Entrevista | Hirondina Joshua, poetisa

Hirondina Joshua está em Macau a convite do festival literário Rota das Letras e no próximo sábado integra o painel “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?”. A poetisa moçambicana começou a ler livros de filosofia aos 12 anos, e é na linguagem que considera estar o poder criativo do autor

[dropcap]C[/dropcap]omeçou a ler livros de filosofia aos 12 anos. Como é que isso aconteceu? 
Foi um acidente. O meu pai tem uma biblioteca com muitos livros e muitos eram de filosofia. Tínhamos os nossos livros infantis, eu e os meus irmãos, mas fiquei cansada deles e queria ler uma coisa diferente. Queria saber o que o meu pai lia. Acabei por achar muito interessante.

 O que é que absorvia dessas leituras, na altura?
Fascinava-me o facto daqueles livros me darem uma outra forma de ver as coisas. Coisas que nunca tinha sentido  que não sabia o que eram. Era uma descoberta. Falavam da vida, eu não sabia o que era a vida, não pensava nisso. Era uma coisa estranha para uma criança. As crianças não pensam nestas coisas. As crianças vão fluindo e são contaminadas pelos adultos. As crianças perguntam sobre sensações e vão vivendo isso despreocupadamente. Quem pergunta o que é a vida não está despreocupado.

Como apareceu a escrita? 
A escrita apareceu como uma experimentação. Eu via as pessoas, os autores que lia, e pensava que escreviam o que escreviam porque tiravam isso de algum lugar só deles. Depois pensava que se calhar também tinha um lugar assim e queria saber que lugar era esse em mim. Queria descobrir aquele lugar privado, queria encontrar o meu lugar para tirar os textos.

Encontrou?
Não. Não encontrei e acho interessante que não tenha encontrado. Ainda estou à procura desse lugar.

FOTO: Sofia Margarida Mota

O que é que a inspira para escrever?
As pessoas, o que me rodeia, a vida, a tragédia. Não quero dizer que na vida seja tudo muito mau, mas infelizmente também não é muito bom. Inspiro-me na vida e em particular na criança que acho que ainda sou. Na inocência.

Porquê a opção pela escrita de poesia?
Não sei. É natural. Não sei responder.

Escreveu os “Ângulos da casa”. Como foi o processo para chegar a este livro?
Publiquei o livro quando tinha 29 anos e a maior parte dos textos foram escritos antes disso. “Ângulos da casa” foi uma associação desses textos com sete poemas que dão efectivamente o título ao livro, Nunca tinha tido a intenção de publicar. Só escrevia. Não pensei nos textos como um livro. Foi um processo diferente daquele por que estou a passar no livro que estou a escrever agora. Agora penso no que faço como um livro

E em que é que está a trabalhar actualmente?
É mais uma experiência. É diferente do outro em termos de sensibilidade.

Gosta especialmente de escrever recorrendo a uma linguagem mais surrealista e simbolista. Porquê?
Sim. Gosto muito. Neste meu último trabalho estou a explorar muito mais o simbolismo por exemplo. Acho que todas as coisas já foram ditas, já foram vistas, já foram escritas. Qual é a graça da literatura se já conhecemos todas as histórias? Nos poemas é a mesma coisa. Não há novidade. A única novidade que pode existir na literatura é a linguagem. Acho que o simbolismo e o surrealismo, principalmente estas duas linguagens, trazem a vida à literatura. Se já está tudo escrito o que me levaria a escrever? É por isso que exploro a linguagem. A linguagem é uma coisa tão particular que pode prender qualquer pessoa. Se a linguagem fosse plana a literatura não tinha graça. A criatividade está na linguagem.

Veio de Moçambique para Macau. O que pode levar daqui?
É uma cidade fascinante. As pessoas são diferentes das de Moçambique, mas descobri uma coisa: o Homem é igual em todo o lado. Há pessoas simpáticas e antipáticas, boas e más, com qualidades e defeitos em todo o lado. É verdade que o povo de Moçambique e este são muito diferentes. Mas é interessante descobrir as pessoas. É interessante perceber como as culturas moldam os povos.

Como vê a literatura africana e especialmente a do seu país, Moçambique? 
Prefiro falar de Moçambique e da nova geração. Gosto muito do que os meus colegas estão a fazer incluindo as mulheres. Ficámos muito tempo escondidas e agora há muita mulheres a dinamizar a literatura. Em Moçambique há agora muitos movimentos literários. A cidade não fica parada como antes. Agora temos festivais, eventos e feiras. Os mais novos não estão à espera que os mais velhos avancem com iniciativas. Acho que a minha geração é muito forte e estou feliz por isso.

21 Mar 2019

Entrevista | Gisela Casimiro, poetisa

Natural da Guiné Bissau e a viver em Lisboa, a convidada do festival literário Rota das Letras, Gisela Casimiro vai fazer parte do painel de sábado dedicado ao tema “Pode ainda a Poesia revolucionar uma vida?” O seu livro “Erosão”, lançado em Novembro do ano passado, reúne um conjunto de poemas que falam da desconstrução

[dropcap]C[/dropcap]omo apareceu a poesia na sua vida?
Apareceu na adolescência. Leio desde criança mas ler poesia em particular, só comecei mesmo na adolescência, altura em que a descobri. Passei demasiado tempo sozinha na biblioteca a ler tudo o que podia. Lia sobretudo Sophia de Mello Breyner e Octávio Paz, entre outros. Mas, na altura, lia tudo. O plano era ler tanto quanto possível porque sabia que isso me ajudaria a escrever melhor, mas também porque gosto de contar histórias e também gosto que me contem histórias. Lembro-me de quando li o meu primeiro livro sozinha, era um livro de histórias dos irmãos Grimm. Entretanto, também fui muito influenciada por contos persas. A poesia foi talvez uma maturidade que tenha surgido. A poesia já não pressupõe ficção. Escrevi prosa durante muito anos, altura em que escrevia ficção. Depois deixei de o fazer.

Como é que foi o processo de criação de “Erosão”?
Antes de ser “Erosão”, tinha outros conjuntos de poemas. Erosão neste caso é quase como um livro do meio na cronologia poética. Tenho um primeiro volume do qual tirei algumas coisas que estão no “Erosão” e depois tenho outro que já é pós este livro mas que ainda não está publicado. Portanto ali – no livro – houve uma mistura de duas vozes diferentes, de momentos diferentes. Mas é um livro que tal como o próprio nome indica tece um processo muito longo de construção ou de destruição.

Porquê de destruição?
O “Erosão” fala das coisas que nos destroem enquanto seres humanos, mas também da destruição de preconceitos, de ideias. O desaparecer do sofrimento, o desaparecer da ilusão e o aparecer da minha forma mais real, mais verdadeira. Um filtro digamos assim.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Também escreve prosa. Que diferenças nota entre estes dois géneros?
Não vejo muita diferença porque penso que a minha prosa também tem o seu quê de poético. A diferença que vejo é que quando escrevo poesia é como estar ao espelho e quando escrevo prosa é como estar a uma janela. Tem sempre que ver com pessoas, mas a poesia permite-me ser um pouco mais egocêntrica. Quando se escreve prosa tem que ver com histórias dos outros. Não é que não tenha que ver comigo também, mas é diferente, Sinto que estou a contar mais as histórias dos outros e não propriamente a minha.

Nasceu na Guiné Bissau. O que traz das suas origens para o que escreve? 
Das minhas raízes não sei se já trago alguma coisa para a minha escrita. Não é uma escrita que seja conotada como sendo africana ou europeia. Eu conto histórias, e conto histórias que podem ser entendidas por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Para mim a linguagem também é simples mesmo quando falo de coisas complexas. São coisas complexas, mas são coisas que todos nós partilhamos enquanto pessoas e que não importa de onde viemos. Aquilo que abordo são coisas do quotidiano com que todos nós lidamos. Claro que quando regressar a África, certamente que me tocará profundamente e isso irá reflectir-se naquilo que escrevo. Não estamos num mundo estanque e as pessoas que têm acesso ao que escrevo, identificam-se com elas. Aliás, isso é o que me interessa, chegar a uma coisa mais universal mas sem esquecer a individualidade de cada um. Gosto muito da Chimamanda, uma autora nigeriana que escreve ficção mas em que sabemos que existem ali muitas situações que acontecem na realidade.  O “Americana” foi um livro que me marcou imenso porque senti que era o livro que tinha sido escrito para mim. No entanto é sobre uma nigeriana, e eu nasci na Guiné, e ela é uma nigeriana que emigra e vai para os Estados Unidos e o namorado vai para Inglaterra e eu não tive nenhuma dessas experiências. Quando fui para Portugal, era muito pequenina e foi uma decisão dos meus pais e não minha. Mas isso não me impede de me rever naquele livro. É isso que espero que aconteça quando as pessoas lerem a minha poesia.

Como está a ser a sua estadia em Macau?
Está a ser curiosa. Há alguns meses que escrevo crónicas para aqui e tinha curiosidade em estar neste lugar onde já estava presente sem ser de forma física. Estava curiosa por encontrar as pessoas. Ainda tenho que explorar muito mais e descobrir. Quem vem de Lisboa nota logo quando uma terra é muito plana (risos). Mas notamos logo as primeiras coisas que nos são familiares. Quando vinha no ferry de Hong Kong para cá estava a fazer piadas em que mencionava que estava num cacilheiro, depois vi a ponte e lembrei-me da ponte Vasco da Gama . Isto acontece em mais situações. Acho engraçado fazer primeiro estas comparações e depois começar a descobrir as coisas que são de cada lugar.

21 Mar 2019

Grande Baía | Deputados preocupados com acção do Governo

[dropcap]O[/dropcap]projecto de cooperação regional da Grande Baía foi o tema a que oito deputados dedicaram ontem as suas intervenções de antes da ordem do dia na Assembleia Legislativa (AL).

Kou Hoi In, Chui Sai Peng José e Ip Sio Kai assinaram, em conjunto, uma intervenção que apela à acção pro-activa do Executivo. Para os deputados, “o Governo não deve continuar apenas a discutir e estudar. Há que saber que Macau ficará para trás se não progredir e se não tomar uma atitude mais proactiva”, dizem.

De modo a ultrapassar esta situação, o Executivo deve “a par da formação de talentos e tomando como referência as medidas adoptadas nas regiões vizinhas, definir com determinação, e quanto antes, políticas e medidas para a importação de talentos”, defende o grupo de deputados. “Se não for possível tomar uma decisão, a política de talentos vai continuar a arrastar-se, não sendo possível acompanhar as cidades da Grande Baía. Como é que, no âmbito do seu desenvolvimento, Macau vai conseguir fazer sobressair as suas vantagens?” questionaram.

Já Chan Hong apelou à divulgação de estratégias a desenvolver dentro do quadro da Grande Baía para que a população possa aproveitar as oportunidades que daí decorrem. “O Governo da RAEM deve, primeiro, desenvolver acções de divulgação, e construir uma plataforma de comunicação e de apoio à Grande Baía, para alargar as oportunidades de desenvolvimento da população de Macau”, apontou.

Por outro lado, “as outras cidades da Grande Baía devem conhecer as vantagens e necessidades do desenvolvimento de Macau, promovendo a circulação mútua de quadros qualificados e a cooperação industrial”. O objectivo é “fazer crescer o ‘bolo’ da economia” e “partilhar os frutos do desenvolvimento económico”.

Mais coordenação

Ho Ion Sang apelou ao Governo que promova a coordenação local com os trabalhos gerais dentro deste projecto de modo a aproveitar as oportunidades oferecidas. De acordo com o deputado, “para alterar a realidade de Macau no sentido da sua transformação num motor central para guiar o desenvolvimento económico das zonas a oeste de Zhuhai, Macau deve acabar com a mentalidade e modelos de trabalho antigos, em que cada um actua à sua maneira e aproveitar as oportunidades oferecidas pelo Governo Central”, aponta.

A comunicação entre instituições de saúde que integram a região da Grande Baía foi a preocupação demonstrada por Wong Kit Cheng que sugere que a integração regional tenha como objectivo “promover a integração regional”, neste sector.

Wu Chou Kit destacou o papel do projecto regional enquanto promotor da diversificação económica do território e Song Pek Kei defendeu que se trata de “uma oportunidade histórica”, pelo que o Governo deve assumir uma “atitude mais responsável perante o desenvolvimento social”.

 

20 Mar 2019

Alexis Tam admite criação de carreira especial para assistentes sociais

[dropcap]O[/dropcap]secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, admitiu ontem a criação de uma carreira especial para os assistentes sociais que trabalham na Função Pública. “Queremos que venha a ser ‘uma profissão, um regime’, mas segundo a lei vigente não temos actualmente condições para isso. O que podemos fazer agora é criar uma carreira especial”, disse o governante.

O secretário confirmou a posição do Governo em respostas às duvidas dos deputados que aprovaram ontem o regime da qualificação profissional dos assistentes sociais, mas que questionaram o facto da mesma carreira ser regulada por dois regimes. Os assistentes sociais dos serviços públicos vão ser regulados pelo regime da Função Pública, enquanto os que exercem funções no privado serão submetidos ao código de ética e deontologia a ser criado pelo Conselho Profissional dos Assistentes Sociais (CPAS), entidade também responsável pela qualificação profissional do sector.

Para Agnes Lam, trata-se de um problema que tem que ser resolvido porque não é possível avançar para a situação de “uma profissão, dois regimes”. Para a deputada há factores inerentes à profissão, como o sigilo, que exigem que os assistentes sociais sigam um código de ética próprio, o que seria resolvido com a criação e uma carreira especial. “O dever do sigilo por exemplo deveria estar nesta carreira especial”, referiu.

Já Wu Chou Kit considera mesmo que a carreira de assistente social deve ser considerada de forma semelhante à dos arquitectos, engenheiros e contabilistas em “que se adoptou uma forma para ultrapassar esta falha de uma profissão dois regimes”, disse.

A opinião é partilhada por Ma Chi Seng que espera “que possa ser criado um regime especial na função pública para abranger os assistentes sociais”.

Nomeações controversas

Outra questão levantada ontem pelos deputados foi a composição do CPAS. No ano passado, a presidente do Instituto de Acção Social revelou que no primeiro mandato, o organismo será composto por elementos nomeados pelo Governo e o segundo integrará cinco assistentes sociais acreditados. No entanto, a proposta aprovada ontem, não define regras para a eleição dos elementos constituintes no segundo mandato.

Sulu Sou sublinhou que esta é uma questão relevante, na medida em que está directamente relacionada com a entidade que profissionaliza o sector e que, considera, deve ser constituída por quem trabalha na área. Para o deputado pró-democrata, a eleição dos elementos constituintes do CPAS pelos colegas de profissão deve estar prevista no diploma actual.

Por outro lado, Sulu Sou duvida que seja possível assegurar o profissionalismo do CPAS sendo este apenas constituído por elementos nomeados pelo Governo. “Como é possível assegurar o profissionalismo dos vogais do CPAS e garantir que os membros eleitos pelo Executivo não irão afectar a qualidade do trabalho deste organismo?”, questionou.

Alexis Tam defendeu que o CPAS não vai para já ser constituído por membros designados como assistentes sociais porque a profissão ainda não existe no território. “Como no primeiro mandato não existem ainda assistentes sociais inscritos não podemos ter um CPAS constituído por estes profissionais”, disse. No entanto, admitiu o secretário, nos anos seguintes já vai ser possível. “A partir do segundo mandato, o CPAS vai ouvir os assistentes sociais inscritos, e eles é que vão decidir o método de selecção e isto é autonomia profissional”, acrescentou.

Por outro lado, a integração no CPAS de outros profissionais além daqueles directamente ligados à profissão pode permitir uma “abertura” do próprio organismo. “Têm de pensar um bocadinho mais à frente. Podemos ter um âmbito mais largo. Porque é que não poderá existir um assessor jurídico?”, apontou o governante.

20 Mar 2019

AL | Votos de protesto de Sulu Sou chumbados por maioria dos deputados

Os dois votos de protesto apresentados ontem na Assembleia Legislativa por Sulu Sou foram chumbados. Alguns deputados afirmaram que a proposta deste tipo de voto, prevista no Regimento, não é a forma adequada para intervir nos trabalhos legislativos

[dropcap]S[/dropcap]ulu Sou apresentou ontem na Assembleia Legislativa (AL) duas propostas de voto de protesto, uma dirigida à ineficácia do Governo no combate aos motoristas ilegais e outra sobre a ausência de consulta pública no acordo de reconhecimento de cartas de condução com a China continental.

No que respeita ao voto de protesto contra motoristas ilegais, os deputados chumbaram a iniciativa argumentando que, apesar de estar prevista no regimento de funcionamento da AL, não é adequada para este efeito.

Recorde-se que de acordo com o regimento, “a AL pode aprovar votos de congratulação, pesar, protesto, saudação, louvor ou censura”.

Para Iau Teng Pio, a proposta do deputado pró-democrata resulta da má interpretação do próprio regimento. “Apresentando a proposta de voto desta maneira, Sulu Sou está a interpretar o regimento de uma forma distorcida. Sabemos que há vários instrumentos para os deputados emitirem os seus protestos e há outros canais para isso. Por isso estou contra esta proposta de voto”, apontou. O deputado considera que as propostas de voto servem para a “expressão de sentimentos” e não para apresentar temas como “o combate às actividades dos motoristas ilegais”.

Já Song Pek Kei, apesar de sublinhar a importância do combate aos motoristas ilegais, também considerou que“esta proposta de voto é diferente das apresentadas anteriormente no hemiciclo. “No passado, eram acompanhadas de uma nota justificativa e hoje só recebi um pedido com um tema. Daí achar que esta forma de apresentação merece atenção e que não se deve obrigar os deputados a aceitar. Não é correcto. Não concordo”, apontou.

Agnes Lam votou a favor, acompanhada por mais quatro colegas. A deputada justificou a direcção do seu voto com o pedido feito pelos pais da vítima do acidente ocorrido recentemente na Cotai. “Os pais da falecida pedirem-me para alertar para os riscos dos motoristas ilegais e das vias de Macau. Não concordo com a forma como Sulu Sou apresenta esta tema e acho que devemos recorrer a outros meios para isso, mas a pedido dos pais da vítima votei a favor”, disse. Além de Agnes Lam, votaram a favor Sulu Sou, Pereira Coutinho, Ng Kuok Cheong e Au Kam San.

Imoralidades na AL

Na apresentação do voto de protesto contra a ausência de consulta pública no processo de reconhecimento de cartas de condução entre Macau e o Interior da China, o deputado Chan Wa Keong foi mais longe e afirmou mesmo que Sulu Sou estava a “exceder-se”. Para Chan, a apresentação desta proposta é mesmo “imoral”. O deputado acusou Sulu Sou de estar a “abusar do regimento e dos procedimentos de emissão de voto”.

Chan Wa Keong defendeu também que o reconhecimento mútuo de cartas de condução “é uma política do Governo, que já passou por debates e que ainda vai passar pela análise na especialidade”. Como tal, os votos de protesto previstos no Regimento da Assembleia Legislativa não devem ser aproveitados pelos deputados para este efeito. “Sulu Sou apresentou esta proposta de forma subjectiva, abusando do regimento e dos procedimentos de emissão de voto e por isso sou contra”, rematou.

A favor deste voto estiverem o proponente, Sulu Sou, e a ala pró-democrata do hemiciclo – José Pereira Coutinho, Ng Kuok Cheong e Au Kam San.

20 Mar 2019

Entrevista | António Falcão, o homem da maratona

António Falcão inicia hoje, pelas 15h, na Livraria Portuguesa, uma maratona de 24 horas de escrita. O autor tem uma ideia base, e a partir daí vai deixar a escrita falar desafiando a resistência física. Ao mesmo tempo, de hora a hora, publicará online um capítulo de cada uma das histórias que vão sendo escritas

[dropcap]E[/dropcap]m que consiste este evento?
Vai ser uma maratona com ponto de partida às 15h em que vou estar a escrever durante 24 horas na montra da Livraria Portuguesa. Será um processo sem plano concreto, apenas com alguns tópicos como guia. Vou ter um tema base, que irei explorar durante esse período, deixando a escrita fluir. Ao mesmo tempo vou publicar online, a cada hora, um capítulo de uma história, ou será mais correcto dizer uma trama, que será dividida, assim, em 24 capítulos. A ideia é escrever um bloco de texto completo, com um princípio e um fim, como quem entra para uma corrida de resistência e tenta chegar ao final incólume, sem acidentes, com o veículo inteiro. Muitas vezes, não é possível. Neste caso, a escrita ditará e arrancará sozinha por ali fora, sem um circuito por onde se delimitar. Tentarei estar presente o menos possível, deixando as mãos falarem por si, entre as teclas e o papel digital: as 24 Horas de Les Mains. Uma singularidade espacial. This is Major Tom to Ground Control.

Porque decidiu fazer este tipo de maratona escrita?
Não usaria o termo decisão. É certo que não foi um convite. Foi uma proposta da minha parte. Dada a coincidência de datas, em que consigo pela primeira vez estar em Macau durante o período do festival literário Rota das Letras, achei que fazia sentido ter uma participação no evento. Mas não me estava a ver incluído em algum painel, nem a falar, que é coisa para a qual não tenho vocação. Não sei bem de onde surgiu a ideia. Se calhar partiu da minha paixão por corridas de automóveis e de querer, todos os anos, estar presente nas 24 Horas de Le Mans. É um dia sagrado. Queria fazer algo parecido. O desafio em si, de estar enfiado numa cápsula com o tempo a contar lá fora, onde tudo é possível. Uma espécie de travessia, ir de uma ponta à outra, a caminhar numa corda bamba, com pouco equilíbrio. A ideia de estar um dia inteiro a escrever sem interrupções pareceu-me um bom acto de funambulismo. Digamos que neste caso será mais sonambulismo, parto um pouco sem a consciência da façanha em si. Mas o Houdini também teve de começar por algum lado. Meto a primeira e sigo prego a fundo.

Que dificuldades pensa encontrar durante o processo?
Creio que a principal dificuldade é de escrever algo que faça sentido do princípio ao fim, que conseguia erguer um bloco. Que exista um enredo linear, ou sequer um fio de escrita literário. Qualquer pessoa que tenha a escrita como profissão, consegue estar a escrever um dia inteiro sem parar, mas a grande dificuldade será fazê-lo com consistência e com alguma habilidade, para que não seja apenas um grande disparate. Confio na fluidez da escrita, e que a certo ponto entre num estado de hipnose tal que deixo de ali estar, e só retorne no final, numa viagem de ida e volta a outra galáxia. Na verdade, não sei bem o que vai acontecer, tentarei ser apenas espontâneo. Sinto um misto de receio e de confiança, de que vou sair ileso, e de que me safo melhor assim, com uma corda ao pescoço. A corda do ajuste imediato. De outra forma, poderia aborrecer-me e desistir, destruindo o empreendimento. Ou então é a paranoia com o perfeccionismo que deita tudo a perder. Do modo como vai acontecer hoje, com o fio da guilhotina a cair, safo-me melhor. Este ano tenho escrito todos os dias. Uma história por dia, na página de um caderno. Já vou em mais de setenta. Tem sido um bom exercício e essa experiência talvez seja um bom auxílio para me afundar neste pântano. Uma tábua de salvação.

Tem ideia sobre o que vai escrever?
Sim e não quero dizer o que é em concreto, mas vou escrever sobre um fim. Não direi que seja polémico, mas sim pertinente. Vivemos imiscuídos neste bolo comunicacional em que se perdeu a noção das certezas. As pessoas já não se questionam, embrulham-se. Deixam-se alienar pelos pacotes que lhes oferecem. Olhe-se para o panorama civilizacional de vários países, em que grandes traumas da nossa história voltam a ebulir. Qual a origem disto tudo? Baixámos os braços? Deixámos de ser exigentes? Ninguém lê? Olha-se para as televisões e só se vê lixo. A maioria dos jornais etiquetaram-se a um post-it, porque acham que os leitores perderam a paciência e já não conseguem prestar atenção e ler três frases, limitando-se ao superficial. É um mundo cão e só querem subsistir. Depois há a filosofia do isco, não interessa o conteúdo, só importa o fio a passar e o clique. Os cérebros deixam de ter neurónios e passam a ter isso: cliques de ansiedade. Estou a generalizar, é certo, mas o que graça por aí não é para meninos. Daí que pensem em colonizar outros planetas. Porque o nosso também está nas ruas da amargura. Mas o pior de tudo isto é que se somos inteligentes e temos as ferramentas para dar a volta, porque preferimos não o fazer? Será só o poder e o dinheiro? Vou escrever sobre sobrevivência. Outros dos aspectos deste desafio tem que ver com o facto da sobrevivência necessitar de sacrifício e esforço físico. Por isso, às últimas horas, a escrita que brotar virá muito dessa dificuldade acrescida, que se poderá equiparar ao que estiver a ser vivido por mim. Com a veia truncada. Em delírio puro.

Vai estar exposto. Acha que a presença de público vai interferir com a escrita?
A exposição, para além da manifestação lúdica, depreende uma certa interactividade. A vontade é de que o público, de certo modo, tanto porque a “classificação geral” da prova vai estar exposta de hora a hora, tenha alguma influência no processo. Terá, com certeza, dado que irei estar a captar e a assimilar sentidos de várias fontes. Não vou estar empalado, e tudo isso será inspiração. Pretendo inclusive que as pessoas apareçam na livraria e possam deixar bilhetinhos e comentários sobre todo este desastre à beira de acontecer. Vou respirar fundo.

19 Mar 2019

IAM | José Tavares planeia ter museu de animais até ao final do ano

[dropcap]O[/dropcap] museu que vai acolher a múmia do urso Bobo pode abrir ainda este ano, revelou ontem o presidente do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), José Tavares, à margem da cerimónia de entrada em funcionamento do Centro de Serviços das Ilhas. “Vamos agora lançar o concurso para construção do museu, e espero que o espaço fique pronto ainda no final deste ano”, apontou

A estrutura, situada em Coloane vai acolher, além do urso Bobo “os animais que já passaram no território”. “Já temos um panda que foi embalsamado há muito tempo, armazenado, os esqueletos de golfinhos que encontrámos, e há dois anos encontrei isto tudo num armazém”, acrescenta José Tavares. Para o responsável está na altura de trazer o espólio ao público.

Galgos embarcados

Na mesma ocasião, o responsável falou ainda da situação do canídromo salientando que a partir do dia 26 deste mês aquele espaço ficará a cargo dos Serviços das Finanças, depois de saíram os 45 galgos que ainda ali permanecem. Entretanto, ficam os agradecimentos àqueles que ajudaram a tratar dos mais de 500 cães abandonados pela empresa de exploração de corridas de galgos Yat Yuen. “Só tenho que agradecer às pessoas, à ANIMA, às associações que nos deram apoio desde o início e também ao nosso pessoal que se sacrificou bastante neste período”, referiu.

José Tavares participou ontem na inauguração do Centro de Serviços das Ilhas, uma valência feita para dar resposta às necessidades dos moradores da Taipa. “Optámos por esta localização e queríamos alargar os serviços aos cidadãos das ilhas que têm muitas necessidades urgentes e querem tratar das suas formalidades aqui e não em Macau”, disse. A opção pelo espaço situado na Rua de Coimbra, próximo do Parque Central, tem que ver com o facto de ser “do Governo”, não sendo necessário “pagar renda”. Vão estar ali disponíveis 26 serviços públicos desde notários, finanças e serviços de identificação.

19 Mar 2019

Saúde | Coutinho quer justificações para importação de enfermeiros

[dropcap]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho pede ao Governo que justifique a necessidade de importar profissionais de enfermagem. Em interpelação escrita, o tribuno recorda que os Serviços de Saúde (SS) “afirmaram publicamente que as instituições locais de formação de enfermeiros não conseguem providenciar o número suficiente de profissionais para suprir as necessidades do sector privado e que muitos jovens não estão interessados nesta carreira, sugerindo a necessidade de importação de mão-de-obra não local”. Estas declarações dos SS motivaram queixas por parte de jovens enfermeiros de Macau que estão “preocupados com os seus postos de trabalho e salários”. Por outro lado, a situação revela a falta de planeamento dos recursos humanos “nomeadamente na formação de enfermeiros, sendo [os SS] forçados, ainda recentemente, ao recrutamento de enfermeiros aposentados face ao aumento de doentes e de turistas”.

Assim sendo, José Pereira Coutinho pede ao Governo explicações acerca dos estudos técnicos que concluíram haver necessidade de contratar enfermeiros “do Interior da China, pagando menos de um terço dos salários da função pública”. O Executivo deve também explicar à população a razão pela qual não tem investido na formação destes profissionais localmente.

Por último, o deputado questiona o Governo se alguma vez procedeu a uma consulta pública acerca desta matéria em que tivesse em conta as opiniões das associações representativas desta classe profissional.

19 Mar 2019

Acordo | Entrega de infractores em fuga assinado este ano

Sónia Chan espera assinar, ainda este ano, o acordo sobre a entrega de infractores em fuga com Portugal. O acordo para transferência de condenados com Pequim levará mais tempo, apesar do consenso anunciado no início deste mês

[dropcap]A[/dropcap] assinatura do acordo sobre a entrega de infractores em fuga com Portugal pode ter lugar ainda durante este mandato da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan. A ideia foi deixada ontem pela governante em declarações à margem da cerimónia da abertura do Centro de Serviços da RAEM das Ilhas. “Já temos um consenso com Portugal e tenho confiança que o acordo possa ser assinado ainda este ano”, disse. “Este mês comunicámos com Portugal uma consideração e já temos um consenso e um texto”, acrescentou.

O acordo com Pequim sobre a transferência de pessoas condenadas vai ter de esperar mais tempo. “Já começámos a negociação, mas precisamos de mais algum tempo para fazer a de forma oficial”.

Recorde-se que Pequim e Macau chegaram “a consenso” sobre o início da cooperação no âmbito da transferência de condenados, no final do mês passado, no seguimento de uma visita da secretária à capital.

Convenções de lado

Entretanto, Sónia Chan reiterou que não há condições para Macau aceder ao pedido feito pela Indonésia para a adopção da Convenção Internacional de Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e os Membros das suas Famílias. A secretária reafirmou ontem que se trata de uma questão prevista nas leis locais. “De acordo com a Lei Básica e outra legislação, toda a gente é igual perante a lei em Macau”, apontou, e para já, “não é o momento para assinar esta convenção”. A recusa não significa, porém que o território não garanta a protacção destes trabalhadores. “Não quer dizer que não estejamos a garantir a protecção dos trabalhadores migrantes aqui em Macau. Também estamos a garantir os seus direitos”, sublinhou.

A secretária considera que antes de avançar nesta questão, é necessário “considerar o ambiente da sociedade”. “Temos de fazer uma consideração geral não só aos direitos dos migrantes, mas também dos direitos dos locais”, disse.

Sónia Chan sublinhou ainda os avanços legislativos que Macau tem feito na área dos direitos humanos, dando o exemplo da “lei para garantia dos interesses e bem-estar dos idosos e também dos benefícios fiscais às pessoas portadoras de deficiência”.

19 Mar 2019

Música | Salvador Sobral esteve ontem no Teatro Broadway

O vencedor da edição de 2017 do Festival Eurovisão da Canção, Salvador Sobral, esteve em Macau para um concerto no Teatro Broadway. Horas antes do espectáculo, o artista apontou as primeiras impressões do território e falou do processo criativo do seu ultimo disco, “Paris-Lisboa”

[dropcap]O[/dropcap]tempo em Macau foi limitado mas, entre o concerto de ontem Teatro Brodway e os sound-checks, Salvador Sobral leva impressões de uma “Macau profunda”. “Macau tem duas faces, a da ostentação que acompanha os casinos, em que tudo não passa de uma fachada como a Torre Eiffel, o Casino Lisboa etc., e depois existe a verdadeira cidade, muito genuína e que gostei muito de ver”, aponta ao HM referindo-se ao passeio que deu pela zona antiga do território. “É uma cidade mais escura, melancólica, o reflexo desta sociedade”, acrescentou. Na memória leva um pequeno espectáculo que assistiu “por acaso numa casa de chá antiga”, acrescentou.

Entretanto, o convidado do festival literário Rota das Letras deu ontem um concerto de apresentação do álbum que vai ser lançado no final deste mês: “Paris, Lisboa”, título inspirado no filme “Paris Texas” de Wim Wenders. “Achei piada fazer uma referência ao “Paris, Texas”. É o meu filme preferido”, refere. As semelhanças entre o segundo álbum do artista e a obra de Wim Wenders não são perceptíveis num primeiro olhar, no entanto, tal como no filme, o disco trata da procura, “de alguém que está constantemente numa procura intensa e interior, de si próprio e daquilo que o rodeia”, diz. “A nossa música é isso. É também uma procura constante de alguma coisa que não vamos encontrar”, acrescenta.

Processo invertido

“Paris, Lisboa”, é mais um disco que começa muito antes do momento de gravar em estúdio. “Muitas vezes as canções, como “Presságio” que já tocamos desde 2016, não estão registadas em lado nenhum e só saem depois de terem sido cantadas ao vivo muitas vezes”. O artista prefere fazer o processo “inverso”, o de “tocar primeiro e depois gravar”. Desta forma é possível, na chegada ao estúdio, descobrir outros caminhos. “A música já está tão intrínseca que permite explorar outras coisas. Os discos para mim são uma constante procura de imitar o que vamos fazendo ao vivo”, diz.

A vida por um fio

O primeiro tema de “Paris, Lisboa”, é muito pessoal para Salvador Sobral e representa a “catarse” e o “renascimento” após ter sido submetido a um transplante de coração em Dezembro de 2017. “O coração é o órgão que desde a antiguidade está ligado às emoções, e à própria vida”, aponta o  músico. No entanto, e devido à proximidade temporal da intervenção, Sobral ainda não consegue “perceber que influência aquele transplante tem directamente” na sua vida. “Quando penso naquela situação ainda fico em pânico e ainda não consigo ir facilmente a hospitais apesar de ter que o fazer.” Talvez por isso, a canção que abre “Paris, Lisboa” é “um vómito de tudo o que aconteceu nessa altura para depois poder começar o disco já com paz e tranquilidade”.

Ter passado por uma situação limite que lhe revelou uma finitude eminente, fez com que o músico passasse “a viver de outra forma”. “Lembro-me que quando saí do hospital e  olhei para o trânsito achei-o fascinante e de ter pensado que nunca mais me iria chatear por causa do trânsito”, recorda. “Agora quando estou prestes a irritar-me com questões como esta, acabo por parar e pensar. Tenho mais é que agradecer por poder estar no meio do trânsito e não confinado a quatro paredes dentro de um hospital”, refere.

Em três minutos

Acerca da eurovisão, Salvador Sobral admite que que foi um momento de viragem na sua vida, até porque “de que outra forma é possível , de uma só vez e em três minutos ser visto por 200 milhões de pessoas?”. A vitória, teve outro sabor porque foi conseguida com um tema de que gosta muito, “Amar pelos dois”. “Há muita gente que vai ao festival e faz canções só para aquele evento. Eu acho que fiz uma coisa verdadeiramente boa e com uma mensagem muito forte, tanto melódica como lírica, o que me deixa muito orgulhoso”. Aliás, é com a música “verdadeira” que o artista quer continuar a trabalhar.

Este ano Portugal vai estar representado no evento musical europeu por Conan Osíris, artista que Salvador Sobral considera “muito particular”, sendo que “é esse o segredo, é a particularidade, a distinção e o impacto que podem vir a fazer de Conan Osíris o próximo vencedor do festival da canção”, aponta.

18 Mar 2019

Entrevista | “A Ásia é a grande interrogação” – José Luís Peixoto, escritor

O escritor José Luís Peixoto apresentou ontem, no festival literário Rota das Letras, a tradução para português do livro “Palavras de Fogo” do poeta chinês Jidi Majia. O autor falou ao HM dos desafios da tradução, da vontade de aprender mandarim, da intenção de escrever um livro sobre Macau e da possibilidade de cá viver

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau como convidado do festival literário Rota das Letras, este ano dedicado à poesia, género que marcou a sua estreia na escrita. O que acha desta iniciativa?
Faz todo o sentido. Hoje em dia, e um pouco por toda a parte, há vários festivais exclusivamente dedicados à poesia. Faz todo o sentido, até se olharmos para a nossa tradição a este nível não só na língua portuguesa, mas também no âmbito da China e este é um festival que faz o cruzamento integrando ainda o que se faz em Macau. A poesia é uma linguagem universal. Na verdade, acho que toda a literatura o é, mas a poesia é de uma forma ainda mais radical. A poesia tenta falar daquilo que é absolutamente humano, daquilo que não muda, daquilo que é verdade agora e que continuará a ser verdade daqui a muitos séculos. No nosso mundo, neste momento, precisamos também deste olhar, que é um olhar que muitas vezes não é tão favorecido pelo sistema. Aquilo que se tornou habitual foi avaliar o sucesso em termos de conta bancária e a poesia é um outro património, é um outro tipo de contabilidade. Creio que, enquanto seres humanos, enquanto pessoas vivas, vai haver um momento em que vamos fazer a nossa contabilidade pessoal. Aí, a poesia vai ter realmente o papel que efectivamente merece.

Falou de valores e já escreveu de forma crítica acerca do papel do individualismo na sociedade contemporânea.
Sinto que o individualismo não é mau em si próprio. Somos indivíduos e creio que a liberdade em absoluto é uma questão do indivíduo, do respeito pela sua especificidade. O indivíduo tem de reconhece-se a si e aos outros de modo a permitir-se ser livre. Sinto que aqui na Ásia, esta questão pode ser vista de uma forma relativamente diferente. Claro que existe um outro aspecto, e que é transversal no nosso tempo: o do egoísmo, do completo desprezo pelo outro. Por outro lado, sinto que aqui em Macau, ao lado deste país com mais de mil milhões de pessoas, o individualismo não seria uma questão negativa. Como português, vindo de outra cultura, às vezes sinto um certo choque quando me deparo, aqui, com um certo entendimento que anula o indivíduo. Existem duas dimensões desta questão: por um lado, o egoísmo que é um defeito, nunca é positivo, e por outro o facto de também não nos podermos anular. A própria escrita, e neste caso a poesia, também é muitas vezes um trabalho de auto-análise e de reconhecimento da nossa própria existência. O simples facto de acharmos que temos alguma coisa para dizer aos outros é um acto que demonstra uma certa crença no indivíduo.

FOTO: Sofia Margarida Mota

Está cá para apresentar a tradução de “Palavras de Fogo” do poeta chinês Jidi Majia. Antes de mais, a poesia é traduzível?
Acho que a poesia é tão traduzível como qualquer outro texto. Claro que a poesia, leva até às últimas consequências uma série de características que também existem nos outros textos. Ou seja, pela própria proposta de condensação que existe no texto, há aspectos que são trabalhados de uma forma mais radical. Essa dificuldade da tradução e impossibilidade da fidelidade absoluta fica mais visível quando se traduz poesia. No entanto, não creio que haja muitas diferenças em relação à tradução de um texto em prosa. Depende do grau de exigência que tivermos em relação à comparação do original com a tradução. Pessoalmente, sinto que, desde que não se caia no equívoco de acreditar que o texto traduzido é exactamente o texto original, a tradução é um compromisso, uma tentativa de ponte. No caso dos textos portugueses e do seu conhecimento na China e dos textos chineses no âmbito da língua portuguesa, acho que há muitas pontes para abrir e para construir. Por outro lado, a questão da tradução não é só uma questão da linguagem. O texto não é só linguagem, o texto também é cultura. O tradutor competente é capaz de transmitir no seu texto, o valor cultural dos elementos presentes no texto original. Esse texto traduzido é da responsabilidade do tradutor, para o melhor e para o pior. É a ele que devem ser atribuídos os créditos e também ser pedidas responsabilidades.

Como foi traduzir um texto de poesia chinesa para português?
Traduzi “Palavras de Fogo” para português, mas não a partir do original porque ainda não sei mandarim – mas estou a pensar aprender sabendo que é uma missão para a vida inteira. Tive oportunidade de conhecer o poeta, Jidi Majia, num contexto privilegiado e que foi justamente na sua província natal, em Sichuan. O autor pertence a uma etnia chinesa que curiosamente tem, mais ou menos, o mesmo número pessoas que Portugal, à volta de 10 milhões. Achei isto muito curioso. No passado, já traduzi alguma poesia, mas só para revistas. Nunca tinha traduzido um livro inteiro. Eu sei, até pelos meus próprios livros, que a condição ideal da tradução é, em primeiro, lugar traduzir da própria língua. Ainda assim, sei que, neste caso em particular, essa circunstância era impossível. Acabei por fazer uma primeira versão daqueles poemas a partir do inglês, do francês, do castelhano e do galego e depois uma aluna de mestrado da Universidade de Macau, Yuo Yupin, que conheci em Pequim e que tinha traduzido uns poemas meus para uma revista de poesia chinesa, fez um trabalho de revisão e de comparação com o original. Muitos aspectos sobre os quais gosto de escrever têm relações interessantes com a poesia deste autor. Ele fala muito do seu contexto, da sua aldeia, das características daquele povo e daquela realidade que se afasta muito da imagem que a maioria dos portugueses têm da China.

Em que sentido?
Hoje em dia temos a visão de uma China que remete para as grandes metrópoles, Xangai ou Pequim, e para as grandes indústrias. A China é a fábrica do mundo. Mas aqui estamos a falar de algo muito concreto, que fica numa região que também não é muito conhecida. Jidi Majia ao mesmo tempo que fala sobre o seu lugar, também tem muita consciência do que se passa no resto do mundo. Ao longo do livro é interessante perceber que o autor faz muitas referências a outros poetas internacionais, demonstra ter uma visão da poesia contemporânea e de estar integrado nesse código, digamos assim. É curioso, estávamos a falar da poesia ser na sua natureza uma linguagem universal e, ainda assim, há especificidades importantes. A literatura, como disse, depende muito da cultura. Apesar de acreditar que a poesia é uma linguagem universal que aspira a falar dos problemas do ser humano em qualquer parte do mundo e em qualquer época, também sei que há diferentes entendimentos sobre o que é a poesia. A tradição é importantíssima na fixação daquilo que é a visão da poesia, seja onde for. Um outro aspecto fundamental é a própria língua e aqui estamos a falar de dois sistemas linguísticos que são muitíssimo diferentes. Enfim, sinto que um texto original em mandarim, vai ser um parente do texto traduzido, neste caso em português, mas isso não deve ser desmotivante para traduzir textos. Acredito profundamente na tradução. A própria escrita é também um acto de tradução, de outras linguagens que às vezes nem são palavras.

Outro género que tem desenvolvido na sua escrita é a literatura infantil. Como é escrever para crianças? 
Tenho muita vontade de escrever mais livros de literatura infantil. Tenho muitas ideias nessa área. Sinto que escrever literatura infantil não é tão diferente de escrever poesia. São áreas que precisam de uma dedicação muito particular e, por isso, já não publico poesia há algum tempo. Neste momento, estou cheio de boas intenções a esse nível porque terminei um romance há pouco mais de uma semana. A escrita de um romance tem que ser uma grande obsessão e é uma obsessão em que todas as outras tarefas são perturbadoras. Neste momento, tenho muita intenção de terminar um conjunto de poemas e construir um volume que gostaria de publicar no ano que vem. Tenho também a intenção de trabalhar numa quantidade de ideias que tenho para livros de crianças que como dizia não são tão diferentes de escrever para adultos. Acho que há alguns elementos que se podem ter mais em consideração quando se escreve para crianças: privilegiamos mais a imaginação e a liberdade criativa. Ao mesmo tempo temos de ter consciência do código que se está a criar. Não é que hajam temas que não possam ser tratados pelas crianças, mas acredito que há certas formas de tratar esses temas que devem ser tidas em consideração, como não infantilizar os textos ou o próprio público leitor.

Recentemente lançou “Caminho imperfeito”, onde fala da Tailândia e de Las Vegas. Já escreveu sobre a Coreia do Norte. Para quando um livro sobre Macau?
Um dia. Já escrevi sobre Macau, não em livro, mas não estou satisfeito com as coisas que escrevi. Sei que há uma diferença grande entre aquilo que publico em livro e o que publico noutras plataformas. São espaços com papéis diferentes. Não é que seja mais ou menos importante, mas é diferente. Os jornais, por exemplo, são do momento. Isso tem a sua importância, precisamos dessa informação, precisamos do relato daquele momento, de quem somos nesse momento. Mas os livros, a literatura, a meu ver, tem na sua natureza, esta proposta de eternidade, esta tentativa de atravessar o tempo, que a muitos níveis é uma intenção vã e que não se cumpre. O tempo e a efemeridade das coisas é imensa, é maior que tudo. Mas, é uma ambição nossa, enquanto seres humanos, a de nos confrontarmos com o impossível. É o amor absoluto, a liberdade absoluta, a eternidade. Em última análise, sabemos que não conseguimos nada disto, mas esse é o nosso horizonte. É isso que se passa nos textos que publico em livro. Já os textos que publico noutros lugares, não é que me arrependa deles, mas sei que foram daquele momento. Era o que eu conseguia naquele momento. Os livros têm outra abrangência, têm outra convicção. A convicção é muito importante. Não podemos ter constantemente uma convicção profunda em tudo o que fazemos. Como também não podemos viver sempre no amor absoluto e profundo. Temos diferentes necessidades, diferentes momentos. Em relação a Macau, é um tema irresistível, principalmente para quem tenha interesse por este continente imenso que é a Ásia.

O que é o seu caso.
Sim, e privilegio muito, dentro das possibilidades de contactos e de projectos, aqueles que dizem respeito à Ásia. Dizer só a Ásia é muito vasto, ainda assim, acho que a Ásia é a grande interrogação. É impressionante estar, por exemplo, numa cidade chinesa, quase como se estivesse noutro planeta. Ando sozinho nas ruas a pensar: o que é que estas pessoas pensam. É tão evidente que dispõem de outros valores, de outras formas de entender o mundo. Também acredito que somos todos humanos e partilhamos o mais elementar, mas sinto uma grande vontade de vir tantas vezes a Ásia até que deixe de ser exótica. Acho que é a sexta vez que venho a Macau e na primeira vez repara-se numa coisa, na segunda já se vê outra, e em cada vez que regresso deparo-me com realidades diferentes. Existem tantos mundos diferentes aqui e tão condensados. Sinto claramente que, quando ando nas ruas e me cruzo com certas pessoas, não tenho nenhum acesso à realidade delas apesar de estarmos ali no mesmo lugar. Acho que isso é um potencial de trabalho incrível. Acredito que um dia irei empenhar-me a escrever sobre isso, mas vai exigir mais que aquilo que fiz até aqui. Para isso tenho de pensar em vir viver aqui algum tempo.

18 Mar 2019

Entrevista | “Sou um grande viajante” – Miguel Sousa Tavares, escritor e jornalista 

Miguel Sousa Tavares está em Macau para participar no festival literário Rota das Letras. Hoje fala sobre a obra da sua mãe, Sophia de Mello Breyner, e no domingo é a vez de discorrer sobre os livros que escreveu e as viagens que fez. O autor e jornalista apontou ao HM os desafios que enfrentam os escritores dos dias de hoje e comentou, à sua maneira, os temas que estão a marcar o mundo

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau para participar no Festival Literário Rota das Letras, que este ano é dedicado à poesia e destaca o trabalho da sua mãe, Sophia de Mello Breyner. Como é ser o filho da poetisa e falar do seu trabalho? 
Não sou filho da Sophia de Mello Breyner, sou filho da minha mãe, mas as pessoas acham sempre que é diferente, mas não é. Eu olho sempre para a minha mãe, embora sabendo que tive a sorte de ser filho de uma mãe diferente. As recordações que tenho não são da Sophia de Mello Breyner, mas da minha mãe Sophia. Continuo sempre a olhar para ela como filho e isso dá-me uma posição privilegiada para perceber a poesia dela, porque sei exactamente o que é que ela queria dizer quando escreveu o que escreveu. A maior parte dos leitores atentos dela, imaginam e julgam saber tudo, mas o tudo não é tudo e acho que sei tudo. Eu estava lá, eu vivi e vi-a viver as coisas e sei exactamente porque é que ela escrevia o que escrevia.

Que expectativas tem para este festival? 
Espero que tenha atravessado meio mundo para acrescentar alguma coisa ao festival e não desiludir as pessoas. Estou muito curioso. Quanto à mesa dedicada a Sophia de Mello Breyner, vou ensaiar uma coisa difícil: não falar da minha relação de filho e falar da relação da poesia da minha mãe com a de Fernando Pessoa. Isto é uma coisa que me intrigou muito durante muito tempo, o saber porque é que ela a certa altura teve uma obsessão pelo Fernando Pessoa. Quanto à mesa sobre mim, estou nas mãos de quem me for interrogar. Só sei que é à volta do tema viagens e escrita.

É a sua praia? 
Sim. Sou um grande viajante. Quando digo isto não me refiro a uma pessoa que acumula muitas viagens e muitos países. Basta-me ir a Cacilhas, que se for com espírito de viagem já estou a viajar. O grande viajante é aquele que está pronto a receber e que gosta do que é estranho, do que é alheio, do que é diferente e que aproveita isso mesmo. A minha mãe dizia sempre que eu era incapaz de viajar sem aproveitar. Sempre que viajava eu escrevia. Até em lua-de-mel aproveitava e depois escrevia. Como casei várias vezes tenho várias reportagens de viagem à conta das luas-de-mel.

Pode revelar alguns detalhes sobre o seu próximo livro? 
Já tenho uma parte escrita, mas para já está na gaveta. Vai ser um romance histórico que se passa no séc. XVII no Brasil.

FOTO: Sofia Margarida Mota

De onde vem esse gosto por romances históricos?
Primeiro, eu adoro história. Segundo, para quem escreve romances, a história é uma grande muleta. Temos um substracto que é a própria história e em cima disso criamos outra história. Sempre achei que o problema do romance português, muitas vezes, é não ter história. Há muito escritor que acha que escreve tão bem que não precisa de ter história nenhuma. Eu acho que o romance tem que ter uma história. O meu modelo absoluto de romance é o “Guerra e Paz” de Liev Tolstói. Acho que nunca na vida se escreverá nada como o “Guerra e Paz”. É o modelo do romance perfeito porque é uma história insertada em cima de uma outra história, a da invasão napoleónica da Rússia. O facto de existir uma muleta, não quer dizer que seja mais fácil. Há a parte toda de pesquisa, que é muito difícil e que gosto muito de fazer. Faço-o quer documentalmente, quer indo aos sítios. Para este romance já fui ao Brasil três vezes. Tenho o trabalho de campo feito.

Como vê o panorama actual da literatura portuguesa, quer na prosa quer na poesia?
Sou muito mais leitor de romance do que de poesia. Acho que o romance português está a atravessar uma fase muito boa. Temos vários estilos diferentes, com novos autores diferentes e muito ricos e que estão a conseguir chegar ao mercado. Isto, apesar das dificuldades que a língua portuguesa tem. É difícil, e falo por experiência própria, conseguir traduzir o português lá fora. Somos a sexta língua mais falada no mundo graças aos brasileiros. O facto é que nos países onde conta estar-se traduzido, ou seja, nos países anglo-saxónicos ou franceses, há muito poucos tradutores de língua portuguesa e é muito difícil conseguir-se a esses públicos. Mas esta nova geração tem conseguido, apesar das edições que se fazem lá fora serem pequenas. Estamos a viver uma crise que tem que ver com a crise económica e não só. A partir da crise de 2008, a primeira coisa que as pessoas sacrificaram foram os produtos culturais, tendo o livro à cabeça. Tivemos uma quebra nas edições em Portugal de cerca de 30 por cento que nunca se recuperou. Em cima disso, a força das redes sociais funcionou contra o livro, funcionou contra a imprensa escrita, jornais, revistas etc., e hoje em dia também contra a televisão. São públicos que se perderam. No mercado português perdemos 200 mil espectadores das televisões generalistas por ano. Isto aplicado ao mercado literário é terrível. Nunca mais se atingiu o número de vendas de livros que existia antes de 2008.  A nova geração lê muito pouco. Creio que em Portugal não deve haver um escritor que viva apenas da escrita.

Isso leva-nos a outra questão sobre o papel da internet e das redes sociais na informação e cultura da sociedade contemporânea.
Esta semana vou ter um artigo no Expresso sobre isso, sobre aquilo que acho que é um movimento de grande ignorância colectiva e que a internet está a proporcionar. Eu, como toda a gente, vivo da internet. A internet simplificou-me a vida, mas eu distingo a internet útil da inútil que é sobretudo a relacionada com as redes sociais. As redes sociais contribuem para a desinformação das pessoas, contribuem para a ignorância e contribuem para a preguiça que gera a mediocridade. As pessoas estão convencidas que estão informadas e não estão. Por exemplo, em termos de informação, há uma quantidade de miúdos que só sabem os títulos das notícias, não avançam para a leitura do artigo e estão convencidos que estão informados. Isto é terrível.

Qual a solução para este fenómeno?
Não sei. Não faço a mais pequena ideia. Desde o início que temi que isto fosse acontecer. Lembro-me de ter discussões com as pessoas que eram muito entusiastas das redes sociais e sempre achei que seria necessário existir uma intermediação. Não é uma questão de haver elites contra as massas, mas é, de facto, uma questão em que são precisas pessoas que pensaram, escreveram, leram e que transmitem esse saber e a sua criatividade a um destinatário. Ninguém nasce informado, sem ter lido, sem ter discutido, sem ter pensado. Hoje em dia, o comum das pessoas acha que sim, acha que não é preciso informação nem leituras e isso é terrível.

Falando de actualidade, qual a sua opinião sobre o Brexit e este impasse que se está a viver? 
Sempre tive uma grande admiração pela Inglaterra porque acho que em cada circunstância histórica foi um país que soube sempre encontrar os líderes. Agora olho para a elite política inglesa actual e a única pessoa que tem capacidade dirigente é a rainha, mas ela não tem poderes políticos. O resto, os tipos que promoveram o Brexit –  Boris Johnson, Nigel Farage – são nulidades e a Theresa May é uma nulidade total e absoluta. É uma pessoa que era contra o Brexit e está a tirar a Inglaterra da União Europeia (UE) através de uma quantidade de esquemas. Ela é a essência daquilo que eu mais odeio num político, que é quando um político está a fazer aquilo em que não acredita e que passou a acreditar apenas para se manter no poder. O Cameron é um idiota que se lembrou de perguntar aos ingleses se eles queriam votar na saída da UE. Depois aconteceu outra coisa absolutamente idiota: os que queriam ficar na UE ficaram em casa, não foram votar. A geração do futuro não foi votar e a geração mais velha foi votar no futuro da outra. E votou contra o futuro da geração mais nova. Acho que estamos todos fartos da Inglaterra, estamos todos fartos do Brexit. Aliás, isto vai acabar para a semana, de uma maneira ou de outra. Todos se estão a preparar para não haver acordo nenhum.

Que consequências podemos esperar da falta de acordo? 
É pior para a Inglaterra. Acho que vão descobrir rapidamente que já não existe Império Britânico e que tudo aquilo é um disparate. Para a Europa é grave porque a Inglaterra é essencial para a segurança e para a defesa da Europa – se é que a Europa algum dia vai ter um projecto de defesa, que acho que devia ter sobretudo agora que os Estados Unidos da América (EUA) são governados por um doido.

A Europa não tem andado muito “apagada” dentro da conjuntura internacional? 
Apesar de tudo, está-se a portar melhor. Com o que aconteceu nos EUA em que não sabem se a NATO é para existir ou não, com a Inglaterra a pensar se quer ou não ficar na Europa, acho que a Europa se tem mantido firme, por exemplo em relação ao Brexit. Ao mesmo tempo, a Europa tem enfrentado movimentos nacionalistas de extrema-direita e tem-se aguentado. Agora foi capaz de fazer frente à Hungria.

Como vê a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China?
Acho que a guerra comercial vai acabar bem, ou seja, apesar de tudo, o Trump tem alguma razão em relação à China. Os chineses estão a mudar algumas coisas, estão a reconhecer que não podiam continuar a fazer tudo como até aqui. Vão-se entender porque são dois grandes mercados que precisam um do outro.

E quanto ao crescimento da influência chinesa no mundo? 
Sou um mau conhecedor da China. Por exemplo, esta história da Huawei. Não sei até que ponto os americanos têm razão. Se de facto aquilo que os americanos suspeitam acerca dos telemóveis da nova geração, os 5G, for verdade, os chineses têm uma bomba atómica nas mãos. Se não for verdade, é uma grande jogada comercial.

No que respeita à actualidade portuguesa. O que podemos esperar das próximas eleições legislativas? 
O PS vai ganhar tranquilamente, a menos que haja uma catástrofe que envolva, por exemplo, incêndios monumentais. O único tipo preparado para ser oposição, o Rui Rio, tem o carisma de um cepo. Mas é o único que tem alguma ideia naquela cabeça. A Assunção Cristas tem zero de ideias, o CDS não tem uma única ideia. O PCP é igual a si mesmo e ainda não percebeu que o Muro de Berlim já caiu e o Bloco de esquerda quer ir para o Governo, mas parte do partido não quer. Portugal não tem interesse nenhum politicamente.

Como vê a situação da banca em Portugal e o facto de estar a ser constantemente salva por injecções de capital do Estado? 
Dizíamos que era muito importante ter uma banca portuguesa, que era uma questão de soberania. Hoje em dia, só quero que a banca seja chinesa, seja de Burquina Faso, seja da Polinésia, seja o que for desde que não seja portuguesa, nem privada nem pública, nem nada. Já gastámos 18 mil milhões de euros para acorrer à banca. Somos o segundo ou terceiro país da UE, a seguir à Islândia e à Irlanda que mais dinheiro gastou com a banca. É uma coisa inacreditável. E os outros já deram a volta e nós não. Basicamente, a justiça portuguesa é incompetente e não está preparada para estes casos. Está habituada a demorar anos com os processos. É inconcebível a leviandade com que a banca foi gerida em Portugal, antes e depois das intervenções.

15 Mar 2019

Rota das Letras | “Sophia” sobe ao palco amanhã pela companhia D´as Entranhas

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma abordagem de “um real” possível, tendo em conta que um poema é, para Sophia de Mello Breyner, “um círculo onde o pássaro do real fica preso”, é o que o espectáculo “Sophia” pretende levar ao palco, amanhã, pela mão da companhia D´as Entranhas, revela a actriz Vera Paz ao HM.

A peça marca a abertura oficial da oitava edição do Festival Literário Rota das Letras e vai ter lugar às 21h nas Oficinas Navais n.º2.

“Sophia” é um espectáculo que nasce a partir da viagem levada a cabo no livro “Contos exemplares”. “É a história de um homem e de uma mulher que vão fazendo um caminho, e à medida que vão andando vão perdendo tudo”, aponta a actriz.

Foi esta permissa, “a da procura”, que serviu de mote para o trabalho que viria a seguir. “Estamos sempre à procura de um lugar ideal e nunca vivemos o momento presente e ao perder o presente, perde-se tudo o que se vai vivendo pelo caminho”, refere. No fundo, trata-se de uma interpretação da vida, das encruzilhadas e das escolhas que se fazem, tendo em conta “o que fica quando se chega ao fim”.

A partir daqui, D´as Entranhas pôs mãos à obra e pegou nos textos da poetisa portuguesa para os poder trabalhar, até porque “é uma obra imensa, de uma dimensão quase intocável. A Sophia é um monstro sagrado da literatura”.

Mas o objectivo não é fazer a récita do trabalho de Sophia de Mello Breyner. Numa abordagem mais atrevida, D´as Entranhas construiu uma história, “a partir de poemas escritos em várias fases da vida da autora”.

 

Temas universais

Mais do que abordar a componente política do trabalho de Sophia de Mello Breyner, o enfâse agora é posto na sua “componente poética, do amor, da morte, da vida, de um homem e de uma mulher”, refere Vera Paz. “É uma voz masculina e feminina capazes de representar qualquer um”, explica.

A actriz recorda uma peça homónima encenada há doze anos, “uma primeira ‘Sophia’ em que a componente era muito política”. Mas, agora o objectivo foi mostrar um outro lado da autora – “ela tinha tantos lados que uma pessoa nem sabe por onde pegar”, aponta. “Aqui foi uma outra releitura, talvez porque as pessoas estão a viver outros momentos da vida”, justifica.

Por outro lado, o amor é sempre um tema a ser abordado, assim como a morte e a vida, “são temas universais”, remata.

 

Olho cinematográfico

Para produzir “Sophia” foram desconstruídos poemas, interpretadas ideias e produzida toda uma cenografia “quase cinematográfica” para acompanhar as palavras e os actores. “O espectáculo conta com uma importante componente plástica, da autoria de Bernardo Amorim,  que integra a projecção de vídeo e o acompanhamento músical”. O objectivo é criar interactividade  com uma encenação “mais visual”, diz.

A contracenar com Vera Paz vai estar o também director de D´as Entranhas, Ricardo Moura.

O espectáculo conta com entrada livre.

14 Mar 2019

Arquitectura | Morpheus distinguido como edifício do ano pela Archdaily

[dropcap]O[/dropcap]edifício Morpheus da autoria de Zaha Addid foi galardoado com a distinção de edifício do ano na categoria de hotéis pela publicação online especializada em arquitectura Archdaily.

A competição anual promovida pela publicação internacional distingue os melhores projectos de arquitectura de acordo com 15 categorias que vão da arquitectura de edifícios hoteleiros, instituições de saúde, arquitectura de interiores, industrial de escritórios, edifícios públicos e comerciais, instituições culturais, escolas até a projectos de pequena escala.

Nesta edição, que assinala o 10.º aniversário dos prémios da Archdaily, coube ao Morpheus ser reconhecido como o melhor hotel.

Estiveram em competição mais de 4000 projectos que acabaram por ser reduzidos a 75 finalistas. A competição recebeu 80 000 votos.

Expressão contemporânea

O edifício Morpheus é assinado pela arquitecta Zaha Hadid, falecida a 31 de Março de 2016 e foi inaugurado no dia 15 de Junho de 2018. O hotel, quase sem colunas e suportado por um exoesqueleto que envolve o edifício, custou cerca de mil milhões de euros e está situado no Cotai. “Zaha Hadid e eu iniciámos conversações sobre o Morpheus em 2009 e partilhámos a mesma visão: criar uma nova maneira de expressar a vida contemporânea”, disse o director executivo da Melco, Lawrence Ho, filho do magnata do jogo de Macau Stanley Ho, quando foi anunciada, em Maio, a data da abertura do Morpheus.

O hotel desenhado pela britânica de origem iraquiana tem 772 quatros, incluindo suites e vilas e é destacado pela piscina no 40º andar, a 130 metros de altura. As vigas de metal e cimento curvilíneas, assinatura de Hadid, conhecida como a ‘Rainha das Curvas’, cobrem a estrutura de vidro, criando um efeito de rede. No centro do paralelepípedo há três buracos, aquilo a que os arquitectos chamam a zona “free form”, que não obedece a nenhuma forma geométrica. “Inspirado em objectos de jade, a sua forma complexa desafia a física de uma forma sem precedentes”, de acordo com um comunicado do grupo emitido na altura de inauguração do hotel.

A Capela da Imaculada e Cheia de Graça , em Portugal levou o galardão para melhor edifício religioso e na China forma premiados, na categoria de melhor instalação de saúde, o Weihai Hospital of Traditional Chinese Medicine, e na categoria de construção ao ar livre, o UCCA Dune Art Museum.

 

14 Mar 2019

Função Pública | Mais de metade dos candidatos falha na prova de avaliação

Sessenta por cento dos candidatos ao concurso de avaliação de competências integradas do regime de gestão uniformizada da função pública chumbou na prova de avaliação escrita. O resultado foi ontem divulgado em Boletim Oficial

[dropcap]D[/dropcap]os 9225 candidatos ao concurso de avaliação de competências integradas do regime de gestão uniformizada da função pública, 70 por cento compareceram na prova escrita. Destes, 60 por cento reprovaram, ou seja, tiveram classificação inferior a 50 valores, avançou ontem a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) em comunicado. A prova realizou-se no passado dia 20 de Janeiro.

Os candidatos aprovados podem, dentro de 3 anos, ou seja, até 12 de Março de 2022, concorrer a concursos de avaliação de competências profissionais ou funcionais para técnico superior, médico veterinário, meteorologista, intérprete-tradutor e letrado.

Trata-se do segundo concurso de avaliação de competências integradas tendo por referência a habilitações académicas, realizado após a revisão do Regulamento Administrativo n.º 23/2017, aponta a mesma fonte.

 

Uniformização em crise

Recorde-se que em Julho de 2016 entrou em vigor o novo sistema de recrutamento, selecção e formação para acesso à Função Pública. O sistema inclui regulamentação para a avaliação de competências integradas nos concursos de gestão uniformizada em que a selecção dos trabalhadores dos serviços públicos é efectuada sob orientação da SAFP.

O concurso de gestão uniformizada está dividido em duas fases. A etapa de avaliação de competências integradas, assegurada pelos SAFP e a etapa de avaliação de competências profissionais ou funcionais que fica a cargo dos serviços interessados no recrutamento dos trabalhadores, depois da qual são realizadas as entrevistas de selecção.

Em Julho de 2018, o Governo admitiu a revisão do regime de recrutamento uniformizado à Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública. Em causa estava a preocupação do Governo com o facto de muitos dos candidatos que ingressam nos concursos públicos acabarem por desistir e não comparecer nas provas de avaliação.

 

 

 

14 Mar 2019

“De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming”  publicado pelo IC

“[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming” é o livro de Armando J. G. Sabrosa apresentado recentemente pelo Instituto Cultual (IC) que se baseia “nos dados obtidos através de trabalhos arqueológicos do autor numa abordagem que destaca o processo de transação comercial de porcelanas chinesas ao longo dos séculos XVI e XVII”. A investigação foi realizada recorrendo aos vestígios de peças encontrados enterrados e submersos, “uma área de investigação ainda pouco desenvolvida”, aponta o organismo em comunicado.

 

Entre portos

Segundo o IC, os objectos locais, revelam o espólio de “um grande centro exportador de porcelana chinesa, originário tanto de contextos religiosos e nobiliárquicos, como da área mercantil”. Já as peças de Lisboa, reflectem o que chegava a “um grande centro importador e receptor daquelas cerâmicas asiáticas, nomeadamente na zona ribeirinha, no antigo palácio dos Corte-Reais, e na Rua da Judiaria, em Almada”, aponta a mesma fonte.

Além dos objectos, “De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming” aborda “o meio de transporte, ou seja, o que liga aqueles dois centros por via marítima: uma das naus da Carreira da Índia, a presumível Nossa Senhora dos Mártires, que, com o porto de destino à vista, naufragou na barra do Tejo com toda a sua valiosa carga”.

Armando Sabrosa foi bolseiro do Investigação Académica do IC em 2001. A investigação então realizada deu continuidade aos trabalhos arqueológicos em que participou em Macau, em 1995-96, no Colégio de São Paulo e na Fortaleza do Monte, bem como ao estudo que efectuou sobre o espólio recolhido nas obras dos jardins da Igreja de Santo Agostinho, no mesmo ano. O autor morreu vítima de um acidente, em 2006, deixando um número considerável de manuscritos científicos inéditos ou inacabados. De Macau a Lisboa – Na Rota das Porcelanas Ming é um destes exemplos.

13 Mar 2019

Efeméride | Centro Cultural assinala 20º aniversário com três espectáculos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Centro Cultural de Macau completa 20 anos e vai assinalar a efeméride com a apresentação de três espectáculos a realizar neste mês e no próximo. “Da música clássica e teatro de topo à dança contemporânea para toda a família, o CCM abre um novo ciclo com uma selecção internacional e regional de grandes produções e prestigiadas companhias”, aponta o organismo.

As festividades têm início no próximo dia 31 com um concerto levado a cabo pela Orquestra de Cleveland. Considerada “uma das melhores orquestras sinfónicas do mundo”, pela organização, o concerto no CCM vai contar com a direcção do maestro Franz Welser-Möst. Do repertório faz parte o Concerto para piano n.º 5 em Mi bemol maior, Op. 73 de Ludwig van Beethoven, popularmente conhecido como Concerto do Imperador, o último concerto para piano do compositor. Escrita entre 1809 e 1811 em Viena, a composição foi dedicada ao Arquiduque Rudolf, patrono de Beethoven. Além de Beethoven, o concerto integra ainda  a interpretação da Sinfonia N.º 3 de Prokofiev.

A orquestra vai contar com a colaboração de Daniil Trifonov como solista convidado, um pianista “prodígio formado no Instituto de Música de Cleveland e descrito como o mais espantoso pianista do nosso tempo”, aponta a organização.

 

Pinóquio em palco

Já nos dias 20 e 21 de Abril o Palco do Grande auditório do CCM vai dar lugar à marioneta mais famosa do mundo, o Pinóquio. O espectáculo homónimo junta dança e teatro e é concebido para ser apreciado por toda a família. O personagem da história clássica de Carlo Collodi volta a ganhar vida pela companhia britânica Jasmin Vardimon, através deste espectáculo “visualmente deslumbrante interpretado por um grande elenco de bailarinos” que vão dar vida à marioneta ao longo da sua metamorfose em que “o menino de madeira se transforma em humano”.

“O Pai” será a peça encenada pelo grupo de teatro “Repertório” oriundo da vizinha Hong Kong, que vai estar em palco de 26 a 28 de Abril. A peça que tem percorrido alguns dos mais prestigiados palcos internacionais traz a cena o humor negro do conto homónimo da autoria do francês Florian Zeller. “O Pai” é um homem de 80 anos que padece de Alzheimer e que vai perdendo gradualmente a memória e o contacto com a realidade. No principal papel vai estar o também director artístico da companhia, Fredric Mao.

13 Mar 2019

Renovação urbana | Zheng Anting pede eficácia administrativa para projectos

[dropcap]O[/dropcap]deputado Zheng Anting solicita ao Governo eficiência administrativa nos processos que envolvem a reconstrução de edifícios. O tribuno admite, em interpelação oral, que o Executivo já revelou querer colaborar na reconstrução dos edifícios antigos, nomeadamente através da lei que confere benefícios fiscais aos proprietários interessados em fazer obras. No entanto, “na prática, a população tem reclamado acerca das aprovações administrativas necessárias que demoram a ser emitidas e em que a taxa de autorização é muito baixa”.

Esta ineficácia reflecte que, apesar dos desenvolvimentos legislativos, existe outro tipo de necessidades que precisam ser colmatadas, nomeadamente a comunicação interdepartamental para que os procedimentos burocráticos sejam mais céleres, acrescenta o deputado.

Para o efeito, Zheng propõe a criação de um mecanismo de comunicação que torne mais ágil a máquina administrativa. “É necessário um mecanismo de comunicação entre os vários departamentos envolvidos, com o objectivo de melhorar a eficiência administrativa e para que os projectos se concluam o mais rápido possível”.

 

Pelo caminho

“Muitas vezes, depois de entregue o plano de construção ao Governo, não há qualquer seguimento do processo”, diz. Por outro lado, “o Executivo não aprova os projectos nem dá explicações aos requerentes”, “impossibilitando aos proprietários que avancem com a reconstrução de edifícios”, sublinha o deputado.

Esta situação tem repercussões no mercado imobiliário, que carece de habitações e se mantem com preços “muito elevados”, diz.

Zheng Anting sugere ao Executivo que no momento de recepção de pedidos para realização de obras de reconstrução urbana os serviços disponibilizem ao requerente um cronograma com a expectativa de data de emissão de licenças. Nos casos em que o prazo não é cumprido, o Governo deverá criar soluções para os requerentes afectados. O deputado aponta ainda a necessidade da elaboração de um estudo para avaliar os procedimentos administrativos requeridos e a eficiência dos serviços.

 

 

 

 

 

 

 

13 Mar 2019

Violência doméstica | Pereira Coutinho quer clarificação de “maus tratos”

[dropcap]A[/dropcap]clarificação do termo “maus tratos”, ao qual é associado o crime de violência doméstica, deve ser feita para evitar interpretações dúbias por parte dos agentes da autoridade e judiciais. A ideia é defendida em interpelação escrita pelo deputado José Pereira Coutinho que quer saber que medidas vão ser adoptadas pelo Governo “para melhorar os resultados da interpretação e aplicação da lei”.

O deputado questiona ainda se “as entidades responsáveis pelo recebimento de queixas vão aprofundar e investigar com maior detalhe os factos constitutivos da violência doméstica”. Coutinho refere-se a factores como “a duração do tempo das agressões físicas e psicológicas, a qualidade do apoio logístico (habitação temporária) à vítima e o apoio efectivo do advogado para patrocínio jurídico independente”.

Por outro lado, o deputado quer ainda saber que medidas foram adoptadas pelas Forças de Segurança de Macau “em termos de investimento na formação de quadros especializados no tratamento de casos de violência doméstica, nomeadamente no recebimento de queixas”.

13 Mar 2019

Indemnizações | Aumento de mil patacas beneficia 5000 trabalhadores

O aumento de 1000 patacas para o cálculo das indemnizações em caso de despedimento sem justa causa vai beneficiar 5000 trabalhadores, segundo o director da DSAL. Apesar de não concordar com este acréscimo, a ala patronal aceita a medida. Os trabalhadores estão contra por considerarem que o aumento não é suficiente

[dropcap]O[/dropcap] Governo aponta um aumento de mil patacas no valor mensal de referência para o cálculo das indemnizações por despedimento sem justa causa. De acordo com o director dos Serviços para os Assuntos Laborais, Wong Chi Hong, trata-se de “um aumento de 20 000 patacas para 21 000 patacas “o que significa um acréscimo de 5 por cento”, defendeu após a reunião plenária do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS).

Segundo Wong, e tendo em conta os dados de 2017 da Direcção dos Serviços de Finanças, este aumento vai ter uma taxa de cobertura de 63,5 por cento dos trabalhadores locais, beneficiando mais de 5000 funcionários.

Por outro lado, a medida vai ainda trazer benefícios a “176 mil empregadores, incluindo a pequenas e médias empresas”, disse.

A alteração não é do agrado dos trabalhadores que defendem o cancelamento do artigo que prevê a existência de um valor de referência a ser pago durante o período de doze meses em caso de rescisão contratual sem justa causa. “A lei entrou em vigor há 35 anos e, tendo em conta o desenvolvimento da economia de Macau, já sofreu muitas alterações e por isso a parte laboral propõe ao Governo que cancele as regras previstas por serem muito injustas para os trabalhadores”, disse o representante dos trabalhadores após ao encontro de ontem. “Achamos que, tendo em conta os anos de trabalho, tem de existir outra forma de tratamento para evitar os casos injustos de rescisão contratual”, acrescentou

Atrasos do costume

O aumento agora anunciado estava previsto para 2017, ano em que se programou rever os valores das compensações. Para a ala laboral, os valores são demasiado baixos e têm como referência “dados que já não reflectem a realidade económica do território”. Por outro lado, consideram, “a taxa de cobertura na ordem dos 63,5 por cento não é alta e muitos trabalhadores vão ser prejudicados”.

Por outro lado, o representante do patronato afirmou que as entidades empregadoras vão aceitar a medida do Governo, apesar de o fazerem com relutância. A ala patronal teme que as flutuações na economia internacional interfiram no desenvolvimento económico local. “Estamos numa incerteza e, se calhar, o território vai ser afectado pelos assuntos internacionais tais como a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. É necessário manter a estabilidade da economia local e evitar qualquer oscilação, mas vamos aceitar estas proposta”, afirmou o representante dos empregadores.

12 Mar 2019

Motoristas ilegais | Pedido debate sobre agravamento de sanções

Um aumento de sanções que inclua a interdição de motoristas ilegais apanhados a trabalhar no território é o tema do debate pedido por Ella Lei à Assembleia Legislativa. Para a deputada, as punições actuais não têm efeito dissuasor

[dropcap]A[/dropcap]  deputada Elle Lei solicita à Assembleia Legislativa (AL) um debate sobre o agravamento das sanções aos condutores ilegais. De acordo com a deputada com ligações à FAOM, a necessidade do aumento de multas e a existência de sanções que proíbam motoristas ilegais de voltar a trabalhar no território devem ser temas discutidos em reunião plenária visto que o actual sistema sancionatório não se tem mostrado eficaz no combate aos motoristas ilegais. “Segundo a lei actual, a punição por trabalho ilegal é relativamente pequena e as sanções que envolvem restrições de entrada em Macau, nestes casos, resumem-se a uma punição administrativa pelo que o efeito dissuasivo é limitado”, aponta a deputada no pedido de debate. “Além das penalizações impostas por lei, o Governo deve pensar em incluir a proibição de voltar a trabalhar em Macau para aqueles que foram apanhados em situação irregular”, acrescenta.

Ella Lei recorda os dados da Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) que referem a existência de 154 sanções administrativas no ano de 2017, por condução ilegal no território. As multas atingiram 1 262 500 de patacas e, contas feitas, a deputada afirma que cada motorista apanhado em situação irregular terá pago uma média de 8.198 patacas, valor que considera reduzido. “A multa é de apenas alguns milhares de patacas e não existem penalizações adicionais. O custo por trabalhar ilegalmente é muito pequeno”, sublinha.

Leque alargado

Mas o problema do trabalho ilegal não incide apenas na actividade de motoristas, alerta a deputada, tratando-se esta profissão apenas “da ponta do iceberg”. A situação referente ao trabalho ilegal é “grave em Macau”, estendendo-se a vários ramos profissionais como “restauração, hotelaria, comunicações e logística”, aponta.

Ella Lei aponta o dedo à DSAL que, apesar de já ter afirmado várias vezes a intenção de implementar medidas mais “agressivas” nesta matéria, não tem prosseguido com qualquer trabalho legislativo e concreto. “O que é insatisfatório é que nenhuma nova política ou medida foi implementada”, refere.

Neste sentido, cabe ao Governo não atrasar mais os trabalhos legislativos que se impõem a agravação de “punições e melhorar o sistema legal” para assegurar maior protecção “dos direitos e interesses dos funcionários locais, regular o desenvolvimento económico e garantir justiça”, refere a deputada.

DSAL admite revisão

O director dos Serviços para os Assuntos Laborais, Wong Chi Hong, admitiu ontem que estão em curso “estudos” para rever a “moldura penal a que estão sujeitos os trabalhadores ilegais”. “Temos de ver como tratar devidamente os trabalhadores a quem foi dada autorização para trabalhar em Macau exercendo uma determinada função e que depois acabam por exercer outra. Por exemplo, temos de analisar casos em que um trabalhador de limpeza é autorizado a trabalhar, mas depois acaba por cozinhar”, apontou Wong. No entanto, no que respeita a motoristas ilegais, Wong Chi Hong salientou que a DSAL “nunca aprovou pedidos de motoristas não residentes”.

Song Pek Kei avisa para “perigo escondido”

A deputada Song Pek Kei considera que o facto de haver patrões que utilizam as quotas de empregadas domésticas para contratar trabalhadores de fora para outras funções é um “perigo escondido” para a sociedade de Macau. Na mais recente interpelação da legisladora apoiada por Chan Meng Kam, o Governo é questionado sobre os passos e medidas de segurança que vai adoptar para por fim a esta prática ilegal. Segundo a legislação em vigor, um trabalho não-residente é contratado para uma determinada funções e não pode fazer qualquer outro tipo de trabalho, nem em part-time. Contudo, Song queixa-se que este é um problema cada vez mais comum e que há cada vez mais empregadores a abusar do sistema.

12 Mar 2019

Literatura | José Luís Peixoto entre hoje e quinta-feira na UM

[dropcap]O[/dropcap]escritor português José Luís Peixoto vai estar entre hoje e quinta-feira na Universidade de Macau para conduzir um oficina de escrita no Centro Bilingue Chinês-Português daquela instituição. A iniciativa é dirigida à promoção da escrita de ficção literária e está estruturada em quatro sessões a decorrer das 15h às 17h30. O objectivo é “divulgar a língua e cultura portuguesa” e “fazer com que cada um dos participantes produza um texto literário, percebendo a estrutura, criatividade e métodos envolvidos no processo de criação”, aponta a organização em comunicado. José Luís Peixoto, recebeu em 1997, aos 23 anos, o Prémio Jovens Criadores atribuído pelo Instituto Português da Juventude, com a obra de ficção “Morreste-me”, dedicada ao pai.

Em 2001, o autor começa a destacar-se no panorama da literatura portuguesa ao receber o Prémio Literário José Saramago, da Fundação Círculo de Leitores com o romance “Nenhum Olhar”. Da sua obra, que se encontra traduzida em mais de 25 línguas, fazem parte seis romances, seis livros de ficção, três séries de poesia e dois livros infantis.

 

11 Mar 2019

Literatura | Rota das Letras arranca quinta-feira com a poesia como tema

A oitava edição do festival literário, Rota das Letras, está à porta com datas marcadas entre 14 e 24 de Março. Este ano a programação será compactada em menos dias e pela primeira vez terá um tema: a poesia. Miguel Sousa Tavares e José Luís Peixoto são dois dos principais convidados portugueses, num ano em que se celebram Sophia de Mello Breyner, Adé dos Santos Ferreira, Herman Melville, Walt Whitman e Jorge de Sena

[dropcap]“A[/dropcap] poesia é o início de tudo, a primeira interpretação do mundo.” Foi assim que Carlos Morais José, director de programação do festival literário Rota das Letras apresentou a oitava edição subordinada ao tema da poesia. É para mostrar a universalidade desta arte que o Rota das Letras de 2019 propõe uma programação que trespassa o género literário na multiplicidade de formas que pode apresentar. “Queremos mostrar às pessoas que há muitas formas diferentes de apresentar poesia, podemos fazê-lo simplesmente através do recitar, podemos fazer através do teatro, do cinema ou através da pintura”, acrescenta o director de programação.

Um dos destaques do cartaz deste ano vai para a celebração do 100º aniversário de Sophia de Mello Breyner. A efeméride vai ser assinalada com a presença do jornalista e escritor Miguel de Sousa Tavares, filho da poetisa, no dia 15 pelas 19h, nas Oficinas Navais. Durante a palestra, intitulada “O percurso literário de Sophia”, o filho da poetisa irá recitar alguns poemas da mãe.

A Associação Cultural D´as Entranhas também vai assinalar o aniversário da autora portuguesa com a performance “Sophia”, no mesmo dia e local, às 21h. O grupo vai partir da poesia de Sophia de Mello Breyner, e reinterpreta-la, num formato que em nada se assemelha a um recital. “Pegar nos monstros é sempre complicado, ainda por cima tratando-se da Sophia”, revelou Vera Paz, responsável pela associação.

Também Jorge de Sena terá destaque nesta 8ª edição do festival literário. “Vamos apresentar um documentário sobre o Jorge de Sena realizado por um professor de uma universidade e South Lake City, nos Estados Unidos”, desvenda Ricardo Pinto. O director do festival explica que o académico, além de ter trabalhado com o poeta, fez também várias antologias poéticas de Angola e de Moçambique, destacando-se como um grande promotor da poesia em português.

Poemas de cá

Adé Ferreira dos Santos será outro dos destaques da edição deste ano do Rota das Letras. O poeta macaense vai ser recordado com um recital inteiramente feito em patuá. Será um raro momento de leitura de poesia, apontou ontem Carlos Morais José.

Durante o evento será ainda publicado um dicionário de Crioulo de Macau.

Também Camilo Pessanha vai ser recordado na 8.ª edição do festival literário de Macau, desta feita com a apresentação do filme “Pe San Ié” de Rosa Coutinho Cabral que tem Carlos Morais José como protagonista.

 

Clássicos de sempre

Os 200º aniversários de Herman Melville, autor de “Moby Dick” e de Walt Whitman vão ser assinalados na edição deste ano do Rota das Letras com a apresentação de dois documentários sobre a vida dos incontornáveis escritores norte-americanos.

Outra das datas assinaladas pelo Rota das Letras é o centenário do movimento do 4 de Maio, que marca a Nova Literatura na China. O festival vai trazer alguns dos escritos de autores que marcaram esta altura, entre eles, Lu Xun, Hu Shi e Zhu Ziqing. O grupo de teatro de Macau Rolling Puppets vai levar à cena, a peça de teatro de marionetas “Droga”, uma adaptação do romance homónimo de Lu Xun publicado em 1919. A peça será representada durante os últimos três dias do festival, nas antigas Oficinas Navais.

 

Ode nunca vista

O Rota das Letras apresentará ainda o espectáculo de Pedro Lamares “Ode Marítima”, baseado no poema de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa. Vai ser a primeira vez que a “Ode Marítima” é declamada integralmente num palco de Macau.

“A forma dos sentimentos – quando a poesia inspira a arte” é o nome da exposição que vai estar patente nas Oficinas Navais, a partir de dia 23, e que reúne trabalhos de artistas locais baseados em excertos de poemas dos autores celebrados na edição 2019 do Rota das Letras. Rui Rasquinho, Carlos Marreiros, Fortes Pakeong Sequeira, Joaquim Franco, Konstantin Bessmertny, Cherry Tsang são alguns dos autores que aceitaram o desafio.

 

Sons da festa

Na música o destaque vai para o cantor português Salvador Sobral, vencedor do Festival Eurovisão da Canção em 2017, que fará a sua primeira visita a Macau para um concerto marcado para o dia 17 de Março no Teatro Broadway.

A festa de encerramento do festival vai estar a cargo da banda de Taiwan Wednesday & Bad to the Bone. O concerto está marcado para as 22h30, do dia 24 de Março, no LMA. Depois da performance da banda de Taiwan, a noite prossegue em festa.

Apesar de mais curta, a edição deste ano é mais condensada, apontou Carlos Morais José. “Esta edição encurtou-se mas concentrou-se no tempo que existe, em termos de quantidade é a mesma coisa. O tempo é que é mais curto, porque entendemos que duas semanas era muito tempo. Dez dias é uma coisa mais concentrada e permite uma acção mais eficaz”, disse.

O director do festival, Ricardo Pinto, salienta neste aspecto o “período de transição” que o Rota das Letras atravessa, mas confessou estar “muito feliz” com a programação final.

 

 

 

 

11 Mar 2019

Saúde | Sulu Sou pede a divulgação de lista de doenças raras

[dropcap]O[/dropcap] deputado Sulu Sou quer que os Serviços de Saúde (SS) tornem pública a lista de doenças consideradas raras pelo organismo, bem como a sua taxa de incidência na população. Para o deputado, publicar esta informação é uma forma de alertar a comunidade para diagnósticos de doenças raras que, sendo conhecidos, “podem salvar vidas”, aponta em interpelação escrita.

Sulu Sou quer ainda saber de que meios dispõem os SS para formação de diagnósticos pré-natais, uma vez que muitas das doenças consideradas raras pela Organização Mundial de Saúde têm origem em mutações genéticas precoces.

O pedido de esclarecimento, diz Sou, é motivado pelas preocupações do deputado acerca da precariedade de especialistas na área genética em Macau, o que pode colidir com um diagnóstico feito em tempo útil acerca de doenças raras que necessitem de tratamentos específicos, também estes, muitas vezes não disponíveis no território. Por esta razão, o deputado questiona: “Diante das limitações quanto a especialistas em genética clínica em Macau e das muitas doenças raras associadas a mutações genéticas, que estratégias têm as autoridades para lidar com esses desafios?”

Entretanto, o deputado aponta o dedo aos SS que continuam com uma base de dados especializada nesta matéria “aparentemente vazia”.

11 Mar 2019