A falha politológica

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]uito se tem falado por aí da “falência da democracia” ou do seu fracasso. Engraçado e ao mesmo tempo trágico que se fale, se analisem as causas, façam-se as analogias históricas, retirem-se as devidas conclusões e, no fim, se encare o “fim da democracia” como uma inevitável fatalidade.

É pena que assim seja, uma vez que, e como disse o pensador, a democracia é o pior dos sistemas com excepção de todos os outros.

O que se passa é que ainda se confunde democracia com classe política. E Estado com Governo. Quando falha o Estado não falha este ou aquele Governo: falhamos todos nós, que somos o Estado. E falando de falhas, mas agora das geológicas, aquilo a que temos assistido nos últimos três ou quatro anos é uma intensa actividade sísmica na zona que é conhecida pela falha na placa tectónica da política – a falha politológica.

As frentes populistas a que temos assistido a sair agora da toca, anunciando o longo inverno da classe política convencional e a morte da democracia por holocausto nuclear, são agora as mesmas que eram antes, mas com outros temas. O avanço da tecnologia não foi acompanhado pela democracia, que assim não se dotou de um anti-vírus do populismo, e tem sido um derramar de infecções, umas atrás das outras, manifestadas através de meio cibernético, como não podia deixar de ser, e neste caso assumindo a forma de Facebooks e Twitters, os “transformers” da anti-democracia.

Aí encontramos todos os vírus que contaminam a democracia. De um lado os conspiracionistas, do outro os saudosistas. Os primeiros engendraram uma teoria da conspiração que passa por acreditar que uma tal “Nova Ordem Mundial” está a levar a cabo um plano, com a cumplicidade da classe política e económica dominante e do Vaticano (pasme-se), que passa pela “substituição populacional” ou ainda “genocídio branco”. Isto seria complicado de explicar aqui em poucas palavras, mas “in a nutshell” quer dizer que se eu optar por casar e ter filhos com uma pessoa de outra designação étnica que não a minha, estou a cometer “genocídio”. A sério, é isto mesmo e mais nada, e não se deixem convencer de outra coisa.

Os saudosistas, e destes tenho mesmo muita pena, são pessoas que descobriram finalmente que a democracia não foi feita para eles. Queriam uma placa dourada com o seu nome, descerrada com honras de pano de veludo vermelho, mas não deu. Daí que evoquem Salazar, o seu bom pastor, e recordem com saudades os tempos em que eram todos ovelhinhas no seu Presépio pobrezinho, coitadinho, que “nunca roubou”, sendo isto o melhor que se pode dizer dele. Os saudosistas que nasceram depois do 25 de Abril – data que desprezam sem saber nada dela – são simplesmente ignorantes. Não sabem do que falam.

No fundo e no fim de contas, o que está mal não é a democracia. É a falha politológica, a provocar todos estes abanões que nos fazem temer pela solidez das fundações da democracia. E para isto não há remédio, não sei, nem vou dizer a ninguém o quê ou como deve pensar. Passa tudo por um exame de consciência, mas se querem uma recomendação que não fica mal aceitar, aqui vai: leiam, analisem, duvidem, coloquem-se no lugar das pessoas, em suma, pensem.

8 Fev 2018