Drogas | Modelo de tratamento da ARTM elogiado pelo Governo Central

Após uma visita à ARTM, o responsável pela Comissão Nacional de Controlo de Narcóticos da China não poupou elogios à forma humana como a problemática é abordada em Macau. O representante do Governo Central apontou a necessidade de levar este tipo de tratamento para o continente

 

[dropcap]O[/dropcap] modelo de tratamento e reinserção social de toxicodependentes em Macau pode ser “exportado” para a China. A informação foi dada ontem pelo responsável da Comissão Nacional de Controlo de Narcóticos da China, Andy Tsang, numa visita à Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), em que argumentou que o trabalho efectuado pela instituição liderada por Augusto Nogueira é uma referência além-fronteiras.

“Fiquei particularmente agradado por saber que têm um programa personalizado para cada indivíduo e que tratam cada um dos pacientes como um indivíduo. Foram além da abordagem mais humanista. Um grande progresso”, apontou Andy Tsang em conferência de imprensa depois da visita às instalações em Coloane. “Acredito que este é um dos motivos porque os visitantes estrangeiros vêm cá e têm um intercâmbio com a associação”, acrescentou.

Foi para o mesmo efeito que Tsang esteve na ARTM. “As autoridades da China vêm a Macau buscar uma melhor abordagem no tratamento de toxicodependentes e é também a razão para eu estar aqui. Estou a tentar ver o trabalho que está a ser feito e que pode ser levado para o interior da China. Sei que há delegações da China que querem visitar Macau porque têm aqui as melhores práticas no tratamento e reabilitação”, afirmou.

O responsável do Governo Central apontou ainda que a questão do consumo de drogas no continente está a afastar-se da criminalização, começando, lentamente, a ser visto como uma questão de saúde. “Na China estamos também a começar a encarar o tratamento em comunidade terapêutica”, disse acrescentando que esta medida está em consonância com as tendências internacionais que compreendem “o consumo mais como um problema de saúde”.

Motivo de orgulho

Para Augusto Nogueira, a visita de um representante do Governo Central à ARTM é motivo de profundo regozijo. “Para nós, é um orgulho ter uma pessoa com a categoria do Andy Tsang a visitar a ARTM, porque demonstra que estão a par do trabalho que temos vindo a fazer nos últimos anos”, disse aos jornalistas.

Com este intercâmbio, o responsável espera que se estabeleça uma “partilha mútua” que permita “aprender com muita coisa que existe na China”. O reverso também se aplica, podendo as autoridades nacionais “tirar algo de positivo que possam colocar em prática na China mesmo perante o contexto e as dificuldades que são muito diferentes das de Macau”.

De acordo com Tsang, existem cerca de 4,5 milhões de toxicodependentes no continente. A este respeito, Augusto Nogueira recordou um centro que visitou recentemente no continente com “cerca de 4000 pessoas”. “Torna-se bastante difícil controlar esta número de pessoas, tendo em conta um sistema igual ao nosso, portanto tem de haver outo método. Mas tudo é possível”, disse.

Apesar da dificuldade em aplicar um modelo como o da ARTM na China, quer por falta de recursos quer pelo excesso de população que precisa de ajuda, Andy Tsang não afastou a possibilidade deste tipo de tratamento vir a ser adoptado por algumas regiões mais desenvolvidas economicamente, frisou.

Andy Tsang termina hoje a visita de dois dias ao território, depois de conhecer as instalações da ARTM e de ter reunido com o Instituto de Acção Social (IAS). Tsang é ainda candidato oficial, proposto pelo Governo Central, ao cargo de director executivo no departamento das Nações Unidas sobre drogas e crime. A decisão da ONU deverá ser conhecida em Dezembro.

Dificuldades a superar

Apesar dos elogios e resultados os utentes da ARTM ainda enfrentam alguns obstáculos após cumprirem o programa de tratamento de 12 meses. A preocupação de Augusto Nogueira prende-se com aqueles que, devido a processos judiciais pendentes, são obrigados pela justiça a regressar à prisão.

Para Augusto Nogueira, “o tratamento deve ser sempre a prioridade”. “Custa-nos, como instituição que ajuda pessoas, ver muitas vezes o nosso trabalho ser avaliado ou não ser agraciado. Quando vemos pessoas que acabaram o tratamento e que, devido a casos pendentes, são obrigadas a ir para a prisão quando já finalizaram aqui o processo de recuperação”.

A solução, apontou o responsável, passaria por “mais tolerância”, nomeadamente por parte dos juízes que tratam destes casos. “São pessoas recuperadas e que já podem estar a trabalhar.

Achamos que deveria haver maior tolerância e que estas pessoas deveriam ser reconhecidas pelo esforço que fizeram. Não vemos sentido no regresso à prisão devido a casos relacionados com consumos antigos ou pequenos roubos devido ao consumo. São coisas pequenas, insignificantes”, referiu.

Novos horizontes

Entretanto, e para melhor promover a reinserção social dos seus utentes, a ARTM tem um plano de aproveitamento das casas que constituem o complexo da antiga leprosaria de Ká Hó. “Aqui por detrás existe a antiga leprosaria e esperamos que haja um desenvolvimento das casas antigas dessa área”, disse acrescentando que a intenção da ARTM seria “ter lá uma espécie de coffee shop ou um bar”. Além deste plano, seria ainda objectivo da ARTM “usar uma daquelas casas para exposição de trabalhos de criativos e artistas que tenham dificuldade em expor nos circuitos normais aqui em Macau”. Desta forma seria dada oportunidade aos utentes para exibirem os seus trabalhos e também a outros artistas que queiram iniciar as suas carreiras”, referiu.

A situação é particularmente importante nos casos que envolvem pessoas com mais dificuldade de reinserção social e que poderiam beneficiar com este tipo de empresas sociais. “O desenvolvimento das chamadas empresas sociais é algo que aqui na ARTM também estamos a tentar fazer para podermos dar apoio às pessoas que passam por nós e que têm 40, 50 anos, ou que estão sozinhas, e logo têm mais dificuldades de reinserção na sociedade”, esclareceu Augusto Nogueira.

A par dos benefícios aos utentes da instituição, este tipo de aproveitamento daquela área de Ká Hó, “seria ainda uma forma de atrair as pessoas a deslocarem-se ali onde teriam uma zona de lazer” e um sítio para beber um café. Algo que Augusto Nogueira considera que seria bom para residentes e para o turismo.

A ideia já foi apresentada ao Governo, há dois anos, mas continua a aguardar aprovação.
Desde que ocupou as novas instalações em Coloane, em 2016, a ARTM recebeu cerca de 70 utentes, com uma média de ocupação de 30 pessoas. Destes, 20 saíram com emprego daquela instituição após conclusão do programa de reabilitação e reinserção social.

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