Cinema | Documentário sobre Anthony Bourdain abre festival

O Festival Internacional de Documentários de Macau começa no dia 16 de Setembro com a apresentação de “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain”. O documentário que estreou no ano passado centra-se na vida e carreira do conhecido chefe de cozinha, crítico gastronómico e apresentador de televisão que correu o mundo, incluindo Macau, a mostrar iguarias

 

Um documentário sobre a vida e carreira de Anthony Bourdain, o famoso chef, crítico gastronómico e apresentador de televisão é a aposta para a abertura da sexta edição do Festival Internacional de Documentários de Macau (MOIDF, na sigla inglesa), que arranca no dia 16 de Setembro, sexta-feira. O evento, organizado pela Associação de Arte e Cultura – Comuna de Han-Ian conta com documentários de vários países e decorre até ao dia 10 de Outubro, sempre com exibições nos cinemas CVG do NOVA Mall, na Taipa.

O filme realizado por Morgan Neville, intitulado “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain” revela um lado íntimo do autor, já falecido, fora dos ecrãs.

O chefe de cozinha, que chegou a filmar um episódio do programa “No Reservations” em Macau, revelando os segredos da cozinha cantonense e macaense, teve uma vida cheia de altos e baixos, marcada pelo sucesso, mas também por alguma instabilidade emocional e consumo de drogas. A vida de pessoal de Bourdain, que cometeu suicídio, é aqui revelada através de testemunhos da ex-mulher, amigos e colegas, num documentário que convida à reflexão sobre o contraste entre o lado pessoal e público na vida de uma celebridade.

No dia seguinte, dia 17, “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain” volta a ser exibido, fazendo-se acompanhar pelas películas “Boiling Point”, de Philip Barantini, que relata a vida de um outro chefe de cozinha, Andy Jones, que trabalha num dos melhores restaurantes de Londres, mas que se debate com problemas de dívidas e uma vida pessoal caótica, um pouco à semelhança das vivências de Bourdain.

No mesmo dia é também exibido “Flee”, um documentário de animação com a assinatura de Jonas Pooher Rasmussen que retrata a vida de Amin Nawabi, um académico de 36 anos que vive há 20 anos com um segredo, o facto de ter sido uma criança refugiada do Afeganistão.

Aposta local

Com o tema “Outsider”, o Festival Internacional de Documentários de Macau propõe na sexta edição mostrar vivências de pessoas que estão à margem da sociedade. O cartaz aposta também na língua portuguesa com a secção “Sabor de Português” que inclui o filme experimental “Super Natural”, de Jorge Jácome, exibido dia 23 deste mês.

No dia 26 de Setembro será apresentado “O Território”, um documentário de Alex Pritz focado na luta entre os últimos membros da tribo indígena Uru-eu-wau-wau e os agricultores que, apoiados pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro, pretendem explorar as suas terras, destruindo aos poucos o habitat natural da tribo.

O cartaz do MOIDF inclui ainda uma secção destinada a apresentar o que de melhor se faz na área do documentário em Macau. Desta forma, os filmes da primeira edição da Competição e Exibição do Documentário de Macau serão exibidos nos dias 21 e 28, tal como as películas “The Lily Yet to Bloom (Director’s Cut)” e “21 Hours”.

O primeiro, da autoria de Lei Cheok Mei, conta a relação da realizadora com a sua mãe, croupier num casino, uma profissão que, devido às constantes mudanças de horário, alterou por completo as rotinas e, sobretudo, as relações familiares. Lei Cheok Mei é de Macau e formou-se em cinema e realização na Universidade de Taipei.

Por sua vez, “21 Horas” conta a vida diária dos estudantes transfronteiriços que todos os dias têm de passar a fronteira entre Macau e Zhuhai, o que lhes retira cerca de três horas ao dia, restando apenas 21 horas para as restantes actividades. O facto de viverem entre um lado e outro traz aos alunos uma diferença social e cultural e problemas de identidade, que são espelhados no filme. “21 Horas” conta com a assinatura de Kyla Liang, nascida em Zhuhai em 2001 e estudante de comunicação na Universidade de Macau.

O “MOIDF”, além de mostrar alguns filmes oriundos da Coreia do Sul, traz também a secção “Realizador em Foco”, com a aposta no trabalho de Zhou Hao, realizador chinês conhecido por mostrar nos seus filmes diferentes perspectivas da sociedade do país. Serão exibidos alguns filmes do realizador, como “O Presidente da Câmara Chinesa” e “Algodão e Uso”. Para culminar o ciclo dedicado ao cineasta, o próprio Zhou Hao irá protagonizar uma masterclass que visa a interacção com o público local.

8 Set 2022

Afinal

Horta Seca, Lisboa 26 Maio

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]al conhecia a pintura de Lisa Santos Silva. Nos últimos meses, sucessivas vicissitudes indisciplinaram as conversas, no que parece ter-se tornado o meu novo normal, mas ainda assim e por via da sua paciência e generosidade, consegui aproximar-me sem me queimar. Ou queimando aquele tudo-nada que permite o conhecimento. Na exposição que hoje inauguramos, afinal pretexto para o lançamento do fulgurante «Apaga Tudo, Não Esqueças Nada», a Lisa disse algo que ecoará duradoiramente. Uma vez perdida a infância africana, descobriu, no Prado, que a sua pátria era Goya. Nunca havia pensado nele como pátria. Não sabia que a tinha. O seu texto, a classificar na estante dos inclassificáveis, ajuda muito a perceber como cabe a cada um construir a respectiva pátria-vida, mesmo sobre ruínas, sempre sobre brasas. E resulta ser testemunho raro e pungente acerca deste nosso tempo, certa África mais ou menos mítica, a relação íntima com as imagens e a memória, as afinidades electivas. O que estas paredes sustentam são fotografias, marcadas pelo coração, pela caveira, pela sujidade da tinta. Apesar disso, percebo melhor a força dos olhares que queimam na pintura de Lisa Santos Silva. Preciso voltar à série Ecce. Preciso escrever ainda acerca desse Lobito que me persegue.

Horta Seca, 30 Maio

Não fui a nenhum dos debates, não li os dossiers publicados, não comprei nenhum hors-série, não folheei sequer os livros, polémicos ou nem por isso, sobre o assunto, mas Maio de 1968 marcou indelevelmente a minha maneira de ver o mundo. Soprou por ali um vento de liberdade, apesar do dito e do não feito, a despeito das razões ou dos protagonistas. O presente não me deixou regressar ao passado. Como de costume, afinal, voltarei atrasado noutro mês qualquer. Para perceber melhor.

Setúbal, a cidade-imagem, 2 Maio

Dia longo, a saltitar de exposição em exposição na Festa da Ilustração, com destaque inevitável para a Ilustração Portuguesa. Encontro quase sempre razões de entusiasmo, sofro de optimismo galopante. Parece uma selva, tanta a cor, diverso o estilo, surpreendente a fauna, luxuriante a flora. Nas narrativas de aventura cada detalhe conta: a surpresa, a ameaça, a fuga. Mas e a ternura? E uma ideia à solta, talvez até selvagem, como se ilustra? De tudo se encontra neste jardim tropical, que nem sequer está completo, firme, acabado. Pouco se notam idades, tamanho e peso do trabalho, o nome. Os mesmos de sempre limitam-se a pisar o terreno do costume, ou talvez não. Aquele arrisca saltar de suporte, experimentar, sem perder terreno. E os novos que florescem, sem pedir licença, a brincar como deve ser, a assustarem com cores e perspectivas e enquadramentos e figuração a empurrar cada limite? Dá para inventar percursos, em busca de rostos, ou de gestos, um toque de dedos e seio, um pé na bicicleta, um miúdo que escreve empoleirado na árvore, o toque de outro em tronco maior. Ou correndo atrás da dança das manchas, cinza sobre negro, corpo manchado de azul a pegar no cor-de-rosa, e nuvens, que aparecem nuvens por todo o lado. Nuvens que não tapam sol nenhum.

A imagem com que o João [Fazenda] iluminou o acontecimento (algures na página) brilha de tão loquaz. Uma mulher pendura uma nuvem, enquanto um homem pinta o sol e outro traça o mar a lápis. A disciplina que celebramos serve para isto mesmo, para desenhar a paisagem que habitamos. Sem ela, éramos, afinal, mais cegos.

A noite fecha (ou terá aberto?) com concerto no qual os ilustradores desenham com instrumentos. O frio foi afastado à força pela electrónica cool do Gonçalo Duarte, pela guitarra atmosférica do João Maio Pinto, pela eléctrica improvisação do Miguel Feraso Cabral, pela energia poética dos Bruxas/Cobras e pela explosiva criatividade dos Jibóia. Sem esta paisagem, éramos, afinal, mais surdos.

Facebook, 8 Junho

Tocou-me como a um próximo, esta morte do Anthony Bourdain (1956-2018). Não lhe admirei apenas a aventurosa liberdade, a criatividade nos modos de contar, o hedonismo militante, mas a capacidade de entender, ou pelo menos, a de ir em direcção ao outro sem perder o olhar crítico, a dançar sempre entre o irónico e o sarcástico. Aquela esfusiante celebração da vida estava, afinal, tintada com o veneno puro da morte. E o gesto possui uma explosiva naturalidade que não pode deixar de nos abalar. Na única nota de suicídio que me foi dirigida, a minha amiga fazia um pedido, impossível de cumprir: não procures razões.

Diário de Notícias, 8 Junho

Telefonema de véspera pediu-me um depoimento sobre Felipe Benítez Reyes e o seu Privilégio de Penumbra (pessoana) que lançaríamos por estes dias, no âmbito da Noite da Literatura Europeia, a maratona de leituras que procurar agregar continente à deriva. O dia não foi fácil, os dias não andam fáceis, mas consegui alinhavar estas linhas, que pensei irem de par com texto mais jornalístico tendo acabado por sair desgarradas na página de opinião.

«Nem no fado nos é permitido ceder à facilidade de achar que uma palavra basta para invocar os seus múltiplos sentidos, matéria ou sombra. Exemplo? Destino. Bastaria dizê-la, escrevê-la para que algo acontecesse? Não basta desenhá-la no ar, há que saber os caminhos que percorre entre nuvens e calçada. Um livro de poesia desvela-se na dança entre mãos e olhos, esse o palco maior onde acontece o mistério. O bom verso não se limita a dizer gabardina, terá que me entregar o cheiro a chuva. Sirva isto de entrada a pés juntos para dizer ao que venho: a publicação, que resulta ser a sua primeira em português, de Privilégio de Penumbra, de Felipe Benítez Reyes, poeta, narrador, ensaísta, tradutor, enfim, homem de letras (que não desdenha a imagem), nascido em Rota, Cádis, nos idos de 1960. Queria convencer-vos, cumprindo o prazer maior do editor, a entrar por estas páginas adentro, e com isto quero dizer cidade, no caso Lisboa, o porto dos portos para o transeunte perdido, lugar das partidas e chegadas, onde se faz, como em nenhum outro lugar, a contabilidade dos destinos. Porquê? Por ser Lisboa uma página manuscrita do poeta múltiplo: «Esta cidade, enfim, não a contemplas: lê-la/ na caligrafia oblíqua de Pessoa.» As colinas são, doravante, as letras desenhadas pela mão, olhos e mente de Fernando Pessoa. E de agora em diante por se transfigurar em futuro que toca o nosso presente a caminho do passado, ou vice-versa. Ou seja, Pessoa percebeu que a cidade do desassossego é a da nostalgia e do cansaço que faz de nós seres entediados do nosso tempo. Lisboa fez-se todas as cidades, em correspondência com as de tantos outros criadores ou filósofos. Cada um de nós é um homem perdido. Felipe passeia como ninguém, como flâneur, por estes lugares feitos de esquinas e montras, portanto, de ilusão. Para chegar a lugar nenhum, afinal a conclusão alguma. «Se pudesse reescrever a minha vida, rectificar os seus adjectivos/ e os seus tempos verbais, de que premissa partiria, de que tom?» As suas colagens, que ilustram o singelo volume, parecem querer responder. Somos também o viajante portentoso, «recipiente de todas as lendas e o depositário orgulhoso/ de todos os prodígios», aquele que avança sem medos. «O receio do futuro dissolve-se num copo mal lavado.» Somos nada, é certo, mas «eu, que não fui nada, fui por vezes o universo.»»

20 Jun 2018

Não dá mais

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esta vez foi o Bourdain. Sem que nada o previsse, decidiu fazer check out. Para nós, que assistimos à morte alheia do conforto do sofá, é incompreensível. Quase todos trocaríamos os nossos empregos das nove às seis para fazer o que ele fazia: viajar pelo mundo, conhecer pessoas e comidas diferentes e falar sobre essas experiências. Aparentemente, ele tinha concretizado – pelo menos profissionalmente – o sonho que move a maior parte de nós e ao qual muito raramente logramos chegar.

Não sei da história clínica do Bourdain. Não interessa. Um tipo para pôr fim à vida não precisa de história clínica. Esta só serve para prover uma explicação mais convincente – havendo antecedentes – para algo que em si já comporta a sua própria explicação: não dá mais. A morte voluntária é a derradeira das saídas. O caminho que se toma quando nenhum outro parece fazer sentido.

E quanto a isto, o mundo divide-se em dois. Há aqueles que percebem ou tentam perceber este acto tão radical e esses, de algum modo, já sentiram o peso dessa sombra, mesmo que de muito longe. E há os outros, que munidos de uma camada extra de resistência ou de certa forma imunes ao canto desta sereia, não encontram justificação para a escolha de Bourdain. A diferença entre uns e outros é que os primeiros não podem regressar ao estado de perplexidade dos segundos, enquanto que estes, a qualquer momento, podem vir a compreender os primeiros.

A nossa peculiar constituição assenta num pilar inequívoco: desde que nos conhecemos que estamos destinados a tomar conta de nós. Como se cada um se levasse a si próprio ao colo em direcção ao futuro. Este tomar conta de si próprio não implica que se façam sempre as melhores escolhas, implica apenas que a vida tem uma estrutura temporal e que o sujeito navega dentro dessa estrutura por via das decisões que toma. Das mais simples – como refugiar-se do sol em dias de calor – até às mais sofisticadas – escolher uma profissão e traçar planos para que essa escolha se cumpra. A desistência é, ela própria, uma escolha.

Por muitas escolhas que façamos e por muito acertadas que estas pareçam ser, podemos ficar sempre aquém do sentido mínimo exigível para continuarmos por cá. Por muito que façamos e por muito escudados que nos encontremos pelos nossos sucessos e pelas nossas conquistas, podemos encontrar-nos expostos a uma dor de tal magnitude que nenhuma carapaça lhe é impermeável. Essa dor, tenhamo-la perfilhado ou descoberto, faz ninho no coração e fala-nos ao ouvido. Exige de nós uma atenção que não estamos em condições de lhe recusar. Como o cavalheiro de que Eça fala algures, interpela-nos travando-nos pelo braço.

É essa dor que podemos carregar vida fora como um segredo ou como uma medalha. Podemos fazer tudo para minorar os seus efeitos ou podemos entregar-nos a ela. Ou, como humanos que somos, uns dias uma coisa, uns dias outra. Mas um dia, depois de muito lutar, depois de muito fingir que nada se passa, encontramo-nos frente a frente com ela e, nesse dia, decidimos que não lhe daremos um segundo mais de vitória. Levamo-la pela mão, sorrimos o sorriso dos resolutos e atiramo-nos ribanceira abaixo. Para os que ficam, para os que nos amam e não compreendem esta decisão, percebam que mais não era possível, que fizemos o que estava ao nosso alcance, que a nossa maior tristeza é abandonar a festa muito mais cedo do que gostaríamos. Mas não dava mais.

11 Jun 2018

Anthony Bourdain | Há seis anos, o chef norte-americano provou minchi

Foi com o programa “Sem reservas”, da CNN, que o chef, escritor e apresentador de televisão norte-americano Anthony Bourdain esteve em Macau, em 2011. Comeu caril de quiabos com camarão na cantina da APOMAC e jantou minchi na casa de Cecília Jorge, além de ter experimentado as iguarias chinesas em tascas de rua no Patane. Bourdain cometeu suicídio aos 61 anos em França esta sexta-feira

 

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]espretensioso, um conversador nato, um amante de boa e variada comida mas, sobretudo, de conversas sobre a cultura e os hábitos das pessoas. Assim era Anthony Bourdain, chef de cozinha, e escritor e apresentador de programas de gastronomia. O apresentador da CNN cometeu suicídio esta sexta-feira em França depois de ter atravessado um longo período de depressão e consumo de drogas duras.

Em 2011 Bourdain esteve em Macau a gravar um dos episódios do programa da CNN intitulado “Sem Reservas”, que contou com a presença de vários membros da comunidade macaense, tal como Cecília Jorge, que preparou um minchi na sua casa. Anthony Bourdain encontrou-se ainda com o falecido padre Lancelote Rodrigues no Clube Militar, que posteriormente o levou a almoçar na cantina da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC).

Francisco Manhão, presidente da APOMAC, recordou ao HM o momento em que o apresentador experimentou o prato macaense caril de quiabos com camarão, por sugestão do padre Lancelote Rodrigues, que adorava essa comida.

“Sei que adorou a nossa comida e falamos um bocado sobre a comida macaense e portuguesa também, sobre o que costumamos preparar na cantina da APOMAC”, contou Manhão, que ficou “surpreendido” com a visita de uma personalidade mundial. “Tanto Cecília Jorge como o padre Lancelote Rodrigues acharam que era um bom lugar para ele ficar a conhecer a gastronomia macaense.”

O presidente da APOMAC recorda “uma pessoa alegre e divertida”. Também Jorge Fão, outro dirigente da APOMAC, se lembra dessa visita inesperada, apesar de não ter estado presente nesse almoço.

“Tudo aconteceu no dia de aniversário de um colega meu. Quando ele estava a almoçar apareceu o Anthony Bourdain acompanhado pelo padre Lancelote Rodrigues. Foi o padre que o levou à APOMAC.”

Apesar do privilégio de contar com a presença do apresentador, os dirigentes da APOMAC nunca quiseram usar isso para promoverem o espaço de refeições, que, apesar de receber gente de fora, tem como principal objectivo servir almoços aos associados já idosos.

“A APOMAC nunca quis fazer publicidade, não gostamos muito de nos aproveitar disso. A APOMAC é sempre uma cantina que serve os idosos e os associados, é essa a nossa intenção original. Mas não podemos objectar a entrada de pessoas muito célebres. Isto é bom para a comida macaense, porque acontece a publicidade através de pessoas célebres, porque está em causa o nosso património.”

“Era frontal, inteligente”

Cecília Jorge, macaense e autora de inúmeros livros sobre a gastronomia já distinguida pela UNESCO, lembra que o seu encontro com o famoso apresentador foi fruto de um acaso, pois Bourdain nunca foi muito conhecido nesta zona do mundo.

“Foi uma situação um bocado maluca. Eu e o meu filho João trabalhávamos no jornal Macau Daily Times, e nós não tínhamos quase tempo livre para acompanhar pessoas. Não sabíamos quem ele era, porque em Macau não tínhamos acesso ao programa. O que aconteceu é que o editor da CNN em Hong Kong me pediu ajuda para ser consultora no programa, para que desse esse contexto sobre a gastronomia macaense.”

Cecília Jorge e o filho, João Jorge Magalhães, artista e designer, acabaram por ser guias gastronómicos de Bourdain, mostrando-lhe o que de melhor tem a comida macaense e chinesa. Além da cantina da APOMAC, o apresentador passou pelo restaurante Fernando, em Coloane, e por várias tascas de rua na zona da Ribeira do Patane.

“O João, como conhece esse sítios todos acabou por ir. No fim insistiram numa coisa que eu tinha dito desde o inicio que não participava, que cozinhasse na minha casa e servir uma refeição. Eu tinha dito desde o inicio que a minha cozinha era uma vergonha porque em Macau é tipicamente chinesa e não dava para fazer muita coisa, é pequena.”

A verdade é que Cecília Jorge acabou por confeccionar uma das centenas de opções que existem do minchi. E destaca as diversas dificuldades que a equipa de filmagens teve de enfrentar para conseguir fazer o programa em Macau.

“Eles insistiram comigo porque tinham tudo programado e a dada altura as pessoas começaram a desistir. Ele [o editor da CNN em Hong Kong] pediu-me então para lhe ir safando o programa, para não ser um flop. Acabamos por ajudar a fazer um programa que foi sendo adaptado constantemente. Só quem sabe a falta de condições daquela equipa para filmar… julgo que passaram dias sem conseguir comer sequer. E penso que mesmo assim fizeram um programa interessante.”

A autora do livro “Os Sabores das Nossas Memórias – A Comida e a Etnicidade Macaense”, entre outros, assume ter aceite o desafio apenas porque gostou do formato do programa de Bourdain, que era conhecido por experimentar todo o tipo de comida, desde a mais gourmet aos pratos de rua, servidos em tascas.

“O formato do programa agradou-me desde o inicio e percebi que seria uma boa maneira de abordar a gastronomia macaense e Macau, no fundo. Aceitei por causa disso, sem saber quem ele era e qual seria a dimensão e o impacto.”

Além disso, Bourdain “era frontal, inteligente, culto, vivido. Não era vedeta”, acrescenta a autora. “A abordagem que ele fez da comida foi interessante. Foram-se conseguindo mais pessoas para dar o cunho local sobre a maneira de se viver em Macau. Tive dois a três dias com ele e era uma pessoa extremamente interessante como ser humano.”

Mesmo quando almoçou na APOMAC, o apresentador da CNN destacou-se pela conversa e pela abertura em conhecer um novo tipo de gastronomia.

“Ele não experimentou muita coisa. Ele gostava de conhecer pessoas e a cultura, através da gastronomia ele queria saber como é que os povos vivem. Serviu mais em termos de conversa sobre questões culturais ligadas à comida do que propriamente para provar este ou aquele prato.”

11 Jun 2018