Hong Kong | Crystal Liu mostra trabalhos inéditos

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a primeira exposição individual da artista com ascendência de Hong Kong, Crystal Liu. A mostra “In Dreams” foi feita especialmente para o evento a ter lugar na Galerie du Monde na região vizinha. São 17 pinturas inéditas que retratam de forma abstracta o tema da paisagem e que vão estar em exibição de 14 de Setembro a 29 de Outubro.

De acordo com a apresentação do evento, “In Dreams” é mais uma exploração levada a cabo pela artista, agora radicada no Canadá, da paisagem enquanto “metáfora das forças intangíveis que dominam o ser humano”. Nas telas estão representados, de forma livre, os vários estados emocionais que acompanham Crystal Liu no processo criativo. “São narrativas de aprisionamento, de disputas, de desejo e optimismos frágeis que se reflectem em montanhas, estrelas, rios e rochas”, lê-se na apresentação da “In Dreams”. A intenção é retratar a complexidade muitas vezes paradoxal da existência, o caminho entre a esperança e a desilusão num misto de paisagem e vida privada da própria artista.

O guache e a aguarela são os materiais escolhidos para esta série e “In Dreams” foca-se no reflexo do céu na água, em ambientes nocturnos dentro de um contexto montanhoso. “O reflexo simboliza o espaço imaginário dos sonhos”, lê-se.

A Galerie du Monde vai também levar o trabalho de Crystal Liu à China Continental com a participação na Art Shenzhen e na ART021 em Xangai.

23 Ago 2017

Filme de Pedro Pinho pré-seleccionado pela Academia Europeia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme português “A fábrica de nada”, de Pedro Pinho, está entre os pré-seleccionados para os prémios da Academia Europeia de Cinema, anunciou aquela entidade.

“A Fábrica de Nada” é o único filme português na lista de 51 pré-seleccionados, de 31 países, divulgada na página oficial da Academia Europeia de Cinema na Internet.

Nas próximas semanas, os cerca de três mil elementos da Academia Europeia de Cinema irão escolher os nomeados nas várias categorias, cujos vencedores serão decididos por um júri constituído por sete pessoas.

As nomeações serão anunciadas a 4 de Novembro, no Festival de Cinema Europeu de Sevilha, em Espanha, e os vencedores serão revelados na 30.ª cerimónia dos prémios da Academia Europeia de Cinema a 09 de Dezembro, em Berlim.

“A Fábrica de Nada”, que chega às salas portuguesas de cinema a 21 de Setembro, estreou em Maio no Festival de Cannes, onde venceu o Prémio Fipresci, da Federação Internacional de Críticos de Cinema, a que se seguiu o prémio CineVision, em Junho, em Munique, para melhor novo filme.

O filme de Pedro Pinho, com três horas de duração, é interpretado por actores e não actores e segue a vida de um grupo de operários que tentam segurar os postos de trabalho, através de uma solução de autogestão colectiva, e evitar, assim, o encerramento de uma fábrica.

Pedro Pinho assina a realização, mas o filme de ficção foi construído em conjunto com Luísa Homem, Leonor Noivo e Tiago Hespanha, a partir de uma ideia de Jorge Silva Melo e da peça de teatro “A Fábrica de Nada”, de Judith Herzberg.

Sucesso em Cannes

Em Cannes, o filme foi considerado também o melhor de todas as secções do festival, de acordo com a soma final dos críticos presentes no evento, sendo só superado pela série televisiva “Twin Peaks”, de David Lynch.

“A Fábrica de Nada” teve estreia mundial na Quinzena dos Realizadores, secção paralela do Festival de Cannes. O director artístico da Quinzena dos Realizadores, Edouard Waintrop, destacou “a película pelo “uso de uma variedade incrível de géneros cinematográficos: é praticamente um ‘thriller’ no início, tornando-se íntimo, político, social, fazendo um breve desvio para a comédia musical.”

Em Julho, o filme venceu o prémio CineVision do Festival de Cinema de Munique.

“O prémio CineVision para melhor novo filme foi para ‘A Fábrica de Nada’, de Pedro Pinho. O júri considerou o filme ‘um drama comovente, um musical peculiar, um documentário preciso, um ensaio desafiador – compre quatro por um com este excelente filme em tempos de turbo capitalismo”, referiu na altura a organização do festival.

23 Ago 2017

Exposição | Trabalhos locais inspirados no Circuito da Guia

São duas as exposições que marcam o primeiro aniversário da Associação para a Promoção e Desenvolvimento do Circuito da Guia de Macau. Os trabalhos são de artistas locais e pretendem sensibilizar a população para a importância do património

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] o primeiro aniversário da Associação para a Promoção e Desenvolvimento do Circuito da Guia de Macau (APDCGM) e a data vai ser comemorada com a realização de duas exposições acerca de “O Circuito da Guia como Património Mundial da UNESCO”. “Faz este ano um ano que fundámos a associação e vamos fazer uma pequena celebração com a realização de várias actividades”, disse o presidente da associação, José Estorninho, ao HM.

Para o efeito, a associação está a organizar duas exposições colectivas que contam com a participação de artistas locais. Para ter acesso às obras a organização fez o convite a várias entidades de modo a chegar ao maior número de possíveis interessados em expor no evento.

As áreas artísticas estão “praticamente todas abrangidas”, diz José Estorninho. “Temos pintura, escultura, fotografia e joalharia, por exemplo”, ilustra o responsável. O objectivo é também “não deixar ninguém de fora e dar oportunidade ao maior número de pessoas de expor o seu trabalho até porque nem todos têm a oportunidade de participar em exposições”, refere.

Lugar especial

Por outro lado, a associação pretende chamar a atenção para a questão do património, nomeadamente no Circuito da Guia. “A defesa do património local é fundamental e o Circuito da Guia do Grande Prémio é um local que precisa de atenção e preservação” completa José Estorninho. Com o envolvimento de artistas e da comunidade, a associação pretende ainda “apelar e sensibilizar as pessoas para esta causa”.

José Estorninho está satisfeito com os trabalhos que têm chegado à associação. “Já recebemos 21 obras, o que podemos considerar um número alargado de artistas a participarem”, afirma. Para o responsável, as obras que vão ser exibidas já representam “uma colecção bastante abrangente e simbólica” que reflecte diferentes manifestações artísticas locais.

A primeira exposição tem data de inauguração marcada para o próximo sábado, pelas 18h15, na Galeria do Edifício RITZ, no Largo do Senado. Dadas as limitações de espaço não estarão aqui expostos todos os trabalhos e a 16 do próximo mês é inaugurada a segunda exposição, agora sim, com todas as obras recebidas. O local é a Galeria de Acesso à Fortaleza do Monte.

A escolha de dois espaços é também estratégica. Para José Estorninho “estas duas mostras vão dar a possibilidade aos visitantes de conhecer dois espaços diferentes além da própria exposição”.

Depois das exposições está já agendada uma palestra no Ritz. O tema será “O Circuito da Guia e o seu Futuro”. “Vamos focar o tema tendo em conta o ponto de vista de profissionais em várias áreas úteis para a matéria”, explica o responsável. A palestra pode ainda dar origem a uma troca de opiniões, sendo que, afirma, “é a primeira palestra do género no território”.

23 Ago 2017

Efeméride | Nova edição de “Clepsidra” assinala nascimento de Pessanha

Uma nova edição da tradução de “Clepsidra” para chinês, da autoria de Yao Jingming, exposições de pintura e fotografia e conferências no edifício do antigo tribunal vão marcar as comemorações dos 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha, já a partir do dia 31

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s 150 anos do nascimento do poeta português Camilo Pessanha começam a assinalar-se a 31 de Agosto, em Macau, com uma nova edição da obra “Clepsidra”, em forma de missal, anunciou o jornalista Carlos Morais José.

“Achamos que é a edição que o Camilo Pessanha gostaria de ver”, acrescentou ainda o mentor destas iniciativas.

Este lançamento, que vai decorrer no Consulado-Geral de Portugal em Macau, marca o arranque das comemorações dos 150 anos do nascimento do poeta, que viveu entre 1894 e 1926, na cidade onde morreu.

É “uma data que não podia passar sem uma manifestação cultural que trouxesse o poeta, um símbolo da cidade de Macau e uma das figuras mais importantes que aqui viveu, à memória das pessoas”, sublinhou o responsável pela iniciativa e director do jornal Hoje Macau.

Ao longo de uma semana, de 1 a 7 de Setembro, desta feita no edifício do antigo tribunal, Pessanha vai ser lembrado através de um conjunto de exposições de artes plásticas e de fotografia, conferências, inauguração de arte pública e lançamento de vários livros, disse.

No dia 1 de Setembro, “inicia-se oficialmente” a semana dedicada a Camilo Pessanha com a inauguração de duas exposições: uma de artes plásticas, com o título “Pessanha, a última fronteira”, com a participação de vários artistas de Macau com obras “inspiradas no poeta”. A outra exposição, “Cleptocronos”, é de fotografia de António Falcão, que já residiu em Macau e que vive actualmente em Portugal.

No mesmo dia vai ser lançada a versão em chinês da “Clepsidra”, numa tradução de Yao Feng e edição do Instituto Cultural de Macau.

“Vamos ter mais de 20 participantes, 11 de fora e os restantes locais, nesta semana de iniciativas sobre Pessanha”, adiantou Carlos Morais José, sobre o programa que vai decorrer ao longo da semana.

“A maior parte dos participantes são escritores conhecidos em Portugal e em Moçambique, como António Cabrita, que vêm cá falar de Pessanha e das suas obras”, afirmou.

A ideia de associar a comemoração dos 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha à passagem de mais um aniversário do Hoje Macau surgiu por se tratar de um “bom pretexto” para reunir escritores portugueses que publicam no jornal.

“A personalidade de Camilo Pessanha ultrapassa o seu espectro literário, também há o lado de cidadão. Nesse sentido o panorama cultural de Macau tem mais do que a obrigação de celebrar a figura mais ilustre da comunidade portuguesa de sempre em Macau”, disse ainda Carlos Morais José.

Motivar os mais novos

Um dos objectivos desta iniciativa é “motivar as novas gerações a produzir”, considerou Carlos Morais José, explicando ter decidido avançar com a organização desta semana “por não ter visto nenhum evento preparado pelas autoridades competentes”.

A 7 de Setembro, dia em que Pessanha nasceu, vai realizar-se “uma romagem ao cemitério, seguido de um almoço com a família do poeta” na Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC). A sessão de encerramento das celebrações vai estar a cargo de Luís Sá Cunha, com uma intervenção sobre “Por que é Camilo Pessanha o poeta de Macau”, disse.

Um jantar de gala no antigo hotel Bela Vista, actual residência do cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, em que a “ementa será idêntica a que comia Pessanha no início do século XX” encerra a semana.

Além das exposições, conferências e recitais de poesia em mandarim, cantonense e português, Carlos Morais José adiantou que vão ser lançados cinco livros: “Abril” de Amélia Vieira, “O exorcismo” de José Drummond, “Returning home dirty with the light” de Rui Cascais, “Karadeniz – Entrevista com um assassino” de Paulo José Miranda e “Morri” de António Falcão.

Colaboração com a TDM

Durante a semana vão também ser inauguradas três esculturas públicas da autoria de Carlos Marreiros, no Leal Senado, no Jardim Marginal e no Albergue SCM (Santa Casa da Misericórdia), acrescentou o director do jornal Hoje Macau.

Carlos Morais José destacou também a colaboração com a Teledifusão de Macau (TDM), na transmissão de poemas em vídeo e áudio.

Em data a anunciar, vai ainda ser inaugurada uma exposição histórica “Macau no tempo de Camilo Pessanha” (1867-1926), sobre o “ambiente físico, intelectual e político” em que viveu o poeta, disse o responsável, sobre o programa que marca os 150 anos do nascimento do poeta português e que contou com o apoio da Casa de Portugal em Macau, da Confraria da Gastronomia Macaense e da Associação para a Instrução dos Macaenses (APIM), entre outros.

Considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, Camilo Pessanha nasceu em Coimbra a 1 de Setembro de 1867 e morreu em Macau a 1 de Março de 1926.

22 Ago 2017

Hong Wai, artista plástica: “Trago a mulher contemporânea em tinta-da-china”

Foi para Paris para fazer um mestrado em arte e não voltou. A artista local Hong Wai usa as técnicas mais tradicionais chinesas para representar a beleza da mulher emancipada e os seus trabalhos andam um pouco por todo o mundo

[dropcap]C[/dropcap]omo é que apareceu a criação artística?
Sempre gostei de desenhar. Do que me lembro, já desenhava muito quando andava no infantário. No ensino primário passava os meus tempos livres a pintar e os meus colegas começaram a pedir-me alguns trabalhos. Queriam que lhes pintasse os cães, que desenhasse bonecas. Mas as aulas de desenho não me atraiam, eram muito monótonas. Aos 14 anos experimentei ter uma aula de pintura tradicional chinesa e gostei muito. Neste tipo de pintura é preciso conjugar vários factores. Há a incerteza da tinta no papel e os próprios gestos que se fazem com o pincel demonstram a energia e as emoções do artista durante o processo de criação. É uma pintura muito especial. Também tive uma excelente orientação dada pelo professor Ieong Deang Sang. Foi quem me ensinou os princípios da pintura chinesa: a relação entre a tinta e a água, entre o espaço cheio e vazio, entre a parte da luz e da escuridão no desenho. São princípios também filosóficos e que têm que ver com o Livro das Mutações. Fui aprendendo e tive a minha primeira exposição individual em Macau, aos 17 anos. Fui a artista mais nova no território a ter uma exposição individual o que significou muito para mim e acabou por me levar a ganhar confiança no meu talento. Acabei por mudar de opção académica de biologia para arte. Saí do território depois do liceu quando fui para a Universidade Nacional de Taiwan e acabei por seguir os estudos com o mestrado em arte em Paris onde vivo até agora. No início da minha carreira tive algumas pequenas exposições. Em 2013 criei a série “Secret de Boudoir” que foi uma alavanca para o reconhecimento do meu trabalho e foram muitas as galerias interessadas. Foi com esta cooperação com as galerias que acabei por participar em várias feiras de arte internacionais como a “Arte Stage Singapore”, a “Art Taipei” e a “Art Central Hong Kong”. Os meus trabalhos têm também passado por Nova Iorque e por Miami. Depois de “Secret de Boudoir” criei “Feminine Landscape” e “Lumière Nocturne – La Foret”. Neste momento coopero também com várias galerias em Miami, Taiwan, Macao, Paris e posso dizer que sou artista a tempo inteiro.

Estudou arte tradicional e caligrafia. O seu trabalho é conhecido pela mistura que faz destas áreas com o que se pode chamar de arte contemporânea. O que é que vai buscar a cada género?
Na minha abordagem artística, o uso e a interpretação da tinta-da-china é uma jornada diária. Procuro criar novas fronteiras usando técnicas tradicionais antes reservadas aos letrados, à classe intelectual oficial (cuja teoria deriva da dinastia Song), com a minha forma pessoal, feminina e misteriosa. Através do uso de tinta e papel chineses, e de imagens que sugerem fortemente o mundo feminino, questiono o poder masculino. Tradicionalmente, a tinta-da-china era um campo exclusivamente de homens. Foi a classe letrada chinesa que decidiu os temas da pintura com montanhas, rios e paisagens, como representação filosófica da harmonia entre a natureza e o homem. Através da arte, pretendiam ilustrar o país imperial. Estas obras-primas da paisagem pertencem à Colecção Oficial de Arte da China Imperial das Cinco Dinastias e vai até os tempos modernos. Eu, em vez de representar a virtude através da arte ou da moda tradicional chinesa, prefiro expressar e ilustrar a feminilidade com imagens contemporâneas e não convencionais. As minhas paisagens com montanhas e rios transformam-se em lingerie entrelaçada. A ode ao céu e à terra torna-se uma ode ao “yin” sensual, oculto e incontornável.

É tratada pela crítica como a “Fille Mysterieuse” que dá sentido, de alguma forma, ao Taoismo.
Na minha última criação “Feminine Landscapes” o corpo feminino é tratado como se fosse uma paisagem com as suas diferentes camadas. A crítica de arte Myriam Dao classificou este trabalho como “de mulher misteriosa” em que o Taoismo ganha uma forma contemporânea. Penso que Myriam Dao integrou o Taoismo no meu trabalho por causa das imagens femininas desta filosofia. A figura da deusa é uma das personagens principais em muitas histórias taoistas. A diferença mais óbvia entre um deus e uma figura comum está na imortalidade. Os deuses conseguem sempre manter a vida e a juventude. A beleza e juventude são, nos contos taoistas, a grande tentação. Tal como eu, os contos taoistas gastam muita tinta na descrição da beleza imortal das deusas.

É conhecida pela sua abordagem feminista. Como é que a descreve?
A minha perspectiva feminista está próxima do “Lipstick” no século XX.
O chamado feminismo do batom é uma variedade de feminismo de terceira geração que procura abraçar conceitos tradicionais de feminilidade, incluindo o poder sexual das mulheres. Ao contrário das primeiras campanhas feministas que se concentraram nos direitos fundamentais das mulheres, e que começaram pela exigência do direito ao voto, o feminismo do batom procura perceber se as mulheres podem ser feministas sem ignorar ou negar a sua feminilidade, nomeadamente no que respeita à sexualidade. Durante a segunda geração de feminismo, as activistas concentraram-se unicamente na igualdade jurídica e social das mulheres e recusaram-se a “abraçar” a sua sexualidade. Algumas mulheres abominavam a ideia da sua feminilidade e muitas vezes assumiam características físicas masculinas. Queriam distanciar-se da imagem da mulher tida como normal e acabaram por criar uma série de estereótipos associados à imagem do que seria uma feminista. O feminismo do batom, por outro lado, dá importância os conceitos de feminilidade, sexualidade feminina emitida pelo corpo de uma mulher e à necessidade de assumir o sexo. O feminismo do batom também procura recuperar algumas palavras depreciativas e transformá-las em ferramentas de poder feminino. É o caso da palavra “vagabunda” no movimento “SlutWalk”. Esta é uma ideia que se desenvolveu como resposta às ideologias mais radicais do feminismo de segunda geração que deram relevo à “feminista feia” ou “feminista anti-sexo”. No fundo esta terceira geração de feminismo veio adoptar o que a segunda tinha condenado.

O que é que as mulheres escondem, que a Hong Wai revela?
Tradicionalmente, a pintura com tinta da China era apenas reservado aos homens, como já disse. O que tento fazer é “dobrar” esta ideologia masculina neste tipo de pintura. Quero trazer a imagem estereotipada para uma nova fronteira, a mais feminina e escondida. Por exemplo, na pintura tradicional chinesa, “Maids of honour”, está representada a virtude. No meu trabalho “Secret de Boudoir”, não desenho sequer as mulheres não pretendo descrever as virtudes de uma mulher (que de si transporta já para a prestação de um serviço, normalmente a homens), o que faço é um retorno à própria mulher, à sua vida privada, aos seus bens. Faço isso com todo o detalhe, tanto na lingerie, como nos saltos altos, nos perfumes, etc. Trago a mulher contemporânea em tinta-da-china, uma técnica confinada durante séculos aos homens.

Considera-se provocadora?
Sim, e por isso que que o meu trabalho é divertido e tem significado.

O que acha da arte feita em Macau?
Temos bons artistas em Macau que têm de trabalhar muito para viverem das suas criações. Muitos deles estudaram na China Continental e trazem consigo muita energia e surpresa.

Na sua opinião, o que poderia ser feito em Macau para promover mais os artistas locais?
Os artistas precisam de duas coisas: um lugar para trabalhar onde possam criar e que seja acessível e estável e de galerias e colecionadores que promovam e vendam o trabalho feito. Para promover mais os artistas locais, primeiro há que ajudar os criadores a terem um local de trabalho em que não se tenham de preocupar com o aumento das rendas. Em França, por exemplo, há uma lei que protege o inquilino e o aluguer só pode aumentar até cinco por cento por ano durante o contrato. Depois há que promover mais galerias profissionais que tenham as suas redes de coleccionadores que comprem arte local.

Considera que o mundo ocidental está cada vez mais interessado no que é feito no oriente? Porquê?
Sim, sinto o mundo ocidental cada vez mais interessado em arte oriental e o contrário também acontece. Esta era, a da globalização, gera a interdependência das actividades económicas e culturais do mundo. O extremo oriente já não é tão longe, o mundo ocidental quer entender cada vez mais o que lá se passa e a melhor maneira é através da sua arte e cultura.

21 Ago 2017

Spa com massagens orientais abre em Guimarães

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ois portugueses radicados em Macau abriram recentemente um spa com massagens de pés do sudeste asiático na cidade de Guimarães, em Portugal. O espaço, com o nome “Ponha aqui o seu pezinho” apresenta “um conceito de fusão único e inovador de massagem nos pés” e foi pensado por Gonçalo Lobo Pinheiro e Vanessa Amaro.

Segundo um comunicado, os dois decidiram abrir este espaço por terem “apanhado o bichinho da massagem na Ásia” nas muitas viagens que realizaram. O nome do spa surgiu a partir de “uma canção popular portuguesa e daí veio toda a filosofia de fusão: as massagens são essencialmente asiáticas, mas em vez da tradicional música relaxante de spa, ouve-se bom Fado e bebe-se uma chávena de chá cem por cento português”.

O spa, que abriu portas a 13 de Junho, disponibiliza tratamentos com produtos portugueses. Os clientes podem escolher o óleo de massagem que preferirem, tendo à disposição várias opções de esfoliantes e banhos de imersão, “bem como uma máscara de argila que ajuda a desintoxicar o organismo”.

Vanessa Amaro e Gonçalo Lobo Pinheiro já pensam na abertura de um segundo espaço, desta vez em Lisboa.

20 Ago 2017

Casa de Portugal | Instituição promove um festival de Verão

Uma festa de Verão para todos é a sugestão da Casa de Portugal para este fim-de-semana. Música, dança, jogos e presentes são alguns dos condimentos para amanhã e domingo na zona das Casas Museu da Taipa. “Na Rota do Verão” é uma iniciativa para estar mais perto da comunidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s rubricas são muitas e para todos os gostos. A proposta é da Casa de Portugal em Macau (CPM) que leva à zona das Casas Museu da Taipa o festival “Na Rota do Verão”. O programa foi feito a pensar em todas as idades e a ideia é ter dois dias “com coisas giras”, disse ao HM a presidente da CPM, Amélia António.

Os mais pequenos têm música especialmente feita para eles. Tomás Ramos de Deus, Miguel Andrade e Paulo Pereira são os intérpretes de serviço que prometem tocar alguns dos êxitos mais conhecidos dos miúdos. O tema “Let it Go”  da banda sonora do filme “Frozen” e o “Cavalinho”, que integra o disco “Castelos no Ar”, são apenas duas das canções que constam do repertório.

De acordo com Diana Soeiro, membro da organização, trata-se de “músicas infantis de temas emblemáticos da Disney em português e em inglês, e de desenhos animados internacionalmente conhecidos, transversais a todas as idades e nacionalidades”. Para ajudar não irá faltar um animador vestido de panda, completa.

Os mais velhos não são esquecidos e, dentro dos espectáculos musicais, há três espaços disponíveis em diferentes tempos, até porque cada horário apela a uma sonoridade específica.

“Ritmos da Tarde” é a rubrica que traz “a sonoridade marcada por ritmos alegres que caracterizam o Verão”, aponta Diana Soeiro. A organização dá exemplos de temas que se conjugam com o ambiente pretendido e que passarão com certeza na rota. Clássicos de Bob Marley, como “No Woman No Cry”, ou de Stevie Wonder não vão ser esquecidos.

Jazz da casa

A CPM destaca ainda a estreia do projecto de jazz local que, no repertório, traz temas de música portuguesa com arranjos originais de Miguel Andrade. São os Jazzés que vão interpretar temas de Sara Tavares e John Legend, entre outros.

Mas o dia acaba de noite e, para esse momento, está guardada a “Serenata ao Luar”. O objectivo, diz a organização, é “recriar um ambiente intimista com recurso a cubos de luzes em que a sonoridade é marcada por sons tranquilos”. Vozes, guitarras, saxofone e clarinete vão ser os sons ouvidos e “a originalidade deste concerto prende-se com o facto de os músicos apresentarem temas com novos arranjos feitos pelo Miguel Andrade, guitarrista do projecto”.

Entretanto, e para diversificar o programa, a dança vai ter lugar com “Aerodance”. O evento consta de música dançável e a ajuda de um instrutor que convida o público a participar em diversas coreografias.

Jogos tradicionais vão também animar as tardes num regresso ao passado que passa pelo jogo do elástico, da macaca, saltar à corda e jogar ao pião.

Um apontamento de interactividade é feito com o Riquexó. Trata-se de uma marioneta interactiva construída e manipulada por Sérgio Rolo que vai acompanhando o público ao longo de toda a festa.

De acordo com Amélia António, “Na Rota do Verão” é uma actividade esporádica que se inclui entre as várias iniciativas que a instituição tem, em cooperação com os Serviços de Turismo.

O evento vai ser feito na zona das Casas Museu da Taipa que, aponta a responsável, “é um lugar onde as pessoas gostam de ir”.

A importância deste e de outros eventos do género é evidente para Amélia António. “É uma maneira de chegarmos a um público maior e de levarmos a nossa presença um bocadinho mais longe.” Caso contrário, considera, “a Casa de Portugal fica muito confinada àquilo que é feito apenas com os associados”.

“Queremos mostrar um trabalho útil para a comunidade e para Macau, para a diversidade que o território apresenta”, remata a responsável.

20 Ago 2017

Tese | Indústria da moda profissionalizou-se e está a crescer

Chama-se “A indústria da moda de Macau no século XXI: uma perspectiva global do intercâmbio cultural entre a Ásia e a Europa” e é a tese de doutoramento da estilista Ana Cardoso. Nela é traçado um retrato sociológico dos designers locais e analisam-se perspectivas de mercado, sem esquecer a influência de um mundo multicultural nas colecções

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão, na maioria, mulheres. Fizeram a sua formação em Macau e, em segundo lugar, no Reino Unido. Trabalham sozinhos e poucos têm empregados, apostando tudo na sua própria marca. É este o retrato sociológico que a estilista Ana Cardoso traça dos designers locais e que consta na sua tese de doutoramento, entregue à Universidade de São José.

Intitulado “A indústria da moda de Macau no século XXI: uma perspectiva global do intercâmbio cultural entre a Ásia e a Europa”, o trabalho faz uma análise da indústria de moda local, da influência que as várias culturas trouxeram ao processo criativo e quais as estratégias de mercado a adoptar.

Os números apresentados por Ana Cardoso são fruto de um inquérito online realizado entre Maio e Junho de 2015, que tentou abranger os 35 estilistas ou marcas com registo no território. Com base nas 13 respostas válidas recebidas, a doutoranda pôde concluir que 77 por cento dos estilistas locais são mulheres. A maioria, 61 por cento, tem entre 26 e 30 anos, sendo que 46 por cento dos inquiridos fizeram a sua formação superior em Macau. Com 31 por cento, o Reino Unido surge como a segunda opção de formação nesta área.

Os dados mostram que, apesar de estarmos perante uma indústria em crescimento, as marcas não têm ainda uma solidez financeira que lhes permita empregar pessoas, uma vez que apenas 15 por cento dos inquiridos disseram ter empregados. A maioria, 39 por cento, trabalha sozinho nas suas produções ou com amigos e familiares.

As conclusões da tese de doutoramento mostram que os estilistas locais têm hoje mais capacidade para viver do seu trabalho. “Descobrimos que os designers locais estão mais envolvidos no seu trabalho criativo do que esperávamos. Isso mostra que estes têm laços com a indústria, seja através de cursos de moda ou do apoio familiar. A maior parte dos estilistas locais trabalha a tempo inteiro nas suas próprias marcas”, lê-se no documento.

Ana Cardoso conclui que “a indústria de moda local tem uma base forte e tem vindo a expandir-se”, sendo que os estilistas locais utilizam Macau “como um ponto de partida para promover o seu trabalho nos desfiles de moda e websites”.

Tendo a maioria dos inquiridos feito a formação no Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM), as vendas das suas colecções fazem-se “nas suas próprias lojas, em showrooms e também em lojas com diversas marcas”.

O mercado online é, segundo a doutoranda, muito importante para a obtenção de receitas. “Outra descoberta importante foi a importância das plataformas online. Os designers locais vendem os seus produtos no comércio electrónico, além de manterem as lojas tradicionais, ateliers, showrooms ou lojas pop-up. Esta estratégia é inteligente, simples, barata e rápida”, lê-se.

Enquanto a produção de grandes peças se faz na China, os acessórios e outro tipo de produtos de menor dimensão são feitos em Macau.

Uma indústria a crescer

Findo o boom das indústrias têxteis a partir da década de 1980, o mundo da moda em Macau tem vindo a mudar. A tese de doutoramento de Ana Cardoso fala numa expansão e na existência de um momento de viragem do sector. “A maior parte dos designers locais acredita que a indústria da moda está a crescer lentamente e a tornar-se maior”, observa.

“Entendemos que hoje em dia o processo criativo dos estilistas locais é reconhecido como profissão. Os designers trabalham a tempo inteiro nas suas próprias marcas para desenvolverem produção em larga escala na China ou uma pequena produção nos seus ateliers”, lê-se na tese.

O trabalho académico de Ana Cardoso chama também a atenção para uma maior formação dos estilistas. “Ao longo dos anos, os cursos superiores têm vindo a adaptar-se às necessidades do mercado. A mudança foca-se sobretudo na especialização do design de moda. Hoje em dia, os cursos estão mais focados nas tecnologias ligadas ao processo criativo do design de moda, o que dá um maior potencial aos alunos na entrada do mercado.”

Sendo Macau um mercado pequeno, Ana Cardoso conclui que é importante que os estilistas olhem lá para fora. “Este estudo mostra que os designers locais necessitam de uma vasta flexibilidade e diversidade para se adaptarem aos mercados asiático, de Macau e ocidental. O mercado de Macau é pequeno, e a Ásia pode ser um mercado potencial, liderando o processo criativo”, diz.

“Made in Macau” precisa-se

O inquérito revela ainda que 54 por cento dos inquiridos acreditam que a presença de produtos de luxo no mercado local afecta os produtos locais. Neste sentido, Ana Cardoso conclui que é necessário fazer uma maior ligação entre o que tem a etiqueta “Made in Macau” e o que vem de fora e que é vendido a preços elevados.

“O Governo precisa de ligar as marcas locais para criar produtos únicos em Macau, que possam garantir uma diferenciação face a outros produtos internacionais. Tal irá ajudar a expandir as lojas de diferentes marcas em Macau, numa mistura de marcas de luxo e produtos locais, para garantir que Macau possa ser um destino de compras no futuro.”

Ana Cardoso lembra ainda que o facto de Macau ser um território multicultural desde o século XVI trouxe influência à moda que se faz nos dias de hoje, sem esquecer as referências históricas do vestido de casamento tipicamente macaense.

Os estilistas locais “acreditam que Macau é um local de misturas culturais e que a indústria da moda é também um mercado com várias misturas, sendo que muitos dos cidadãos locais são influenciados pelos estilos do Japão, Coreia do Sul e Europa”.

“A realidade multicultural também influencia as criações dos estilistas e este panorama multicultural pode ser uma vantagem enquanto inspiração no processo criativo. Os estilistas mencionaram que ‘Macau é um lugar multicultural’ e que ‘Macau é território chinês e português, e as roupas reflectem estas duas culturas’.”

O trabalho académico faz ainda menção ao grande apoio que o Governo tem dado à indústria da moda, não só através da concessão de subsídios, como da criação de eventos que mostram as colecções que por cá são feitas.

17 Ago 2017

Ruy Castro escreve biografia sobre autor Nelson Rodrigues

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] vida “mítica” e “trágica” do autor brasileiro Nelson Rodrigues é revelada pela primeira vez numa biografia escrita por Ruy Castro, intitulada “O Anjo Pornográfico”, que chega às livrarias portuguesas no dia 25, pela editora Tinta-da-China. “Como se verá, ninguém o conheceu direito. Até agora”, escreve o biógrafo Ruy Castro, na introdução do livro em que conta a “espantosa vida de um homem que sempre foi arrastado para uma realidade mais dramática do que aquelas sobre as quais escrevia”.

Ruy Castro, considerado o maior biógrafo do Brasil, partiu de uma investigação exaustiva para construir esta biografia, sustentada em entrevistas feitas a mais de 120 pessoas que conheceram o escritor, consulta de arquivos e leitura dos seus livros.

É deste modo que Ruy Castro segue o rasto das obsessões que gravitam em torno de Nelson Rodrigues – sobretudo o sexo e a morte – e tenta responder às “muitas questões que pairam sobre a forte impressão que deixou: Génio ou louco? Tarado ou pudico? Reaccionário ou revolucionário? Raivoso ou apaixonado?”.

O resultado é a “assombrosa história” de um homem que, “além de escritor prolífico, com uma produção a todos os títulos espantosa”, foi também protagonista de uma “vida extraordinária”: com pobreza, fome, a cegueira da filha, sucesso e declínio, doenças fatais e sucessivos golpes à sua vasta família, desde homicídios (como a do irmão Roberto, a que assistiu) a soterramentos.

Ruy Castro explica que a narrativa lembra às vezes um romance, porque “não há outra maneira de contar a história de Nelson Rodrigues e da sua família”, mais trágica e rocambolesca do que qualquer das suas histórias, mas simultaneamente tão fascinante como as que criou. No entanto, não há neste livro qualquer estudo crítico, análise ou interpretações, apenas a explicação de onde, quando, como e por que Nelson Rodrigues escreveu todas as suas peças, romances, contos e crónicas.

Como exemplo, o autor refere que, num capítulo dedicado à peça de teatro “Vestido de Noiva”, não há teorizações de qualquer tipo sobre o significado dessa peça, tendo apenas pretendido saber, e revelar, o que aconteceu antes, durante e depois da montagem, na plateia, no palco, nos bastidores e como isso se reflectiu na vida de Nelson Rodrigues.

A biografia inclui uma compilação de fotografias obtidas em acervos de parentes ou amigos de Nelson Rodrigues e em arquivos de jornais.

A surpresa ambulante

Escritor polémico, Nelson Rodrigues carregou durante muitos anos a fama de “tarado” e nos seus anos finais a de “reaccionário”, tendo sido perseguido durante toda a vida, da direita à esquerda pela censura e pelos críticos, pelos católicos e pelas plateias, e “todos, em alguma época, viram nele o anjo do mal, um câncer a ser extirpado da sociedade brasileira”. Mas, ao mesmo tempo que queriam “caçá-lo a pauladas”, havia muitos para quem parecia impossível admirar Nelson Rodrigues o suficiente, acrescenta o seu biógrafo, lembrando que “para alguns, era um santo; para outros, um canalha; para todos, sempre, uma surpresa ambulante”.

Ruy Castro é também autor das aclamadas biografias de Carmen Miranda e Garrincha, e tem publicado em Portugal “Chega de Saudade: A História e as Histórias da Bossa Nova” e “Carnaval no Fogo”, ambos pela Tinta-da-China.

Editou e prefaciou várias colectâneas de textos de Nelson Rodrigues, cuja obra completa está a ser publicada em Portugal pela mesma editora, que conta já com os livros de crónicas, de memórias, de contos e o único romance escrito em nome próprio.

16 Ago 2017

Japão | Museu de Yayoi Kusama é inaugurado em Outubro

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um dos nomes principais das artes japonesas, uma das artistas mais bem-sucedidas do mundo. A octogenária Yayoi Kusama vai ter um museu dedicado exclusivamente à sua obra. O espaço fica em Tóquio e já tem data para a inauguração

Será um local obrigatório numa visita à capital do Japão. A partir de 1 de Outubro, na zona de Shinjuku, vai ser possível ver várias obras de Yayoi Kusama num espaço só. Pintora, escultura e escritora, Kusama tem um trabalho que fica para a história da arte por ter uma obsessão por pontos. A arte da octogenária é conhecida como “Polka Dot”.

O museu dedicado à artista japonesa com maior projecção ao nível internacional tem cinco andares. Trata-se de um edifício branco, da autoria do arquitecto Kume Sekkei, que ficou concluído em 2014. Nada se sabia sobre o que poderia ser o prédio branco com grandes janelas de vidro e muito se especulou sobre a futura utilização da estrutura. Sabia-se que estava ligado a Yayoi Kusama e a imprensa japonesa admitia a possibilidade de ser um museu, que ainda não teria aberto portas por causa da saúde da artista.

Yayoi Kusama vive num hospital psiquiátrico no Japão, para onde foi de livre vontade em 1977, depois de ter passado quase 20 anos em Nova Iorque. A artista sofre de transtorno obsessivo-compulsivo, sendo que os pontos que utiliza no que faz são precisamente uma das suas maiores obsessões.

Sem grandes detalhes, o Museu Yayoi Kusama, que conta já com um website, anunciou que o espaço está pronto para ser inaugurado. No rés-do-chão, junto à entrada, haverá uma loja de recordações. Os segundo e terceiro andares são destinados aos trabalhos da artista plástica, com o quarto piso reservado a instalações. No quinto andar há uma sala de leitura onde será possível consultar documentos e outros materiais sobre a Kusama e a sua obra. Há ainda um espaço ao ar livre.

O museu terá duas exposições diferentes por ano. Na inauguração, vai ser exibida uma mostra que, em português, terá o título “A criação é uma busca solitária, o amor é o que nos aproxima da arte”. Estará patente até 25 de Fevereiro do próximo ano. O bilhete de acesso ao museu custará pouco mais de 70 patacas.

De Nagano para o mundo

Nascida na prefeitura de Nagano em 1929, filha de uma família abastada mas disfuncional, Yayoi Kusama começou a pintar pontos e redes por volta dos dez anos. Foi por essa altura que começou a ter alucinações que descreveu como “luzes e campos densos de pontos”. Esses momento envolvia flores que falavam com Kusama, padrões que ganhavam vida e se multiplicavam, um processo que viria a aplicar na carreira artística e ao qual chamou de “auto-obliteração”.

Aos 13 anos, em plena Segunda Guerra Mundial, foi enviada para uma fábrica de materiais militares, onde cosia para-quedas para o exército japonês. Recorda a adolescência como um período de escuridão, mas diz também que foi durante esta fase que descobriu a liberdade criativa.

Em 1948, foi estudar pintura para Quioto. Descontente com o que se fazia, na época, no panorama artístico do Japão, começou a interessar-se pelo movimento avant-garde europeu e americano. Durante a década de 1950, teve algumas exposições individuais em Matsumoto e Tóquio.

Em 1957, a artista nipónica mudou-se para os Estados Unidos. A arte que fazia passou a ser em grande escala: quadros e esculturas de dimensões consideráveis, com recurso a espelhos e a luzes. No final da década de 1960, participou em várias manifestações ligadas ao movimento contra a guerra.

Com o seu trabalho reconhecido também na Europa, Yayoi Kusama regressou ao Japão em 1973. Continuou a pintar, mas também se dedicou à escrita, tendo vários romances publicados. Os seus trabalhos já passaram pelos principais museus e galerias do mundo, do Georges Pompidou, em Paris, ao MoMA, de Nova Iorque, passando pela Tate Modern, em Londres.

Tem uma longa lista de prémios e foi objecto de teses, livros e documentários. Em 2014, foi considerada a artista mais popular do mundo. No ano em que a arte extravagante de Kusama atravessou a América do Sul, as suas obras foram vistas por mais de dois milhões de pessoas.

16 Ago 2017

Jenny Mok, directora da Associação de Arte e Cultura Comuna de Pedra: “Somos, felizmente, uma alternativa”

Já com 21 anos de actividade, a Comuna de Pedra continua a afirmar-se pela criação “fora da caixa”. A abordagem de temas sociais, e a opção por espaços alternativos e mais perto da comunidade são apenas alguns dos aspectos que distinguem a companhia. Para a directora, Jenny Mok, Macau precisa de uma verdadeira educação para arte e a Comuna está a dar uma ajuda

Antes de mais, porquê o nome Comuna de Pedra?

Não sou a fundadora mas, pelo que sei, na altura da formação da companhia, em 1996, tratava-se de um grupo de artistas que faziam coisas mais alternativas. No início, a Comuna de Pedra não era um grupo artístico, mas sim uma congregação que juntava artistas de várias áreas. A ideia era formar uma comunidade de artistas diferentes e daí o nome comuna. A pedra surge dada a sua importância. As pedras estão em todo lado: nos lugares, cidades e no planeta. As pedras são também únicas, são todas diferentes e são básicas. Muitas vezes nem se dá conta delas quando andamos nas ruas, mas são elas que estão no pavimento. São fundamentais. É sobre elas que andamos. Ao mesmo tempo são materiais duros e difíceis de moldar. Conseguem resistir a intempéries e assim é a arte também. Penso que foi com esta ideia que surgiu o nome do grupo.

A Comuna de Pedra começou por ser alternativa, mas ainda hoje o é. 

Sim. É ainda uma companhia alternativa, no bom sentido. Juntei-me ao grupo em 2000 ainda andava no liceu. Fui a uma audição para um espectáculo que ia ser encenado no exterior, ao lado do Centro Cultural de Macau. Até essa altura, ninguém tinha usado esse espaço para representar. Depois a Comuna de Pedra tornou-se, cada vez mais, uma companhia de artes performativas. No que respeita a este sector em Macau, o teatro físico, com dança e feito para determinados espaços, tem ocupado grande parte das actividades da Comuna. Se calhar, por isso, tem acabado por permanecer uma companhia chamada alternativa. As peças tidas como comerciais e que são do chamado “mainstream” focam-se muito em textos e em disciplinas mais tradicionais. Nesse sentido, somos, felizmente, uma alternativa. 

São conhecidos pelas vossas apresentações em espaços inesperados, nomeadamente nas ruas. Porquê esta escolha? 

Há vários factores que têm levado a esta opção. Em primeiro lugar, penso que, quando falamos de teatros, as opções disponíveis em Macau são muito limitadas. Antes do edifício do antigo tribunal ter sido transformado num, basicamente tínhamos os dois auditórios do Centro Cultural e tínhamos a black box do Teatro Experimental. O facto de não termos muitos espaços mais tradicionais disponíveis fez com que os meus antecessores na direcção da Comuna de Pedra pensassem em criar espaços para ter os espectáculos. Sempre houve esta intenção de considerar o espaço performativo e de reflectir sobre o que poderia ser. Será que uma peça tem de acontecer num teatro? Por outro lado, o aparecimento do Festival Fringe, no início dos anos 2000, também ajudou a ver a rua como um lugar que deveria ser aproveitado. Foi uma iniciativa que encorajou a ideia de ver a própria cidade como um palco. Com a ajuda do Governo, visto o Fringe ser um festival oficial, pudemos descobrir vários lugares diferentes para explorar. De acordo com a minha antecessora, às vezes um teatro tradicional é bom, mas há momentos em que esse tipo de espaço não nos traz grande inspiração, pelo menos não aquela que podemos encontrar em sítios mais reais: numa ponte, numa biblioteca antiga ou num parque.

Têm feito um trabalho comunitário de relevo no que respeita à educação artística. Como é que aconteceu este envolvimento com a comunidade?

Começámos na educação. Foi em 2005, com uma turma de crianças no Centro Cultural. O que constatámos foi basicamente o que sabíamos até por experiência própria. O sistema de educação de Macau não contempla a educação artística. Atenção que isto não quer dizer que não ensine música ou teatro. Mesmo que as crianças frequentem o conservatório, por exemplo, e o que é bom, parece que, no geral, não há muito espaço para que se envolvam realmente com a arte. Se calhar, também é por isso que continuamos a ser a alternativa. Qualquer coisa que não seja texto e que envolva a participação da audiência é mais desafiante. Mas, voltando às crianças e à arte, o ensino tradicional é bom, mas não chega. Quando tentamos avançar para alguma coisa mais abstracta parece que as pessoas se perdem. Queremos ajudar as crianças a terem mais opções dentro da área artística. A arte às vezes é ambígua. O que vemos é que, se apresentarmos uma coisa diferente que não possa ser classificada como boa ou má, é muito difícil de se mostrar interessante para os mais novos. Posso dar o meu exemplo pessoal. Estudei em Macau e durante todo o meu processo escolar nunca me senti próxima de qualquer arte. Tive artesanato, mas o que nos era dado era um conjunto de materiais que tínhamos de juntar para replicar um objecto. Era muito aborrecido. Eram kits. Não tem mal darem-nos este tipo de coisas mas não remetem, de forma alguma, para a criatividade. Mesmo na música ou no teatro, as aulas acabam por não nos envolver nos processos artísticos. Penso que é uma grande falha. Por isso, o que quisemos fazer desde o início foi tentar colmatar esta falha. Queremos que as crianças se expressem, que abram os olhos e vejam o mundo. Vamos para a comunidade, levamos histórias e aulas às escolas. Recentemente estamos também envolvidos com as pessoas com necessidades especiais para que tenham acesso a mais do que actividades ocupacionais.

Da sua experiência, acha que a comunidade está cada vez mais aberta a este tipo de ensino?

Sim, penso que lentamente se vai abrindo e mostrando mais receptiva. Mas é um processo muito lento. As escolas ainda se baseiam muito em actividades tradicionais. Actualmente apresentam mais disciplinas fora do currículo, mas não passam de mais aulas. As crianças estão sobrelotadas de aulas e de trabalhos para fazer. Por outro lado, estas actividades extracurriculares estão sempre ligadas à competição. Mesmo nas artes, a motivação é sempre dada com a promessa de se ganhar algum prémio e recompensa. Depois, com as competições e com os prémios, a escola também faz publicidade do seu sucesso. No fundo, não é nada para o real interesse das crianças. As crianças continuam sem tempo livre. Têm mais alternativas, mas com tantas aulas de tanta coisa não têm tempo para fazerem somente o que lhes possa apetecer.

Que projectos tem agora em andamento?

Temos sempre duas vertentes que desenvolvemos de forma paralela. Temos a vertente criativa que se revela nos espectáculos que apresentamos e a educativa em que estamos mais ligados à comunidade. Neste momento estamos a trabalhar num projecto a longo prazo com diferentes faixas etárias de pessoas portadoras de deficiência. A intenção é criar um espectáculo, mas vamos ver. A apresentação não é a parte mais importante neste género de trabalho. Não queremos que esta intervenção acarrete muita pressão. É mais importante a aprendizagem e a experiência. Não queremos forçar ninguém a nada. É um projecto para ser feito em, pelo menos, um ano e meio. Teremos aulas e ensaios e, se tudo correr bem, em Setembro de 2018 mostraremos um espectáculo. No trabalho com pessoas com necessidades especiais, o mais importante é o processo criativo. Estamos a falar de uma comunidade que tem muito menos opções do que a maioria da população. Por outro lado, não é uma população visível. A nossa cidade também não é muito amiga destas pessoas no que respeita a infra-estruturas. O que acontece é que acabam por ficar restritas a centros de actividades ocupacionais. As que têm mais dificuldades nem podem trabalhar e passam a vida de centro em centro. Mais uma vez, a arte tem estado excluída. O que é importante aqui é desenvolver a expressão. Quando começamos a trabalhar com esta população, o que salta primeiro à vista é uma auto-estima muito baixa que tem muito que ver com as dificuldades de expressão. O mundo em que vivemos não lhes dá muito direito à expressão, o que é errado. A educação artística, por si, ajuda na comunicação. Não tem nada que ver com as necessidades especiais. Se virmos bem, todos temos necessidades especiais porque somos todos diferentes. Com o nosso trabalho, vemos que a auto-estima vai melhorando porque são trabalhadas várias formas de comunicação e de expressão.

Foto: Sofia Margarida Mota

Vem aí a nova temporada de espectáculos. Alguma coisa que possa adiantar?
No final do mês teremos a nova temporada de teatro. Este ano temos uma nova iniciativa a que chamámos de “Decorestruction”. Trata-se de uma série de espectáculos que será uma iniciativa anual. A ideia é ter um conjunto de criações que se focam na desconstrução do próprio conceito de espectáculo. É um espaço para se pensar o que é a performance e a representação. O que é o corpo. É uma temporada que vai consistir da apresentação de três ou quatro criações novas. A abertura desta iniciativa vai ser a 25 e 26 de Agosto, com “A Possible Path to Insomnia”. Vem de Hong Kong e mistura música ao vivo, dança, teatro físico, texto e intervenção comunitária. A peça foi criada depois da “revolução dos guarda-chuvas” em Hong Kong. Todo aquele movimento trouxe algumas questões relacionadas com o espaço. Esta abordagem trata da ideia de ocupar um espaço público para fazer alguma coisa. Trata da apropriação. Ao mesmo tempo, estamos também a falar de partilha de lugar. Toda a gente pode ir a um espaço público e, se forem cada vez mais pessoas, o espaço acabava por ser apropriado, mas não deixa de ser partilhado. É uma reflexão acerca do que é o espaço privado e de como uma peça pode dizer alguma coisa acerca de situações sociopolíticas. Nesta versão que vai acontecer em Macau, o espectáculo vai andar nas ruas juntamente com as pessoas. Sai do Armazém do Boi, passa para o Teatro Experimental e vai terminar na Live Music Association (LMA). Ao longo do percurso vai existir interacção com as pessoas da rua. Mais do que um espectáculo, é uma experiência. Depois, e ainda este ano, na mesma série, teremos peças em Outubro e Novembro que são criações novas.

15 Ago 2017

Concerto | Diiv ao vivo em Hong Kong daqui a um mês

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om dois discos aclamados pela crítica na bagagem aclamados, os norte-americanos Diiv tocam na região vizinha no dia 14 de Setembro. O concerto, que terá na primeira parte a banda local Phoon, realiza-se em Kowloon na sala Kitec

Os Diiv foram apelidados como a grande esperança do rock sujo que tem as suas raízes entre bandas históricas como os Nirvana ou os Sonic Youth. Mas o conjunto de Brooklyn vai mais além do que as suas visíveis influências, que não se esgotam nestas duas bandas, tendo conseguido demarcar a sua sonoridade e marca identitária. A banda é liderada, e confunde-se com o seu guitarrista/vocalista, Zachary Cole Smith, o principal compositor e mentor do grupo.

No ano passado editaram o segundo e muito aguardado disco, “Is the Is Are”, depois de um hiato de quatro anos após o lançamento do registo de estreia “Oshin”. Ambos os álbuns mereceram aplausos da crítica, que quase em uníssono pegaram não só na música da banda, mas também na imagem do seu vocalista. Cole Smith é considerado por uma parte da crítica que gosta de estabelecer paralelismos como o sucessor natural de Kurt Cobain. As comparações agravaram-se depois do músico ter sido apanhado pela polícia na posse de uma quantidade considerável de heroína. Cole Smith estava acompanhado pela namorada, a modelo/actriz/cantora Sky Ferreira, levando a óbvias equiparações com trágicos casais do rock como Kurt Cobain e Courtney Love, ou Sid Vicious e Nancy Spungen. Pareciam destinados a seguir a rota decadente dos seus predecessores. Além disso, o caso trouxe ainda sérias dúvidas se o novo disco iria mesmo sair.

Vento a abrir

Assim que chegaram aos escaparates com três singles publicados online, “Sometime”, “Human” e “Geist”, mereceram a atenção das melhores publicações dedicadas à música alternativa, como a Pitchfork ou a Stereogum. Aí deu-se um contratempo identitário com a banda de Zachary Cole Smith que ainda teve de mudar de nome, uma vez que Dive já estava tomado. Assim nasciam os Diiv, que começaram a agarrar algum público com o lançamento do single “Doused”, popularizado em Portugal por musicar uma campanha publicitária de uma conhecida empresa de telecomunicações.

“Doused” é uma música que espelha bem a sonoridade da banda norte-americana, com um baixo pulsante, muito ritmado e guitarras carregadas de delay sempre prestes a irromper em solos. Os Diiv são difíceis de catalogar, com diversas influentes dentro do espectro do rock alternativo, vão buscar inspiração ao psicadelismo e outras às paisagens sonoras mais típicas do shoegaze. O seu mais recente disco mostra alguma maturidade, remetendo o ouvinte para um imersão completa num somatório que traz o melhor das últimas quatro décadas de música movida a guitarras. Foi assim que chegamos a “Is the Is Are”, que mal saiu mereceu um lugar de destaque entre os melhores discos do ano passado.

Desde então, a banda tem andado em tour a promover o seu segundo registo, até que chega ao território vizinho no dia 14 de Setembro para um concerto na Music Zone @ E-Max do centro Kitec, que abre as portas ao público a partir das 20h.

A primeira parte estará a cargo da banda local Phoon. Com assumida inspiração indie rock, o grupo de Hong Kong inspirou-se nos ventos que assolam a região e partiu da tradução inglesa da palavra “tufão”.

Este concerto serve bem de aperitivo para o festival Clockenflap, para o qual os espectadores ainda terão de esperar até Novembro.

14 Ago 2017

Disco | Álbum de Joel Xavier com Ron Carter editado mundialmente

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] trabalho discográfico do guitarrista português Joel Xavier, com o contrabaixista norte-americano Ron Carter, foi editado mundialmente pela discográfica germânica Galileo, divulgou a promotora do músico.

O álbum intitula-se “Joel Xavier & Ron Carter in New York”, foi gravado em Setembro de 2004 e editado em Novembro desse mesmo ano, numa edição de autor, sendo constituído por nove temas, entre os quais “Maria”, “Destiny” e “Memories”.

Joel Xavier, de 43 anos, tem colaborado regularmente com outros músicos do jazz, designadamente Chucho Valdés e Richard Galliano.

Natural da Ericeira, Xavier toca há 24 anos, tendo actuado em vários palcos internacionais e vencido, aos 19 anos, o concurso norte-americano “Namm-Show”, ao qual concorreram 70 músicos.

O músico foi considerado pelos críticos norte-americanos como um dos cinco melhores guitarristas do ano, em 1993.

Em 1992 estreou-se discograficamente com o álbum “18”. Ao longo da carreira editou cerca de dez álbuns, entre os quais um, em 1999, com Paquito D’Rivera, Michel Camilo, Larry Coryell e Arturo Sandoval.

“Silence”, “Happiness”, “Dream”, “Simple Things” e “Life” são outros temas que compõem o álbum “Joel Xavier & Ron Carter in New York”, agora editado internacionalmente pela Galileo.

Ron Carter iniciou-se musicalmente aos dez anos, tocando violoncelo, passando depois para o contrabaixo, no qual se tornou como mestre em performance, em 1961, na Manhattan School of Music, em Nova Iorque.

O músico de 80 anos tem uma vasta carreira no jazz, e uma extensa colaboração em gravações de música clássica.

Na área do jazz conta centenas de discos gravados, com nomes como Milt Hinton, George Duvier, Jacki Byard, Chico Hamilton, Randy Weston, Thelonious Monk, Wes Montgomery, Bobby Timmons, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Tony Williams e Miles Davis, com quem formou um quinteto. O contrabaixista, natural do Michigan, colaborou também em álbuns das cantoras Roberta Flack e Rosa Passos, entre outros.

Música | Estrela australiana vai estar em Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lenda do rock australiano Jimmy Barnes vai estar pela primeira vez em Macau. O concerto tem lugar no Teatro Parisien, numa apresentação única a 9 de Dezembro.

Tido como “o coração e a alma do rock and roll australiano”, Barnes conta já com 40 anos de carreira. Um ídolo no seu país de origem, o cantor bate recordes de vendas na Austrália e é, até hoje, o artista que se dedica ao rock com mais discos vendidos.

Depois do sucesso inicial em que se fazia acompanhar pela também lendária banda “Cold Chisel”, Barnes optou por fazer carreira a solo a partir de 1984. O álbum de estreia, “Bodyswerve”, atingiu imediatamente os tops de vendas. Mas foi com “For the Working Class Man” que Barnes conseguiu o reconhecimento enquanto músico, “com um som único que lhe valeu um reconhecimento até aos dias de hoje”, lê-se no comunicado que apresenta o concerto. A canção homónima é ainda considerada o tema de referência do artista entre os admiradores australianos.

De acordo com o mesmo comunicado, “os concertos de Barnes são, pela sua intensidade, uma referência”.

Os bilhetes para a estreia no território já se encontram à venda e os valores vão das 380 às 780 patacas.

10 Ago 2017

CCM | Conto de Andersen em cena no fim-de-semana

[dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap] Menina dos Fósforos” de Hans Christian Andersen vai ocupar o palco do Centro Cultural de Macau no próximo fim-de-semana. Vem pela mão da Open Heart Prodution, do Reino Unido, e promete transformar o triste conto infantil num momento de alegria

É capaz de ser um dos contos mais conhecidos de Hans Christian Andersen. “A Menina dos Fósforos” conta a história de uma criança que vive da venda de fósforos na rua. Numa noite, a de Natal, acaba por morrer de frio. O espectáculo trazido pela londrina Open Heart Prodution não fica por aqui e fez algumas transformações ao original.

A peça que integra dança, teatro e canções conta com a coreografia de Arthur Pita que, com o pedido, há cinco anos, para fazer uma peça de Natal, se juntou ao produtor Mathew Jones.

“Queríamos fazer algo que saísse do vulgar ‘felizes para sempre’”, conta o produtor na apresentação do espectáculo à imprensa. “Corremos uma série de histórias em busca de um tema que pudesse ser trabalhado e que saísse das peças comuns”, continua.

Por outro lado, a ideia seria não ter uma peça paternalista e completamente irreal, sendo que a procura incidia em “alguma coisa com um certo lado negro e que, ao mesmo tempo, pudesse servir a toda a família”.

“A Menina dos Fósforos” pareceu a escolha óbvia. “É uma história desafiante e achámos que seria também uma hipótese de desenvolver uma outra perspectiva para um espectáculo de Natal”, explica Mathew Jones.

Mudança de rumo

Para não ser “mais do mesmo”, de uma história que todos conhecem, a peça que vai estar no Centro Cultural de Macau foi alvo de algumas mudanças.

Passa-se numa cidade imaginária de Itália, e foram criados mais personagens que vivem naquele lugar e que interagem com a menina que vende fósforos.

Para ser fiel ao sítio, a produção resolveu também mudar o idioma. Apesar de ter sido concebido para Inglaterra, a companhia optou pela língua italiana como veículo dos diálogos que se vão desenrolando.

Mais do que uma opção estética e criativa, a ideia tem um propósito: “Desviar a atenção do público das palavras para que possam perceber a coreografia como um todo”, explica a directora artística e também bailarina Valentina Golfieri.

O próprio conto também sofreu alterações. “Esta peça não termina quando seria de esperar tendo em conta a versão de Andersen. Aqui, o fim da história passa-se mais ou menos a meio do espectáculo”, diz a directora. A partir daí, há todo um outro conto em que a personagem principal vai para “um lugar muito especial”, refere.

O conto mantém apontamentos “mais negros, mas o que se consegue com a transformação feita no final é transmitir uma sensação de esperança”, aponta Valentina Golfieri.

A matriz original de “A Menina dos Fósforos” mantém-se na produção que chega de Londres. “É um espectáculo social e político. Trata-se de uma criança que sofre devido ao contexto económico daquela época e é também uma história acerca de justiça social”, explica Mathew Jones.

No fundo, “não se trata de uma peça paternalista, mas de uma história que, infelizmente, pode acontecer no mundo real”, continua o produtor, sendo que, aqui, há a garantia de que, “após a apresentação, as pessoas não vão para casa com um sentimento de tristeza”.

Paralelamente, as situações que acontecem no palco são facilmente transponíveis para os dias de hoje. “O bullying, por exemplo, pode ser representado pela forma como as várias personagens tratam a criança.” O reconhecimento das situações tem também um papel pedagógico.

Para todos os públicos

“A Menina dos Fósforos” está pela primeira vez em Macau, mas já passou pelo Continente e por Taiwan. A surpresa da audiência parece ser um factor comum a determinada altura da apresentação. De acordo com Mathew Jones, “neste lado do mundo, as crianças são familiares com a história original e, quando pensam que estão a ver uma coisa que conhecem, são surpreendidas a partir do momento em que percebem a transformação que aconteceu ao final”.

Depois, completa a directora artística, “é uma história que convida a uma viagem e este é um aspecto que agrada a todos os públicos”.

O sucesso que tem tido em cinco anos de cena não surpreende a companhia. “Toda a apresentação acarreta algum mistério e deixa espaço ao público para a recriar, sendo que o facto de ser falada numa língua que muitas pessoas não entendem permite uma interpretação livre, em que não se consegue ter o detalhe da palavra”, remata a bailarina.

10 Ago 2017

Entrevista | Eugénio Novikoff Sales, artista plástico

Um desajustado do mundo. Nascido e vivido entre culturas, foi definido como o pai de um novo estilo de pintura, o da lusofonia. Eugénio Novikoff Sales mostra em cada quadro “a mancha negra africana”, com paciência da China e sem o apoio da terra que o viu nascer. Os seus quadros estão expostos no Albergue SCM até 3 de Setembro

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ilho de pai português e mãe russa, nasceu em Macau e cresceu em Moçambique. Como é que se juntam estes mundos tão diferentes?

Só recentemente é que consegui, digamos, integrar-me comigo. Senti-me sempre diferente das outras pessoas. Por exemplo, quando estive no liceu em Macau, não me dava com os colegas chineses que estavam a aprender português. Não me identificava. Por outro lado, também não me identificava com os portugueses e não entendia as conversas. Não por causa da língua, mas pelo que diziam: falavam muito de compras e coisas novas, o que não me interessava. Tinha chegado de Portugal, onde também não me dei bem. Antes, tinha estado em África. Foi onde me senti melhor. Apesar de não me relacionar com a população portuguesa, acabei por ter outro tipo de amigos. Eram das tribos que havia em Nampula. Lembro-me que havia lá um jardim em que se fazia uma feira todos os domingos. Vinham pessoas das comunidades pequenas ali à volta e traziam os filhos. Traziam estátuas de pau-preto também, e vinham vestidas com as capulanas e aquelas cores todas. Tudo isso me marcou e era com estas crianças que brincava. Agora já percebi que o tempo dilui as coisas e já lido melhor com o desajustamento e mesmo comigo.

É considerado o pai de um novo estilo artístico, o da lusofonia. Como é que aconteceu?

Sempre gostei de pintar e de fazer desenhos. Quando andava no liceu de Macau já gostava de rabiscar nas paredes. Tive um professor que apareceu na sala uma vez para me fazer uma pergunta. Tinha visto uns desenhos e perguntou-me se eram meus. Disse que sim, e perguntou-me se tinha mais quadros. Respondi também que sim. Foi vê-los. Passados uns dias disseram-me que o antigo Museu Luís de Camões iria ter uma exposição de pintura e fui convidado a participar. Foi quando tive a minha primeira exposição oficial. Mas desde essa altura que quem via os meus quadros não os conseguia integrar em nenhum estilo específico. Aquela exposição acabou por ir para Hong Kong. As pessoas identificavam com facilidade os motivos africanos nas minhas pinturas, mas não sabiam dar-lhes um nome. Não era cubismo nem expressionismo, nem nada. A definição aconteceu quando tive a minha exposição na residência do cônsul e me foi dado o “título” de pai da arte da lusofonia na China. Mas se me perguntar o que é, também não sei dizer ao certo. Há, por exemplo, dois países com os quais não tenho ligação. São o Brasil e Timor Leste, e que também fazem parte do mundo lusófono.

Em que é que África se expressa na sua pintura? 

Em Moçambique marcaram-me muito as cores e os movimentos. Mas foi essencialmente a cor preta. É uma cor difícil de se manejar. Mas penso que é aqui que entra o que está dentro de nós e, neste caso, tem sempre uma ligação com a selva.

E como é que entra Macau nesta lusofonia? Através do papel de arroz que agora é um dos meios que utiliza?

Quando há exposições em Macau, há jantares no final em que os anfitriões colocam à disposição dos pintores folhas de papel de arroz e tinta-da-china. A primeira vez que peguei neste papel não achei fácil de manejar com aquela tinta porque espalha-se com muita facilidade. Mas lá ia tentando, resolvi fazer uns estudos neste material com acrílico e achei que funcionava bem. Desta forma podia também usar cores, as minhas cores mais puras. Nos meus desenhos não há remendos. Acho ainda que a China também se expressa no meu trabalho através da paciência que tenho de ter para fazer os meus traços. É como se fossem fios de uma renda, calculada e espontânea. Esta é a minha parte chinesa.

Sei que gosta da arte feita no Oriente, mas que também considera que lhe falta qualquer coisa.

Os artistas chineses têm uma técnica muito boa, mas falta-lhes, por vezes, cor. Não estudei arte, não estudei a técnica, mas também pinto e sou reconhecido. Sou reconhecido pela China, por exemplo. O que lhes falta é aquilo a que chamo de “mancha negra de África”. É um termo meu para descrever aquilo que não sei de outra forma. Penso que pintores internacionais como o Picasso ou o Matisse tinham esta “mancha negra”, estava dentro deles. É uma coisa que não se aprende e não é relacionada com a cor. A “mancha negra” é a alma de uma pintura.

Li numa entrevista que deu que, na sua opinião, devia existir um sistema em Macau para proteger os artistas. O que queria dizer?

Penso que, em Macau, a escolha dos artistas que devem ser projectados e reconhecidos está a ser manipulada dentro dos círculos em que se inserem. Deveria existir um departamento, sem interesses, para organizar uma base de dados de todos os artistas locais e do seu género de pintura. Aqui não há uma forma de identificar os artistas. Aqui nenhum artista é conhecido pelo seu estilo, enquanto no estrangeiro é o estilo que adopta ou que cria que marca um artista. Macau deveria ser a plataforma da lusofonia, é uma coisa nova e poderia influenciar a China, que está cada vez mais aberta ao Ocidente e às suas influências. Por outro lado, as associações têm uma espécie de monopólio dos artistas. Para se conseguir fazer alguma coisa neste sector temos de fazer parte de uma associação. São as associações que promovem os seus artistas e acaba por se tratar sempre de um ciclo fechado. Deveria ser criado um departamento para dirigir uma secção de apoio aos pintores locais, e Carlos Marreiros é um homem carismático, capaz de dirigir uma tarefa deste tipo.

O que acha da criação artística do território?

Em 1980, António Conceição Júnior organizou uma exposição dos artistas de Macau. Mais tarde apareceu o Círculo dos Amigos da Cultura com o Carlos Marreiros. Mas, depois disso, vários artistas saíram desse círculo e começaram a criar as suas próprias associações. Foi o descontrolo. As associações queriam artistas que pertenciam a outras. Estavam também presentes criadores que tinham vindo do Continente e que queriam fazer a sua própria associação. Em Macau, temos muitos artistas, mas derivam todos do mesmo grupo. O que se passa agora é que qualquer associação, para ter o seu apoio, ensina artes aos seus alunos. Quando fazem uma exposição até o nome diz: “Artista x vai fazer a exposição com os seus alunos”. Estas iniciativas têm o apoio do Governo mas são, na sua maioria, entidades que não projectam o nome de Macau para o exterior, porque não aparecem com trabalhos novos. Os professores também não querem que os alunos sejam melhores do que eles ou que tenham mais sucesso. O Governo deveria dar mais importância aos artistas que projectam a imagem do território no exterior, aos artistas internacionais. No meu caso, quando comecei a pintar, não era para ser famoso. Mas Macau está a fazer artistas para a posteridade e isto é feito dentro de um círculo fechado. Entretanto, há artistas que estão a ficar completamente esquecidos e que têm valor.

Tem sido fácil para si ser artista aqui?

Neste momento estou numa fase de alguma crise. Não vendo os meus quadros abaixo de determinado preço. Não posso fazer isso e prefiro não vender do que desvalorizar o meu trabalho. Como sou também o pioneiro do estilo da lusofonia, acho que os meus quadros têm de ter valores altos. Posso oferecer, mas não vendo as minhas obras se não for pelo valor que acho justo.

Mas tem sobrevivido com a pintura? Vive de quê?

Vivo de patrocinadores. Quando tenho de me deslocar para exposições, são os patrocinadores que tenho que me facultam o dinheiro. Dão-me um valor e eu faço a gestão desse dinheiro. Aqui também não há um mercado de arte. Não há leilões. O meu estilo de pintura é um marco e como tal tem um preço. Por outro lado, nunca tive apoios do Governo. Nunca fui apoiado pela Fundação Macau e já tenho três exposições internacionais. Mas penso que virá o dia em que os meus quadros vão ser reconhecidos aqui.

Está zangado com Macau?

Não é com o Governo em si que estou zangado. Mas há figuras negras em Macau que têm sempre uma palavra a dizer em quem é que deve ter apoios. É isso que me incomoda.

9 Ago 2017

Lançada biografia sobre Vergílio Ferreira

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) de Portugal vai publicar um novo título da colecção “O Essencial Sobre”, desta feita acerca de Vergílio Ferreira. Helder Godinho é o autor da obra sobre o escritor que afirmava ter “nascido para a literatura entre a Presença e o Neo-realismo”, referindo-se a dois movimentos literários que marcaram a vida cultural na primeira metade do século XX – o da Presença ligado ao Modernismo, e o Neo-realismo, muito marcado pelo pensamento marxista.

Todavia, “Vergílio Ferreira cedo se virou para a questionação existencial que, a partir [do livro] ‘Mudança’ (1949), desenvolverá nos seus romances em que se repercute a reflexão presente nos seus ensaios”, escreve Godinho. Uma reflexão que o autor de “Manhã Submersa” prosseguiu nos ensaios e poemas que publicou, tendo utilizado os conceitos “romance-problema” e “ensaio poético”.

“Toda a obra de Vergílio Ferreira (ficcional, ensaística, diarística e de intervenção cultural) é movida por uma mesma coerência que se estrutura como uma forma que percorre a ficção e o ensaio, e que baliza o seu ‘imaginário’”.

Na biografia do autor de “Aparição”, Helder Godinho destaca o facto de ter sido “marcada pela Ausência, em dois momentos”, quando os pais emigraram da aldeia de Melo, na Beira Alta, tinha Vergílio entre dois e três anos, e quando, aos 22 anos, foi estudar para a Universidade de Coimbra.

“Estas duas ausências vão estar na base de grande parte da problemática vergiliana e serão directamente evocadas em muitos dos seus livros. Elas constituem um núcleo estável e duradouro que a evolução cultural do autor irá fazendo encarnar em algumas faces diversas”, atesta Helder Godinho.

Dividida em quatro partes, a obra sobre Vergílio Ferreira (1916-1996) inclui a lista de títulos publicados do autor, e ainda uma “bibliografia seleccionada” sobre o autor de “Cartas a Sandra”.

A colecção “O Essencial Sobre” soma com um total de 131 títulos, abordando as mais diferentes temáticas e personalidades, nomeadamente Política da Língua, A Ópera em Portugal e personalidades como Padre António Vieira, Bernardim Ribeiro ou Eduardo Lourenço.

Centro Cultural | “InspirARTE à Solta” para todos

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá marcado para o próximo dia 27 de Agosto, domingo, o evento que assinala o final dos eventos de Verão dedicados aos mais novos, organizados pelo Centro Cultural de Macau (CCM). “InspirARTE à Solta” é uma iniciativa aberta a todos, com vários espectáculos e workshops.

De acordo com o Instituto Cultural (IC), que gere o CCM, os participantes do workshop de música “GoGoGo!” deste ano vão mostrar o que aprenderam nestas férias. Também os alunos do ateliê “Hora das Palhaçadas!” sobem a palco, e os “Feiticeiros de Marionetas” juntam-se aos seus instrutores para actuarem e mostrarem os novos fantoches. A festa conta ainda com a presença do Coro Infantil do CCM, que vai fazer um miniconcerto.

Além da demonstração do que foi aprendido no programa de Verão, um grupo de artistas locais preparou uma série de actividades criativas. Do programa fazem parte histórias, palhaços, uma visita guiada aos bastidores, pinturas faciais e marionetas. Está também prevista a exibição de filmes.

O Museu de Arte de Macau junta-se ao evento, com um desfile de máscaras e dois workshops. O IC faz ainda referência ao “Art Jamming”, que “leva as crianças a criar novas galáxias coloridas”. O público poderá também “descobrir as pinturas estreladas de Van Gogh”.

O “InspirARTE à Solta” é um evento de entrada livre e começa a partir das 15h30 no CCM.

8 Ago 2017

Exposição | Fanny Lam mostra pintura chinesa

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada amanhã uma exposição individual de Fanny Lam. A mostra da artista local tem lugar na Fundação Rui Cunha e traz ao território a pintura tradicional chinesa, com especial incidência na figura humana e na arte da caligrafia

Caligrafia e pintura tradicional chinesa são os temas que vão estar representados, a partir de amanhã, na galeria da Fundação Rui Cunha.

A inauguração da mostra da artista local Fanny Lam é às 15h e, expostas, vão estar 20 obras, todas elas produzidas nos últimos dez anos. “A exposição vai ter obras de pintura chinesa, sendo que sete são dedicadas à arte da caligrafia, área em que vou mostrar vários estilos de escrita de caracteres”, diz Fanny Lam ao HM.

Dentro da pintura tradicional, a artista tem um gosto especial pela representação da figura humana, temática que tem destaque nesta exposição.

Fanny Lam conta que a representação do ser humano é um gosto que tem desde a infância. “Sempre gostei de pintar pessoas”, afirma. Para Lam, é neste âmbito que encontra características específicas que também representam desafios técnicos e de expressão. “Gosto de trabalhar com a vitalidade do humano, de tratar as posturas que só são possíveis com pessoas”, explica. Por outro lado, a figura humana traz a Fanny Lam “um sentimento especial” que não sabe descrever.

Mas não é só de gente que se fazem os seus trabalhos. Fiel à pintura tradicional chinesa, a artista local não deixa de lado a representação de paisagens, com as suas montanhas, vegetação e rios. A vida animal também não é esquecida. “Gosto ainda de pintar animais selvagens”, acrescenta, apesar de admitir que são temas que aparecem menos nas suas telas.

Uma década de tradição

A pintura tradicional chinesa apareceu na obra de Fanny Lam há mais de uma década. A razão, apontou ao HM, tem que ver com as suas particularidades. “São imagens com características muito fortes e representativas do Oriente”, diz. Associados ao trabalho estão os materiais específicos deste tipo de produção. Para a artista, são meios capazes de se fazer expressar. “Com estes materiais e temas consigo transmitir o que sinto, e isso é um factor que contribui para a própria obra”, sublinha.

Fanny Lam continua a sua aprendizagem junto dos mestres e vai a Hong Kong beber conhecimento e inspiração dos melhores, entre eles os consagrados Lai Meng e Hu Junming.

As obras que vão estar patentes na galeria da Fundação Rui Cunha têm o cunho dos grandes da região vizinha. “Muitos destes trabalhos foram feitos tendo em conta os ensinamentos que tive com eles, bem como a aprendizagem das características que lhes são próprias”, conta a artista.

De Hu Junming, o mestre que lhe ensinou os segredos da caligrafia chinesa, aparecem agora os quadros dedicados a esta arte. “Quem conhecer este artista vai identificar nos meus trabalhos características da sua caligrafia”, diz.

Com Lai Meng, Fanny Lam aponta os momentos que passou em sua casa a ter aulas. Com o mestre aprendeu os traços. “Passava horas a imitar as suas obras com a sua supervisão”, refere. “A pintura tradicional chinesa, sobretudo as paisagens naturais com as suas flores e pássaros, têm o toque dos ensinamentos de Lai Meng”, aponta.

 

Música | Orquestra Chinesa de Macau assinala 30 anos

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á estão à venda os bilhetes para a nova temporada de concertos da Orquestra Chinesa de Macau, que arranca a 1 de Setembro com “A Ponte”, uma actuação dirigida pelo maestro Yan Huichang. Em nota de imprensa, o Instituto Cultural (IC) garante que será “um magnífico prelúdio” à 30.a temporada de concertos da formação.

Para este novo ano de concertos, a Orquestra Chinesa de Macau promete continuar a trabalhar de acordo com os seus princípios. “Explorar as raízes de Macau, actuar ao nível internacional, e integrar o legado da China e do Ocidente” são os grandes objectivos da formação.

Os 30 anos da orquestra vão ser assinalados com oito novos ciclos de concertos, a saber: “Ciclo Clássicos”, “Trabalhos Realizados”, “Festividades Musicais”, “Melodias Celestiais de uma Herança Ancestral”, “Passeando no Jardim, Ouvindo Música”, “Herança Musical”, “Envolvimento da Comunidade com a Música” e “Museus Musicais”.

Para o “Ciclo Clássicos”, descreve o IC, foram convidados vários “aclamados maestros contemporâneos que colaboraram com a orquestra nas últimas três décadas”.

Quanto ao concerto de abertura da temporada, o maestro Yan Huichang vai dirigir a orquestra na estreia de obras encomendadas pela formação de Macau ao compositor Robert Zollitsch. Do repertório fazem ainda parte obras dos compositores Wu Zhuoxian e Wang Yiyu. O violoncelista Qin Li-Wei foi também convidado para a actuação de 1 de Setembro. Vai interpretar o concerto para violoncelo “O Sonho”, de Zhuang Zhou.

8 Ago 2017

Cinema | Filme de Ai Weiwei sobre refugiados estreia este mês

A Amazon Studios decidiu comprar o documentário que Ai Weiwei fez sobre a crise global de refugiados. O filme tem estreia marcada no Festival de Cinema de Veneza. Em breve poderá ser visto em casa pelos fãs do polémico artista chinês

[dropcap style≠’circle’]”H[/dropcap]uman Flow”, a primeira obra de Ai Weiwei no campo das longas-metragens, vai ser disponibilizado online pela Amazon Studios, que comprou os direitos de distribuição do documentário. O filme vai ser visto pela primeira vez no final deste mês no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Deverá estar nos cinemas norte-americanos no próximo Outono.

Filmado sobretudo na ilha grega de Levsos, o documentário inclui entrevistas e imagens de mais de 40 campos de refugiados localizados em 23 países. De acordo com o site da produção, alemã e norte-americana, o documentário analisa o dilema global de migrantes que são forçados a abandonar a terra natal por causa da pobreza, da guerra e das alterações climáticas. O filme contou com o apoio de 25 equipas em países como o Afeganistão, Bangladesh, França, Grécia, Alemanha, Líbano, Jordânia e México.

O Art Newspaper escreve que o assunto escolhido por Ai Weiwei é também uma abordagem “irónica” do percurso do realizador, uma vez que o artista esteve confinado ao seu próprio país durante vários anos, depois de ter sido impedido de viajar pelas autoridades chinesas. Ai Weiwei, que está prestes a fazer 60 anos, vive agora em Berlim.

“‘Human Flow’ é uma viagem pessoal, uma tentativa de perceber as condições da Humanidade dos nossos dias”, explicou Ai Weiwei quando o projecto foi anunciado, em Fevereiro passado. “O filme é feito com uma convicção profunda no valor dos direitos humanos. Nestes tempos de incerteza, precisamos de mais tolerância, compaixão e confiança nos outros, uma vez que somos apenas um só”, disse ainda o artista. “De outro modo, a Humanidade terá de enfrentar crises ainda maiores.”

O realizador prefere afastar a expressão “crise dos refugiados”, por considerar que se trata de uma “crise humana”. “Qualquer pessoa pode ser um refugiado. Posso ser eu ou podes ser tu”, alerta. Afinal, diz, a única diferença entre ser um cidadão ou ser um refugiado é a circunstância em que se vive – e “a paz é sempre temporária”. As Nações Unidas acreditam que há mais de 65 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo.

Eternas polémicas

A ideia de ter de se deixar o local a que se pertence entrou na vida de Ai Weiwei bem cedo: o polémico artista cresceu no nordeste da China, local onde o seu pai, o poeta Ai Qing, viveu exilado depois de se ter incompatibilizado com o regime de Mao Zedong.

Ai Weiwei também não teve uma vida fácil na relação com as autoridades chinesas: em 2011, esteve 81 dias detido por alegados crimes financeiros. Os seus apoiantes e grupos de defesa dos direitos humanos alegaram que a detenção teve motivações políticas, numa altura em que foram noticiados vários casos de perseguição a dissidentes.

O episódio de 2011 mereceu a atenção internacional, mas não foi a primeira vez que Ai Weiwei foi notícia no mundo inteiro. Contestatário do sistema político chinês, desde 2005 que se insurgia publicamente contra o regime, tanto através da escrita num blogue, como das suas obras de arte.

O facto de o documentário ser estreado em Itália deverá ser alvo de alguma controvérsia. O drama dos refugiados que arriscam fazer a viagem de barco entre o Norte de África e a Europa – muitos deles perdendo a vida pelo caminho – é um assunto que está longe de ser consensual entre os políticos italianos e europeus. A RAI, a televisão pública italiana, é co-produtora de “Human Flow”.

A crise global dos refugiados é o tema central do trabalho mais recente de Ai Weiwei. Na Galeria Nacional de Praga, é possível ver, neste momento, uma instalação de tamanho gigante em que é representado um barco salva-vidas. Trata-se de um insuflável preto com passageiros a bordo, também eles de cor preta, a que o artista deu o nome de “Law of the Journey”. Em Berlin e Viena, decorou edifícios com centenas de coletes salva-vidas cor de laranja.

Ainda sobre “Human Flow”, apesar de o filme ainda não ter sido visto, foi já objecto de críticas nada simpáticas. Há quem diga que se trata de um esforço de emendar a mão devido aos seus trabalhos mais recentes – considerados por alguns como sendo cruéis e grosseiros –, resultantes de um ostensivo esforço humanitário que, de facto, se resume apenas ao ego do artista.

7 Ago 2017

Festival | Evento pioneiro festeja oceanos

É o primeiro evento dedicado ao mar e à cultura associada aos oceanos no território. O Festival de Cultura do Oceano de Macau espalha-se pela cidade e traz 11 eventos durante os meses de Agosto e Setembro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] território vai ter um festival dedicado ao mar. A partir de 12 de Agosto, o Festival de Cultura do Oceano de Macau vai trazer ao território uma série de actividades que pretendem assinalar a época quente e as férias ao mar e lazer. A iniciativa é promovida pela Associação de História e Cultura do Porto de Macau e tem como objectivo primordial “celebrar a longa cultura oceânica e as suas indústrias tradicionais”, diz o presidente da associação, Yat Fung, Chan, ao HM.

No total, são 11 actividades temáticas que passam pelas áreas artísticas, pela promoção de visitas guiadas e de oficinas para pais e filhos, desfiles de moda, realização de palestras e a criação e um espaço dedicado à leitura.

A ideia é associar aos acontecimentos a promoção ambiental. “O festival também promove a conservação da natureza”, revela Yat Fung Chan.

A necessidade de um evento deste tipo acontece num momento em que o mar é cada vez mais falado no território. Para Yat Fung Chan, Macau deve assumir a sua responsabilidade pela administração dos 85 quilómetros quadrados de área marítima lhes estão destinados. Por outro lado, considera, “torna-se necessário que a população conheça esta realidade com a qual convive muito de perto”.

“Macau é também um porto famoso estabelecido há mais de 400 anos e possui uma longa história e cultura”, recorda o presidente da Associação de História e Cultura do Porto de Macau. Os benefícios de ser uma região costeira são evidentes para Yat Fung Chan: “Temos hoje uma cidade à beira mar com belas infra-estruturas marítimas, uma arquitectura assinalável e, além disso, temos as indústrias ligadas ao mar como parte da nossa história”, diz. Em causa está a actividade piscatória e a construção naval. Aliada a esta circunstância geográfica, o responsável considera ainda que as religiões, tradições e manifestações culturais são únicas, dadas as especificidades do território.

Espaços para todos os gostos

De entre as actividades planeadas e em fase de planeamento para os meses de Agosto e de Setembro, Yat Fung Chan destaca algumas.

“Há um espaço dedicado às marionetas tradicionais chinesas”, refere. O trabalho com as sombras é uma forma de artesanato e cultura tradicional, e os espectáculos são dirigidos às crianças. O objectivo é abordar a questão dos oceanos de um ponto de vista contemporâneo e transmitir, desde logo, aos mais novos a importância em preservar este recurso natural.

No âmbito das palestras e ainda sem relevar nomes, o responsável avança com a realização de eventos que contam com a presença de profissionais conceituados. Entre eles destaca ecologistas, arquitectos urbanos, intelectuais e escritores. As temáticas não fogem à regra e vão andar entre a própria construção de Macau, do seu porto, do meio ambiente e, claro, o mar e as suas criaturas.

A moda tem lugar no Teatro Dom Pedro V, a par com o clube de leitura. O espaço para ler e trocar opiniões vai acontecer semanalmente, ao sábado.

O Lago Sai Van que, em tempos, foi mar vai acolher um navio antigo. O objectivo, diz Yat Fung Chan, é “fazer emergir uma atmosfera ligada às águas dentro da comunidade local”. “É uma ideia para recordar aos residentes a Macau de 1960 com os navios que na altura passavam por aqui”, explica.

“Teremos ainda uma actividade de limpeza costeira em colaboração com a International Coastal Cleanup”, aponta. A acção apresenta duas vertentes. Por um lado, a organização pretende reunir um grupo de voluntários para ajudar com a limpeza de uma parte da zona costeira de Coloane e, por outro, as garrafas recolhidas serão objecto de transformação. “Vamos fazer delas lanternas para usarmos nas comemorações do festival do bolo lunar”, avança.

Uma ajudinha na política

As políticas governamentais para as águas territoriais ainda estão no estágio inicial e o caminho para a sua implementação ainda agora começou. “Pode ainda levar algum tempo para serem visíveis estas aproximações com a área marítima”, afirma Yat Fung Chan. É aqui que a associação à qual preside pode vir a ter um papel de relevo. “Acreditamos que, como ONG, a associação pode ajudar a promover a ideia de que a história e a cultura do porto de Macau são úteis para o seu mais recente desenvolvimento, no que respeita a turismo cultural e à indústria cultural e criativa”, aponta. O responsável considera ainda que o primeiro passo é promover e informar outras pessoas sobre a cultura oceânica local.

Entretanto, a associação está a avançar com “algumas pesquisas do património cultural intangível sobre navios e pescadores”.

4 Ago 2017

CCM | Espectáculo para os mais pequenos até domingo

“Puzzle” é a coreografia que está de hoje a domingo no Centro Cultural de Macau, dirigida a bebés e crianças até aos quatro anos de idade. A ideia, mais do que um espectáculo, é ser um espaço familiar e de comunicação, em que os mais pequenos têm contacto com a arte

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hama-se “Puzzle” e é um espectáculo que junta dança, formas, cores e música, tudo concebido para um público até aos quatro anos de idade. Até domingo, no Centro Cultural de Macau (CCM), a peça chega pelas mãos da companhia lituana Dansema. O objectivo, afirma Birute Baneviciute, coreógrafa da Dansema, é a comunicação entre os elementos do espectáculo e as crianças.

A escolha de um público não muito comum e com características específicas tem que ver com os desafios que acarreta. “Esta é uma idade crucial no desenvolvimento da criança e, mais especificamente, na experiência com a arte que, neste espectáculo, se direcciona à dança”, explica a coreógrafa.

O objectivo é criar um espaço em que as crianças possam desfrutar do movimento e do conhecimento do mundo, através desse movimento e da forma como se vai organizando no espaço.

À dança juntam-se outros elementos: “Trabalhamos com cores, formas, e claro, com música”, diz Birute Baneviciute.

“Puzzle” é acompanhado por peças musicais feitas especificamente para este tipo de público, por Rasa Dikciene. A compositora tem formação em percepção infantil e conhecimento para desenvolver um conjunto de sons e de músicas mais adaptadas a esta faixa etária. “Utilizamos mais sons agudos do que graves, por exemplo, porque, nestas idades, as crianças são sensíveis a este tipo de diferenciação”, explica.

Aos bailarinos cabe ainda a improvisação e interactividade. “Com um público tão especial e que tem plena liberdade para invadir o palco, nenhuma criança fica sem resposta dos artistas”, diz a coreógrafa. É também por esta razão que os lugares destinados ao público são poucos.

Por outro lado, explica, os pais têm de cumprir com algumas instruções: dar liberdade absoluta às crianças. “O espaço é para os mais pequenos e não faz sentido, nestas idades, limitar as crianças no falar ou no fazer barulho. Aqui, podem e devem fazer tudo o que quiserem para que usufruam da experiência. É um espaço em que podem começar a explorar livremente e em que têm espaço e tempo para interagir com os próprios elementos de ‘Puzzle’”, aponta a responsável artística.

Crianças iguais

Apesar de o espectáculo ser até aos quatro anos de idade e abranger níveis diferentes de cognição e percepção do mundo, as crianças apresentam muitas semelhanças nestas fases. “Até aos três anos reagem, na sua maioria, com movimento e é muito fácil perceber a sua resposta mal começam a balouçar ou a bater o pé”, conta Birute Baneviciute.

Por outro lado, estas reacções podem ser consideradas universais. “Os mais pequenos não têm noção daquilo a que se chama de regras, hábitos ou tradições culturais e, como tal, não estão muito ligadas àquilo a que se poderia chamar de cultura.”

De acordo com Birute Baneviciute, nestas idades, são seres essencialmente sociais e que apenas reagem ao que se passa à sua volta. “Este é um aspecto comum a todos, no mundo inteiro”.

“Talvez se pusermos uma criança em frente a um telemóvel, as reacções variassem de acordo com a cultura ou país”, diz. Mas, em “Puzzle”, o público é colocado em contacto com elementos naturais, “por exemplo, uma bola que se mexe em que a tendência é ir buscá-la, e isso é universal e natural”, refere.

“O que existe naquele momento somos nós, as formas, a música, o movimento e as crianças”, aponta a coreógrafa.

Um público necessário

A escolha de uma audiência tão especial tem que ver, afirma Birute Baneviciute, com a sua formação em coreografia e posterior carreira enquanto professora de dança de alunos a partir do ano de idade. “Comecei a perceber que os espectáculos para os bebés, por exemplo, não eram tidos em conta e que as pessoas começavam normalmente a dar alguma educação artística aos filhos a partir dos três anos”, recorda. A razão é compreensível: “Já conseguem falar, já conseguem parecer espertos o suficiente para entender as coisas”.

Mas, para a coreógrafa, o entendimento do mundo acontece desde o nascimento. Trata-se de um entendimento diferente e de uma forma diferente de pensar. “Uma criança de seis meses consegue perceber o que fazemos, à sua maneira. Entre procurar alimento da mãe e virar o olhar para nós, está a comunicar”, diz.

“Se saltarmos este período etário que vai do zero aos dois anos de idade, é muito difícil desenvolver um interesse pelas artes mais tarde”, diz da sua experiência e conhecimento. Para Birute Baneviciute, este é um período crucial para despertar o gosto pela área artística.

“Puzzle” pretende ainda ser um espaço que marca a diferença. O lugar em que decorre é distinto dos espaços comuns do dia-a-dia e é uma forma ainda de motivar os pais a participarem até porque, comenta a directora artística, “uma criança de seis meses não vai sozinha ao teatro”. “É muito importante também que as famílias se juntem e venham”, refere.

Prova disso é o encontro que, muitas vezes, artistas e pais têm após o espectáculo. “A resposta ao que fazemos é, por vezes, tão simples como uma demonstração de satisfação por terem tido um espaço familiar fora de casa, um espaço artístico comum”, remata.

3 Ago 2017

Património | Legados da China, Macau e Taiwan em discussão no IIM

Representantes de Macau, da China Continental e de Taiwan juntam-se, no próximo fim-de-semana, para um fórum que vai debater as questões ligadas ao património nas três regiões. A iniciativa serve ainda para o lançamento do livro “O Legado Cultural de Macau”

[dropcap style≠’circle’]”M[/dropcap]ainland China, Taiwan and Macau Cultural Tourism Youth Forum and Workshop” é o evento que tem lugar, no próximo sábado, no Instituto Internacional de Macau (IIM). A iniciativa é da Associação para a Invenção de Estudos de Património Cultural de Macau, constituída por um grupo de jovens locais ligados à protecção do património local, que querem trazer ao território a discussão e a partilha de conhecimento ao nível regional.

“É um dia em que se vai falar sobre o património das três regiões, China Taiwan e Macau “, explica ao HM António Monteiro, do IIM.

O território vai ser representado por Jorge Rangel. O também presidente do IIM vai abordar a herança deixada no território quer ao nível material, como imaterial.

Jorge Rangel vai ainda aproveitar a iniciativa para fazer a apresentação de um livro acerca do património local: “O Legado Cultural de Macau”.

“Trata-se de uma obra que reúne a selecção de imagens feita pelo IIM. Do livro fazem parte fotografias tiradas durante três anos, aquando do concurso dedicado ao património”, explica António Monteiro. “Foram reunidas as melhores fotografias destes três anos de iniciativa que contou com o apoio da associação de fotografia digital do território e o resultado é, agora, um catálogo em forma de livro, publicado em três línguas: chinês, inglês e português”.

A importância deste fórum é óbvia, para António Monteiro, num momento em que a China está visivelmente dedicada à temática. “Nota-se que o Continente está bastante preocupado com a preservação do valor histórico”, aponta.

Por outro lado, Taiwan também tem mostrado um foco de estudo e interesse, e Macau “tem tido, desde 2005, e devido à classificação da UNESCO, uma vontade de preservar cada vez mais o património local, não só material, como também imaterial, e que se pode ver pelo empenho do Governo”.

Jovens mais atentos

Para António Monteiro, o trabalho desta associação, que também está ligada aos Embaixadores do Património, outra entidade maioritariamente constituída por jovens, é o espelho do interesse dos mais novos na preservação da história local. “É uma questão de identidade em que Macau é mais do que uma terra de casinos e de jogo”, refere ao HM. De acordo com o representante do IIM, sem o valor histórico e cultural do território, Macau seria uma região sem particularidades distintivas. “Era uma outra região da China sem raízes e sem esse abraço entre Oriente e Ocidente”, sublinha. “Grande parte do valor histórico do território está relacionada com a China, mas está também ligada ao legado dos portugueses e dos muitos anos que cá estiveram”, salienta António Monteiro.

Taiwan vai fazer-se representar pelo professor da National Yunlin University of Science & Technology, Chiou Shang-chia. A palestra vai abordar o papel dos jovens voluntários na questão do património. Para António Monteiro, este é um momento de particular interesse. Trata-se de um espaço que vai mais longe e que abordará ainda o papel do património no projecto “Uma Faixa, Uma Rota”.

Do Continente, o assunto tem que ver com o desenvolvimento do turismo cultural. O exemplo vai ser dado com o trabalho que tem sido feito na cidade de Hangzhou e que vai ser partilhado por Xia Pan, vice-director da Comissão de Administração de “West Lake Scenic Area”. O objectivo é que, através de casos de sucesso, o conhecimento seja discutido e aplicado a outros lugares, nomeadamente a Macau. A ideia é que as regiões se possam ajudar mutuamente no desenvolvimento do sector do turismo cultural.

2 Ago 2017

Timor Leste | Língua portuguesa com muito para fazer no país

Timor Leste está a dar passos largos no que respeita ao ensino e divulgação da língua portuguesa, mas ainda há muito para fazer. A ideia foi deixada pela representante do país no Congresso de Lusitanistas que decorreu na semana passada no território, a professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, Benvinda da Rosa Lemos Oliveira

[dropcap style≠’circle’]”O[/dropcap]  português está no bom caminho em Timor Leste.” A afirmação é de Benvinda da Rosa Lemos Oliveira, professora de linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, já no final do 12º Congresso de Lusitanistas que teve lugar na semana passada.

“Antes de 1975, apenas cinco por cento da população falava português”, diz ao HM. Hoje, sublinha com satisfação que a percentagem já ultrapassa os 40, o que representa quase metade da população falante da segunda língua oficial do país. “Ainda está a dar passos pequenos”, afirma, mas a evolução é inegável.

“Em 75, aquando da invasão indonésia, deixámos de falar completamente o português”, recorda. Mas Benvinda Oliveira tinha livros em casa que fizeram com que, de alguma forma, fosse continuando a ter contacto com a língua, apesar da proibição oficial por parte das autoridades indonésias. “Havia uma igreja que era autorizada a dar a missa ao domingo e era em português e, depois da independência, tem sido uma lenta reconquista”, explica.

A responsabilidade e o mérito, considera, estão no próprio ensino, mas os resultados práticos estão ainda muito aquém do desejável. “Temos falta de livros, não há quase nada”, conta.

Aliada à fraca oferta de manuais e de literatura, não há livrarias. “Só temos bibliotecas e mesmo assim as obras são muito poucas, havendo mesmo áreas em que são praticamente inexistentes”, diz.

Macau é um exemplo

Para a académica, que passou a última semana no território, Macau é um exemplo quando se fala de língua portuguesa.

“O Governo devia e podia dar mais atenção ao português”, afirma, enquanto exemplifica com o apoio dado à imprensa portuguesa da RAEM. Se existissem iniciativas do género em Timor Leste, a língua também estaria mais próxima da população, sublinha.

“Por exemplo, os jornais são escritos em tétum em cerca de 90 por cento da imprensa. Os restantes dez estão ocupados pelo Bahasa Indonésia, sendo que o português ou é totalmente ignorado, ou esporadicamente aparece num ou noutro conteúdo”, ilustra a professora.

Benvinda Oliveira considera ainda que a televisão deveria ter um papel mais activo na divulgação da língua portuguesa. De acordo com a académica, os media são o meio que mais facilmente chega aos jovens e, como tal, deveriam ser um investimento no que respeita ao português. “A maioria das antenas parabólicas ainda estão viradas para o país vizinho”, lamenta.

A sugestão da professora vai no sentido de, além de melhorar os aspectos associados aos meios, aumentar os cursos de português dirigidos aos jovens. A razão, aponta, é a necessidade de um espaço que abranja todas as áreas de ensino e onde os mais jovens possam praticar a língua. “Acabam por falar só entre as quatro paredes de uma sala de aula e num horário reduzido, mas o que há a fazer compete à política”, afirma.

Português para internacionalizar

“O português tem um papel predominante na actualidade e, como tal, deve servir de ferramenta para a própria internacionalização de Timor.” A ideia, defendida por Benvinda Oliveira, tem por base a insuficiência do tétum para levar Timor Leste mais longe. A professora deixa ainda a sugestão: “Timor Leste e Macau devem dar as mãos no sentido de afirmar ainda mais o português na Ásia”, refere.

“Fiquei cheia de inveja quando cheguei a Macau ao ver as placas na rua com as duas línguas”, conta ao HM. No entanto, Timor Leste tem outro tipo de vantagem: apesar de não estar escrita, a língua acaba por ser mais falada. A razão poderá ter que ver com algumas semelhanças entre o tétum e o português. “Um falante de português consegue perceber muito de tétum”, língua que, refere, tem mais de 50 por cento de empréstimo do português e que faz com que o entendimento oral seja facilitado. A união de forças entre as duas regiões é, de acordo com a professora, um passo em frente no desenvolvimento e afirmação no que respeita ao português.

Para Timor Leste, o futuro vai passar pelo marcar de posição da língua no território. “O país só tem a ganhar se o fizer, quer em termos económicos, quer políticos. Podemos ter acesso aos eventos internacionais. O tétum precisa do português para se alimentar. Precisamos do português para nos internacionalizarmos”, remata.

1 Ago 2017

Visita guiada | Margarida Saraiva, curadora do Museu de Arte de Macau

Naqueles rostos e corpos está a história da arte e das pessoas de Macau. O MAM apresenta “Representações da Mulher”, uma exposição feita a partir da colecção do museu. Viagem com Margarida Saraiva, a curadora da mostra, a um passado mais ou menos distante, a partir do universo feminino

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que surgiu esta exposição?

Havia a ideia, do director do Museu de Arte de Macau (MAM), de renovar completamente a forma como a nossa colecção tem sido apresentada. Fui incumbida dessa missão. Quando se faz uma exposição, a nossa primeira preocupação é efectivamente saber qual é o seu propósito. A segunda são os objectos: o que temos e que história é que podem contar. Depois, num terceiro nível, como é que esses objectos se relacionam com o mundo contemporâneo. Neste caso, são antigos, são obras do século XIX e do século XX. Comecei a ver a colecção toda e tive o desejo de fazer uma abordagem que fosse interdisciplinar, o que era uma inovação em relação às exposições que o MAM tem feito sobre a sua colecção, porque costumamos apresentar pintura a óleo, gravuras, serigrafias ou cerâmica de Shiwan. Aqui, o que tentei foi pegar num tema e, através dele, atravessei todas as formas de expressão que estão incluídas na nossa colecção. Por isso, temos pintura a óleo, temos desenhos, livros, temos gravuras, cerâmicas, aguarelas e posters, tudo na mesma exposição.

E tudo sobre mulheres.

Tudo sobre mulheres. Nunca tinha sido feito no nosso museu um trabalho sobre as mulheres. Têm sido feitos noutros museus, no mundo inteiro: o MoMA fez uma exposição sobre a mulher e a forma como é representada na sua colecção, o Louvre e o Prado também. Há uma tendência internacional para se olhar para as colecções e tentar perceber qual é o lugar da mulher no mundo da arte, não só a forma como a mulher é representada, mas também as artistas. Esta exposição é a primeira parte de uma investigação que terá uma segunda parte. Nesta parte, estudamos apenas a forma como a mulher é representada na história de arte e pela história de arte. O que encontramos aqui são representações da mulher e ainda não as mulheres artistas, que é a segunda parte da exposição, que há-de ser no próximo ano.

Atendendo ao espólio que existe no MAM, como é que a mulher é representada? Temos aqui duas representações: aquelas que são feitas pelo olhar ocidental, mas também temos obras de artistas orientais.

Liga-se à história da própria colecção do MAM. Este museu herda a sua colecção do Museu Luís de Camões, que originalmente não era um museu de arte – era um museu comercial, etnográfico, histórico. Só em 1933, com a aquisição do espólio de Manuel da Silva Mendes, é que o museu ganha uma componente propriamente artística que, até então, não tinha ou era pequena. Havia algumas obras de arte, mas eram poucas. A colecção de Silva Mendes começava com obras de arte de artistas ocidentais. Tínhamos Chinnery, Boswell Watson, Borget, e essas são as primeiras obras que apresentamos aqui e as primeiras representações de mulheres que nos surgem. E também Lam Qua, cujas obras já faziam parte da colecção também de Manuel da Silva Mendes. Efectivamente, a maior parte dos retratos que apresentamos da mulher, aqui nesta primeira galeria, que é sobre o século XIX, são pintados por Lam Qua. Um neto dele desenha também mulheres numa outra galeria mais à frente. Por isso, esta exposição acaba por ter vários níveis de leitura: não só conseguimos ver a forma como a mulher é retratada ao longo da história da arte, como também conseguimos acompanhar a história da colecção do museu, como ainda conseguimos acompanhar um bocadinho da história da arte de Macau, e até a relação que existe entre uns artistas e outros, às vezes relações que são também de natureza familiar.

 Falando do século XIX. A forma como se representa a mulher no Oriente e no Ocidente é substancialmente distinta?

Através da nossa colecção, temos Chinnery que marca o início da forma como a mulher é representada, uma tradição puramente europeia, e seguimos com Lam Qua, que é um discípulo informal da obra de Chinnery, no sentido em que Chinnery nunca admitiu ter ensinado pintura a Lam Qua. Mas, de alguma forma, as obras mostram que há uma aproximação na forma da pintura. As primeiras representações que temos de mulheres chinesas são feitas por via de uma tradição que é fundamentalmente ocidental: Chinnery e os seus discípulos. São mulheres de uma classe social mais abastada, as senhoras dos mandarins que aparecem representadas, mulheres europeias, mulheres chinesas, macaenses. Esta obra é uma das mais antigas do espólio artístico deste museu que não fazia parte da colecção de Silva Mendes: é uma Senna Fernandes. Em princípio, o quadro deve ser de Lam Qua.

 Como é que este quadro chegou ao MAM?

Existem os inventários antigos do espólio do Museu Luís de Camões e, a partir de 1926, existem registos de todas as obras que entraram no museu. Um dos directores teve a intenção de fazer uma exposição de quadros históricos e pediu a várias famílias importantes da cidade de Macau que cedessem obras para essa exposição. Muitos dos registos não são suficientemente detalhados para sabermos a que obra se referem, mas há outros que permitem. Neste caso particular, existe o recibo de entrada de uma obra de uma pintura a óleo de uma senhora da família Senna Fernandes. Esta é a única senhora da família Senna Fernandes que está no nosso espólio. Aquele recibo deve muito certamente corresponder a esta obra. Conseguimos, nestes casos, saber exactamente o dia, o mês e o ano em que a obra dá entrada no espólio do museu que, depois, herdámos.

É possível perceber por estes retratos que histórias tiveram estas mulheres, o que é que significaram no século XIX em Macau?

Fizemos um primeiro esforço de identificação das personagens que estão representadas. Não é possível identificar todas. Quando conseguimos identificar estas mulheres, muitas vezes temos pouquíssima informação sobre o papel que elas efectivamente tiveram na sociedade de Macau por falta de registos. Mas penso que este foi apenas o primeiro passo nesse sentido. Eventualmente, com a ajuda de outros investigadores que se dedicam ao estudo da mulher na cidade de Macau nos séculos XX e XX, vamos continuar a tentar saber mais histórias sobre estas mulheres.

Nesta galeria do século XIX, além deste quadro de Ricardina Senna Fernandes, que outras obras destaca?

Destaco a primeira obra de um macaense: Marciano Baptista, um artista nascido em Macau, que estudou cá, também é um dos discípulos de Chinnery. É a primeira representação a óleo de uma mulher do povo. O que acho engraçado neste quadro é o sapato. Normalmente, as senhoras do povo não tinham os pés enfaixados. Não é normal que uma mulher, que pode ser uma criada que vai ao mercado comprar coisas, leva o filho ou o irmão às costas, tenha os pés enfaixados. Este pormenor é o ponto exacto em que o artista expressa a sua visão sobre aquilo que é a condição feminina. Este sapato está fora de contexto. O sapato é a coisa mais pequenina neste quadro, quase não se vê, e é a mais importante.

Além da pintura a óleo, há também desenhos.

Sim. Estas são as famosas tancareiras, que foram muito representadas porque eram as primeiras mulheres que os homens viam quando chegavam a Macau de barco. Se nas pinturas a óleo temos sobretudo mulheres de uma classe social mais abastada, que resultam, penso eu, de encomendas, na maior parte dos casos, os artistas desenhavam as mulheres do povo, usando o desenho. É o esboço rápido daquilo que viam na rua. Aqui, conseguimos ter uma visão do papel da mulher de um outro estrato social.

Mais uma vez, neste caso, George Chinnery tem uma relevância grande.

Tem uma relevância grande porque não havia esta tradição na China de se desenhar cenas da vida quotidiana. Era uma tradição já bastante desenvolvida na Europa. O desenho à vista, rápido, das cenas da vida quotidiana, é quase antropológico. Chinnery às vezes punha notas nas suas obras. Como raramente assina os seus trabalhos, esta é uma forma que hoje se usa para saber que a obra é autêntica. Funciona como uma assinatura da obra. São pequenos apontamentos porque às vezes estes desenhos são estudos de composições de obras maiores.

Apesar de sabermos pouco sobre estas mulheres, ainda assim é possível perceber que papel representavam.

A mulher é representada como deusa, como mãe, como criada ou concubina. Todas essas funções estão aqui representadas. Passámos à frente de um dos quadros a óleo em que se vê uma mãe a amamentar o filho. Aqui temos uma concubina.

É uma peça de cerâmica.

É uma peça de cerâmica de Pan Yu Shu, um artista chinês, do final da dinastia Qing. Esta obra não é uma encomenda de Silva Mendes, ao contrário daquela ali, uma velhinha encomendada para decorar a sua vivenda, que faz parte de um conjunto só em cerâmica. As obras de Shiwan são em cerâmica, era uma tradição muito antiga que depois foi abandonada em favor desta técnica que vemos aqui, que usa o vidrado para as roupas e todo o corpo é deixado em barro. Hoje, a maior parte da cerâmica de Shiwan tem esta característica. Silva Mendes reiniciou a tradição antiga de Shiwan e houve alguns artistas em Shiwan que continuaram esta tradição. Quanto a esta concubina, é uma história linda, um clássico. Conta a história de um imperador que tem uma concubina, que se chama Yan Guifei, a favorita. Nessa condição, aqui é representada depois de prestar os seus favores ao imperador, a ver-se ao espelho, e o imperador manda o eunuco presenteá-la com pérolas. Ela começou a exercer cada vez mais influência sobre o imperador e a colocar na corte imperial todos os seus familiares. Outras pessoas da família do imperador começaram a achar que ele estava a ser manipulado por ela e fogem da corte. No percurso, todas estas pessoas que estão a fugir conseguem convencer o imperador de que a responsável por tudo é a concubina. O imperador mandou matá-la, mas nunca mais foi feliz.

Passamos agora para esta sala, que ainda nos mostra obras do século XIX.

São gravuras do final do século XIX, de Thomas Allom, um arquitecto inglês que se julga nunca ter estado na China, mas que a representou em função de coisas que leu, que estudou. Não é muito significativo que tenha estado na China ou não, se é uma ficção ou não, porque na realidade a publicação destas gravuras é responsável por uma certa visão que a Europa teve da China no final do século XIX. O livro onde estas imagens foram publicadas chama-se “China: In a Series of Views, Displaying the Scenery, Architecture and Social Habits of That Ancient Empire”. O que temos são cenas de casamentos, o dote que as famílias recebiam, as mulheres de uma família de mandarins a jogar às cartas. Expomos aqui o livro em que as obras foram publicadas, neste ‘touch screen’, para as pessoas poderem ter outra visão.

Agora, estamos no século XX.

Esta galeria tem obras incríveis porque são aguarelas, pinturas originais, de um artista de Macau, que são a base dos cartazes publicitários do início do século XX. Aqui temos as aguarelas; daquele lado temos os cartazes. Eram estas pinturas que, depois, davam origem àqueles cartazes. O que é mais raro é expor-se a aguarela, porque normalmente nas exposições usa-se o cartaz impresso.

As mulheres que encontramos aqui já são completamente diferentes.

Isto é importante do ponto de vista histórico. Estamos em 1912, aboliu-se o enfaixamento dos pés das senhoras. Nesta primeira república, surgem todas as ideias de que a mulher deve ocupar socialmente um lugar paralelo ou igual ao homem, todas a reivindicações de sufrágio universal, de direitos das mulheres. São criadas as primeiras escolas femininas, as mulheres começam a poder ir à escola, a escolas de arte, e há o primeiro jornal feminino na China. É também o momento em que, pela primeira vez, as mulheres entram numa exposição oficial chinesa, com um alto número de representação, juntamente com homens. Entramos na história da China. Em Macau é difícil fazer essa história, mas estas obras, de alguma forma, contam um bocadinho toda uma alteração da visão da mulher. É uma mulher que usa salto alto, que tem manga cava, as saias vão ficando cada vez mais curtas e os sapatos cada vez mais altos. Nestas duas peças, temos uma mulher que está de calças e outra a beber vinho, de calças também.

Encontramos agora a propaganda de meados do século XX.

É a primeira vez que este trabalho é exposto no MAM. É uma encomenda do Sindicato dos Trabalhadores de Macau à Associação de Artistas de Macau, foram doados ao museu em 2010. Servia para exibir no Sindicato dos Trabalhadores de Macau, para ensinar às mulheres e aos trabalhadores em geral como é que elas se deviam comportar e qual o papel que devem desempenhar. Neste quadro temos uma crítica: “A trabalhadora Ling era supersticiosa, com uma mentalidade antiquada, que adorava vestir-se”. Esta pintura refere-se a tudo o que aconteceu na galeria anterior. Toda aquela ideia da mulher feminina, que pode usar o decote e que, apesar de ser mãe, também pode exercer a sua feminilidade, vai acabar. Aqui neste quadro temos a nova mulher: todas as suas formas físicas desaparecem debaixo do uniforme maoísta, o cabelo não tem nenhum acessório. Esta mulher aprendeu o pensamento do Presidente Mao. Isto faz parte de toda época em que os cartazes de propaganda maoísta estavam em toda a China. Há um aspecto extraordinário: nesta altura, usava-se sobretudo xilogravuras, que eram enviadas para todas as províncias da China. Nessas províncias eram pintadas e, depois, distribuídas e usadas. Aqui, é pintura. É um trabalho extraordinário: alguns são a tinta-da-china; outros, a tinta-da-china com aguarela e guache.

E aqui termina a exposição.

Contámos um bocadinho da história da colecção, que tenho andado a estudar há já alguns anos. Apesar de ser uma abordagem sintética, quis fazer aqui homenagem a Manuel da Silva Mendes e ao seu contributo para que o MAM seja aquilo que é. Se não fosse esta colecção, o Museu Luís de Camões não se tinha transformado num museu de arte, e como herdámos este espólio, herdámos toda esta história que acaba por ter início na obra deste homem, que era um português.

31 Jul 2017

Entrevista | Rui Vieira Nery, musicólogo 

É, desde 2012, o director do Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesas. Rui Vieira Nery tem estado no território no âmbito do 12º. Congresso de Lusitanistas e acredita que a cultura, com o tempo, pode ter o lugar que merece nas prioridades políticas portuguesas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] seu interesse pela música não é de estranhar, dado o seu contexto familiar, mas acabou por se formar, inicialmente, em História. Porquê?Pois, sou filho de um grande guitarrista de fado, um dos melhores do seu tempo, o Raul Nery, e, como tal, cresci a ouvir fado em minha casa. A minha mãe era uma melómana apaixonada por música clássica. De uma maneira ou de outra, a música fez sempre parte, desde criança. Ao mesmo tempo, interessei-me sempre por história e, a par da minha aprendizagem como pianista, que foi como comecei, sempre me interessei por pensar a música numa perspectiva histórica. Quando fui fazer o curso de História, acabei por perceber que podia ser historiador sem deixar a música. Foi por isso que escolhi a musicologia histórica e acabei por fazer o doutoramento em Musicologia na Universidade do Texas. Deixei de tocar, deixei de ser intérprete, mas continuei sempre ligado ao universo da música, embora numa perspectiva mais historiográfica.

Não tem saudades de tocar?
Tenho muitas. Mas era muito exigente comigo e não teria gostado de continuar a tocar se não conseguisse chegar a um nível que considerasse satisfatório e, para o conseguir, teria de me dedicar inteiramente à prática instrumental, que não poderia acumular com o meu trabalho de musicólogo. Tive de fazer uma opção e escolhi aquilo que achei que poderia fazer melhor. Mas custa-me muito e sinto muito a falta de fazer música.

Uma das suas obras tem que ver com o encontro de culturas no mundo, “O Vilancico Português do Século XVII: Um fenómeno Intercultural”. Esta multiculturalidade de que hoje em dia tanto se fala já vem de há muito.
Sim. Uma coisa que é característica do processo de globalização em que as chamadas Descobertas portuguesas se inserem é o encontro de culturas. Portugal levou consigo uma matriz cultural europeia e depois encontrou, nos vários lugares a que chegou, culturas vivas e ricas. Ao contrário de outros países que estiveram em expansão colonial nesse período, Portugal incorporou muitas das componentes dessas culturas que foi encontrando na sua própria cultura. Costumo dizer que somos uma cultura eminentemente mestiça e que essa é uma das características mais individuais da cultura portuguesa. Essa capacidade de experimentar outras canções, outras danças, outros temperos e outros namoros. Daí nascem muitas manifestações culturais e artísticas que são o resultado desse diálogo intercultural. Isto acontece logo a partir do séc. XVI. O estudo a que se refere é sobre o vilancico religioso desta altura em que temos cantigas em português, espanhol e em crioulo, cantadas na igreja, mas compostas por compositores portugueses de formação, digamos, “clássica”, que incorporam ritmos, melodias e danças populares de África e do Brasil. Temos também um exemplo mais acabado e mais moderno que é o próprio fado. Começa por ser uma dança cantada afro-brasileira, depois é apropriado pelos portugueses e transformado num fenómeno puramente nacional.

O fado é “nosso”?
Claro que é nosso. As primeiras manifestações que encontramos descritas e que tratam do fado são do Brasil, do início do séc. XIX. As primeiras manifestações da prática documentada em Portugal são já da década de 1820/30 e tudo indica que esta dança cantada, como muitas outras que foram chegando a Portugal ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi apropriada pela cultura popular de Lisboa e foi transformada localmente. Costumo dizer que se um brasileiro tivesse chegado a Portugal em 1850 e visse cantar e dançar o fado em Lisboa perguntaria: ‘Mas o que é que eles estão a cantar e a dançar?’ Ou seja, Portugal apropria-se deste fado e fez dele uma manifestação puramente portuguesa.

Integra este Congresso de Lusitanistas dedicado à língua portuguesa e à cultura de língua portuguesa e que, cada vez mais, se alarga a várias expressões.
Penso que a Associação Internacional de Lusitanistas (AIL) tem tido uma preocupação em alargar o seu âmbito e passar do estudo da linguística e dos estudos literários em português para um estudo das várias culturas de expressão portuguesa. A língua não existe no vácuo, mas sim como um veículo de comunicação e de cultura. A língua é a comunicação do dia-a-dia, mas também é a poesia, a prosa, o cinema, o teatro e, de certa maneira, marca o nosso olhar sobre o mundo. As artes plásticas feitas por uma comunidade que fala português estão marcadas por um olhar que também tem a influência da língua e das suas estruturas. Como tal, faz sentido que não estudemos apenas a comunicação oral e escrita e que se veja, cada vez mais, o português como um veículo de culturas. Uma das coisas mais interessantes no caso do português é, precisamente, a riqueza e a variedade dessas muitas culturas a que serve de base. O português transformou-se num grande mosaico de expressões culturais diferentes, umas vezes concordantes, outras vezes em conflito, mas todas elas enraizadas na mesma língua. A AIL e os seus congressos seguem essa tendência.

Estamos no final do encontro. Qual o balanço que faz?
É um balanço muito positivo. Em primeiro lugar, pelo próprio facto de termos vindo para Macau. O último congresso foi em Cabo Verde e era muito importante que a AIL fizesse um congresso agora na Ásia, porque isso é a universalidade da própria língua portuguesa e da vitalidade destas comunidades que falam português. Por outro lado, e independentemente do lugar em que o congresso se faz, o nível científico é muito elevado. Estamos perante investigadores de múltiplas nacionalidades com um alto nível de pesquisa, de reflexão científica e de produção intelectual, e estamos aqui, a partir da língua portuguesa, a discutir questões de grande actualidade, podemos mesmo dizer questões de ponta, no debate científico internacional.

Pode dar alguns exemplos dessas questões de ponta?
A questão da própria diversidade cultural, do diálogo intercultural, da cultura como um veículo de inclusão ou de exclusão social. Tudo isto são questões muito importantes. A questão da ligação entre cultura erudita e cultura popular. São aspectos que estão na agenda dos estudos culturais em todo o mundo, e que nós aqui estivemos a discutir a partir da língua portuguesa e das culturas de expressão portuguesa.

Como é que vê o valor da língua portuguesa para a China?
É um valor óbvio. A China tem vindo a emergir como um grande parceiro geopolítico, cultural e económico à escala planetária. É muito importante estreitar, cada vez mais, as relações entre a cultura ocidental e a cultura chinesa porque somos parceiros naturais, digamos que numa nova ordem mundial que seja sustentável, justa e equilibrada. A aposta que a China faz no desenvolvimento do estudo da língua portuguesa é muito importante. O Governo Central definiu como prioridade importante o estudo e a promoção do português, e Macau, dentro dessa perspectiva, tem um papel de plataforma fundamental. O território é, naturalmente, um espaço de articulação. Macau tem um conjunto de instituições de ensino superior de grande qualidade e o Instituto Politécnico, em particular, tem feito um trabalho extraordinário. Estamos no bom caminho. A língua e o seu ensino podem ajudar-nos a descobrir as culturas de outras partes e de outras áreas. Para a semana vou estar no Congresso Mundial das Humanidades em Liége, na Bélgica, e é presidido por um investigador chinês. Este fenómeno está cada vez mais a suceder.

Já há uma representatividade da investigação chinesa?
A investigação chinesa é gigantesca e só por ignorância é que tem havido esta espécie de separação artificial entre o mundo académico europeu e norte-americano, por um lado, e o mundo académico chinês. Só temos a ganhar, de um lado e do outro, com a troca de experiências e de sabedorias. Temos um futuro muito entusiasmante nesta descoberta mútua e penso que o português pode ser um dos veículos nessa comunicação. Temos um espaço de língua comum que junta estas valências e que faz a ponte com esta realidade tão importante como é a realidade chinesa, o que acho muitíssimo positivo.

Estamos perante um tempo áureo da língua portuguesa?
Estamos a atravessar um período difícil para o planeta. Difícil em termos da paz mundial, em termos da justiça social, da sustentabilidade ecológica. Mas dentro desse quadro, que tem muitos elementos preocupantes, a entrada clara da China nas inter-relações à escala global é um factor muito positivo para a paz e para o desenvolvimento. Neste sentido, há perspectivas muito entusiasmantes de futuro, se todas as partes se souberem relacionar e encontrar caminhos partilhados.

Está neste congresso a representar a Fundação Calouste Gulbenkian, um nome maior na cultura em Portugal. Como é que está a cultura portuguesa?
Tem aspectos muito positivos, sendo que o principal é a grande quantidade de jovens agentes culturais que foram formados nas últimas duas, três décadas. Parece um lugar-comum, mas temos possivelmente a geração com maior número de profissionais da cultura com formação avançada. Naturalmente, aumenta a massa crítica e aumenta também o topo de gama dessa massa crítica. Temos, como nunca tivemos, um grande número de artistas, de escritores, de músicos, de investigadores nas áreas culturais. Este é o lado positivo. O lado negativo é o facto de a sociedade portuguesa ter dificuldade em encontrar formas de acolher essas novas gerações de profissionais da cultura e de lhes dar oportunidades de aplicarem a formação especializada. Acredito que, pouco a pouco, vamos tendo mais consciência da importância que este sector tem para o desenvolvimento global do país. Não é um luxo, não é um objecto decorativo para o qual se olha depois de se tratarem das coisas “importantes”. É parte das coisas importantes. É um factor de desenvolvimento essencial. Diria que, em termos das políticas públicas para a cultura, ainda há muito que fazer. Precisamos de mais orquestras, de mais teatros, de mais apoios para o cinema, de mais galerias de exposição, de mais oferta cultural à população em geral. É disso que estamos a falar: oferecer o acesso à cultura aos cidadãos, o que é uma obrigação constitucional. Tudo isso existe, penso, numa escala muito pequena em relação àquilo que seria o potencial do país. Hoje em dia fala-se muito da marca Portugal. É reconhecida internacionalmente em grande parte pelo impacto da cultura. Pelo cinema que ganha prémios em todos os festivais, pela música que faz um enorme sucesso em todo o circuito da world music, pelos escritores portugueses já traduzidos em muitas línguas, pelos sapatos que têm um design original e criativo. Já são efeitos da transferência da área artística para a área económica. Estamos a falar de factores de desenvolvimento essenciais para o país e que precisam de maior investimento na esfera cultural para depois terem esse impacto reprodutor. Mas sou um optimista por natureza e acredito que os próprios cidadãos irão ter, cada vez mais, noção desta necessidade de cultura e irão passando isso para as esferas de decisão política.

28 Jul 2017