Fukushima | As dúvidas e os problemas 10 anos depois do acidente nuclear

Faz hoje 10 anos que o Japão enfrentou um grave acidente nuclear na cidade de Fukushima depois de um terramoto seguido de tsunami. O país encerrou entretanto muitas centrais nucleares mas depara-se com um dilema, dadas as responsabilidades que tem perante o Acordo de Paris. Há problemas que persistem enquanto a população continua a recusar a energia nuclear. Patrícia Neves, que esteve em Fukushima nessa altura e que escreveu um livro sobre o tema, recorda a experiência

 

Há 10 anos o Japão voltou a enfrentar o fantasma do nuclear depois dos acontecimentos da II Guerra Mundial, com os bombardeamentos em Hiroshima e Nagasaki. A 11 de Março de 2011, depois de um terramoto e de um tsunami, o país não estava preparado para um terceiro embate: um acidente na central nuclear de Dai-ichi, em Fukushima.
Patrícia Neves, à data jornalista da agência Lusa, foi destacada para fazer a cobertura dos desastres naturais e acabou por viver de perto o incidente nuclear. Dessa experiência resultou o livro “Império Nuclear – A era pós-Fukushima”, publicado em 2014, e um documentário.

Patrícia Neves só conseguiu voar para o Japão no dia 12. Quando chegou ao aeroporto de Tóquio, os sinais de caos foram imediatos. “Havia muitas filas de trânsito, continuavam a fazer-se sentir réplicas do terramoto a toda a hora”, recordou ao HM.

O objectivo era chegar a uma das zonas do país mais afectadas pelo terramoto, Tohoku, no nordeste do Japão. Patricia Neves viajou com uma equipa de jornalistas portugueses por questões de segurança. “Havia muitas pessoas desaparecidas na região e era muito difícil lá chegar. Numa situação normal essa viagem demoraria entre três a quatro horas, mas demorou cerca de 12.”

As estradas estavam cortadas, faltava o combustível em todo o lado. Foi nesse momento que começam as explosões na central nuclear de Fukushima. “Numa das explosões eu estava a atravessar a província de Fukushima. Quando chegamos à região [Tohoku] deparamo-nos com a devastação que o tsunami causou, uma coisa indescritível, um cenário de guerra. Depois havia a questão do acidente nuclear e das informações contraditórias que nos chegaram de várias fontes, das autoridades e dos media estrangeiros.”

O medo das radiações fez com que muitos repórteres tenham deixado o país nessa altura, mas Patrícia Neves decidiu ficar mais uns dias. “Impressionou-me o impacto do tsunami na vida das pessoas, mas também o acidente nuclear, algo que nunca tinha vivido e que foi muito forte a nível profissional e pessoal.”

A ex-jornalista destaca a “resiliência” com que os japoneses voltaram a lidar com um incidente nuclear. “A forma como o povo japonês reagia ao desastre também me sensibilizou, porque tem esta forma muito particular de reagir de forma muito ordeira a catástrofes.”

O incidente nuclear obrigou à deslocação de milhares de pessoas para outras zonas do Japão, tendo muitas famílias sofrido situações de discriminação. “Houve casos de bullying nas escolas, recusas de médicos em recebê-los. A população temia que a radiação fosse contagiosa, o que revelava que havia muito pouca informação sobre o nuclear. Fukushima abriu os olhos da população para o perigo do nuclear”, descreveu Patrícia Neves.

O medo que persiste

Aquele que foi o maior acidente nuclear da história desde Chernobyl, na Ucrânia, causou mais de 20 mil mortes e desaparecimentos. Ouvidos pela Reuters, os moradores da cidade de Iwaki, a 30 quilómetros do epicentro do tsunami, recordam, dez anos depois, os momentos em que a mãe natureza lhes pregou uma partida.

“Depois do terramoto e do tsunami houve muitos projectos de construção e eu fiquei ocupado com trabalho. Mas recentemente as coisas abrandaram um pouco. A minha vida está mais parecida com aquilo que era antes do desastre”, confessou Natsuki Suzuki, trabalhador da construção civil.

Persiste ainda um enorme medo em relação às radiações. Hiroharu Haga, vendedor de peixe de 49 anos de idade, disse que continua “preocupado com o que vai acontecer à indústria do peixe nos próximos dez anos”. “Há algum debate sobre o lançamento da água radioactiva tratada da central nuclear para o mar. Estou preocupado com o que vai acontecer depois disso. Há incertezas sobre o futuro.”

As preocupações não são em vão. Segundo o jornal Nikkei Asia, 140 toneladas de água são contaminadas diariamente, em média, e que é usada para remover substâncias radioactivas que permanecem na zona. Esta água é depois armazenada em tanques e já existem mais de mil, cheios a 90 por cento. A capacidade máxima de armazenamento destes tanques deverá ser atingida no Outono de 2022, altura em que a água terá de ser lançada ao mar.

Por entre os receios, há quem nunca tenha recuperado do choque, como é o caso de Yuko Yoshida, de 75 anos. “Não recuperamos de todo. Há ainda terras vazias, e não há nada que os turistas possam ver na prefeitura de Fukushima, apenas algumas pessoas regressaram”, contou.

Para Katsumi Teshima, empregada no sector de retalho, com 53 anos, é importante mostrar optimismo. “Na altura muitas pessoas estavam deprimidas e tinham caras tristes, mas penso que é importante mostrar que os nossos sorrisos estão a voltar e que isso não acontece apenas por causa dos Jogos Olímpicos. É importante mostrar às pessoas que os nossos sorrisos estão a voltar ao que eram antes.”

300 milhões para Tohoku

Mesmo com um terramoto e um tsunami, o acidente nuclear aconteceu exclusivamente por razões humanas, como disse à Reuters Kiyoshi Kurosawa, responsável pela investigação que concluiu que o incidente foi “totalmente feito pelo homem”. “Fukushima ficou marcado na história da energia nuclear”, acrescentou.

Para reerguer Tohoku dos destroços, o Governo japonês gastou 300 mil milhões de dólares americanos (32.1 triliões de yen), mas há áreas em Fukushima que permanecem por recuperar, sem esquecer que hoje a população está mais desperta para os perigos da produção deste tipo de energia.

Um inquérito divulgado pelo canal de televisão NHK revela que 85 por cento da população está preocupada com a energia nuclear. Outro inquérito, publicado pelo jornal February Asahi, conclui que 53 por cento dos inquiridos opõem-se à re-activação dos reactores, comparando com os 32 por cento que estão a favor.

“Passaram dez anos e algumas pessoas esqueceram. O zelo desapareceu. As reactivações não estão a acontecer, então as pessoas pensam que, se esperarem, a energia nuclear vai desaparecer”, declarou Yu Uchiyama, professor de ciência política da Universidade de Tóquio.

Patrícia Neves destaca o facto de hoje a energia nuclear representar apenas seis por cento do total de produção de energia do país, quando antes de 11 de Março de 2011 esse peso era de 30 por cento. As autoridades japonesas enfrentam, no entanto, um dilema, pois ao ratificar o Acordo de Paris, devem ter fontes renováveis e sustentáveis de energia. Mas o nuclear, uma energia limpa e barata, acarreta riscos.

“O que os especialistas dizem é que para [o país] cumprir com as suas obrigações há que voltar a apostar no nuclear e a colocar em funcionamento os reactores. A população continua a opor-se e o Japão está perante este dilema. Existe o problema da radiação e do armazenamento do lixo radioactivo. A situação da central de Fukushima está longe de estar resolvida e há ainda muito a fazer”, apontou.

Zero nuclear em 2069

Actualmente só nove dos 33 reactores nucleares obtiveram licença para voltar a operar de acordo com as regras de segurança pós-incidente, mas apenas quatro estão de facto a funcionar, e nenhum deles em Fukushima.  Dados do primeiro semestre de 2020 revelam que a energia nuclear representa apenas seis por cento do total das fontes de energia. Um conselheiro do Governo para as políticas energéticas, Takeo Kikkawa, lembrou à Reuters que o objectivo é que existam apenas 18 reactores em 2050 e zero em 2069, conforme foi anunciado pelas autoridades japonesas em Outubro do ano passado. “O Japão é um país pobre em recursos e não podemos abandonar de repente a opção do nuclear. Mas, na realidade, o futuro da energia nuclear é sombrio.”

Numa reportagem intitulada “10 anos de Fukushima: problemas tóxicos, poucas soluções”, o jornal Nikkei Asia relata como continuam a ser gastos milhões em matérias de segurança e de descontaminação de solos, e de como persistem as preocupações de moradores e dos que trabalham a terra.

Shinjiro Koizumi, ministro do Ambiente, declarou que vai levar tempo até que o país fique totalmente livre da energia nuclear. Isto porque o actual primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, “deixou claro que as energias renováveis devem ser uma fonte primária de energia e que deve ser maximizada a sua implementação”. Depois, “deve reduzir-se a dependência da central nuclear o máximo possível”, frisou o ministro.

11 Mar 2021

Acidente nuclear | ONG denunciam perigo em voltar a viver em Fukushima

[dropcap]O[/dropcap]ito anos após o acidente nuclear em Fukushima, o Governo japonês garante que os habitantes podem voltar a viver na zona sem correr riscos, mas várias organizações não-governamentais (ONG) denunciam que ainda há perigo para a população.

“A autarquia de Fukushima é apenas uma das 47 autarquias do Japão e apenas 2,7 por cento desta região ainda está sob ordem de evacuação”, disse o ministro da Reconstrução, Hiromichi Watanabe, aos jornalistas antes da cerimónia que assinalou o trágico tsunami de 11 de Março de 2011, que esteve na origem do desastre de Fukushima.

Devido aos esforços de descontaminação e reconstrução, em 97,3 por cento da autarquia “é possível levar uma vida normal”, acrescenta o ministro.

Para as ONG Greenpeace e Human Rights Now (HRW) essa informação do Governo japonês é falsa, de acordo com vários relatórios da ONU.

A Greenpeace referiu que os habitantes que retornam tendem a limitar as suas vidas para minimizar os riscos, o que não é exactamente “viver uma vida normal”.

“(Os habitantes) podem mudar o seu comportamento, por exemplo, evitando ficar muito tempo no exterior”, observou a organização num relatório.

A ONG acredita que, em alguns lugares nas comunidades onde a ordem de evacuação foi suspensa, “a exposição à radiação ao longo da vida pode muito bem exceder o nível aceitável de saúde pública”.

Divisões internas

Vários relatores e órgãos da ONU têm repetidamente criticado a decisão do Governo japonês de elevar a 20 millisievert/ano a exposição aceitável e torná-lo o nível de referência para o levantamento de ordens de evacuação, enquanto que normalmente seria de 1 millisievert/ano.

Para as ONG, essa generosidade com as cifras combinada com a cessação gradual dos subsídios para os deslocados colocam os antigos habitantes num beco sem saída, uma vez que, por razões financeiras, sentem-se compelidos a retornar.

A situação das crianças é considerada de grande preocupação pelas ONG e pelas Nações Unidas.

Em Outubro, num comunicado, um especialista em direitos humanos da ONU pediu que o Governo “parasse de trazer as crianças e mulheres em idade reprodutiva para áreas onde os níveis de radioactividade permanecem mais altos do que os considerados seguros antes do desastre”.

Em particular, o Governo japonês respondeu que essas observações são prejudiciais à imagem da região.

Na segunda-feira, um relatório do Instituto de Protecção contra Radiação e Segurança Nuclear de França (IRSN, sigla em francês) lamentou que “a questão das consequências da radiação sobre a saúde tenha se tornado tabu porque arrisca a dividir a população” entre aqueles que confiam nas autoridades e os outros.

12 Mar 2019

Fukushima | Aprovada reactivação de central nuclear depois do tsunami de 2011

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regulador nuclear japonês iniciou ontem o primeiro passo para a reactivação de uma central nuclear com quase 40 anos no Japão, afectada pelo terramoto e ‘tsunami’ de 2011 que desencadeou a crise nuclear de Fukushima.

A Autoridade de Regulação Nuclear do Japão deu ontem ‘luz verde’ para aumentar a vida útil da central nuclear de Tokai Daini, situada a 130 quilómetros a nordeste de Tóquio, na prefeitura de Ibaraki, contudo esta ainda terá de passar as próximas duas avaliações do regulador e obter as autorizações necessárias das autoridades locais.

Em 11 de Março de 2011, um terramoto de magnitude 9 na escala aberta de Ritcher e o posterior ‘tsunami’ arrasaram a região de Tohoku e causaram também na central de Fukushima Daiichi o pior acidente nuclear desde Chernobil (Ucrânia), em 1986. A central de Tokai Daini sofreu um apagão automático de emergência depois do tsunami que causou mais de 18 mil mortos e desaparecidos.

Dois dos três geradores de energia de emergência da central de Tokai Daini mantiveram-se operacionais e permitiram o arrefecimento do reactor nos dias a seguir ao desastre. A central, que foi desactivada depois do acidente, fez parte do apagão nuclear do Japão que se prolongou durante os anos seguintes à crise de Fukushima. Depois do acidente, o regulador nuclear japonês reforçou as regras e procedimentos de segurança, que em princípio proíbem o funcionamento de reactores com mais de 40 anos.

Segundo o regulador nuclear, entre as medidas apresentadas pela proprietária da central, a Japan Atomic Power, encontra-se o reforço das fontes de energia e a construção de diques costeiros, de modo a prevenir possíveis tsunamis com ondas de cerca de 17 metros.

A companhia proprietária da central não apresentou nenhum plano de evacuação em caso de emergência, o que afectaria cerca de 960.000 habitantes da área metropolitana japonesa.

A central recebeu ontem a primeira autorização, mas terá ainda de obter as aprovações seguintes nas duas avaliações a realizar pelo regulador em Novembro, quando a central completar 40 anos.

Tokai Daini também necessita de receber a autorização das autoridades municipais para iniciar as operações, o que não irá acontecer até 2021, ano em que se estima que as novas medidas de segurança estejam implementadas na sua totalidade.

5 Jul 2018