Manuel Nunes Eventos MancheteJosé Drummond, artista plástico : “Macau é um embaraço para os artistas” Define-se como um existencialista interessado na dualidade entre o visível e o invisível, no amor e na morte, pois “não existe mais nada que valha a pena falar”. Artista e curador, José Drummond foi recentemente convidado a representar Macau no prestigiado Sovereign Asian Art Prize. Uma foto para “construir uma narrativa existencialista” para um artista a quem a única coisa que interessa é “continuar a ter condições para trabalhar” [dropcap style=’circle’]Q[/dropcap]ual a história por detrás da imagem escolhida para o Sovereign Asian Art Prize? “Parachute” faz parte de uma série de fotografias realizadas em Nova Iorque a que dei o nome de “There is no place like it”, frase de Walt Whitman num texto relativo à cidade. Escolhi o parque de diversões de Coney Island para construir uma narrativa existencialista onde, durante o Inverno e com a ausência de corpos humanos, é conferido um sentido único de isolamento e deslocamento, enquanto somos imersos pelas estruturas num desencanto cativante. Depois apeteceu-me trabalhar o efeito cinematográfico “day for night” onde a câmara é alterada na sua leitura de luz. Um efeito muito comum no cinema americano dos anos 50 e 60. Coney Island, um dia considerado “The Greatest Show on Earth” é um espaço que desafia a gravidade. No Inverno é uma paisagem fantasmagórica que reduz o humano à sua própria fragilidade. Como surgiu a participação no concurso? O Sovereign Asian Art Prize funciona por nomeação de um curador, não é de público acesso. A fundação nomeia um número de curadores que por seu lado decidem quais os artistas a nomear nas 16 regiões contempladas. Por isso, só a nomeação é um reconhecimento importante. Gary Mok, curador baseado em Pequim com largo conhecimento sobre o que se faz em Macau e Hong Kong, foi quem me nomeou para representar Macau. Alguma expectativa para o desenlace? Para dizer a verdade não gasto muito tempo em expectativas. O tempo que tenho gasto-o a trabalhar. Encaro concursos como exposições ou ‘screenings’. Como um veículo importante que confere visibilidade ao trabalho desenvolvido em estúdio. É uma faceta essencial do profissionalismo. Nos últimos anos tornei-me num verdadeiro ‘workaholic’. A experiência em Nova Iorque e Berlim terá contribuído para algum esclarecimento e amadurecimento do meu trabalho. Acredito que tanto a nomeação como a consequente selecção é fruto disso mesmo. Mesmo não vencendo em que medida pode esta participação mudar o seu panorama? Não sei bem. Por um lado vou continuar a ser o mesmo, ou seja, vou continuar a trabalhar e a emocionar-me com tudo o que o trabalho envolve e com todas as experimentações que ainda quero tentar. Por outro lado, acredito que os artistas são como esponjas que absorvem água e sabão e, quando se aperta, expelem um fluido com bolhinhas. Quero dizer com isto que obviamente trabalhamos em sequência do que nos acontece na vida, do que vemos, sentimos, etc. Nessa perspectiva, já mudou. A nível de reconhecimento do trabalho é obviamente muito bom estar nesta fase. O resto logo se vê. “Parachute” foi a obra escolhida para o prémio E se ganhar? Isso seria fantástico. Mas não penso nisso. Pés na terra, concentrado nos próximos projectos. O mais importante são os trabalhos. É isso que importa. Quais os próximos projectos? Muita coisa em filme. Mas demora tempo. Acabar a edição de algumas coisas. Duas novas séries de fotos que ainda não consegui ter meios para fazer. Depois gostava de conseguir trabalhar em espaço de exposição, uma reunião de disciplinas entre teatro, cenário, música e imagens em movimento. O meu maior problema é investimento. A minha produção actual exige um alto nível de profissionalismo que obriga a um exercício financeiro constante e sem expectativas de reembolso. Artista a full-time agora? Como se sobrevive dessa forma em Macau? Não nos fazemos artistas. Ou somos ou não somos. Quando és sabes que és. Não é um hobby. Sobreviver é difícil. Um artista em full-time deve ter uma certa noção comercial que por vezes entra em conflito com aquilo que se pretende da arte. A capacidade de continuar a inovar. A possibilidade de se fazerem coisas só porque sim, sem ter que se considerar que é uma comodidade, um produto adquirível com valor de mercado. Ser artista implica ser perseverante. Mas está dedicado em full-time? Se sim, qual a vertente comercial que paga as contas? Não pago as contas. A minha produção é sempre mais. Por isso, aqui e ali tenho de me desenrascar. Macau é um embaraço para os artistas. Com rendas e comida mais cara que Berlim, por exemplo, é impossível viver a full-time da Arte. Um artista precisa de um estúdio para além de um tecto para dormir. Em Macau isso parece impossível. Ou então faz pintura e mesmo assim não dá. Uma coisa é certa. Macau não chega. Ou temos galeria fora, ou fazemos projectos internacionais ou, se estamos à espera que Macau nos compreenda e chegue para pagar as contas, desaparecemos. Descobri entretanto que tenho um espaço de contribuição para o meio através da educação. O workshop que tenho leccionado tem sido bastante apreciado pelos estudantes. É um trabalho complementar como é o de curador. Naturalmente, estas respostas dão lugar a novas perguntas. Por exemplo, porque é que os projectos arquitectónicos de Macau não incluem artistas locais… (risos) Pegando nisso, que impacto esta participação pode ter e está a ter no meio local? Pessoalmente espero que sirva de incentivo aos artistas locais para acreditarem no seu trabalho e não terem medo de procurar uma voz única. Acho que há espaço para tudo e arte não tem de ser pintura. Pelo contrário. Quando Macau perceber isso dará um salto grande. Os artistas em Macau parecem-me, por vezes, pouco convictos da possibilidade de terem um trabalho mais contemporâneo. A que chama um trabalho mais contemporâneo? Corre-se sempre o risco de ser deselegante quando se fala de colegas ou se critica o meio em que se está. Afinal estamos, de algum modo, todos juntos. Mas faltam coisas em Macau. Nem tudo é representação. Tem de haver algo mais. Acho absolutamente fascinante que aquilo que melhor caracteriza a cultura de Macau seja também a razão da sua pouca importância. Demasiado umbilical. É uma cultura que vive muito fechada sobre si própria e impressionantemente tradicional. Existe medo de arriscar. Existem muitos ‘velhos do restelo’ que não deixam isto andar. Macau vive sempre preocupado com o que se vai dizer. O melhor é não levantar muito a bolinha. Que o faz ‘correr’? Não sei fazer mais nada? É mais forte que eu? Estou sempre a pensar em Arte. Sou um dos gajos mais aborrecidos possível. Por isso as namoradas não aguentam (risos). Estou a brincar claro. A falar verdade, no meu caso, o ‘correr’ obriga a um espaço considerável de isolamento e solidão em estúdio, onde ler, questionar, escrever, experimentar alternativas são importantes para tomar decisões. Fazer arte não é uma questão de ter jeito para o desenho. Pelo menos não é assim há pelo menos cem anos. Felizmente, os média com que tenho trabalhado mais, como o vídeo, obrigam a um envolvimento com outras pessoas. Desse modo, sinto que continuo sempre a aprender. A vida é uma aprendizagem contínua. A arte também. Onde pretende chegar? Não sei. Os objectivos depois de ultrapassados dão lugar a outros. Para já quero acabar uma série de projectos nos quais tenho andado a trabalhar nos últimos dois anos. Depois logo se vê. Quero continuar a trabalhar. Que legado imagina um dia deixar? Não penso nisso e não tenho medo de não vir a ser reconhecido. As coisas são o que são. Vou citar dois nomes que não são referências imediatas minhas mas servem para ilustrar um ponto: Louise Bourgeois, uma das artistas mais importantes dos últimos 50 anos, só foi realmente reconhecida depois dos 70 anos. O Manoel de Oliveira só após o seu segundo filme de ficção, com 63 anos, começou a ser reconhecido. É certo que um viveu até aos 98 e o outro até aos 106. O que pretendo dizer é que o ‘calling’ ou o ‘reconhecimento’ podem aparecer tarde. Precisamos é de capacidade para continuar a trabalhar. É o que eu quero e ter condições para continuar. Se o meu trabalho poder contribuir de algum modo tanto melhor. Qual a pergunta para a qual mais procura uma resposta? O meu trabalho é existencialista por natureza. Mas de um existencialismo beckettiano, kafkiano, até freudiano. As minhas duas grandes ‘questões’ são eros e thanatos. Amor e morte. Não existe mais nada que valha a pena falar. É nessa dualidade ‘absurdista’ que o meu trabalho se insere. Há quem já me tenha considerado como um ‘ultra-romântico’ e, nesse sentido, é uma vertente que parece ir no sentido oposto às vertentes actuais, que se focam numa certa frieza. A mim interessa-me o reino da emoção na arte. Não só o de poder representar emoção, como também o de poder causar emoção. Interessam-me certos autores e o meu trabalho está nessa linha de continuidade. Existe um certo sentido teatral que acho ser absolutamente importante para o seu entendimento. Altamente fascinado pelo trabalho de Fassbinder e Bergman, por exemplo. Existem muitas referências, todas no mesmo sentido. Plath, Duras, Pessoa, Sá-Carneiro, Lacan, etc… A máscara. A fragmentação do ser ou a sua multiplicidade. A solidão. A ilusão. A possibilidade ou impossibilidade do amor. O falhanço – “Fail again, fail better”, Beckett dixit. A morte é a única certeza da vida. Interessa-me também a percepção do mundo que cada um de nós tem. A Anaïs Nin disse: “nós não vemos o mundo como ele é, vemo-lo como nós somos”. Estar em Macau abriu mais ou menos possibilidades para desenvolver o seu trabalho? Porquê? Chego a esta fase por estar a representar Macau. Mas, por outro lado, existem aspectos do meu trabalho característicos de uma certa fantasia, de uma certa utopia para a qual torna-se necessário que o trabalho seja feito na China. Pelo menos por agora. Existe uma certa noção que envolve um espaço migratório que é essencial. Quero continuar por aqui. Ainda tenho muito sobre o qual quero falar. Além disso, torna-se curioso que esse hipotético ‘exotismo’ do espaço migratório e de confluência de culturas seja visto com interesse por Hong Kong, Pequim, Lisboa, Berlim e Nova Iorque e que Macau pareça, por vezes, ainda não ter realmente percebido, o que me leva muitas vezes a questionar sobre o é que estou aqui a fazer. Aliás, sem ter nada a ver com esta questão, o HM está a publicar um thriller poético/psicológico com esse nome: “Que estamos nós aqui a fazer, tão longe de casa?” Sim, é verdade. Mas isso espoleta três perguntas: que estamos a fazer, que está a fazer e onde é ‘casa’? Embora a ‘novela’ semanal até possa dar a ideia de estar a falar de estrangeiros imediatos, na realidade está a falar de uma nova condição, que é esta: o Macau do futuro é um Macau estrangeiro onde todas as pessoas são fruto da emigração em primeira mão ou em segunda, terceira ou quarta geração. Isso já se sente. A ideia de ser de Macau só pode ser isso mesmo. Nesse sentido ninguém é realmente de Macau e somos todos de Macau. Sei que é uma visão polémica, mas este é o maior trunfo da cidade. Esta vocação natural para a multiplicidade de culturas. Acho absolutamente paradigmático que o melhor realizador de cinema de Macau seja português, que os melhores pintores sejam de Xangai e da Rússia e por aí adiante. Para mim, a melhor artista de Macau, na actualidade, é de Sichuan. Pelo meu lado, estou a fazer aquilo que é suposto fazer. Questionar, apontar ideias, contribuir para o mundo em geral. A casa é aqui mas isso não quer dizer que não mude. Estou sempre a viajar.
Manuel Nunes PolíticaGoverno propõe novas regras para notariado privado [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Conselho Executivo anunciou ontem novas regras para o notariado, depois de concluir a proposta de lei relativa à alteração do Estatuto dos Notários Privados. Exercer advocacia na RAEM há mais de cinco anos é a principal novidade. A apresentação do Conselho Executivo foi ontem feita por Leong Heng Teng, porta-voz daquele órgão. Questionado sobre qual o número ideal de novos notários, Leong escusou-se a adiantar números dizendo que “terá a ver com as necessidades do mercado e estará dependente de novas conversações com os agentes” que já existem. Satisfazer a necessidade da população à actividade notarial e elevar a qualidade dos serviços notariais é a preocupação subjacente a este novo regime proposto pelo Governo que irá alterar o Estatuto dos Notários Privados. As principais alterações previstas são a mudança das regras de acesso às funções de notário privado e o regime de concurso. Assim, relativamente à elegibilidade, a proposta de lei do Governo propõe que apenas se possam candidatar ao curso de formação para notários privados advogados com mais de cinco anos consecutivos de exercício de funções de advocacia na RAEM. A medida, justifica o Governo, prende-se com “as exigências éticas e deontológicas da actividade que deve ser independente e imparcial”. A proposta sugere ainda que apenas se possam candidatar às funções de notário privado os advogados que não tenham sido suspensos preventivamente nem condenados em processo disciplinar pela Associação dos Advogados de Macau, em pena superior à de censura. Neste âmbito, propõe-se ainda que os advogados que pretendam esta função apenas necessitam de apresentar um requerimento. Relativamente às competências, que a Associação de Advogados requeria para acabar com o exclusivo dos públicos em certos procedimentos não existe qualquer alteração. O regime do concurso também poderá vir a ser alvo de alteração caso a lei venha a ser aprovada. Neste capítulo, o Governo propõe o curso de formação inclua “direito registal” e que o número mínimo de aulas passe de 50 para 75. É ainda sugerido que no aviso de abertura do concurso conste o número de licenças a atribuir. Actualmente, existem em Macau 201 advogados a praticarem durante esse período, ou mais anos consecutivos, na RAEM, portanto é desse universo que sairão os futuros notários privados que se juntarão aos 57 existentes. A lei vai agora para a Assembleia Legislativa para análise e aprovação. Não se sabe se ainda entra em vigor este ano.
Manuel Nunes BrevesSusana Wong continua à frente das Águas O Chefe do Executivo renovou a comissão de serviço de Susana Wong como directora dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água, pelo período de um ano. Susana Wong tem estado à frente deste departamento desde 1999, quando ainda era Capitania dos Portos. Fluente em Cantonês, Mandarim, Inglês e Português, Susana Wong foi a primeira chinesa nativa e a primeira mulher a dirigir este departamento. Em 2006, foi encarregue de supervisionar o abastecimento de Água de Macau, o que expandiu significativamente suas responsabilidades. Formada em Electrónica pela Universidade de Zhongshan em 1989, seguiu ainda nesse mesmo ano para Portugal onde passou um ano a estudar o idioma. Em 1990, Wong entrou para o Conselho Municipal (Leal Senado) e pouco depois foi transferida para a Administração Marítima. Em 1995, foi a única candidata ao mestrado em Administração de Segurança Marítima na World Maritime University, em Malmo, Suécia.
Manuel Nunes SociedadeMacao Water preocupada com canalizações privadas [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]Macao Water está preocupada com as condições de salubridade das redes privadas de abastecimento de água. A nota saiu da reunião, a primeira, do Grupo de Ligação a Clientes da empresa, ocorrida ontem e contou com a presença de elementos do Governo. Num comunicado, a Macau Water alerta para o facto de que nas suas acções de inspecção foram detectadas um número assinalável de canalizações privadas em mau estado de manutenção. “Canos velhos e corroídos que, inclusivamente, podem ameaçar a saúde dos residentes”, informa a empresa. “Muito preocupada com a situação”, como afirma a Macao Water, a empresa garante ter discutido com os representantes do Governo presentes na reunião, nomeadamente a directora para os Assuntos Marítimos e da Água, Susana Wong, acerca de soluções possíveis para a resolução do problema. Mas a responsável também espera que “os donos dos edifícios, as empresas gestoras dos condomínios ou os agentes registados cumpram as suas obrigações e façam um trabalho melhor na manutenção das redes de água”, já que a empresa “nada pode fazer em relação às redes particulares”. Para obviar os problemas, ou parte deles, a Macao Water montou, em 2010, uma equipa de trabalho para fazer reparações nas canalizações logo imediatamente antes dos contadores. De acordo com a informação prestada, ”os custos são repartidos e a parte que cabe aos privados é debitada nas contas de água do prédio”. Todavia, têm sido encontradas muitas dificuldades, seja pela forma como os canos estão instalados, ou outro tipo de limitações.
Manuel Nunes BrevesBombeiros têm novo comandante O Chefe do Executivo nomeou o chefe principal do Corpo de Bombeiros (CB), Leong Iok Sam, para o cargo de comandante do organismo. A nomeação entrou em vigor ontem e é válida pelo período de um ano. O nomeado é graduado no posto funcional de chefe-mor. A nomeação, diz-se em despacho publicado no Boletim Oficial, fica a dever-se “à vacatura do cargo e respectiva necessidade de preenchimento, bem como à reconhecida competência profissional e aptidão para o exercício do cargo do nomeado”. Leong Iok Sam é licenciado em Engenharia de Protecção e Segurança Sapadores Bombeiros, tem o mestrado em Engenharia Electromecânica da Universidade de Macau e o 2.º Curso de Comando e Direcção da Escola Superior das Forças de Segurança de Macau. Está no CB desde 1989 tendo-se iniciado na sua Divisão Operacional.
Manuel Nunes BrevesTurbojet | Dois pelo preço de um A Cotai Water Jet lançou uma série de promoções, cuja ideia geral é a de pagar um bilhete e receber outro grátis. A oferta é válida para a rota do Aeroporto, até ao dia 30 de Junho, sendo que os residentes de Macau têm ainda direito a um desconto de 30 patacas em todos os horários e classes. A outra promoção envolve anúncios da Direcção dos Serviços de Turismo e decorre entre os dias 4 e 10 de Maio, sendo que há mais informações detalhadas no sítio da empresa. As carreiras da TurboJet operam diariamente entre as 06h30 e as 03h00 com partidas a cada meia hora entre as 06h30 e as 23h30.
Manuel Nunes BrevesAjustes nocturnos nos autocarros A Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) resolveu criar mais uma carreira nocturna, a N6, e ajustar a N5 às quartas-feiras. Com a ideia de optimizar os serviços de transporte para a Universidade de Macau, a DSAT criou a carreira nocturna N6 entre o campus da Universidade na Ilha da Montanha e a vila da Taipa, sendo que esta está em funcionamento desde a meia-noite de ontem. A carreira nocturna N5, que parte de Seac Pai Van, vai ser alterada “de modo a rentabilizar os seus serviços”, informa a DSAT. A nova N6, com autocarro de médio porte, tem um percurso circular pelas artérias principais da Taipa, será operada pela Sociedade de Transportes Colectivos de Macau (STCM) e parte do Terminal da Universidade de Macau a cada 20 minutos, entre a meia-noite e as seis da manhã. Também desde ontem à mesma hora, a N5 vê o seu percurso alargado devido ao volume de passageiros ter vindo a ser baixo. Agora passa também pelo COTAI e vai à Praça de Ferreira do Amaral para facilitar as deslocações dos moradores de Seac Pai Van, vila da Taipa e Jardins do Oceano. Vai passar a circular em duplo sentido, mas as partidas a mantêm-se a cada 15 minutos.
Manuel Nunes BrevesServiços de Saúde distribuem 18 milhões em três meses Os Serviços de Saúde distribuíram quase 18,5 milhões de patacas nos primeiros três meses do ano, indica um despacho divulgado ontem em Boletim Oficial pelo organismo sobre os montantes entregues a particulares e a instituições no primeiro trimestre de 2016. O subsídio individual mais alto foi pago à Associação de Beneficência Tung Sin Tong, sendo de 5,75 milhões de patacas como apoio a serviços de consulta externa e estomatologia infantil. Mas quem recebeu mais, pelo somatório de várias actividades, foi a Federação das Associações dos Operários de Macau com 7,67 milhões patacas repartidas entre apoios à Clínica dos Operários, ao Centro de Recuperação e para a prestação de cuidados de saúde domiciliários, relativo ao quarto trimestre do ano de 2015. Destaque ainda para a Cruz Vermelha de Macau, que recebeu 1,04 milhões para o transporte de doentes. As parcelas menores variaram entre as 20 e as 30 mil patacas e foram geralmente entregues a profissionais de saúde para participações em estágios de clínica médica.
Manuel Nunes BrevesMorte de Vasco Ferreira ainda em investigação A PSP ainda está a investigar a morte do português Vasco Ferreira. Isso mesmo confirmou a polícia ao HM depois de ter sido posta a circular nas redes sociais uma foto tirada momentos a seguir ao acidente que acabaria por vitimar o português, à entrada da Ponte Sai Van, onde se vê claramente um poste de iluminação de obras atravessado na via. Se o poste caiu resultante do embate do do motociclo, ou se o poste caído foi a causa do acidente é a questão que se levanta. Nesse sentido, o HM inquiriu a PSP sobre o assunto e, inclusive, sobre a existência de câmaras de vigilância no local que possam esclarecer o facto. As autoridades não respondem concretamente, uma vez que ainda investigam o acidente. “O caso ainda se encontra na fase de instrução do processo (inquérito policial), tendo assim iniciado as diligências para o apuramento dos factos, pelo que, neste momento não há nada a referir por esta Polícia, sobre o acidente”, pode ler-se na resposta. O português morreu no final de Março. Tinha 37 anos e era residente de Macau, tendo falecido uma hora depois do acidente, já no hospital.
Manuel Nunes Perfil PessoasJana Dvorska, professora de Inglês [dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stá em Macau há cinco anos. Foi o amor que a trouxe e foi o amor que quase a levou. Mas isso são outras histórias porque a realidade é que Jana gosta de estar por cá: “é um sítio maravilhoso”, diz. “Mal cheguei, senti-me imediatamente feliz”, explica. E foi em Outubro que chegou. Pois é, porque o pior viria a seguir. Primeiro com o frio e depois com as humidades. Mas é o frio, especialmente o deste último Inverno, que a mói mais: “foi horrível, detesto frio”. Isto apesar de ter crescido em Calgary, no Canadá, “onde temos seis meses de Inverno” diz Jana e, talvez por isso, tem uma paixão assolapada pela praia: “Imagino-me a escrever poemas na praia e a viver assim”, confessa Jana, em inglês, a língua que considera a sua principal. É também a que ensina, mas não a única que domina. Italiano, Francês, Português e, claro, Checo – Jana é checa – fazem parte do seu repertório. Foi para o Canadá com a família aos cinco anos e aos 21, depois de se formar em Francês e Sociologia, voltou para República Checa sozinha, “porque precisava de experienciar a cultura”, conta. Nasceu em Ostrava mas foi para Praga, “a Paris do Leste”, apelida, uma cidade que adora, “especialmente aquelas ruas medievais, o castelo, a ponte Charles..”, exemplifica. Foi aí que tudo começou a mudar quando conheceu um português que trabalhava na mesma empresa. Meia volta ao mundo Apaixonaram-se e mudaram-se para Manchester onde desenvolveu uma atracção pelo futebol pois, explica, “tínhamos um amigo que trabalhava para o Cristiano Ronaldo e ele foi simpático, assinou-nos umas T-Shirts e deu-nos bilhetes para um par de jogos”. Dois anos e picos depois seguiram para Lisboa onde viriam a estar um ano mas o suficiente para Jana dizer que o seu clube é o Benfica e para confessar que “talvez queira para lá voltar um dia”. Desporto é algo que faz parte da sua vida. “Fazia muito ski e patins em linha em Calgary mas agora faço yoga, medito todos os dias e gosto de correr nos trilhos da Taipa e de Coloane”. Voltávamos a Macau e, por falar em trilhos, Jana espera que as ideias de urbanização em Coloane não vão avante “porque é o único espaço verde que anda temos desimpedido e precisamos dele”. A falta de jardins e espaços verdes é mesmo o que ela menos gosta em Macau. “Percebo que a cidade é pequena mas talvez se pudesse fazer um esforço para termos mais jardins e espaços para andar a pé e de bicicleta”, diz. Gosto pelo ensino Quando falamos de sonhos Jana diz que vive perto deles, pois faz o que mais gosta: ensinar. “Fiz outras coisas na vida mas ensinar é a minha profissão, é o que mais gosto.” É professora na Escola Secundária Hou Kong, onde adora estar, depois de passar pelo Instituto Politécnico, pela Universidade de São José, pela Universidade Cidade de Macau (UCM) e pela Escola das Nações, esta uma experiência menor para ela porque “os estudantes vêm de famílias ricas e por isso são muito pouco respeitadores”. A permanência em Macau “tem sido óptima para a minha própria educação”, diz, pois aqui tirou um mestrado em Educação e um diploma de pós graduação na mesma especialidade. Decorar muito e opinar pouco “A dificuldade de ensinar chineses é terem pouca confiança e poucas oportunidades para falarem. Passam a vida a memorizar. Por isso estou sempre a dar-lhes oportunidades para falarem, para nos conhecermos mutuamente”, diz Jana, considerando ser essa a principal pecha no sistema educativo local. “Memorizar datas, nomes é ridículo na era do Google”, afirma ainda Jana, que considera que os alunos chineses “têm poucas oportunidades para formarem uma opinião sobre os factos” – o que a jovem tenta providenciar nas suas aulas, pois. “Na minha classe quero é que eles participem, que falem. Não há nada para memorizar”. Para a jovem professora a relação que se desenvolve com os alunos é, por isso, essencial: “ponho-os à vontade para falarem, para perguntarem o que entenderem. Até perguntas pessoais”. Esse à vontade levou-a a um episódio que não esquece quando, ainda na UCM, uma aluna veio confessar-lhe que era lésbica, como a pedir conselhos, pois tinha medo de o confessar aos pais. Jana tranquilizou-a e deu-lhe coragem. Foram apenas dois semestres e nunca mais a viu pessoalmente mas segue-a pelo Instagram onde percebeu que ela tem colocado imagens com uma namorada nova. “Fiquei feliz. Deve estar tudo a correr bem”, esclarece. Um privilégio E viver em Macau? “Macau é um paraíso para adultos”, diz, mas foi logo adiantando que também permite “qualidade de vida e é um sítio fácil para encontrar os amigos e é segura. Isso é muito importante”. Além disso, “acontece muita coisa como o Festival de Cinema que aí vem, o Festival Literário, há música, muitas bandas locais”, aclara. Também considera que a cidade “dá muitas oportunidades, é óptima para trabalhar, proporciona bons salários e várias oportunidades de trabalho. Também é uma boa base para explorar a Ásia”, conta. Tudo somado, “é um sítio especial e sinto-me privilegiada por aqui viver”, confessa.
Manuel Nunes DesportoMonte Carlo, 0 – Benfica, 4 São onze contra onze e no final ganha o Benfica, parece ser o tom deste campeonato. O Monte Carlo ainda ameaçou e, depois de estar a perder 1-0, teve várias oportunidades de chegar ao empate. A perda do melhor marcador do campeonato, logo aos 23 minutos, não ajudou os amarelos mas o resultado acaba por não ter discussão. Meireles marcou um golo para levantar qualquer estádio [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Benfica sabia que este jogo podia significar o desimpedimento da estrada para o título e começou logo ao ataque com três homens bem destacados na frente como foi o caso de Iuri, Leonel e Lei Kam Hong e, logo aos dois minutos e meio, Leonel já rematava por cima da barra. Sempre a pressionar muito alto, o Benfica nos primeiros cinco minutos de jogo praticamente não deixava o Monte Carlo passar muito além do meio campo mas, aos sete, uma arrancada de Amarildo, que passou por uma série de jogadores do Benfica, mostrava que a equipa amarela não vinha propriamente para ver a caravana passar. Todavia, ao querer fazer tudo sozinho, o nove do Monte Carlo acabaria travado em falta a cerca de 10 metros da meia lua. O livre daí resultante, marcado por Jackson, acabaria por esbarrar na barreira densa que o Benfica tinha montado. Aos 11 minutos mais uma entrada do irrequieto Amarildo pelo lado esquerdo do ataque do Monte Carlo viria a terminar com um remate do próprio já com pouco ângulo e junto ao poste, o que Rui Nibra acabou por defender com facilidade. Aos 15 minutos existe um golo anulado ao Benfica na sequência de um canto marcado por Edgar Teixeira, aparentemente por falta sobre o guarda-redes do Monte Carlo. Cinco minutos depois e chegavam as más notícias para o Monte Carlo: ao tentar recuperar uma bola evitando que ela saísse do terreno de jogo, Amarildo coloca mal o pé e acaba a rebolar-se com dores na pista de tartan. Estava a ser o jogador mais perigoso dos canarinhos. Aos 22 minutos o Benfica marcaria o primeiro. Uma bela jogada de envolvimento, com Iuri a iniciar a jogada, descobrindo Meireles no miolo que avançou sem hesitações para área vindo a servir Leonel que, sozinho frente ao guarda-redes, não hesitou e atirou a contar. Nesta fase do jogo, o Monte Carlo ainda reagia bem e, aos 26 minutos, um livre resulta numa bola a pingar para a área que viria a obrigar Rui Nibra a sair a punhos para evitar males maiores. Logo no minuto seguinte, Neto que tinha entrado para o lugar de Amarildo rematava forte para uma boa defesa de Nibra. Só dava Monte Carlo nesta fase e pouco depois da meia hora um livre a meio do meio campo, por falta do trinco benfiquista Cuco, resulta num remate violento de Anderson com a bola a passar a rasar o poste da baliza encarnada. Até ao final do primeiro tempo o Monte Carlo continuou a procurar o empate e por pouco não marcava outra vez após uma entrada pelo lado esquerdo: bola para o meio da área onde surgiu a rematar forte Iong Oi Chit mas sem sucesso. Monte Carlo amarelou O Monte Carlo entrou assanhado, tal como tinha acabado a primeira parte, e logo a abrir um centro de Neto do lado direito para o miolo da área isolava um colega na área que não marcaria por um triz. O Benfica respondia aos 48 minutos com um remate de Filipe Aguiar na pequena área para uma defesa espectacular do guarda-redes do Monte Carlo, Ho Man Fai. Daí resultou um canto que terminaria com o central encarnado Filipe Duarte, a cabecear por cima da barra junto ao primeiro poste. Dois minutos depois e caberia a vez a Leonel ao falhar outro cabeceamento na área. Agora os ataques do Benfica sucediam-se e o Monte Carlo parecia ter gasto o gás, o que os encarnados iam aproveitando para levar perigo para a área amarela. Foi assim que aos 55 minutos Edgar Teixeira, à entrada da pequena área, falhava mais um cabeceamento, desta vez sozinho frente ao frente ao guarda-redes. A bola saiu à figura de Ho Man Fai. Corria o minuto 60 quando o Monte Carlo voltava a reagir através de uma boa subida de Cheang Cheng que centrava atrasado, servindo bem Chao Wai Ho que viria a consumar mais uma perdida para os homens de amarelo. Aos 63 minutos um mau passe do guarda-redes do Monte Carlo permitia a recuperação do Benfica. A jogada termina com Lionel a rematar ao lado, de baliza aberta, pois o guarda redes do Monte Carlo já estava fora de cena. Aos 65 minutos Neto perde mais uma oportunidade para o Monte Carlos ao não dar o melhor destino a um centro atrasado da esquerda fazendo a bola sair ao lado da baliza encarnada. E como quem não marca arrisca-se a sofrer foi o que aconteceu. Vivia-se o minuto 66 e Nicky Torrão, que tinha acabado de entrar para o lugar de Lionel, dava o melhor seguimento a uma jogada iniciada do lado esquerdo do ataque do Benfica. Um centro de Filipe Aguiar ao segundo poste permitia o remate forte, quase à queima roupa, de Chan Man para uma excelente defesa de Ho Man Fai, praticamente por reflexo. Mas a bola era impossível de agarrar e sobrou para Nicky que fez o favor de a enviar lá para dentro. Quatro minutos depois e chegava o momento do jogo com um golo fora de série de Meireles. Depois de recuperar a bola perto do grande círculo, após um mau passe dos jogadores amarelos, Meireles avançou mais uns passos e desferiu um remate portentoso a cerca de 10 metros da entrada da grande área. A bola arqueou e foi entrar próximo do ângulo superior direito da baliza de Ho Man Fai que ainda voou mas não teve qualquer chance. Um golo digno de figurar na lista dos melhores do ano à volta do mundo. Esfusiante de alegria, Meireles viria a celebrar o feito à Cristiano Ronaldo. Aos 81’ um pontapé de alivio da defesa do Benfica acaba por não ser interceptado pelos homólogos do Monte Carlo que, por esta altura já demonstravam claros sinais de desconcentração e Nicky aproveitava para correr isolado para a baliza fechado a jogada com um remate por baixo das pernas do guarda redes do Monte Carlo que pouco podia fazer naquelas circunstâncias. Estava feito o quarto para o Benfica e o assunto definitivamente encerrado. Com a chuva de golos do Benfica, o Monte Carlo, que já há muito tinha murchado, nunca mais foi visto a ameaçar Rui Nibra. Este resultado mantém o Benfica sete pontos à frente do Sporting, que também goleou este fim de semana impondo-se à Polícia por 6-1, pelo que os encarnados já praticamente podem encomendar as faixas de campeão. Henrique Nunes, Treinador do Benfica – “Penso que o campeonato está definido” Depois de ter andado várias semanas a evitar embandeirar em arco, Henrique Nunes assumiu finalmente que o campeonato pode já estar no saco: “Antes deste jogo sabíamos que era importante ganhar, estávamos perto mas agora, depois deste brilhante jogo, penso que o campeonato está definido”, disse. Em relação ao jogo, o treinador encarnado entende que estiveram perante “uma grande equipa” mas realça que “o Benfica deu uma demonstração de força e de vontade” e, por isso, foi “um vencedor justo”. Em relação ao golo de Meireles, Henrique Nunes não tem dívidas que “foi belíssimo” o que “só veio dar mais brilho à exibição encarnada”, garantiu. Cláudio Roberto, Treinador do Monte Carlo – “Resultado pesado demais” Após o jogo, o treinador do Monte Carlo foi logo avisando que “ é preciso ter cuidado para avaliar o jogo”, porque, disse “apesar dos 4-0, o Monte Carlo teve volume de jogo para conseguir um resultado diferente”. De qualquer forma, admite que a sua equipa está noutro patamar pois, garante, “é difícil jogar de igual para igual com uma equipa profissional”. Esse facto “não serve de desculpa”, explica, mas considera que tem de ser realista e capaz avaliar o seu grupo de trabalho. Uma equipa que, diz Cláudio, “tem vindo a crescer com jogadores jovens, alguns da formação”. Em relação à saída prematura de Amarildo, Cláudio Roberto explica que “perder um jogador deste nível, artilheiro do campeonato, faz falta”, mas foi logo adiantando que Neto, o jogador que o substituiu, “chegou agora, está a entrosar-se com a equipa mas precisa de tempo”, explicou. Meireles, jogador do Benfica – “Só vi baliza” Falámos também com Meireles, curiosos para saber como tinha sido armada aquela bomba: “dominei a bola, só vi baliza e correu bem”, disse humildemente o centro campista encarnado. Todavia, não surgiu por acaso porque, confessa, “vejo muitos vídeos para tentar fazer isto e desta saiu”. Em relação à celebração à CR7, Meireles explicou que “tento fazer sempre porque pretendo imitar o meu ídolo. É muito complicado mas de vez em quando dá para fazer uma coisa ou outra”, explicou, não se indo embora sem dar os “parabéns ao Monte Carlo” admitindo que o adversário lhes deu “muito trabalho”.
Manuel Nunes Eventos MancheteSally Victoria Benson, actriz: “Indústria chinesa do cinema é fantástica” Cresceu em Macau, estudou Artes Dramáticas na Austrália mas fez toda a sua carreira de actriz em mais de 15 filmes na China. Hoje começa a rodar o seu primeiro papel em Inglês e em breve espera aterrar em Los Angeles. Em princípio recusaria filmar nua a menos que fosse Scorsese ou Di Crapio a proporem Como começou a relação com Macau? Vim para aqui em 1993, tinha oito anos. O meu pai treinava cavalos no Jockey Club. Vivi em Macau até aos 16 anos e depois voltei para a Austrália para acabar a escola secundária. Como foi crescer em Macau? Sou parte dos residentes que vivem num hiato de nostalgia. Foi incrível. Divertido, seguro e interessante. Mas não havia muito para fazer, não havia formas de expressar a criatividade. Mas ainda assim era divertido… Era. Acho que o que me dificulta a vida aqui como adulto são essas memórias do passado a que ainda me agarro e a luta para aceitar o novo Macau. Claro que há coisas boas que vieram com isso… Tais como? Mais oportunidades para as pessoas. Devo reconhecer que tinha uma vida privilegiada. Era uma criança expatriada com uma boa vida e não de uma família com poucos rendimentos a lutar pela sobrevivência numa cidade com uma má economia. Que significa então “divertido”, se havia pouco para fazer? Toda a gente se conhecia. Não havia telemóveis nem iPads. Íamos para o parque de skate (que já não existe) perto do Hollyday Inn, jogávamos à bola, andávamos de bicicleta na vila da Taipa antes da renovação. Também frequentávamos muito Cheoc Van, o que ainda é uma tradição pois felizmente tem sobrevivido ao desenvolvimento. E era barato viver aqui. Por isso quando tínhamos dinheiro, pouco que fosse, dava para imensas coisas. Entretanto, já na Austrália, foi estudar representação… Sim, fui para o Actor’s Center em Sidney e depois, como todos os actores em todo mundo, percebi rapidamente quão difícil era encontrar trabalho. (risos) E continuou na Austrália? Ainda estudei Jornalismo como plano B, para estar preparada para apresentadora de TV porque lá é preciso saber escrever para desempenhar o lugar e eu não sabia. Enquanto estava entre agentes e trabalhos em restaurantes como os actores fazem, resolvi ir para a China pensando que se aprendesse a língua, como tinha um ar diferente, talvez tivesse alguma hipótese. A ideia era participar nalgumas séries, juntar dinheiro e depois ir para Los Angeles. O que finalmente parece que vai acontecer… Sim, estou à espera do visto e espero ir em breve. Acha que ainda é preciso estar em Hollywood nos dias de hoje? Existem dois lados: pode-se realmente viver num lado qualquer se se tiver contactos e agente. Mas é sempre preciso um visto e ainda agora perdi dois papéis em filmes chineses que estavam a ser filmados em LA porque não consegui um visto a tempo. Mas demorou o seu tempo até chegar o momento de partir para Hollywood… Sim, acabei por estar muito mais tempo na China do que pensava e só acabou por ser uma opção muito recentemente. Pensava eu, ingenuamente, que ao final de um ano já conseguia dominar o Chinês mas demorou-me três anos até me sentir confortável no “set”. Mas tem um plano específico para Hollywood? Assim que tiver visto, vou. Mas o grande objectivo é estar disponível para trabalhar lá e deixar de perder castings. Por isso, candidatei-me a um visto para artistas especiais baseado no facto de falar Mandarim. Mas tenho compromissos em Macau nos próximos seis a oito meses. O que está a acontecer em Macau? Está efervescente o meio? Não sei se está efervescente mas sinto que há muita gente com vontade de fazer coisas. Para já começo a filmar hoje o novo filme do Thomas Lim (“Mar de Espelhos” – ver HM de 6 de Abril). É uma boa história e gosto do meu papel. Que papel vai ser esse? O de Isabel, uma actriz americana, meio acabada, que vem para Macau à procura de algo. E o sotaque americano vai sair? Espero bem que sim. Tenho andado a ter lições nos últimos tempos. Como praticamente tenho feito tudo em Chinês isso tem afectado a minha gama de sotaques em Inglês. Voltando atrás e à paixão pela representação. É tudo uma questão de imagem, de aparecer? Acho que foi sempre muito óbvio enveredar por este caminho. Sempre fui muito expressiva e criativa. Na Escola das Nações, onde não havia teatro nem nada disso, existia apenas um concerto religioso por ano. Tinha uns nove anos e convenci o reitor a criar um grupo de alunos para ensaiarmos uma peça após as aulas. Aconteceu e, a partir daí, passou a fazer parte do evento todos os anos. Às vezes até me custa a acreditar como fiz isso com aquela idade e a pressão que fazia junto da minha mãe para me levar para os ensaios. Queria mesmo representar. Além disso via muitos filmes em casa com o meu pai. Cresci com o John Wayne e os westerns todos. O cinema esteve sempre na minha vida sem eu própria perceber. Mas porquê actriz? Porque não realizadora ou outra coisa qualquer? Para ser famosa? Mentiria se dissesse que isso não me passou pela cabeça quando tinha os meus 20 anos mas não penso muito nisso agora. Talvez tivesse sido uma motivação quando as coisas corriam menos bem. Acho que escolhi ser actriz porque não sabia o que pretendia fazer e achei que, como actriz, podia ser qualquer coisa. Na secundária tive teatro, peças de Shakespeare, mas isso nunca me atraiu muito. Mas quando comecei na escola de drama a filmar, o processo todo fascinou-me. Acho que tem muito a ver com a minha personalidade por ser estruturado e organizado e a minha necessidade de ser criativa e de representar. Qual foi a coisa mais importante que aprendeu na escola de drama? (pausa) Para ser sincera, acho que o mais importante que aprendi foi nos “film sets” na China. Na escola foi a dissecar os guiões e a memorizar. Um exemplo de uma lição em filmagem… Esta foi inesquecível: num dos meus primeiros filmes na China tinha algumas cenas com o actor principal e quando chegou a altura do “close-up” ele foi-se embora e apareceu um assistente de produção com um papel à frente da minha cara. Não queria acreditar. Tive de representar com o papel e ainda por cima tinha de chorar. Foi terrível. Saiu tudo mal, ninguém me tinha preparado para uma coisa dessas. Depois disso aconteceu-me várias vezes e tive de me adaptar. Não me ensinaram isso na escola mas deviam. Além disso que mais aprendeu a fazer filmes na China? A trabalhar no duro e a estar preparada, a deixar-me ir no fluxo. Porque não há horários e toda a gente faz tudo. Podem não ser os melhores em tudo mas fazem. Não têm tempo para os nossos problemas, para a nossa atitude. Cada noite, à meia noite, metem-me um horário para o dia seguinte debaixo da porta do quarto e as cenas para filmar no dia, mas 99,9% das vezes muda tudo e temos de adaptar os diálogos. Já alguma vez trabalhou com uma produção que não fosse chinesa? O ano passado, com uma australiana. Foi interessante, organizado, refrescante e fácil, diria. Como vê a indústria chinesa do cinema hoje? Fantástica. Acho que se vai transformar na maior do mundo. Há muitos cineastas talentosos e muita gente com dinheiro. Talvez pela primeira vez na história do cinema há gente que pretende mesmo gastar dinheiro em filmes. Não sei se é pela estrutura, pela forma como as coisas são mostradas e que torna muito mais fácil para um investidor ter o retorno de capital ou por ser uma questão de face para dizerem que estão envolvidos no cinema. Do ponto de vista do espectador, acho que os filmes também estão a evoluir. Há mais cuidado. Uma vez ia filmar e não havia som. Perguntei o que se passava e a resposta foi que depois faziam o som em estúdio porque assim filmavam mais depressa… Qual o papel que adorava fazer? Todos os que a Kate Blanchett faz. Ela nunca tem um mau papel. Penso sempre que adorava ter aquele guião na minha mesa. Que tipo de actriz é? Onde se sente mais confortável? Acho que sou uma boa actriz mas com muito para aprender. Especialmente agora que começo a fazer papéis em Inglês. Esta participação no “Mar de Espelhos” vai ser a primeira na minha língua. Trabalho no duro, sou fácil de dirigir, mas também acho que sou melhor para um determinado tipo de papéis. Quando temos um papel que encaixa connosco fazemo-lo melhor. Por exemplo… Em situações sociais, sei que pareço inacessível e rude então papéis desse género, de uma pessoa fria, meio cabra, encaixam melhor. Tenho feito papéis assim e acho que fiz um bom trabalho. Mas também já fiz o papel esfuziante, cabeça no ar e acho que não estive mal. Mas como actriz tento não lutar contra o meu tipo. Pode ser uma faca de dois gumes. Acha que os papéis podem influenciar a personalidade do actor? Pode acontecer, sim, mas depende da profundidade do papel. Como tenho trabalhado na China e os estrangeiros nunca têm papéis principais, tenho mais tempo para entrar e sair do personagem. Como entra nos personagens? Penso em imagens. Crio uma imagem mental de como a personagem deve ser. Então acho que tem razão quando diz que comigo é tudo uma questão de imagem. Não penso tanto como o personagem sente ou nos valores que possa ter mas como se apresenta, no seu visual. E depois comigo a encarná-la, que imagem vai ter. Só aí leio o guião e começo a entrar no lado emocional. Qual foi o papel em que se sentiu mais emergida? Dois. Um filme rodado na Roménia, o que permitia o outro lado tomar conta. Estava num ambiente diferente, não tinha de ir para casa, levar o cão à rua e isso ajudou. Que papel era esse? O de uma rapariga fria e rica (risos) cujo namorado foge para China e ela vai atrás dele. O outro filme foi um de época, antes da queda da dinastia Qing. Fazia o papel de uma menina rica, filha de um homem negócios. Foi o meu primeiro grande papel e entrei mesmo no personagem. Os personagens que encarna perpassam para a vida real? Não muito mas já dei comigo a pensar que gostava de ser como o personagem e pensar que nunca faria aquilo mas depois vejo-me numa situação real a reagir de uma forma que não estava à espera. Então quer dizer que não podemos confiar num actor… Acho que sim. Os actores, numa definição alargada, são grandes mentirosos. Não quero diminuir a minha profissão, porque ser actor é tornar ficção em realidade. Qual o realizador com que gostaria de trabalhar e porquê? O Feng Xiaogang que fez “You Are The One” porque quando vejo o filme dele aprendo sempre alguma coisa. Apesar de não ser chinesa os filmes dele tocam-me. Não têm é o reconhecimento que deviam ter. E não chinês? Martin Scorsese. E porque adoro filmes de acção, também diria Chris Nolan. Scorsese porquê? Adoro todos os filmes dele. Podemos sempre dizer que ele não faz o filme sozinho e tem muita gente de qualidade a trabalhar com ele. O cinema, de facto, é um trabalho de equipa, mas os filmes dele são diferentes. Histórias que quero ver e onde queria estar, é difícil dizer porquê. Entremos na máquina do tempo. Vamos para daqui a 40 anos. Que gostaria de poder dizer sobre a sua carreira nessa altura? Que tentei mesmo. Posso ou não estar ao nível de sucesso que pretendia mas tentei. Na Austrália, na China, em Macau, em Hong Kong e, se tudo correr bem, em Los Angeles. Aí não terei arrependimentos. Quero poder dizer que fiz. O que é o sucesso? Uma combinação de ser feliz, ter orgulho no que se fez e ser financeiramente estável o que, às vezes, é difícil de atingir nesta indústria. Hollywood metia-me medo. Não tive de coragem de ir quando tinha 21 anos. O que me faz agora querer ir é, por um lado ter trabalho feito e sentir-me mais confiante e, por outro, tenho trabalhado em casting e percebi que o processo às vezes é ridículo e tem pouco a ver com o talento. Que aconteceu? O ano passado sentei-me com um amigo para o ajudar a escolher uma actriz para uma curta. Chegou uma que era perfeita mas ele recusou-a. A razão? Fazia-o lembrar demasiado a ex-namorada. Nesse momento percebi que não vale a pena ter medo e comecei a trabalhar para ir para LA. Não tenho nada a perder e é melhor agora do que depois de ser velha demais. O papel que nunca faria? Nunca pensei nisso. Nunca me aconteceu aparecer um papel que não gostasse. Nunca fiz papel de má, de assassina… Mas talvez aparecer nua. Mas isso pode acontecer em Hollywood… Até estar na cama com alguém… Ainda há dias falava do “Lobo de Wall Street” com uma amiga e dissemos as duas ao mesmo tempo que se fosse com o Scorsese ou o Di Caprio faríamos. Com outros duvido. Felizmente há imensos papéis e estou em condições de dizer não sem ter medo de não poder pagar a renda. Então a resposta seria não… Teria de ser um grande benefício. Caso contrário para quê fazer? Mas só posso dizer: “nunca digas nunca” e decidir caso a caso.
Manuel Nunes EventosCinema | Macau Stories 2 em plataforma online de Singapura Tudo começou há dois anos quando seis filmes constantes do projecto Macau Stories 2 estiveram presentes num festival do Japão. Contactos foram efectuados e agora os filmes estão online no canal Viddsee [dropcap style’circle’]S[/dropcap]eis filmes made in Macau estão disponíveis numa plataforma online de Singapura, depois de terem sido seleccionados após um festival no Japão. O realizador da série Macau Stories 2 – que engloba as seis obras -, Albert Chu, diz que esta é mais uma oportunidade para promover os realizadores de Macau. “Acredito que o networking feito pela plataforma poderá ajudar os realizadores a conseguirem outros projectos”, indica o também membro da Associação Audiovisual Cut. A Viddsee, uma plataforma exclusivamente dedicada a curtas-metragens e baseada em Singapura, apresenta-se como uma rede que inclui algumas das maiores empresas de internet do mundo e procura histórias fortes com valor de produção. É por esta razão que a série Macau Stories 1 não está na plataforma, pois, como disse Albert Chu, “existem problemas na pós-produção dessa série”, o que implicaria um esforço difícil de resolver nesta fase. Para além disso, o responsável da Associação Cut diz que espera primeiro ver quais os resultados desta experiência, para depois considerar a entrada da Macau Stories 3 justificando ainda com o facto de estar a seguir uma ordem cronológica para o lançamento dos filmes na plataforma. A série Macau Stories 2, dedicada ao tema do amor, engloba “June” de Fernando Eloy, a história de uma mulher de meia-idade que pensa que o tempo para amar e namorar já passou. “A Book To Remember” de Jordan Cheng, uma história à volta do livro “Cem Anos de Solidão” de Gabriel Garcia Marquez, onde uma camada de pó espoleta uma memória há muito enterrada, “Frozen World” de Harriet Wong, a aventura de um menino solitário que um dia se encontra com uma menina para uma viagem de barco a uma ilha misteriosa” e “Sofá” de Mike Ao Ieong, que mostra dois amantes, ela de Taiwan, ele de Macau às voltas com um sofá vermelho pela cidade são outros dos escolhidos, que fazem par com “Cake” de Tou Kin Hong, um bolo misterioso que evoca a determinação de um guarda nocturno para descobrir a fonte da doçura na sua vida, e “Shocking” de Elisabela Larrea, a história de um rapaz isolado que um dia se apaixona por uma rapariga vinda do espaço. Da Ásia para o mundo Gerida por gente nova, também eles cineastas, a Viddsee baseia-se na própria experiência dos seus fundadores e na necessidade que todos têm em fazer chegar os seus filmes a uma audiência mais vasta. O objectivo é o de criarem um portal de filmes asiáticos para uma audiência global. A plataforma tem ainda um galardão para os filmes mais vistos e mais falados em cada mês chamada Viddsee Shortee. Em Maio espera-se que Derek Tan, um dos responsáveis da plataforma, venha a Macau para contactos com a comunidade cinematográfica local, o que Albert Chu vê como mais uma oportunidade para os cineastas locais criarem laços e relações pois “nunca se sabe quando é que um produtor vê um dos filmes e convida o realizador para outro tipo de projectos”, reforçou. Edição 4 não se vislumbra Questionado sobre se existem planos para a produção de uma quarta edição de “Macau Stories”, Albert Chu negou pois, segundo ele, “este projecto foi feito para lançar novos valores do cinema local e agora entendemos que eles têm mais formas de conseguirem financiamentos”. Todavia, Chu não descarta a possibilidade: “pode ser que venha a acontecer mas não está nos planos da Cut pelo menos nos próximos dois anos ou três anos”. A edição 2 pode-se encontrar no canal “Macau Stories” da Viddsee em: viddsee.com/series/macaustories.
Manuel Nunes SociedadeÓbito | Danilo Antunes Faleceu esta madrugada o “Filho de Macau”, Danilo Antunes, personagem incontornável na vida da cidade e um dos fundadores do popular grupo do Facebook “Conversa entre a Malta” [dropcap style=’circle’]”[/dropcap]Sou dos mais novos do grupo dos mais velhos”, dizia ele para se enquadrar na sociedade local, numa das suas muitas formas de brincar com as palavras e com as ideias. Danilo gostava da vida e de a viver. Sem intensidade nada valia a pena para ele e essa energia sentia-se sempre que estávamos na sua presença. Apaixonado pelos filmes e pela fotografia, o Danilo é uma personagem inesquecível para os que o que o conheceram e que ficará para sempre na memória dos que o virem imortalizado no excelente filme de Márcio Loureiro “Oumundzai” (https://bit.ly/daniantunes); um retrato que vai bem para além da pessoa pela capacidade do Danilo em revelar a cidade que o viu crescer, a cidade que ele viu crescer, um guia fundamental para quem pretender entender que história é esta, Macau. Recentemente, Danilo andava especialmente vocacionado para vasculhar os baús da memória de onde saíam histórias passadas, umas sobre as outras, expressas num trepidar infindável. Talvez o inconsciente lhe dissesse, sorrateiramente e sem mesmo ele perceber, que o fim chegaria cedo e por isso era importante recordar, dar sentido às coisas. O tempo, as memórias, as ligações simbólicas e sincronistas da vida faziam parte dos seus grandes interesses. As histórias jorravam-lhe num verbatim incessante apenas suplantado pelo imenso brilho do olhar, sinal inequívoco da sua permanente capacidade de sonhar, dos desejos e das vontades que lhe explodiam na mente a cada instante. As emoções vinham sempre em catadupa, num débito avassalador que nenhuma língua de um ser humano normal consegue dar vazão, como a dele às vezes não conseguia. Danilo acreditava, sempre, e imaginava constantemente. Idealizava um mundo melhor a cada instante, um cosmos de imagens e de cores em constante expansão. Ou o prazer simples de amigos à volta da mesa com doses maciças de gargalhadas. Danilo deixa duas filhas, o resto da família, e uma cidade enlutada. As causas da sua morte ainda não são conhecidas. Até ao momento sabe-se apenas, nas palavras de um amigo próximo, “que foi dormir e não acordou mais”. Antes assim. O Hoje Macau deseja à família enlutada e a todos os seus (muitos) amigos os sinceros parabéns por o terem tido no seu seio e um profundo voto de pesar pelo seu desaparecimento. A hora é triste, porque a sua ausência vai ser difícil de superar, mas também é tempo de sonhar, de fazer e de celebrar pois era assim que Danilo entendia a vida e, seguramente, era assim que nos quereria ver a reagir à sua ausência ou o seu percurso neste planeta terá sido em vão. P.S. – A esta hora o Danilo deve estar a pensar: “Porra! Foi preciso morrer para aparecer a cores no jornal”
Manuel Nunes Eventos Manchete“Sea of Mirrors”, novo filme de Thomas Lim, começa a ser gravado amanhã O realizador Thomas Lim volta produzir uma longa-metragem inteiramente filmada no território. “Sea of Mirrors” é a história de uma ex-actriz japonesa que vem a Macau convencida que tem um investidor à espera para fazer um filme. Um puro engano, numa história cuja principal particularidade é ser toda filmada em iPhone [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]omeça a ser amanhã gravado “Sea of Mirrors” (“Mar de Espelhos, em Português), o novo filme de Thomas Lim. Tal como “Roulette City”, o seu filme anterior, a autoria do guião e a produção também estará a cargo do próprio realizador, com um elenco preenchido com actores do Japão, Macau e Hong Kong. Apresentado como um thriller psicológico, “Sea of Mirrors” traz-nos a história de Riri Kondo, uma ex-actriz japonesa, que viaja para Macau com a filha, Nana, para reunir com um potencial investidor que afirma ser seu fã. A proposta: investir num filme realizado por ela. Puro engano, pois a questão tem mais a ver com sexo do que com filmes. Riri desmarca a reunião mas, em retaliação, a filha é raptada e a tentativa para a salvar leva-a à beira da loucura. Actualmente a viver em Los Angeles, Thomas Lim espera criar um filme para distribuição internacional , pelo que reuniu uma equipa de várias origens: a actriz japonesa Kieko Suzuki (também produtora do filme) encaixa no papel de Riri, enquanto Sally Victoria Benson – australiana de Macau – encarna a extravagante actriz americana Isabel. O actor coreano Jay Lim toma o papel do investigador coreano Jang. A designação para o filme surgiu de uma antiga denominação de Macau antes da chegada dos portugueses que, garante Thomas Lim, “era conhecida como “Jinghai” (literalmente “Mar de Espelhos”). O objectivo era o de conseguir um título que remetesse para a cidade, para a reflexão sobre as formas de vida locais, ou, como diz Lim, “uma imagem reflectida do que pensamos de nós mesmos”. Prevendo-se que esteja terminado lá para o final do mês, o filme segue para pós-produção em Los Angeles. O filme traz ainda uma particularidade uma vez que é inteiramente filmado com um iPhone 6S, o que fica a dever-se ao facto do realizador entender que as câmaras do telefone têm a textura visual ideal para a história, para além de se ajustarem bem – do ponto de vista logístico – com a vida real dos principais criadores do filme. Para o efeito, a Direcção de Fotografia vai ser assegurada por Santa Nakamura, um veterano em filmar em iPhone. Para Lim, que julga ser o primeiro filme a ser gravado desta forma em Macau, a ideia é também a de liderar uma nova onda de evolução na forma de fazer cinema no território e de permanecer fiel à sua filosofia de há muito: “o único obstáculo para o cinema é a tenacidade do cineasta. Não a paixão, porque as pessoas podem sempre falar com muita paixão e não tomar medidas. Sem tenacidade não há filmes”, disse. A saga dos cineastas Também ele actor, Thomas Lim escreveu a história com base na sua própria experiência, onde pretende revelar a obsessão de gerir uma carreira e o tormento mental que se sofre quando os holofotes mudam para outro alvo. Como o próprio diz, “ser actor ou cineasta não é apenas um emprego ou carreira, mas um estilo de vida e, provavelmente, uma obsessão. Temos de estar constantemente a estudar ou a praticar. Por isso, quando me perguntam o que eu faço no tempo livre, a minha humilde resposta é sempre: ‘Não tenho tempo livre'”.
Manuel Nunes SociedadeMIECF | Feira encerra com 32 protocolos assinados [dropcap style=’circle’]C[/dropcap]om 32 protocolos celebrados, 224 bolsas de contacto efectuadas, 708 negociações encetadas e a presença de 46 especialistas, terminou o Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau (MIECF, na sigla inglesa) deste ano. Em foco estiveram as últimas tendências em protecção ambiental e até autocarros eléctricos para Macau. Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças, espera que “o Governo possa ser um bom exemplo, utilizando mais produtos e materiais ecológicos”. A próxima edição está já marcada. Este ano, a feira ocupou uma área de quase 17 mil metros quadrados, com 460 expositores provenientes de 20 países e regiões, mas já há quem proponha o alargamento do espaço, como foi o caso de Tomas Ledajaks, gerente de Operações da EWA (uma das expositoras no Pavilhão da UE) que ambiciona a participação de mais expositores no evento. Em paralelo com o certame foram realizadas diversas conferências onde se debateram temas da actualidade em redor da “gestão de resíduos”, “redução de resíduos na fonte”, “conversão de lixo em valores”, “resíduos químicos sólidos”, hotéis e construções verdes. Dar o exemplo No discurso de abertura do certame, o Secretário para a Economia e Finanças Lionel Leong indicou que esta feira inscreve-se na política de diversificação económica de Macau conforme o 13º plano quinquenal da China. No que respeita à postura do Governo em termos de protecção ambiental, o Secretário disse ainda que vai impulsionar os colegas da aquisição dos serviços esperando que o Governo possa ser um bom exemplo, utilizando mais produtos e materiais ecológicos. A empresa australiana Koln Environmental Engineering Consultancy trouxe dois autocarros eléctricos a Macau, com o seu administrador, Johnny Ma, a garantir “confiança no mercado” do território. “A cidade é pequena, as ruas estreitas, com grande quantidade de carros, os escapes de automóveis prejudicam muito o ambiente, pelo que se trata de uma cidade muito propícia para a introdução de veículos eléctricos”, disse. Este responsável acrescentou ainda que os autocarros que a empresa produz têm autonomia para 1200 km, depois de carregamento completo em apenas quatro horas. Se a tensão eléctrica for adequada, podem até concluir o carregamento em duas. Materiais de construção Durante o Fórum Verde, considerada a principal actividade no âmbito da MIECF, e que reuniu mais de 40 especialistas, os resíduos de materiais de construção, uma área que diz muito a Macau, estiveram em foco. Assim, ficou-se a saber estes resíduos são 80 a 90% renováveis, pelo que, disse, “se a sociedade reutilizar estes materiais dos resíduos de construção, poder-se-á ajudar a reduzir em 5% o consumo de recursos naturais”. Cortiça preta de Portugal Uma outra expositora, a Hua Hong Ltd., promoveu na MIECF produtos de cortiça preta importados de Portugal. De acordo com Zhang Jun Xian, um dos responsáveis, “a cortiça preta pode regenerar-se continuamente”. Assim, por ser durável, este produto é especialmente utilizado como material de construção para isolamento térmico e acústico e também como retardador de fogo, o que, disse Zhang, “é muito adequado para as regiões frias do norte”. Segundo adiantou, existem já empresas de Kunming e Harbin interessadas pelo que acredita que “quando o produto for mais conhecido, poder-se-ão abrir ainda mais mercados”. Toneladas de pilhas A Zhongxing Vannex, empresa de Macau, dedica-se à reciclagem de resíduos electrónicos, os quais são posteriormente transportados para as empresas de reciclagem no exterior. Vincent Kan, administrador, diz que “o reaproveitamento destes materiais”, entre os quais placas electrónicas, “permite a sua utilização em notebooks e artigos de escritório com designs criativos”. As pilhas são também um dos principais resíduos tratados, um produto que, diz Kan, “Macau gera anualmente cerca de três mil toneladas” apelando à formulação de medidas de reciclagem mais perfeitas por parte do Governo. Considerada um sucesso por vários dos expositores presentes que viram nesta feira uma oportunidade para troca de conhecimentos e estimulação de negócios no sector, a 10.ª edição está já marcada realizando-se de 30 de Março a 1 de Abril de 2017. Agora é a altura de fazer os “trabalhos de casa” pois, como disse Lionel Leong, a organização vai agora “assimilar as experiências como referência, para fazer-se melhor na próxima exposição” alertando para o facto que torna-se “necessário um acompanhamento dos contratos (…) para compreender se estes podem trazer reais efeitos económicos”. Reciclagem | Perspectivas negativas Hong Cheong Fei, director-geral da Companhia de Sistema de Resíduos (CSR), indicou ao canal chinês do Rádio Macau, à margem da MIECF, que o declínio económico de Macau e das regiões vizinhas fez com que os preços dos produtos de reciclagem e tratamento de resíduos tenha diminuído em 50 ou 60%, o que tornou as condições de operação das empresas de reciclagem ainda mais difíceis. Muitas empresas já fecharam portas, apontou Hong Cheong Fei, que previu que mais poderão encerrar no futuro. Essa situação levará a que muitos produtos acabem por ser incinerados, o que não é bom para o meio ambiente, alertou. Actualmente existem em Macau 200 empresas ligadas ao sector da reciclagem, 50 delas PME. Legislação oceânica Jin XiangLong, director do Segundo Instituto de Oceanografia da Administração Nacional Oceânica da China, considera que o Governo deve começar agora os trabalhos da legislação do sector, uma vez que o Governo Central já confirmou a jurisdição das águas do território. O investigador apontou que Macau pode promover o desenvolvimento da economia marítima e impulsionar a diversificação da economia, mas para Jin XiangLong “como gerir e utilizar a gestão das águas” é “um conteúdo crítico”. Sugere que o Governo inicie “de imediato a legislação sobre o oceano”. David Chow investe em projecto ecológico O empresário David Chow apresentou o projecto de um complexo industrial ecológico de energia eléctrica na China. O objectivo é aproveitar resíduos da agricultura e pecuária, transformando palha em gás metano que pode ser utilizado depois para produzir electricidade, avança a Rádio Macau. David Chow acredita que o projecto poderá gerar receitas anuais acima dos 439 milhões de patacas e levar à produção de electricidade equivalente à queima de 6500 toneladas de carvão.
Manuel Nunes Manchete PolíticaHelena de Senna Fernandes, directora dos Serviços de Turismo: “Ruas fechadas podem ser uma vantagem” Proteger a herança, valorizar a história da cidade e diversificar os mercados para atrair turistas interessados em sentir a cidade são pontos fundamentais do discurso de Helena Fernandes. A responsável fala ainda da agilização de processos para o licenciamento de hotéis “low budget” e da necessidade de guias turísticos poliglotas, bem como do encerramento de ruas e consultas públicas na calha Como define o seu papel como Directora dos Serviços de Turismo? Tentar gerir o turismo como deve de ser. Atingir o objectivo de transformar Macau num centro mundial de turismo e lazer. Transformar Macau num lugar bom para viver e bom para visitar. Pensa-se que é apenas um papel do turismo mas isso, naturalmente, é uma acção concertada de vários departamentos do Governo. E qual o vosso papel nesse contexto? Desenvolver o turismo para aumentar os rendimentos da população local e simultaneamente a visibilidade de Macau transformando a cidade num local atraente para visitantes de várias partes do mundo e não apenas para chineses. Mas como será isso possível com um serviço de transportes deficiente e com tantas pessoas ligadas à actividade turística que não dominam o Inglês? Temos de trabalhar com os outros departamentos. Temos um diálogo constante com a DSAT (Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego), por exemplo. Tem a ver com a Educação também e com quase todas as áreas de Macau. Por isso, para além de fazer o nosso trabalho de promover Macau e criar mais produtos turísticos para a cidade, este diálogo é importante. Só assim podemos resolver as questões. É um processo gradual. Não pode ser de um dia para o outro. Sim, mas já andamos há quase 20 anos nesse processo e as pessoas continuam a não falar Inglês… Se não houver incentivo as pessoas não aprendem. Mas temos de trazer mais turistas de fora para que os locais percebam que vai existir um mercado potencial para eles e sentirem-se pressionados para aprenderem. Usa muito a palavra “transformar”, o que pressupõe algo de novo em relação ao que existe. De que estamos a falar? Por um lado temos de aproveitar o que temos, a história e a cultura mas, por outro, precisamos de inventar coisas novas. Não podemos estar sempre a fazer o mesmo. É assim que transformamos. Faz lembrar um parque de diversões, sempre à procura de atracções novas… Estamos sempre a abrir os olhos e a tentar perceber o que a concorrência está a fazer e a produzir coisas diferentes, como o Festival de Luz. Não é original, fomos buscar à Europa, mas achámos que se adapta a Macau. Quais são os pontos fracos de Macau? Ou seja, o que a preocupa mais? O baixo número de guias turísticos poliglotas mas sei que algumas agências de viagens estão a importar mão de obra especializada para proverem essa lacuna. Mas Macau parece exclusivamente voltado para o mercado chinês… É o mercado mais fácil para os operadores. Naturalmente, as entidades comerciais programam o seu trabalho em função do que entendem mais fácil. O nosso papel é motivá-los para serem mais abertos. Mais algum mercado? Os tradicionais como a América, a Austrália e a Europa. Quem são os nossos maiores concorrentes? Cada vez há mais. Antigamente o Japão e a Coreia eram mais emissores do que receptores mas hoje recebem muitos turistas. Num futuro próximo a zona ASEAN. Antes apenas Singapura, Malásia e Tailândia. Mas agora temos de levar em consideração o Camboja e o Vietname, que pretendem ter cada vez mais peso no mercado turístico. Temos de estar atentos a todos eles. Mas se tiver de escolher o maior deles todos? Se calhar é mesmo a China. Porque tem muitas coisas para as pessoas visitarem. Mas se falarmos nos turistas do norte da China tenho de dizer Japão e Coreia porque estão muito mais perto. Quando fala na diversificação dos mercados turísticos quais são os mercados preferenciais? Os mais próximos em primeiro lugar. Nordeste Asiático, Japão e Coreia como os mais importantes. Mas também o Sudeste Asiático. Estamos a apostar cada vez mais na Índia e também no Médio Oriente e Rússia. Não quer dizer que estes últimos se transformem de repente em emissores, mas estamos a trabalhá-los, a investir, a preparar-nos. No que respeita aos mercados muçulmanos estamos também a sensibilizar o comércio local para que existam ofertas “halal” nos menus. Como se convence um australiano ou um americano a vir a Macau? Que tipo de turistas estamos a falar? No caso dos australianos, ou americanos, o que fazemos são pacotes que englobam para além de Macau, Hong Kong e as zonas mais próximas da China. É assim que podemos atraí-los. Mas que existe em Macau que lhes possa interessar? A cultura e a história. Não vêm cá por causa de um evento. Como se vence a eterna guerra dos dois dias de permanência? Que fazer para que as pessoas fiquem mais tempo? Depende do mercado. Não é possível com todos. Temos de começar com os que têm mais interesse nisso e depois utilizarmos esse método com outros. Japão e Coreia são os mercados onde estamos a tentar mudar essa tendência. Estamos a trabalhar o que se chama de “silver market” (reformados), pessoas que têm mais tempo, pessoas mais interessadas em cultura. Falou da história. Macau foi considerada durante muitos anos a Monte Carlo do Oriente. Nos últimos anos passou a Las Vegas. Perdeu-se alguma coisa neste processo? Há sempre coisas que se perdem. Sei que as pessoas se queixam que a cidade perdeu a sua tranquilidade. Até que ponto a cidade não podia viver por si própria, ser ela a atracção per si, sem precisarmos de estar sempre a inventar coisas novas? O que estamos a ver é que devemos salvaguardar a nossa herança. Pode-se sempre pensar em festivais durante o ano mas temos de proteger a nossa herança, a nossa cultura, que é o coração da nossa cidade. É isso que nos distingue. A propósito de “coração”, há quem diga que o centro da cidade parece mais um lobby de aeroporto ao ar livre do que o centro de uma cidade histórica. Concorda com um programa de protecção ao comércio tradicional? (risos) Faz sentido. Mas não podemos recusar a entrada de outras marcas. As lojas precisam de ter o seu “competitive edge”. Se não conseguem competir… Mas quando as rendas aumentam 300 e 400% é difícil ser competitivo… Há-de haver formas de apoiar o comércio tradicional mas temos de aceitar que Macau é uma cidade aberta. Não podemos fechar as nossas portas. Mesmo que se arrisque a descaracterização da cidade? Há sempre formas de proteger a cidade mas não fechando as portas. Não acho que isso proteja Macau no longo prazo. Ao longo da nossa história fomos sempre uma cidade que recebeu pessoas de diferentes partes do mundo. É daí que vem a nossa cultura e não por sermos fechados. Dava jeito que existissem esplanadas nas ruas? As esplanadas são um bom produto, muito procurado sobretudo na Europa. Se pudermos aplicar em Macau claro que pode atrair pessoas e até ajudar a prolongar a estadia. E que pode fazer a DST para que o IACM comece a licenciá-las? É uma conversa que temos de continuar mas o nosso Secretário tem a ideia de fazer isso, de testar nas Casas Museu da Taipa. Testar? Macau sempre teve esplanadas, mas um dia deixou de ter… Realmente não consigo dizer por quê. Há sempre razões para isso, mas eu não as domino. E a Lei do Fumo? Não fumar numa discoteca faz sentido? Como convencer um turista para divertir-se à noite, pagar bebidas caras e não poder fumar? É um espaço comum. Faz sentido que seja proibido para o bem estar de todos. Acho que estamos bem como está. Falou das Casas Museu da Taipa, em que ponto está o programa AniMarte Macau? Da nossa parte está tudo pronto para introduzirmos animações, tendo em conta, claro, as habitações próximas. Mas como a zona passou há pouco tempo para o Instituto Cultural é natural que eles precisem de algum tempo para se prepararem. Mas vejo com um bom espaço de lazer para se comer, beber e desfrutar. Quando se fala em promoção turística a noção que fica é que a preocupação é sempre trazer mais turistas. Acha que a cidade aguenta tanta gente? Nem sempre. A nossa promoção hoje em dia não serve para trazer mais turistas mas sim turistas diferentes. Os nossos operadores estão mais virados para os que estão à porta mas a nossa estratégia é ir para além de Guangdong. Pessoas que nunca vieram para Macau, com um poder de compra diferente daqueles que vêm cá habitualmente. Mas Macau tem capacidade para acolher tantos visitantes? “Poder de compra diferente” falamos do quê? Não procuramos números mas sim pessoas que pretendam ficar mais tempo. Não é uma questão de dinheiro. São pessoas com menos facilidade de vir a Macau e que por isso terão vontade de ficar mais tempo e visitarem para além das zonas centrais e para além das compras do dia. Actualmente, por dia, vêm muitos “turistas” desses. Não é mau mas temos de diversificar. Alexis Tam afirmou recentemente ser contra a extensão de vistos individuais a mais cidades chinesas. Concorda? Para já não temos uma necessidade imediata, de facto. Neste momento temos 49 cidades, o que já é muita gente e ainda não estão maximizadas. Temos de trabalhar essas origens, perceber como os podemos atrair, ficar mais tempo e conhecerem Macau melhor. A campanha anti-corrupção em curso na China está directamente implicada na descida do número de turistas? Os segmentos mais afectados devem ser o comércio de luxo e, claro, as excursões de custo zero, um fenómeno que a China também tem vindo a atacar. Neste caso, até acho que a descida é benéfica. Mas os tempos mudam, a boa vida não dura para sempre, e as agências e hotéis estão a trabalhar em conjunto para diversificar os seus mercados. Pensa-se em turistas de médio e “low budget”? Vir a Macau não é propriamente económico… Um mercado deve ter diferentes escolhas. Não somos nós que investimos nos hotéis mas pretendemos criar condições para que surjam alojamentos de menor custo. Em termos concretos… Para os hotéis que chamamos de alojamento económico temos uma equipa de licenciamento com vista a aconselhar e facilitar o processo de licenciamento. Já há alternativas ao programa “Sentir Macau Passo a Passo”? Queremos continuar com ele para incentivar as pessoas a irem outros lugares e conhecerem melhor a cidade. Estamos a dar incentivos como “caças ao tesouro”. Isso pode ajudar a diversificar a oferta. Não quer dizer que corra bem em todo o lado. Isso não vai perturbar ainda mais os residentes? Focamo-nos apenas em pontos com interesse turístico. Era positivo que existissem ruas fechadas ao trânsito? Isto tem sido falado internamente e poderão vir a existir tentativas em diferentes áreas mas tem de ser coordenado com outros departamentos. Pode ser uma vantagem, sim. Se dependesse de si que ruas fecharia já? (risos) Têm vindo diferentes grupos de comerciantes ter connosco para debater a ideia como, por exemplo, os da Rua de São Paulo. Outros perguntam-nos porque não fechamos a Almeida Ribeiro. Há várias hipóteses sugeridas. Outra zona onde existe esse interesse é a zona de São Lázaro. Mas precisamos de equilibrar a vida quotidiana dos residentes com o interesse dos comerciantes, o Governo tem de estudar o assunto bem. Fechar a rua porquê? Têm de existir vantagens claras. Que gostava de ver considerado no plano director da cidade? Uma visão global para o turismo, um plano exequível e não apenas um relatório bom para uma conferência de imprensa para depois ser arquivado. Mas têm algumas ideias sobre o assunto? Temos, mas não quero condicionar opiniões porque vai ser feita fazer uma consulta pública em breve. A vossa publicidade pouco varia na mensagem mostrando sempre uma cidade em constante efervescência e, parece-me, virada exclusivamente para um determinado tipo de público. Estão a vender gato por lebre? Acho que este ano mudámos. O lema agora é “Sentir Macau ao seu Estilo” e temos muitos comentários na internet a dizerem que são os melhor filmes promocionais de sempre. Mas também existem os filmes do Instituto Cultural que mostram outras facetas de Macau. A imagem gráfica institucional é tida por alguns especialistas como antiquada e desadequada de uma imagem de qualidade, nomeadamente o logótipo. Como comenta isso? Não sei… não vamos mudar só por que alguém disse. Temos de ter uma razão, um objectivo. Para já o logótipo vai ficar. Como faz o balanço destes seus quatro anos à frente da DST? Muito para aprender. Temos uma boa equipa mas muitos desafios. Precisamos de nos reinventar. Sempre a aprender e sempre a tentar fazer melhor. Se um dia sair do Turismo que espera venha a ser o seu legado? Não sei se deixarei algum… Mas talvez que as pessoas vejam este departamento como sempre vocacionado para tentar fazer o melhor pela indústria e por Macau.
Manuel Nunes SociedadePLP | Centro de Exposição de Produtos Alimentares inaugurado ontem Com presença de vários embaixadores, altos funcionários da RAEM e da RPC e muitos outros convidados, abriu ontem no Tap Seac o tão esperado Centro de Exposição de Produtos dos PLP. Mais empenho dos empresários é o que se espera agora [dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão mais de 700 os produtos alimentares de países de Língua Portuguesa desde ontem expostos em Macau e acessíveis para compra através de um portal desenvolvido pelo Governo, que garante a sua entrega na China continental. Os produtos podem ser encomendados por empresas ou por qualquer pessoa individualmente, explicou Glória Batalha Ung, da direcção do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), a entidade responsável pelo espaço. “O número de produtos será continuamente alargado”, assegurou a mesma responsável, que apelou à colaboração dos empresários, notando que existe ainda uma certa “inércia” em fazerem avançar os seus produtos e garantindo que está sempre à procura de mais. No momento, existem sobretudo produtos de Portugal, mas também de Angola, Cabo Verde, Timor-Leste, Guiné-Bissau e Moçambique e de “agências distribuidoras de Macau”, envolvendo um total de 60 empresas, segundo o IPIM. Para Júlio Morais, ex-embaixador de Cabo Verde e actual Presidente do Conselho de Administração da Agência de Turismo e Investimento do país, esta iniciativa “vem na altura certa” pois estão a promover-se na Ásia. O responsável destaca os produtos de pescado, nomeadamente lagosta, atum e conservas, como os principais beneficiados. Benedito Santos Freitas, embaixador de Timor Leste na capital chinesa, considera “uma oportunidade de aprendizagem”, sendo que vê o café e outros produtos agrícolas, destacando os orgânicos, como os mais indicados. Portugal pouco digital Jorge Torres Pereira, embaixador de Portugal em Pequim, saudou a iniciativa destacando que o comércio electrónico é o “caminho do futuro”. Todavia, confrontado com a ideia de Teixeira dos Santos esta semana defendida no programa “Números do Dinheiro” da RTP – de que as empresas portuguesas ainda não utilizam o comércio online – o embaixador português concordou e considerou “uma oportunidade para aprendizagem acelerada com imenso potencial”. Torres Pereira disse ainda, relativamente à presença deste tipo de produtos na China, estarmos perante um “futuro risonho” com a evolução da classe média, o que mutará “os padrões de consumo”. Cada produto está associado a códigos QR que remetem para a plataforma de comercialização e informação dos produtores e distribuidores. Cultura paguem os chineses “Acreditem e sejam pacientes” disse o embaixador Torres Pereira relativamente à certificação de produtos portugueses, nomeadamente os de origem suína. Segundo o diplomata, “o processo está a decorrer” e espera vê-lo terminado em breve. Uma opinião partilhada por Glória Batalha que confessou ter sentido isso da parte de Sun Tong, director do Ministério do Comércio da China: “vi-o a olhar para o presunto e disse-lhe: ‘temos de resolver isto rapidamente’”. A isto, o representante chinês terá respondido afirmativamente. A responsável do IPIM falou ainda do grupo de trabalho que integra membros daquele instituto, da Economia, do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e outros departamentos e que está “a acompanhar o assunto e a tentar resolvê-lo com celeridade”. Menos optimismo para o mercado dos vinhos por parte de Torres Pereira, que considera como principal problema o facto do país ter chegado atrasado ao mercado e, agora, “a concorrência já tem posições muito fortes”. Contudo, o responsável acredita que apelando à sensibilização dos donos de lojas gourmet e fazedores de opinião, “os vinhos portugueses têm qualidade para vencer”. Inquirido sobre se existe uma falta de presença cultural de Portugal na China, para assim melhor promover os produtos portugueses, Torres Pereira disse que “claramente temos de fazer muito mais” mas reconhece que “a dimensão da China implica grandes recursos que não têm existido”. “Acredito que com a entrada das grandes empresas chinesas em Portugal, no quadro da responsabilidade social corporativa, seja possível arranjar mecenas para a actividade cultural”. Novos espaços na China A abertura deste espaço insere-se na estratégia definida por Pequim de transformar Macau na plataforma de promoção das relações económicas entre a China e os países de Língua Portuguesa. Nesse sentido, além deste centro de exposição em Macau, o IPIM pretende abrir cinco espaços para mostra de produtos alimentares nesses países na China continental, estando o primeiro já a funcionar desde Janeiro na cidade de Fuzhou (no sul do país).
Manuel Nunes Entrevista Eventos MancheteTracy Choi, Realizadora: “Os meus tópicos são as mulheres” Tracy é uma das principais vozes do cinema local. Porta estandarte de uma nova geração, terminou há pouco a rodagem do seu primeiro filme, “Sisterhood”, que conta com Gigi Leung no principal papel. Nesta conversa ficamos a saber as suas motivações, o processo que a trouxe aqui e até como a cultura portuguesa influencia a história [dropcap]C[/dropcap]omo começou este projecto? Há muito, muito tempo. Começou quando escrevi o guião, num projecto de curso, estava ainda a estudar em Taiwan. Depois voltei para Macau para trabalhar na TDM quase um ano, como apresentadora, e depois fui para Hong Kong onde fiz o mestrado em cinema. E foi aí que conheci ai o meu produtor (Ding Yuin Shan) que era também o meu orientador. O guião foi o meu projecto de curso e desenvolvi a história. Depois surgiu o concurso do Instituto de Cultural e tive sorte e consegui o milhão e meio para iniciar o projecto. Sorte, ou o projecto era mesmo bom? (risos) Sorte porque o concurso foi anunciado à pressa e não nos deu muito tempo de preparação. Mas eu já tinha o trabalho feito… por isso consegui concorrer. Com esse dinheiro fui ter com o meu professor para ver se ele conseguia o resto. Ainda esperámos mais ou menos um ano pelas respostas de produtoras de Hong Kong porque os meus produtores queriam que o filme pudesse ser visto lá mas também na Ásia. Daí que seria melhor para mim ter uma empresa de Hong Kong a investir. Foi aí que surgiu a One Cool Film a dizer que sim. Quanto mais dinheiro foi necessário? Cerca de cinco ou seis milhões. Ao princípio pensava que mais um ou dois milhões chegavam mas como temos uma equipa completamente profissional, mais viagens e estadias, não era possível. A história passa-se em Macau mas parte das filmagens foram feitas em Taiwan. Porquê? Porque vivi lá quatro anos para estudar mas principalmente porque se parece muito com a Macau antiga. É mais lento, as pessoas são muito simpáticas umas com as outras… Então quer dizer que Macau hoje não é lento nem agradável… Está a mudar (risos). Também aconteceu porque a personagem principal do filme, apesar de ser de Macau, casou-se com um taiwanês e mudou-se para Taiwan após 1999. Ela não tinha voltado a Macau desde então e quando regressa encontra uma cidade completamente diferente que mal consegue reconhecer. O que pretende dizer com este filme? O título em inglês agora é “Sisterhood” e é uma história de amor entre duas raparigas mas também uma reflexão sobre as mudanças ocorridas em Macau. Como sinto a cidade hoje e como a sentia antes. Acho que antes Macau era mais romântica, as pessoas estavam mais juntas. Na realidade, o filme não fala de casinos mas a sua existência tornou a cidade mais frenética, as pessoas distanciaram-se mais. Espero que o filme consiga mostrar isso. Acha que é um caminho sem regresso? Acho que sim. Mas, tal como o final do filme, apesar de Macau ter mudado a personagem acaba por ficar porque é a terra dela, o que é um sentimento meu também pois em Macau sinto-me em casa. O que a motiva a fazer filmes? Tenho um monte de sentimentos que pretendo expressar mas ou não sou muito faladora ou de fácil aproximação às pessoas. Mas através dos filmes, ou dos documentários, consigo comunicar de uma forma mais fácil. Tem um tema principal? Mulheres (risos). Porquê? Mulheres e questões relacionadas com género. Acho mesmo que o meu maior interesse são as mulheres. O ano passado também fiz um documentário sobre três autoras de Macau que têm uns 60 anos. Os meus tópicos são mulheres, género… O que se passa com o género? Tenho um documentário sobre lésbicas em Macau. É uma história sobre mim e a minha amiga e as famílias. Como elas reagem, especialmente as mães, ao facto das filhas serem homossexuais. E, de uma forma geral, também me interessa saber a reacção dos pais a este assunto. Acha que Macau é uma cidade que aceita bem a homossexualidade? Macau é uma cidade muito interessante. As pessoas não objectam muito em relação ao assunto mas também não falam disso. Porque quando queremos levantar questões relacionadas com os direitos das pessoas gay ninguém se mostra muito interessado em debater. Acha que é por uma questão de vergonha? Não acho que seja isso. É um bocado como algumas questões políticas. As pessoas de Macau normalmente não gostam de falar do assunto. Talvez seja o mesmo com a homossexualidade. Talvez porque toda a gente conhece toda gente?… Isso! Acho que é mesmo por aí. Alguns amigos meus dizem-me que não se assumem por essa razão. Uma vez que um amigo sabe, toda a gente sabe. Por isso as pessoas retraem-se. Com vê o panorama das indústrias culturais, especialmente no que respeita ao cinema ? É um bocado difícil para Macau construir uma indústria porque não temos audiência que chegue, mas talvez possa apostar mais em co-produções. Não apenas com Hong Kong mas também com a China, a Europa… porque Macau é muito diverso culturalmente, talvez seja esse o caminho. Que papel o governo deveria assumir no apoio aos cineastas locais? Não apenas disponibilizar um fundo mas tentar estimular ligação com produtores. Uma série de amigos meus têm boas histórias, projectos, mas não conseguem encontrar produtores nem fundos de co-produção e isso limita. Claro que podemos fazer filmes independentes, mas quando as ideias requerem mais meios, ou pretendemos tentar algo novo, isso não é possível. Ligar os nossos cineastas a outros países, produtores e fundos seria o ideal. Acerca deste seu filme, que pode dizer em relação ao elenco? A escolha final foi sua ou nem por isso? Tive escolha mas também porque é uma produtora comercial não podia usar apenas actores desconhecidos. A Gigi Leung, por exemplo, surge pois é reconhecida em Hong Kong e foi sugerida pela produtora. O que também reconheço ter sido bom para mim. Como realizadora pela primeira vez de uma longa metragem, como se sentiu a trabalhar com uma estrela como Gigi? Ela é muito simpática. Além disso não trabalhava há algum tempo porque foi mãe recentemente e este filme marca o seu regresso. Estava muito bem preparada e disponível para o papel e foi mais fácil lidar com ela do que pensava. Claro que é uma estrela e, comparada com os outros actores desconhecidos, precisa de mais apoio da produção. Mas, no fundo, é muito fixe. Até agora, qual foi a melhor parte neste processo de construção do filme? A possibilidade de trabalhar nesta escala. Como estava a habituada a fazer filmes praticamente sozinha onde tinha de fazer quase tudo, trabalhar assim é uma grande diferença. Além disso, dispor de uma equipa profissional com designer de produção, produtores, etc. permitiu-me concentrar mais em dirigir os actores e no diálogo com a directora de fotografia. Deu-me mais tempo, mais possibilidades de me concentrar, facilitou-me a vida. Em que fase está o filme agora? Estamos a montar. Aliás, quem está a montar é a Teng Teng (Harriet Wong). Esperamos ter a primeira montagem no final de Abril. Depois temos de decidir onde vai ser feita o resto da pós-produção. A correcção de cor e o som. Se aqui, se em Taiwan ou em Hong Kong. E quando espera ter tudo pronto? Lá para Setembro ou Outubro. Se tivesse de aconselhar as pessoas a verem este seu filme que diria? Traz um ponto de vista diferente sobre Macau porque somos locais, tanto eu como a Directora de Fotografia (Simmy Cheong). Crescemos ambas aqui, por isso conseguimos aperceber-nos bem das mudanças e do dia a dia da vida em Macau. Acha que existe algo da influência portuguesa no seu conceito, na abordagem ao filme ou nem se nota? Existe um pouco porque um dos personagens é macaense e surge na parte de 1999. Mas é uma cena muito curta. Para além disso, o próprio estilo de vida penso que vem daí. A forma mais relaxada de viver. Essa óptima forma de viver… Um dia, um homem chinês disse-me que a forma de vida dos portugueses é vista como “gaa fe man faa” (咖啡文化), a cultura do café. No sentido de que arranjamos sempre um pretexto para interromper o trabalho e ir tomar um café… (risos) Pode ser. Na realidade, repare como recentemente a geração mais nova está a voltar a esse padrão. Por isso têm aberto tantos cafés. É uma forma de resistência à velocidade de Hong Kong porque queremos ter uma vida, não apenas trabalho e dinheiro. Mas por causa dos casinos e todo esse mundo à volta começa a ser difícil relaxar em Macau.
Manuel Nunes Entrevista Eventos MancheteMarco Mueller, director do Festival Internacional de Cinema de Macau Frequenta a China desde os 16 anos e já dirigiu os Festivais de Veneza e de Roma, criou o de Pesaro e colaborou com o Rota da Seda e o de Pequim. Já tentou organizar festivais aqui sem nunca ter sido possível. Mais de 20 depois este chega finalmente. Um festival que promete ter “apostas imprevisíveis” e que Marco Mueller espera ser uma missão histórica para Macau [dropcap style=’circle’]É[/dropcap]um poliglota. Aprendeu em pequeno, mas como? (risos) Fui criado em Roma, a minha mãe era brasileira e parte da família grega. Saíram com o início do fundamentalismo muçulmano. A família do meu pai tem origens na Lorena e quando a região passou para a Prússia mudaram-se para a Suíça por ser multicultural. Daí falar Francês, Alemão, Português e Italiano. No primeiro ano do liceu decidi acabar com as línguas da casa e fui estudar Chinês. Por que razão alguém pretende estudar Chinês nessa época? Nunca fui marxista leninista, mas fui marxista “desleninista”. Era o tempo dos movimentos estudantis e das filosofias orientais. Lia Mao Tse Tung e os sutras budistas em Chinês, no original. Mao Tse Tung aparecia como um herói para um jovem como o Marco? Claro. Mas também os bodhisattvas e os mestres do desenho chinês. E veio para a China com 16 anos. Como estudante de Chinês, mais tarde ou mais cedo isso iria acontecer. Ainda por cima a Itália foi dos primeiros países ocidentais a estabelecer relações diplomáticas com a China. Fui para Pequim no primeiro grupo de estudantes bolseiros. Com a Revolução Cultural em curso, como foi o impacto? Não havia nada. Os estrangeiros não podiam entrar nas bibliotecas e 90% dos livros eram proibidos para nós. Então comecei a ver dois filmes por dia. Dos que podia arranjar… Sim, claro. Policiais romenos, melodramas da Coreia do Norte, grandes espectáculos históricos albaneses… Não tinha alternativa. Ficou desiludido? Sim. Tinha-me formado em Antropologia, especialidade em Musicologia, e pensava que ia fazer a pós-graduação no Instituto de Ciências Sociais. Era um ninho de demónios feudais, disseram-me, e deram-me a possibilidade de estudar literatura de massas na Manchúria. E fui. Só havia um professor, mas era óptimo. Ensinava estética tradicional, uma disciplina perigosa, de vanguarda, e foi que ele quem me explicou como a estética da poesia tradicional pode entrar no cinema. Em Janeiro de 77 comecei a poder ver cinema de género dos anos 50 e 60. Incrível. Foi como descobrir um continente submerso e decidi continuar. Como aconteceu isso? Quando terminei o doutoramento houve um princípio de abertura no regime e distribuíram mais de cem filmes. Casou-se também na China. É verdade, em Julho de 76. Sui generis. Frente a um comité revolucionário. Os estrangeiros apenas podiam casar-se no Comité do Bairro de Chaoyang. Corria a campanha contra a liberalização burguesa, por isso não havia táxis, apenas autocarro, e a cerimónia foi só a assinatura. Nem fotos eram autorizadas e festa nem pensar. Fizemos uma clandestina, claro. Comprámos umas coisas em segredo, como uma garrafa de champanhe soviético. Quando saiu da China? Em 77. Mas voltei em 78 e desde então tenho voltado regularmente. O programa universitário obrigava-me a escolher outro país mas recusei, saí da universidade e organizei o meu primeiro festival de Cinema, o de Pesaro, um dos grandes festivais do cinema novo e a primeira vez que um lote de filmes chineses foi mostrado na Europa. Como a selecção era demasiado diplomática decidi desenvolver uma retrospectiva do cinema chinês. Pequim não enviava cópias, então fui à procura. Em Havana descobri uma sala, na Chinatown, chamada Aguila de Ouro, onde tinham uns 30 filmes dos anos 30. Depois, no teatro chinês de São Francisco, o World Cinema Theatre que aparece no final do filme do Orson Wells “A Dama de Xangai”, encontrei mais uma enorme colecção. Que descobriu nesse espólio? Uma mescla entre o cinema social e Hollywood. Sempre foi assim. O cinema de Xangai nos anos 30 era isso: a Hollywood do Oriente. Acha que está tentar voltar a ser? Sim. Estão a tentar mas o meu primeiro amigo entre os cineastas chineses, Xie Jin, falecido há quatro anos (suspira), e uma pessoa com uma cultura completa de cinema, tinha um sonho: juntar o cinema soviético com o de Hollywood. Porquê? Porque adorava o cinema de género e entendia que o cinema devia ser popular, entretenimento antes de ser outra coisa qualquer. É a sua visão também? Sim, gosto da ideia de que não devemos dar muitos passos à frente do público. Devemos deixá-lo acompanhar. Andar um ou dois passos à frente, tudo bem. Muito mais não. Esteve como consultor do Beijing International Film Festival (BJIFF) mas deixou. O que correu mal? O sistema das quotas. Era muito difícil obter qualquer tipo de resposta. Não entendo a razão e isso não funciona. Mas gostei da experiência e foi, com certeza, uma oportunidade de perceber os hábitos do público chinês. Anos antes do BJIFF dizia que este se podia transformar num hub comercial. Não é possível… Não é. A grande diferença entre Pequim, Xangai, o Rota da Seda e o Festival de Macau é aqui podermos ter uma relação normal com os distribuidores. Se ele quiser mesmo o filme vai discutir por uma quota. Em Pequim era muito difícil porque a decisão não era nossa, era política. Também fala de Macau como plataforma para o mercado chinês. Todavia, o sistema de quotas ainda lá está. Que muda, como vai funcionar essa plataforma? Os distribuidores não tinham ligação com os eventos e com a distribuição comercial mundial. Então a excitação em relação aos nossos planos aqui é podermos convidar os grandes distribuidores de filmes chineses da China e da região. É o local ideal para organizar uma mostra menos previsível do que aquilo a que estão habituados. Para quem viu a China nesses idos anos 70, nomeadamente as restrições da Revolução Cultural, e a vê agora acha que existe alguma recuperação desse passado neste momento? O ano passado em Pequim não foi muito difícil. Existiam três níveis de censura e conseguimos aprovar 90% dos filmes seleccionados. Não senti grandes dificuldades, mas claro que estou a par das notícias. Como veio parar a Macau? A primeira vez em 94, era Luís Mergulhão então presidente do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual). Convidou o Paulo Branco e depois a mim por conhecer o meu trabalho sobre o cinema português. Viemos a Macau com a ideia de inventar um festival de cinema. Nunca aconteceu pois na altura ou havia aeroporto ou havia festival. Voltei com o Peter Lam, estava já no Festival de Veneza. Ele queria uma relação entre o Festival e o Venetian mas, para mim, isso era diplomaticamente muito difícil. A terceira vez foi quando Pansy Ho me convidou para organizar um evento de cinema na Torre de Macau. Depois a ideia não continuou. Qual a visão para este festival? Um ponto focal. A política da China precisa de uma diferenciação com pólos distintos. Macau tem uma herança cultural que se coaduna com os objectivos. Um exemplo: os suíços-italianos. Vejo-os como mediadores entre culturas que não se relacionavam. As pessoas de Macau são isso também: mediadores. Acha que este festival pode vir a ser mais importante do que o de HK, Pequim ou Xangai? Não quero saber disso. Estou mais preocupado em colaborar. O Golden Horse (Taiwan), por exemplo, está a fazer um excelente trabalho com o workshop de projectos e também queremos fazer um semelhante. Por isso propusemos que o nosso seja um sumário de todos os workshops feitos na área. Decididamente, quero alguém do festival de Hong Kong no comité de selecção. Vamos ter programações diferentes e pretendemos colaborar com todos estes festivais. Que tipo de programação podemos esperar para Macau? Cinema de género, filmes populares, mas originais. Bastante vanguardistas, cutting edge. Que legado o festival deixará para a cidade? Tentar juntar os diferentes grupos de espectadores da cidade com uma oferta menos previsível. Oferecer filmes que não aparecem no circuito comercial da região. Por isso vamos ter uma retrospectiva onde dez dos melhores realizadores asiáticos de género vão seleccionar um filme que não seja nem americano nem da Ásia Oriental. Há dias falava com dirigentes do Centro Nacional do Filme Francês e diziam-me que nos anos 80 e 90 existiam filmes franceses em Hong Kong e mesmo na China, mas nos últimos anos não vendem nem um. Temos de mudar isso. Diversidade cultural? Sim, mas no universo do cinema popular. Vai ser uma oportunidade única nesta cidade tão especial, tão vocacionada para servir como plataforma de trocas e contactos em todas as direcções. Um festival que funciona tem de ter como lema “em frente a todo o gás mas em todas as direcções”. Se quisermos sentir profundamente o que se passa à nossa volta temos de agir assim. Vai ser a tempo inteiro? Vou dedicar a maior parte do meu tempo ao festival, sim, mas há algo que nunca deixarei de fazer: dar aulas. É a única forma dialogar com os mais jovens, de perceber o que eles vêem, se vão ao cinema ou não, ou quando decidem ir. O mês passado levei a minha turma de 75 à fronteira entre a Itália e a Suíça onde temos a melhor sala do país para vermos o último do Tarantino (“Hateful Eight”), uma produção em 70mm. Aí eles perceberam a diferença que é ir ao cinema. Perguntava-lhes quantos pagavam 12 francos para irem ao cinema. E daquele grupo praticamente nenhum ia. Depois de verem o “Hateful Eight” no grande ecrã perceberam a diferença para os ecrãs pequenos. Não existe uma indústria em Macau. Para os que aqui fazem filmes que tipo de relação devem esperar com este festival? Muito próxima. Quando falo nos workshops que vão sumarizar tudo que foi feito durante o ano na região também temos de abordar a experiência local. A Tracy (Choi), por exemplo, está a filmar, não sei quem acabará primeiro se ela, se a Emily [Chan] ou o Ivo [Ferreira]. Mas facto de existir mais do que um filme, alguns já filmados, e vários grandes documentários tranquiliza-me porque senão seria um suicídio tentar organizar uma operação num lugar que fosse desprovido de cineastas, de cinema. O filme da Tracy, por exemplo, junta profissionais de primeira categoria, de Taiwan, Hong Kong… Ela própria estudou em ambos os lados mas não deixa de ser uma história de Macau. Por isso, a ideia que de todos estes talentos se vão religar em Macau é um sinal muito positivo. A razão pela qual os cineastas locais devem ficar satisfeitos com este festival é essa possibilidade de contacto? Sem dúvida. O facto dos Asian Film Awards terem vindo a ser apresentados em Macau é mais um sinal para a indústria que Macau não serve apenas para jogar. Na condição, claro, que se acredite na possibilidade de fazer remixes num lugar como este. Que terá de acontecer no final do festival para dizer que correu bem? Três coisas: os cinemas estiveram cheios, caso contrário não faz sentido e é uma das razões pelas quais quero assumir este desafio. A noção que vários filmes entraram no caminho certo para o reconhecimento num mercado mais vasto e sermos capazes de aumentar o interesse em Macau de forma a que cumpra o seu papel histórico de atingir mercados como os do Japão, Coreia, Índia e Sudoeste Asiático. Daqui a cinco ou seis anos quando as pessoas se referirem ao festival de Macau que gostaria que dissessem? Hoje todos dizem que Cannes é o festival a não perder na Europa. O mesmo acontece com Toronto, nas Américas. Macau pode vir a ser o lugar onde se vem para resumir o ano. Um festival em Dezembro não significa apenas que acontece após as grandes convenções do sector na Ásia mas também que podemos anunciar coisas para o novo ano. Que significará para um cineasta receber um prémio aqui? Que o filme teve um reconhecimento mais vasto em termos de mercado e de audiência. Mesmo os prémios de Cannes às vezes são escondidos pelos distribuidores porque têm medo que passe a ideia de ser um filme difícil, mais um arthouse… É por isso que estamos a construir um escritório da indústria aqui. Como tentou fazer em Roma? Sim, é uma coincidência mas fiquei contente em saber que a Lionsgate, os produtores dos “The Hunger Games”, está a preparar algo para Macau nos próximos dois anos. Mas, disseram-me eles, a melhor experiência num festival foi comigo, em Roma, quando lhes arranjámos sete mil fãs para a estreia do “Catching Fire”. Vai voltar a fazer um filme? Não me parece. Nem como actor? Isso pode acontecer amanhã (risos). Como figurante, talvez (mais risos). Voltar a produzir não. Tiro muito mais gozo com os potenciais efeitos multiplicadores que um festival pode criar do que tiraria a fazer filmes.
Manuel Nunes EventosUM | Conferência sobre inteligência artificial Depois do sucesso do programa AlphaGo da Google, a inteligência artificial (IA) está na ordem do dia. Na passada semana, o professor Lionel Ni, vice-reitor da Universidade de Macau (UM), deu uma palestra onde explicou o fenómeno. Para o académico, por muito inteligente que as máquinas sejam, os humanos não precisam de ter medo delas. Mas reconhece que milhões de empregos vão desaparecer [dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arecia mais um acontecimento trivial, mas quando o AlphaGo derrotou o tricampeão Europeu de Go a comunidade científica começou a perceber que as mudanças que se esperavam bem mais para frente vão começar bem mais depressa. Apenas meses antes vários especialistas entendiam que precisaríamos de mais uns dez anos para tal ser possível. Para se ter uma ideia, o Go é um jogo muito mais complexo que o xadrez, com cerca de 10¹⁷⁰ posições possíveis no tabuleiro (no universo existem apenas 10⁸⁰ átomos). A grande diferença nestes sistemas de IA é terem por base o que se chama Deep Neural Networks, uma espécie de cérebros humanos, o que permite às máquinas aprenderem de uma forma estonteante. Tal como nós, as máquinas agora aprendem por associação de conceitos a imagens e situações com a vantagem de terem acesso directo à designada Biga Data. Basicamente esta define-se por toda a informação que vamos produzindo e colocando online diariamente. Para se ter uma ideia do volume que isso representa, um estudo de 2013 elaborado pela SINTEF (a maior organização independente de pesquisa da Escandinávia) estima que 90% de toda a informação no mundo tenha sido criada nos dois anos anteriores, sendo duplicada a cada ano e meio. Estas notícias fazem muitos temer pelo futuro robótico que se anuncia, onde as máquinas irão substituir os humanos, quiçá, ameaçar a nossa a existência. Mas em relação a isso, o prof. Lionel Ni tem uma postura tranquila garantindo que “as máquinas não vão causar problemas aos humanos” afirmando mesmo que, “com a tecnologia actual, as máquinas não vão suplantar a inteligência humana”. Milhões de empregos em risco A IA vai, todavia, destruir milhões de postos de trabalho e nesse aspecto o professor não discorda. Quando confrontado com o exemplo do sistema “Amélia” da IPsoft, em beta testes em várias grandes empresas mundiais e que irá substituir todos os serviços de assistência ao cliente e de telefonistas, estimando-se na ordem dos 250 milhões de postos de trabalho a serem extintos em todo o mundo quando estiver em pleno funcionamento, o catedrático ironiza dizendo que “pode ser que tenhamos todos mais tempo para ir de férias e passar tempo com as famílias”. Segundo o académico, apenas os empregos “low tech” estão em risco e aponta a inovação como o caminho a seguir. Novo motor a vapor “As maiores empresas estão a contratar todos os que podem para trabalhar nesta área. Os meus alunos nos Estados Unidos estão todos empregados,” disse à audiência que enchia o auditório da UM confirmando a grande procura de profissionais para a área da IA. “É um grande avanço tecnológico”, diz o professor, “como a invenção do motor a vapor”, garante, o que diz bem do potencial revolucionário desta nova tecnologia. “É claramente uma nova ferramenta” diz o académico mas reforça que “a inovação tecnológica deve ajudar a humanidade e a pesquisa científica não deve trazer desastres nem a máquina deve tornar o homem inútil” reconhecendo, todavia, que os “computadores não erram” pois não têm emoções como nós. Mas será que podem vir a ter já que podem aprender, quisemos saber, mas Lionel recusa-se a acreditar nisso. Salário para não trabalhar A propósito das potenciais rupturas que esta tecnologia pode vir a criar nos sistemas sociais pelo mundo fora, vários cientistas, onde se inclui o Andrew Ng, Cientista Chefe da Baidu e fundador do projecto de Deep Learning “Google Brain”, Andrew Ng, defendem que os governos devem começar a pensar seriamente na possibilidade de criarem um rendimento garantido para toda a população. “Existe uma forte possibilidade de que a IA vá criar desemprego massivo”, disse Ng na última Cimeira de Deep Learning realizada já este ano. Em relação a esta solução Lionel Ni vai adiantando que “é um problema dos políticos” mas reconhece que “impostos mais altos para a indústria para distribuir mais dinheiro pelas pessoas poderão ter de vir a ser considerados”. Contrariamente a outros seus colegas que entendem que os avanços tecnológicos a partir de agora serão parabólicos e não lineares, o professor Lionel Ni entende que “as mudanças irão ser graduais”.
Manuel Nunes Entrevista Eventos MancheteLuís Patraquim, escritor : “A sede de conhecimento em Moçambique é grande” Luís Patraquim é de conversa fácil, mas não de conversa mole. Preocupado com o estado de insegurança no país, deseja paz, mais compreensão para a importância da cultura e traz-nos novas de um povo com uma enorme ânsia de aprender. O convidado do Rota das Letras rejeita paternalismos, desconfia dos tolerantes e não percebe por que os cidadãos ainda não circulam livremente pela CPLP [dropcap]O[/dropcap] que o motiva a estar vivo? Aconteceu-me estar vivo, portanto tenho de fazer o melhor possível. O Reinaldo Ferreira (poeta moçambicano) tem um verso que dizia “ai de mim que não pedi para nascer e sou forçado a viver”, mas ele era pessimista. Não chego a esse ponto, sei que isto é tudo um absurdo, mas também tem coisas com piada pelo meio. O projecto dele era “Um voo cego a nada”. Um belíssimo poeta que morreu demasiado novo, filho do famoso Repórter X, da I República. E na sua obra? O que o motiva a investigar, a escrever, a pensar? Julgo ser a curiosidade das coisas. A necessidade interior de dizer coisas que já foram ditas. Mas cada um diz à sua maneira. Porque não sou pretensioso, direi que existe algo de maravilhamento no mundo, apesar das tragédias pessoais e colectivas que sabemos. Há esse maravilhamento a que nos compete ficar atentos. Como por exemplo… Uma criança que corre a rir pela rua fora. Dizer o que já foi dito. Vivemos num incessante círculo vicioso? Tem dias (risos). Mas passa por aí. Daí o mito do labirinto. A descoberta, aquele desafio do desconhecido para depois resgatar algo que, no fundo, é algo dentro de nós, que não conhecemos, para depois produzir um sentido qualquer. Os sentidos inventamos nós a cada momento, não é? A linguagem e a música são os primeiros dessa invenção de sentidos que fomos inventando ao longo da histórias em várias culturas e sociedades. Será possível formular uma pergunta que nunca lhe tenha sido feita? Algo que você desejasse falar e nunca tenha tido oportunidade? Por exemplo, com quantas gajas é que andou? (gargalhadas) Mas, como sou cavalheiro, não digo. Os brasileiros têm a expressão “abaixo do equador não existe pecado”. Em Moçambique também é válida? Isso são aquelas frases meio folclóricas mas, num certo sentido, é verdade. O pecado é da ordem do religioso. A ética é da ordem da filosofia. Eu não me revejo em nada que tenha a ver com pecado, mas sim em tudo o que tenha a ver com ética. Como é a vida em Moçambique? Não é fácil. Tem ilhas de tranquilidade de um viver ainda tradicional e antigo e a emergência deste conflito que está no começo mas que pode vir a ser perigoso. Tem cidades, como Maputo, que começam a ser uma grande confusão. Alta velocidade, interesses, o dinheiro, o dinheiro, o dinheiro… Mas tem outros espaços absolutamente aprazíveis onde se pode viver sem stress como, por exemplo, a cidade de Inhambane. Em Maputo descobrem-se muitos sinais de Portugal, da culinária a símbolos como o dos clubes… Existe uma nostalgia? Já passaram 40 anos. Os moçambicanos já fizeram muitas coisas, boas e más. Há isso sim, uma espécie de reconciliação com aquele pai que foi preciso matar, no sentido freudiano, e agora há uma percepção de que o mundo é vasto, algumas heranças ficam e as sociedades aproveitam o que acham melhor de cada cultura seja ao nível que for. Não será bem nostalgia. É talvez uma forma de trazer à memória afectiva ou “desafectiva”, se calhar mais “desafectiva”, uma presença que esteve lá de forma colonial mas também com muitas outras facetas, sem o conflito e essa necessidade de afirmação que existia antes de voltar a conviver com uma série de heranças. Há sempre uma ideia em Portugal que fomos sempre tolerantes, amigos dos povos nativos… Ah… isso é tudo uma mitologia desgraçada. Agora vemos a presidência portuguesa da CPLP contestada por vários países, Moçambique incluído… É os resultado de anti-colonialismos primários. Coisa que para o Brasil então não faz sentido nenhum. Angola e Moçambique ainda vá, porque a descolonização [foi recente]. Seria absurdo, mas podíamos tentar perceber. Para mim é uma questão política de hegemonia. Se calhar o Brasil quer tomar o comando. Se bem que o Brasil se esteja a marimbar para o tal mundo da lusofonia – eu não gosto deste termo mas ainda não se descobriu outro -, quer ter uma influência maior ou então não dá para perceber. Mas a própria CPLP foi mal construída, a partir do vértice da pirâmide e está a custar muito a descer à base. Melhor explicado… Os chefes de estado resolveram criar aquilo com uma noção um bocado corporativa. Conferências Ministeriais, reuniões de Associações de Advogados, de empresários, de associações disto e daquilo, mas nada chega cá abaixo, ao povão. Na prática dos povos o que interessa é o dia a dia, o chão das coisas. Uma política fácil de vistos entre estes países, por exemplo. Faria sentido uma comunidade de livre trânsito? Fazia mas Portugal está amarrado a Schengen. Cabo Verde propôs há muito, mas nenhum dos outros países aceitou: era uma espécie de cidadania lusófona. Uma forma diplomática, consular, que permitisse às pessoas circularem. Não apenas as corporações mas também o Zé dos Anzóis, as famílias (o resultado destas ligações que ficaram) poderem viajar sem estes entraves todos. Há dias, Luiz Ruffato dizia ao HM que “o português de Portugal vai acabar por ser um dialecto do Brasileiro”. Tenho de discordar. Em termos linguísticos não há dialectos. São línguas. Falava-se em dialecto quando o poder colonial se referia às línguas dos países africanos. Moçambique tem 11 grupos linguísticos, todos de raiz banta, Angola tem outros tantos. Falar em dialectos é uma espécie de menorização dos estatutos linguísticos. Hoje a linguística não vê a questão assim. Não se trata de dialecto absolutamente nenhum. O que vai acontecer são variantes da Língua Portuguesa, aliás já classificadas assim. A variante europeia não é única, porque naquele território tão pequeno, o léxico, alguma sintaxe e até a pronúncia sofrem tantas mutações… vai haver um português de Moçambique, os linguistas já fazem estudos nesse sentido, em Angola idem… O que o Luiz, se calhar, queria dizer é que pela dimensão geográfica e demográfica, o Brasil é o gigante que é. Neste contexto, que sentido faz um acordo ortográfico? Não faz muito. O problema da língua não está aí mas na sintaxe. O léxico não é problema porque as línguas são organismos vivos que se inventam a si próprios, depois a literatura gera uma espécie de padrão, a gramática analisa e cria um conjunto de regras que, logo a seguir, podem ser mudadas e são. Não há um proprietário da língua e qualquer Estado que julgue poder legislar a esse nível está absolutamente equivocado. O que falta a Moçambique para que as pessoas se entendam? As elites não se esquecerem do melhor do discurso de libertação – salvo algumas arrogâncias, a matriz não começou bem – que sejam menos arrogantes e menos ambiciosas. Estou a dizer o óbvio, mas pronto… que coloquem o interesse nacional acima dos interesses partidários. O interesse nacional é um conceito vago… É definido pelas classes hegemónicas que chegam ao poder, é assim em todo o lado. No caso moçambicano, é o de que se não existir juízo a própria unidade do território pode estar em causa. O país precisa de uma política que tenha em conta a distribuição da riqueza, capaz de criar condições para mais riqueza a partir da agricultura e distribuí-la pela população. Isso não está a acontecer. Vive-se de galinhas dos ovos de ouro – daí a emergência do novo conflito-, do gás natural, um ouro que está ali a luzir e a perturbar as cabeças de alguns. Há meia dúzia de anos vi em Maputo a capa de um jornal com a fotografia de uma figura pública e a manchete “O regresso do grande pateta”, arrojado em muita democracias. Tendo em conta o momento actual, como está a liberdade de imprensa em Moçambique? Nesse aspecto existe, de facto. De uma forma geral, a liberdade de imprensa mantém-se mas tem dias. Às vezes não é bem utilizada mas por uma questão puramente técnica. Há jornais e jornais, só por isso. A liberdade de imprensa é um dos pilares do jogo democrático, é saudável pela capacidade crítica, de criação de massa crítica, pela formação de opinião e a necessária difusão de informação que todas as sociedades precisam. Em Macau a discussão da independência do poder judicial está na ordem do dia. Qual a situação em Moçambique? Isso é da definição básica da coisa pública. (risos) Teoricamente existe. Praticada por um ou outro juiz mais consciencioso, também existe. Mas como sistema não existe, infelizmente, porque a teia dos interesses, dos favores, das pequenas ou grandes corrupções é de tal ordem que, de uma maneira ou de outra, as coisas estão instrumentalizadas. Às vezes aparece uma pérola caída não sei de onde como o caso do professor Castelo Branco. A consciência, a tal ética, não é? Aconteceu-me entre Inhambane e Maputo: numa venda de estrada um grupo de crianças pedia-me livros. Existe outra utilidade para os livros ou aquelas crianças tinham mesmo necessidades de leitura? Há uma grande curiosidade. As pessoas sacrificam-se muito para estudarem. Há uma sede de conhecimento muito grande, isso é verdade. O sistema de ensino é que tem muitas falhas. E, nessa zona, a necessidade ainda é maior porque a escassez de oferta é grande. Que se poderia fazer para resolver essa necessidade? Precisamos de uma rede de bibliotecas, de meios para distribuir livros pelo país. Mas a situação volta a estar difícil neste momento. A tensão é assim tão grande? Começamos a viver uma situação de insegurança. Já há colunas militares a acompanhar os carros pela estrada número um… Já começa a ser parecido com há uns anos atrás. E a sociedade civil moçambicana ainda não tem força para se opor a esse “estado de sítio”? Manifesta-se muito, faz muitas coisas, comunicados mas, no limite dos limites, não tem ainda o poder para se opor com veemência ao que está a acontecer. Como está vida cultural em Moçambique? Está viva. O teatro, até o cinema, mais caro, produzem. Na literatura edita-se muito, com maior ou menor qualidade. E a cultura é um sector olhado com prestígio, o que não é mau. Não existem ainda é políticas governamentais que entendam que a cultura (para além de fortalecer a moçambicanidade plural, a unidades e os chavões que se quiserem) também pode acrescentar valor ao PIB. Hoje fala-se é de diplomacia económica. E só se fala em diplomacia económica. A cultura é sempre vista como algo menor. O poder político tem de perceber que a cultura não são apenas umas festas para consolidar a implantação do partido nesta ou naquela região, como é o caso do famoso Festival Nacional de Canto e Dança, ou do Cultural Nacional. É preciso criar dinâmicas: uma verdadeira associação de autores, subsídios para o teatro e para o cinema, que não há. Formas de investimento para atrair públicos, gerar massa crítica e educar o gosto. Edições subsidiadas pelo governo, dos grandes mestres como se está a fazer em Itália. Mas em Moçambique, de uma forma geral, só se pensa no luxo, no papel couché e coisas dessas. Nestes últimos anos tem-se assistido à entrada de muitas empresas chinesas em Moçambique. Como tem sido a relação com os locais? Há um problema de comunicação. Uma coisa são os chineses e macaenses que estão lá há mais de cem anos, a outra são estas empresas, na maioria estatais, que chegam agora. Contratam os locais para lugares menores, querem tudo na velocidade chinesa e o moçambicano não é assim. Não quer dizer que seja preguiçoso, mas tem outro ritmo. E se pagassem decentemente, também ajudaria. E de um ponto de vista mais geral? Há benefícios claros para a população? Hoje começa é a questionar-se o modelo de cooperação chinesa com África. Há benefícios claros porque se abriu a estrada ‘x’ ou ‘y’ mas depois não há interacção. A empresa chega, monta o estaleiro, propicia um trabalho sazonal não muito bem pago, não há grandes convívios, a obra acaba, vão-se embora. Um ou outro escapa e fica mas são casos pontuais. É um esquema de cooperação um bocado disfuncional. Fala-se muito da responsabilidade do mapa cor-rosa por parte dos problemas de África. Que ideia tem sobre isso? É o ultimo argumento de um novo olhar europeísta sobre África, que seria o mais perigoso. Querer isso para África agora seria a desgraça total e completa. Aquando da conferência de criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, foi acordado deixar tudo como está. Quando há conflitos graves, há estudos sobre isso, as causas, normalmente, não são étnicas mas derivadas da injustiça na distribuição da riqueza, da falta de criação de oportunidades, de poderes políticos nepotistas. Tenho a ideia que, para si, a palavra ‘tolerância’ não tem a conotação de bondade que normalmente lhe atribuímos. É mesmo assim? Lá para trás foi boa quando o John Locke escreveu o “Ensaio sobre a Tolerância”, quando existiam as guerras religiosas na Europa. Fazia todo o sentido e continua a fazer um certo sentido, claro. Mas uma pessoa que se diz tolerante é um bocado arrogante. Que categoria tenho eu para ser tolerante ou deixar de ser tolerante? Ou tenho opiniões ou não tenho. A minha posição deve ser a do discurso, da discussão com o outro, para ver se chegamos a acordo, ou não, mas cada um com as suas ideias ou cultura. Não é preciso guerra por isso. Um dia foi exilado… (interrompendo) Exilado é uma palavra muito fina para mim porque fui um refractário. Exilados são os políticos. (risos) Como aconteceu? Não queria participar na Guerra Colonial e queria ir para a luta de libertação. É tão simples como isso. Porquê a Suécia? Por contactos. Porque havia lá uma base dos três movimentos de libertação: Frelimo, PAIGC e MPLA com base na CONCP (Conferência da Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) criada em Rabat logo a seguir ao início da guerra em Angola. O que gostava que um dia fosse o seu legado? A recordação do seu trabalho como jornalista, escritor, activista? Não gostava de nada porque nessa altura já cá não estou. (risos). Mas sim, gostava que recordassem um trabalho sério e rigoroso. Que trabalho será esse? Algumas propostas para o maravilhamento do mundo. Um desejo para Moçambique Paz.
Manuel Nunes Entrevista Eventos MancheteGiulio Acconci | O outro lado do músico surge a cores e tinta-da-china Todos o conhecemos como uma estrela da Pop, mas ele tem outro lado. O de designer gráfico, cultivado há muitos anos em Itália, e o de quem sofreu uma transformação quando se apaixonou pelas aguarelas. Apanhámos Giulio Acconci a meio do processo de reflexão e soubemos que uma exposição pode estar aí ao virar da esquina. Pelas amostras a que tivemos acesso, tivemos de saber mais [dropcap]C[/dropcap]omo começou a aventura das aguarelas? Com um livro de um grande pintor macaense, o Luis Luciano Demée, mostrado pelo meu irmão (Dino). A intensidade da pincelada e a forma como as aguarelas se combinavam, criando outras formas, quase casuais… foi o rastilho. Depois uma conversa sobre caligrafia com a Maggie Chiang, algo que sempre me interessou. Ela é chef e brinca com cores e formas na sua cozinha e trocámos várias ideias. Como ela estava a produzir uns jantares especiais de São Valentim, pensei criar imagens com caligrafia, tinta e aguarelas. Desenvolvi uma série de histórias curtas para cada prato e produzi as imagens em computador – aguarelas digitais, se quiser. Aí pensei que se as fazia assim também teria de conseguir fazer com tinta e pincel. Em que fase está o processo? A chegar a uma ideia, a definir o que pretendo dizer. O meu treino de designer obriga-me a fazer esboços como treino. Mas nunca fiz uma composição completa de forma satisfatória e é nisso que estou a trabalhar. Em termos mais concretos isso quer dizer que… É um jogo mental. Interrogo-me: ‘vou pintar o que penso, o que sinto, ou as minhas observações do ambiente que me rodeia? Será abstracto, mais ou menos filosófico?…’ Há imensas formas de expressão e é nesse processo que estou. Pode ser sarcástico, político, divertido, fantasioso… Como está a ser desenvolvido esse processo de pesquisa? Para tornar as coisas mais simples, estou a transformar isto num trabalho. A tentar retirar-me do processo e, pegando na minha experiência como designer, do trabalho por encomenda. Estou a contratar-me para uma série sobre a Hill Road [em Hong Kong], a área onde vivo. Mas numa forma leve e contemporânea, nada clássica com vários tipos de composição. Associar pequenas histórias a cada imagem também pode ser uma possibilidade. No que respeita a temas, já existe algo alinhavado? Hong Kong, para já, é o tema porque é mais simples, é onde vivo. Como tenho dois cães é provável que eles surjam. Um é branco, o outro é preto, por isso dão um interessante conceito yin yang. (risos) Que imagens sugerem Hong Kong? Tenho curiosidade em perceber como as coisas se vão desenvolver. Pelo que vejo, as pessoas não andam muito felizes, independentemente do espectro político a que pertençam. Há uma sensação de incerteza no ar e, como em Hong Kong é tudo dinheiro, quando ele não abunda as pessoas não funcionam. De uma forma geral, claro. Como vê a situação actual da cidade? Vivemos um período de transição. Por isso, eu e os meus amigos tentamos manter-nos positivos porque tudo acabará por resolver-se. Oiço muita gente, do taxista ao jovem empresário, dizer que não faz tanto dinheiro como antes, que a vida não é tão fácil como antes… De uma forma geral, as pessoas comparam tudo ao ‘antes’. Acho isso negativo. Temos de preocupar-nos mais com o ‘agora’. Claro que existe gente mais pro-activa, cheia de energia e é nessa tendência que pretendo inserir a minha arte e a minha música. As coisas mudam, nunca ficam iguais. Por falar em música, será de esperar que a próxima vez que ouvirmos falar de Giulio Acconci seja no escaparate de uma galeria e não no poster de um concerto? É bem possível (muitos risos). Claro que continuo a fazer música mas estou a gostar muito da aventura do artista plástico, produzir pinturas, isso é verdade. Para quando a “vernissage”? Quem sabe? Talvez esteja aí mesmo ao virar da esquina. Como imagina essa exposição? Gostava de algo simples, sem grandes alaridos. Mas tenho de pensar em muitas coisas, no que quero dizer. Se realmente sair cá para fora como artista, tem mesmo de ser algo para além de dizer que sei pintar. É uma oportunidade como indivíduo, como pessoa, como Giulio Acconci, não como [banda] Soler. Porque, como Soler, as pessoas pensam que sou eu mas não é verdade. É apenas uma personagem criada para aquele efeito. Como pintor torno-me protagonista. Aconteça ou não, o processo mental, a procura de ideias, a pesquisa, as técnicas… ouvir pessoas tem sido uma grande experiência, maravilhoso mesmo. Telas grandes, pequenas… como vai ser? Variado. Quando vou a uma exposição gosto de ver um pouco do percurso do artista. Às vezes exibem alguns esquiços, estudos. Eu quero fazer isso, uma pequena secção com esquiços simples. Desses até pinturas grandes. Sabemos que existe um legado artístico na família. Qual a importância dessa influência? É verdade. O meu pai [Oseo Acconci] foi escultor, estudou Belas Artes, o meu avô era pedreiro e fazia pedras tumulares, está a ver? (risos). Para além disso, o meu pai construía tudo em casa. Das cadeiras, à mesa onde estudava, à mobília de jantar, as nossas camas… vivíamos num prédio que ele construiu… Por isso, a primeira vez que tive de comprar mobília foi um processo estranho (risos). Era também muito vocal em relação a tudo. Sempre a apontar detalhes, a realçar coisas, razões, naquele engraçado sotaque italiano dele. Tanto ele como a minha mãe sempre nos encorajaram a desenhar. Tenho dezenas de blocos de desenho em casa. Um dia, ele levou-nos a uma exposição e perguntou-me se um dia gostava de ter a minha. Disse que sim e ele prometeu-me uma, um dia. Infelizmente faleceu antes do tempo, tinha eu 15 anos. Por isso, se a vier a fazer uma exposição, será dedicada a ele. Como se fosse ele a comissioná-la. Onde irá acontecer? Em Hong Kong ou em Macau? Não faço ideia. Apaixono-me por lugares. Gosto do mundo todo. Gosto muito de ir à China (vou muitas vezes a Chengdu), adoro Cantão, Londres e, claro, estarei sempre ligado a Macau. Pelo lado do sentimento terei de dizer Macau mas, se quiser ser prático, vai ser aqui. A verdade é que ainda não sei. E a cena artística em Macau? Que percepção ressoa do que aqui se passa? Ainda há pouco, numa conversa com o Fortes [Pakeong] fiquei com a impressão que existe um número de pensadores livres por aí com capacidade para se exprimirem artisticamente, o que me deixa entusiasmado. E noto que se fala muito mais em criatividade. Parece que quase todas as pessoas que encontro falam de ideias, isso faz-me muito feliz. Além disso, posso estar enganado, mas parece-me que estão a começar a aparecer patronos, o que seria muito importante para o desenvolvimento artístico. E as artes de Hong Kong? Podemos dizer que estão moribundas? Nada disso. A arte floresce na tristeza, na incerteza, no tumulto. Se andarmos pelos círculos artísticos, descobre-se muita gente discreta. Tenho encontrado muita qualidade, muitas pessoas interessantes. Há mesmo um certo orgulho entre eles e uma geração que se mantém fiel às convicções. É como o surf. Sem ondas não há. No mundo da arte, se estiver sempre tudo bem, vamos falar do quê? Existem, claro, os que produzem arte quando estão felizes, mas o que vejo na história é que as melhores obras nascem do tumulto. Agora vai sobrar para esse lado. Que tumulto é esse que o motiva? A minha vida toda (gargalhadas). Tem sido uma luta. A questão é se vemos um problema como um bloqueio ou como uma situação a ser resolvida. Nos anos mais recentes tenho tentado uma abordagem mais positiva, mas na maior parte do tempo pensava se estaria no meio de alguma profunda tragédia grega (ri-se mais). Mas as pessoas olham para si e vêem uma estrela da Pop, vida de glamour, bom aspecto, festas sofisticadas… como pode falar de luta? Como disse, o Giulio dos Soler é uma personagem, é entretenimento, é o nosso papel. Também é uma protecção, porque se criticarem os Soler não me atingem. Não ando no jogo duro do ‘show off’. A minha realidade é muito diferente. Sou muito “nerd”, gosto de estar em casa, de ver documentários. Estou sempre a tentar aprender, a absorver ideias. E tenho uma rotina saudável. Faço caminhadas regulares com o meu irmão, vamos buscar água à fonte numa zona perto daqui, corro com os cães. As pessoas pensam que passo a vida no ginásio mas não. Também não lhes quero estoirar a bolha. Se ficam contentes com isso, óptimo. Em relação ao glamour, quando alguém pretende entrar nesta indústria digo-lhes sempre a verdade: “No glamour. Nenhum”. (risos) Mas a exposição vai colocá-lo a nu, ou vai surgir outra personagem? Eu acredito em Shakespeare quando diz que a vida é um palco onde desempenhamos muitos papéis. Por isso, o mais provável, é sair outro personagem. O verdadeiro Giulio vai continuar muito elusivo e só talvez um dia o partilhe com a pessoa certa. Para já, acho que vai sair o meu lado pintor, outro personagem.
Manuel Nunes Manchete PolíticaEstudantes | Vistos autorizados por “importância” e “necessidade” Os Serviços de Migração garantem que cumprem a lei na atribuição de vistos a estudantes – mas esta não especifica nem a duração, nem o teor que o curso tem de ter para a emissão desta autorização. “Necessidade” ou “importância” estão também na base de decisão [dropcap]A[/dropcap] atribuição de vistos a estudantes não tem como base apenas a lei, mas uma avaliação dos próprios Serviços de Migração à “necessidade” ou “importância” dos cursos. É o que explica o organismo, que admite que há casos em que o que conta – além dos regimes em vigor – é o teor do curso. “De acordo com o Regulamento Administrativo [sobre a entrada, permanência e autorização de residência] e dependendo das condições – que incluem a importância do curso e a necessidade de ficar em Macau para frequentar o curso – as autoridades garantem a estes não-residentes a extensão da estadia depois de entrarem em Macau para fazer esses cursos. Ainda assim, também não concedemos autorização a determinadas aplicações, ou porque as justificações entregues com o pedido não eram suficientes ou porque não vimos que era essencial para esses estudantes ficar em Macau”, pode ler-se na resposta ao HM. Este jornal questionou o organismo sobre casos em que estudantes que frequentam cursos de curta-duração têm de sair do território antes mesmo de os terminarem, por não lhes ser possível obter a prorrogação do visto de aluno. Foi o caso de Anthony (nome fictício), um estudante indiano que está em Macau a frequentar dois cursos. O jovem, licenciado em Gestão Hoteleira na Suíça, deixou o seu emprego no Dubai para ter a experiência de reforçar a sua formação em Macau, mas foi obrigado a deixar a RAEM antes do fim dos cursos em que se inscreveu no Instituto de Formação Turística (IFT). Um deles era de Chinês, o outro de Vinhos e Bebidas Espirituosas – nenhum dos dois foi concluído, apesar de Anthony ter recebido pela parte da instituição de ensino um comprovativo de admissão nos cursos, nos quais fez ainda o primeiro nível. Saiu para Hong Kong e voltou, tendo recebido mais 20 dias para estar em Macau – isto em Fevereiro, quando os cursos, contudo, duram até Maio e Abril. Quando o jovem pediu para ter o prazo de autorização de permanência prorrogado – para que pudesse acabar o curso – o pedido foi indeferido porque a “razão não era essencial”, como o HM pôde comprovar com o acesso ao documento entregue a Anthony. A lei diz que “o pedido de autorização de permanência para fins de estudo é instruído com documento comprovativo de inscrição ou matrícula em estabelecimento de ensino superior da RAEM e documento que ateste a duração total do curso respectivo”, mas o comprovativo do IFT – que determina a matrícula nos cursos e a data de realização dos mesmos – não terá sido aceite pelas autoridades de Macau. Não havia necessidade Sobre o que entendem por “necessidade” ou “importância do curso”, os Serviços de Migração nada dizem. O organismo frisa até que, com base no Regime de Entrada, Permanência e Fixação de Residência em Macau, “é raro haver estudantes que vêem a sua entrada no território barrada” e indica que “de acordo com os registos dos últimos anos, a maioria dos pedidos tem sido aprovado, excepto nos casos em que o candidato [ao pedido] tenha um perfil duvidoso.” Ao que o HM apurou, Anthony não terá qualquer “perfil duvidoso”, nem cadastro na RAEM, nem em Hong Kong, onde estudou por seis meses. A lei actual não especifica qualquer duração dos cursos para que os estudantes possam ter visto e os próprios Serviços de Migração dizem que “depois de anos de prática, revisões e consultas, tem sido concedida aos estudantes não-residentes uma autorização especial de permanência”, quer eles estejam a “frequentar cursos de longa ou curta-duração”. O organismo diz até que “um grande número de estudantes não-residentes tem vindo para Macau em programas de intercâmbio ou cursos de curta-duração nas instituições de ensino superior”, ainda que frise que “vai ser sempre considerado se é essencial ao estudante ficar em Macau”, além, obviamente, do “cadastro”. Anthony, contudo, continua a ser tratado como turista porque as autoridades lhe terão dito que o seu curso não estava elegível para ter visto de estudante, algo que, portanto, a lei não especifica. Com Manuel Nunes