícil passar para quem já passou por um processo de recuperação e não uma comunidade terapêutica. É difícil também fazer o staff perceber que esta dinâmica é muito específica e tem mesmo de funcionar com a estrutura que vamos criar porque se não é pior do que não se fazer nada.

Quando é que vão implementar este método?
Esperamos que em Junho, com a mudança para as novas instalações em Ká Hó… tem de estar já a funcionar. Mesmo nos homens. São precisas mudanças. Existirão vagas para 50 homens, 20 mulheres e mais dez para cuidados continuados, para pessoas com HIV.

Quantos trabalhadores estão neste Centro?
Para as mulheres somos nove, nos homens somos 14. É muita gente. É um serviço que trabalha 24 horas, à noite tem sempre de estar alguém. Somos duas assistentes sociais, depois quatro psicólogas e duas monitoras.

O número baixo de utentes que o Centro recebe não é representativo da realidade de Macau?
De todo. Não é, de todo. Sabemos que há muitos mais casos do que aqueles que nos aparecem, muitos mais. Mas não estamos a conseguir chegar a essas pessoas.

Porquê? Como é que se chega lá?
É difícil à comunidade. Mas neste caso, neste Centro das Mulheres, talvez porque elas têm um papel diferente na sociedade. Por exemplo, a família esconde muito mais os casos de mulheres do que se fosse um homem. A mulher também acaba por arrastar o seu tratamento, por exemplo com a questão dos filhos. Estão a seu cargo e elas não querem deixar os filhos para vir para tratamento. E nem sempre é possível aceitar crianças, até por causa das sessões ou reuniões de grupo, é difícil estarem crianças, aliás é impossível.

E a própria mulher? Acha que é mais difícil ela aceitar e perceber que tem um problema? Mais do que os homens?
Acaba por ser, sim. Porque quando as mulheres chegam aqui já estão num estado tão avançado de problemas de saúde, psicológicos, com doenças, que é mais difícil. As mulheres preferem esconder e arrastam. Chegamos a ter mulheres que ganham problemas mentais… suicídios. As mulheres escondem até ao limite. Até as famílias o fazem. E nesses casos, é transmitido ao Centro pelo hospital.

Tem esperança que essa tendência mude?

Acho que as pessoas têm de perceber primeiro o que é que é um centro de tratamento. As pessoas acham que isto é uma pequena prisão e não é. Isto é uma pequena sociedade, uma pequena família em que as pessoas reaprendem a viver. Não é de todo uma prisão. Não é.

Mas existem programas…
Sim, o nosso programa é de um ano. Ao final desse tempo tentamos que a pessoa consiga arranjar um trabalho. Normalmente ficam seis meses, porque é o tempo em que as mulheres já se sentem melhor, o corpo já se readaptou.

Ao sair, as dificuldades para as mulheres são evidentes?
Muito, muito mesmo. As mais velhas é impossível arranjarem um trabalho. As que conseguem é em cafés ou casinos, em trabalho temporários. Os homens tem mais facilidade nisso. Na comunidade é também mais aceite que os homens sejam ex-consumidores do que as mulheres. Há um fenómeno: os homens ex-consumidores arranjam uma mulher que nunca foi consumidora, a mulher consumidora vai sempre ao encontro de um homem que já foi consumidor.

Porquê?
Porque elas acham que não merecem mais do que aquilo. É muito raro as mulheres arranjarem companheiro que não tenham um passado de toxicodependência. As famílias também aceitam mais os homens do que as mulheres. O estigma é tão grande que acaba por ser uma barreira.

A mulher é prisioneira não só da droga?

Em termos de problema, quando é avaliado a questão dos consumos, percebemos que é só uma pequena parte de um historial que apresentam.

Vítimas?
Sempre. Grande parte delas com um historial de maus tratos na infância terrível, negligência grave.

Está relacionado com o consumo?
Acabar por estar, sim. Muitas delas foram crescendo com um trauma em que durante o seu percurso as drogas acabaram por ser bem aceites. As pessoas ficam anestesiadas e não sentem o que aconteceu. As feridas ficam adormecidas.

No tratamento elas partilham?
Depois de abandonarem as drogas, depois de deixarem a Metadona, sim, elas começam a aceitar. E é aí que partilham o que lhes aconteceu. E nós, claro, tentamos atribuir-lhes o mais apoio psicológico e psiquiátrico possível. Mas é o tempo e a aceitação do problema que irá resolver. Não conseguimos apagar a memória, mas vamos fazer com que a pessoa aceite o que aconteceu na vida dela, perceber que não é por culpa dela. Aceitar que isto é só uma parte da história delas e não um todo.

Depois do tratamento acompanham o paciente?

Tentamos e uma das mudanças que queremos é mesmo essa. Queremos trazer os alcoólicos e narcóticos anónimos para Macau. Porque em termos de pós-tratamento é uma das formas para continuar a acompanhar os pacientes. Não sabemos quando é que conseguimos isto, porque temos de articular com Hong Kong, porque não temos ninguém que fale Chinês. Esta filosofia é muito famosa e funciona. Queremos muito implementar isto aqui.

Por ser uma cultura diferente, o modelo será de difícil implementação?
Em termos culturais, às vezes as pessoas dizem “ah os chineses não partilham”, sendo difícil implementar este modelo que queremos por ser mais ocidental e aberto. O que acho é que é uma aprendizagem. As pessoas aprendem a partilhar, a dar nome aos sentimentos que têm. Para nós [ocidentais], eu falo por mim, consigo ter um leque de sentimentos, bons ou maus para definir o que sinto. Para eles [chineses] é muito difícil dar nome ao que estão a sentir. Talvez porque não estão habituados a sentir e não estão habituados a expressar o que estão a sentir. Um dos pontos que focamos no tratamento é isso mesmo, olhar para nós próprios e conseguir definir o que é.

18 Mar 2016

Trabalhos artísticos da ARTM expostos na Livraria Portuguesa

[dropcap style=’circle’]U[/dropcap]ma vez mais, a Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM) organiza uma mostra de todos os trabalhos desenvolvidos no último ano pelos pacientes dos programas de reabilitação. O espaço escolhido é a Livraria Portuguesa que, de segunda a quarta-feiras da próxima semana, vai acolher algumas dezenas de trabalhos de vários tipos.
“Os trabalhos que irão estar expostos são trabalhos artísticos do último ano, feitos com aguarela, óleo, feltragem, quilling, entre outros”, explica o presidente da ARTM, Augusto Nogueira, ao HM.
A exposição é o resultado de uma terapia que utiliza a arte como “mecanismo efectivo de suporte à expressão de sentimentos e percepções do mundo”.
“É a forma que eles [pacientes] têm para se expressar”, aponta. Este tipo de terapia de arte permite ao paciente acreditar e reconhecer nas suas capacidades individuais e nos seus modos de expressão, através dos quais podem promover o crescimento físico, psíquico, emocional e espiritual, durante o seu processo de evolução, defende a Associação.
Os workshops artísticos, organizados pela ARTM, são orientados por especialistas e dirigidos aos pacientes dos centros de tratamento masculino e feminino.
“Estas actividades, integradas no programa de reabilitação, promoveram com êxito a expressão artística dos clientes e a descoberta de novas capacidades individuais”, aponta a ARTM.
As peças, conforme indica o presidente, podem ser compradas.

20 Nov 2015