Andreia Sofia Silva EventosAntónio Vale da Conceição, autor do EP “At Your Service Ma’am”: “Não ambiciono ser catalogado” “Remedy”, single de lançamento do novo trabalho discográfico do músico macaense António Vale da Conceição, convida-nos a reflectir sobre a importância de resistirmos, com um raciocínio próprio, às manipulações de informação presentes no dia-a-dia. “At Your Service Ma’am” acaba de ser lançado nas plataformas digitais e remete para um cenário que mistura um clima tropical com espionagem. Quase como a Macau de outros tempos. “Acabo por recorrer um pouco às minhas origens”, assume o músico O último lançamento que fez foi “Four Hands Piano”, um álbum que compilava músicas compostas para bandas sonoras que nunca foram usadas. Como surge a ligação com este novo trabalho? Não há uma ligação com este EP. Na verdade não estou à procura de dar continuidade aos projectos anteriores. Isto [At Your Service Ma’am] surgiu da composição de vários temas, e se calhar no momento em que estava à procura de um som, saíram vários. Outros sairão no futuro, mas são todos fruto desse momento após e durante o lançamento do “Four Hands Piano”. Qual a mensagem por detrás deste EP? “At Your Service Ma’am”, é uma colecção de trabalhos a pensar numa personagem fictícia, o emissor dessa frase [que dá o nome ao álbum]. É sempre uma imagem recorrente que me vem à cabeça, sempre que toco este disco, uma espécie de espião inglês, ao serviço de sua majestade, que tem um encontro fugaz, quase um cruzar de olhos com uma das princesas da corte inglesa. Desenvolve-se uma espécie de tensão, entre ele saber que não se pode envolver com a aristocracia, sendo ele um espião, face à vontade de estar com a princesa. Este trabalho invoca o estilo Riviera, meio James Bond, Copacabana. Os espiões andavam por todo o lado, em Macau, Portugal, nos casinos. Olhando para trás, e debruçando-me sobre a matéria narrativa deste trabalho, acabo por recorrer um pouco às minhas origens. Se este tipo de música tocasse num casino em Macau… lá está, o estilo Riviera, o luxo no seu género cinematográfico. Essa Macau que já existiu, glamorosa? Sim, uma cena glamorosa. Mas na verdade não sei se Macau existiu alguma vez dessa maneira, nunca assisti a esse Macau glamoroso, se calhar foi mesmo só no cinema. Esta personagem fictícia [do álbum] talvez se aproxime muito da personagem do Robert Mitchum [no filme Macao, de Josef von Sternberg], de um tipo que tem a cara marcada com as histórias todas, mas que continua a ser hiper-charmoso, com uma voz incrível, um olhar rasgado. Porquê este imaginário? Na verdade, não tenho uma resposta para essa pergunta. Calhou assim. Gosto muito de cinema dos anos 60 e 70, gosto de filmes de roubos e de espiões, são o meu género favorito. Acho que este tipo de música tem esse tom. Mas não posso dizer que tenha sido uma coisa consciente, foi mais uma vontade de fazer música que ouvia e que oiço muito. O primeiro single chama-se “Remedy” foi também espontânea ou tinha alguma mensagem que pretendia transmitir? Esta foi a primeira música a sair para o mercado porque foi a primeira a ser gravada em estúdio, aqui no Porto. E o polimento dessa música transportou-se um pouco para o álbum e restantes músicas. Não acho que tenha sido mal escolhida, porque no momento em que vivemos, e que herdámos uns três anos, ou mais, de polarizações crescentes, a discussão sobre aquilo que é verdade e que é difundido na comunicação social varia muito. Não sabemos muito bem em quem confiar, ou porque os órgãos de Estado censuram as notícias ou os privados têm as suas agendas. Sinto que vivemos num momento em que a necessidade de reflectir muito bem sobre aquilo que se ouve nunca foi tão óbvia. Lá está a ligação à mente que surge na letra de “Remedy”, vista como um remédio, que fala da importância de pensarmos por nós próprios. Exactamente. O exercício de usarmos a mente é, em parte, e a letra pretende, em parte, chegar a isso, é a ideia de nos tornarmos impermeáveis ao que nos distrai das questões, mais do que pseudo-intelectuais com ideias geniais. A procura vai ser constante, as respostas de hoje não são as respostas do amanhã. Rapidamente passamos de uma boa solução para uma péssima solução. Digo isto face ao crescente racismo, à polarização da esquerda e da direita, às crescentes tensões políticas, à guerra que está a acontecer e aos conflitos que estão a ser silenciados. Acrescenta-se ainda o facto de a sociedade contemporânea estar muito contaminada com elementos de narcisismo e de auto-satisfação e auto-aprovação. É uma droga da qual nos devemos afastar. Teve o projecto musical “O Monstro” e depois os Turtle Giant. Já encontrou a sua sonoridade individual, como António Vale da Conceição? Não sei. Em parte é algo que está sempre em processo. Muito do que faço é ao serviço de muita coisa. Tanto em “O Monstro” como com os “Turtle Giant” foi caso disso. À posteriori muita coisa foi ao serviço de, como a criação de bandas sonoras, ou publicidade, ou jingles. Não sei se tenho um som, a verdade é que faço muitos sons para muitas ocasiões. Também não me cabe a mim dizer que tenho o meu som, é a grande conquista de um artista ser destacado por aquilo que ele faz, e não tanto ser eu a dizer “sou assim porque”. Penso que é muito difícil sermos originais e reclamarmos a originalidade no que fazemos. Este álbum, por si, não tem sons novos, são sonoridades que invocam sonoridades, estados de espírito, épocas, narrativas. Se calhar esse exercício de “recozinhar” esses elementos sejam manifestações do meu trabalho “ao serviço de”. Prefere que seja o público e os ouvintes a fazer essa definição de sonoridade, ao invés de se assumir como um músico pop-rock ou indie, por exemplo? Preferia isso, sim, ambiciono isso. Não ambiciono ser catalogado nem catalogar-me. A maior parte das pessoas que me pergunta o que faço recebe respostas diferentes e eu recebo respostas de mim próprio um bocado diferentes. Vou tentando fazer sempre coisas diferentes para recuperar um pouco do espírito. Penso que as pessoas devem procurar a pluralidade e eu herdo isso dos meus pais. Tem aparecido a promover este último trabalho em vários meios de comunicação social em Portugal. Até ver, este projecto está a ter um bom feedback do público? Quais as expectativas que coloca sobre a recepção deste trabalho? Não tenho expectativas. Estou super feliz por ser um trabalho que está a ser tocado. Falta a segunda parte do álbum, que vai sair em Novembro. A grande ambição, mais do que ser adorado ou ser gostado, é deixar o corpo de trabalho. Está feito, está aí no mercado para quem quiser ouvir. Essa é a missão. Depois o objectivo é partir para outra, e uma grande parte do processo criativo deve ser o abandono do que foi criado e trazer coisas novas, procurar outras coisas. Queria mencionar as pessoas envolvidas neste projecto. O álbum foi todo tocado por mim, e compus para todos os instrumentos. Mas houve sempre pessoas a ouvir e que me apoiaram, tal como o Beto e o Fred [restantes membros da banda Turtle Giant]. Importante mencionar o Eduardo Almeida, o trabalho de imagem feito pela fotógrafa Teresa Pamplona. Na produção do videoclip trabalhei com o Francisco Assis, com quem já tinha trabalhado noutras ocasiões. Como macaense a viver fora de Macau, sente que tem uma responsabilidade acrescida, no sentido de contribuir com um projecto cultural em prol da comunidade? Em parte, sim. A minha origem macaense é uma parte de quem eu sou, nem é inteiramente o que me define, nem eu vou definir o que é ser macaense. Macau estará para sempre ligado a mim e serei sempre o macaense e um filho de Macau. Tenho muito orgulho de ser um filho de Macau e de pertencer a uma família macaense com pontos marcados na história de Macau.
Andreia Sofia Silva EventosMúsica | António Vale da Conceição lança novo trabalho em Março “António Vale da Conceição – 4 Hand Pianos” é o nome do novo trabalho do músico macaense, que será lançado em Março em diversas plataformas digitais. António Vale da Conceição tem composto música para cinema e televisão e este lançamento é uma compilação das sonoridades que acabaram por não ser utilizadas em diversos projectos Foto de Dóris Marcos Depois de fazer música com os Turtle Giant, o macaense António Vale da Conceição está de regresso aos discos mas, desta vez, em nome próprio e com uma roupagem musical totalmente diferente. “António Vale da Conceição – 4 Hand Pianos” é o novo projecto que será lançado em várias plataformas digitais de música no próximo mês de Março. Este trabalho é o resultado de várias composições feitas para cinema e televisão e que acabaram por não ser incluídas nos projectos. Ainda assim, o músico não quis perder o trabalho feito nos últimos anos. “Fui trabalhando em alguns filmes e pondo de lado vários apontamentos que não funcionavam. São canções de que gosto, mas que não tinham utilidade”, contou ao HM. António Vale da Conceição trabalhou sozinho neste projecto. “Todas as músicas são feitas para piano, mas eu não sou pianista. Este trabalho pretende espelhar mais a composição, a banda sonora, do que a técnica propriamente dita do piano.” Sem instrumentos tocados ao vivo, “4 Hand Pianos” acaba por ter “uma componente expressiva bastante rica”. “Gostava que o álbum espelhasse um pouco as intenções da composição. Este é um álbum de tensão, porque os filmes assim o pedem, independentemente de serem cenas com mais ou menos drama, comédia ou acção. É a tensão que faz com que as coisas sigam para a frente e que exista um desenvolvimento”, acrescenta o músico. Voz e linguagem Para António Vale da Conceição, o “processo de compor é uma procura”, onde há sempre uma voz e “uma forma de abordar em uma linguagem”. Isso foi fundamental para escolher quais as composições que entravam nos projectos de cinema e televisão e as que ficavam de fora. “É algo omnipresente, mas há subtilezas nessa linguagem. Quando se procura fazer coisas para filmes ou personagens, quando se procura o tom da história, uma pessoa tem de se atrever e a escrever algo que possivelmente possa encaixar. É isso que determina o critério daquilo que é ou não importante.” Num processo cinematográfico, a música tem sempre o propósito de servir o filme, assegura o músico. “Os filmes nascem da contribuição de várias partes que são estritamente necessárias. Não é atirar com música épica que vai fazer com que o filme melhore, é nas subtilezas que encontramos algo especial, mas outras vezes não. Mas o critério é sempre servir o filme, fazer com que este fale mais alto, que a música não seja propriamente o centro da atenção, mas sim um veículo para que o filme seja melhor compreensível.” Apesar de este ser o primeiro trabalho lançado em nome próprio, desde os Turtle Giant, a verdade é que para António Vale da Conceição não é uma novidade trabalhar sozinho. “Já tinha feito ‘O Monstro’ há uns anos atrás, mas são coisas diferentes. Já faço há algum tempo música para filmes e séries de televisão. Este processo de trabalhar sozinho não é novo, mas não tenho lançado em formato disco.” De momento, os Turtle Giant não têm planos na agenda, uma vez que os três elementos estão a viver em três continentes diferentes. “Não estamos a gravar nada. Temos de admitir que a banda está um pouco parada, mas todos nós estamos activos a fazer música. O Fred [Ritchie] está em Los Angeles a produzir. Vamos estando atentos a cada um de nós. Todos participamos naquilo que cada um está a fazer.” Documentário premiado “4 Hand Pianos” inclui uma composição feita para o documentário “Beyond the Spreadsheet – The Story of TM1”, dirigido por António Vale da Conceição em parceria com Francisco Santos, e que ganhou recentemente o prémio de melhor documentário no festival internacional de cinema de Anatolia, na Turquia. Este documentário conta a história de Manny Perez, cubano inventor da tecnologia de cálculo TM1, adquirida pela IBM e que “revolucionou o mundo de uma forma muito silenciosa, mas que foi extremamente importante para a sociedade”, considera António Vale da Conceição. “Uma das coisas interessantes do filme é tornar mais evidente o impacto que isto tem nas nossas vidas. Espero que as pessoas estejam atentas e ganhem gosto por este mundo complexo, que é o mundo da informação e dos números, mundo financeiro e político. Esta é uma demonstração de como está tudo tão ligado e interdependente”, rematou.