Aguenta, que é verão

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Verão em Macau. Sim, eu bem sei que falo disto todos os anos, mas é incontornável. E é um tema “light”, uma vez que não dá para culpar os governos nem ninguém daquilo que é apenas a culpa da mãe natureza, em suma. É como uma avó de quem gostamos muito mas nos oferece sempre meias horrorosas no Natal, e que nunca vamos usar – a gente gosta dela na mesma. Só que em vez de meias, esta avó, ou mãe ou o que quiserem, dá-nos monções. Ora está um sol e um calor que não se aguenta, ora vinte minutos depois cai um toró de proporções diluvianas. Isto a juntar à humidade relativa na ordem dos 90 e tal por cento, garante-nos uns meses de estio tudo menos secos. Aqui não há seco para ninguém no Verão. Preparai-vos para suar até de lugares que nunca chegaram a imaginar ser possível (isto nos homens é mais verdade). O Verão em Macau não se passa: aguenta-se!

Dou como exemplo a última terça-feira de manhã. Saí de casa perto das 8:30 para dar o meu modesto contributo ao progresso da RAEM, não sem antes verificar pela janela o aspecto do céu, que parecia tudo menos a prometer chuva. Mas eis que cinco minutos depois de por o pé na rua, dou comigo a guardar os óculos de sol, e a procurar a varanda mais próxima para me abrigar da chuva. Deu para me safar apenas todo molhado, em vez de encharcado até aos ossos (como também já aconteceu), quando cheguei ao trabalho, altura em que não só já não chovia, como ainda fazia um sol radioso. Ninguém diria que esteve a chover cinco minutos antes.

Umas das desvantagens da chuva são os guarda-chuvas, coisa que detesto usar, e só o faço em caso de não ter outra opção. Não me importo que me caiam umas gotas de uma chuvinha molha-parvos qualquer. Eu não tenho medo da água, tomo banho todos os dias. O nosso corpo é composto por 70% de água. E não é só quando chove que se abrem os guarda-chuva, pois o sol também é um elemento que a população local teme especialmente, porque os deixa com a tez escura. Que horror! E à conta disto não é raro o dia em que tenho que me fazer à luta, suportando os varões alheios no rosto, arriscando-me a ter uma vista fisgada, enfim, ai o sol, ai a chuva, ai tudo.

E finalmente há o impacto do Verão na moda. Em Macau nada é moda entre Junho e Setembro. Estes meses foram guardados para a não-moda. Ele é as sandálias com meias, as capas de chuva de plástico transparentes, as botas de borracha com Hello Kitties, as meias pretas de senhora naqueles dias de fumeiro, e isto para não falar outras vez dos malditos guarda-chuvas. Andar com um sol abrasador e de guarda-chuva na mão nem chega perto de ser “british style”. É simplesmente parvo.

Mas pronto, e por quê não bazar antes daqui para fora? Por que temos que trabalhar, ora essa! E onde vamos passar o fim-de-semana? Onde houver ar condicionado, onde mais? Se me estou a queixar? Nada disso, é tão agradável. É só preciso aprender a aguentar.

13 Jul 2017

Vocês em Macau

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]xistem inúmeros dogmas que foram criados sobre a vida dos portugueses e outros expatriados em Macau e que, para quem não acompanhou a evolução da nova realidade, continuam actuais, e com os quais eu próprio tomo contacto cada vez que vou a Portugal de férias – e vai sendo cada vez menos. Não foram uma, nem duas, nem três as vezes que de repante salta um comentário do tipo “Vocês em Macau…”, seguido de qualquer coisa do género “…têm todos um rolls-royce na garagem”. Não é bem assim, mas não anda muito longe. Assim decidi compilar uma série de ideias feitas que muitos portugueses da metrópole ainda têm sobre nós, os expatriados, às quais convém fazer um “update”.

“Vocês em Macau” têm facilidade em arranjar emprego, sendo portugueses.

Já foi assim, mas vai sendo cada vez menos verdade que a nacionalidade portuguesa é meio caminho andado para garantir um emprego em Macau. Antes de 1999 bastava ser cidadão nacional português e obter uma declaração de que residia no território há mais de três meses confirmada por duas testemunhas para se obter o BIR, mas hoje em dia não só os critérios são mais rígidos, mas há também uma demora processual na autorização da residência que ninguém consegue explicar, e nem as autoridades justificam – é um mistério.

“Vocês em Macau” não se pode dizer exactamente que “trabalham”, quer dizer, “vão ao emprego”…

Essa é talvez uma das maiores diferenças em relação ao período da administração portuguesa. Trabalha-se sim e quem está no sector privado nem pense “encostar-se à sombra da bananeira”. Na hora de distribuir as atribuições, os portugueses não são menos que os outros.

“Vocês em Macau” têm como que “um desconto”, ao contrário dos chineses ou de outros estrangeiros.

Tal como na presunção anterior a esta, nada disso. Quem está com contrato e “pisa na bola” vai parar ao olho da rua com a mesma facilidade, seja ele português, chinês, italiano ou outro qualquer. Chefes chatinhos como aí também há por estas bandas, com a agravante de ainda precisarmos de atender ao aspecto cultural, e para quem não domina a língua, pior ainda.

“Vocês em Macau” ganham bem… em “pataquinhas”.

O mito da árvore das patacas é uma coisa do passado. Essa proverbial árvore, se realmente existiu , já há muito que secou; é verdade que se ganha melhor que em Portugal em algumas profissões, mas as despesas são muito mais que no passado. A habitação, por exemplo, tem um peso na ordem dos 30-40% da despesa total, ou mais para quem opta por viver sozinho ou dividir a renda por menos pessoas. Quem tem casa própria ou atribuida pela empresa onde trabalha está mais à vontade, mas não deixa de sentir a subida galopante da inflação em muitos dos bens de primeira necessidade.

“Vocês em Macau” têm uma vidinha tranquila. É tudo perto.

Sim, de facto é possível a muitos (como eu próprio) deslocar-se a pé para o emprego, apesar de já ter sido mais agradável, quando não era inevitável andar aos encontrões e aos empurrões, já para não falar do calor e da humidade. Para quem precisa de apanhar transporte ou conduzir, as distâncias também não são as mesmas do que entre Lisboa e a Margem Sul, por exemplo, mas a qualidade do serviço de transportes deteriorou-se, e o trânsito passou a ser um dos problemas que demoram a resolver.

“Vocês em Macau” não precisam de se preocupar com a questão da segurança, dos assaltos…

Apesar dos números da criminalidade terem vindo a aumentar, ainda é possível andar a qualquer hora e em qualquer lugar de Macau sem recear os assaltos, pois aqui não existem bairros “problemáticos”, como em Portugal. No entanto começam a surgir certas preocupações com algumas liberdades que em Portugal são praticamente “intocáveis”. Ah sim, e as penas pelos delitos relacionados com droga são muito mais pesadas que em Portugal – aqui não há lugar a certas “brincadeiras”.

“Vocês em Macau” têm os casinos, que resolvem todos os problemas de fundo, enquanto aqui os políticos são uns aldrabões e não mexem um dedo.

Os casinos são uma fonte de receitas que muitas economias invejam, sem dúvida, especialmente as micro-economias, como é o caso de Macau. O problema é que não se sabe muito bem por onde andam essas receitas, que em tempos batiam recordes atrás de recordes, e de como não estão a ser usadas para resolver problemas de longa data que têm vindo a agravar-se cada vez mais.

“Vocês em Macau” têm uma data de países à volta, praias paradisíacas, ilhas de sonho… é só passear!

É verdade e é muito mais fácil a alguém ir passar um fim-de-semana prolongado à Tailândia ou às Filipinas do que a um português fazer o mesmo em Bruxelas ou Amesterdão, que ficam mais ou menos à mesma distância de um voo. E é muito mais barato, também. Mesmo assim não se queixem, pois se vivem no litoral estão a meia-hora de carro de qualquer praia decente, enquanto para nós é necessário apanhar um avião.

“Vocês em Macau” agora queixam-se tanto… então o que estão ainda aí a fazer?

Parece uma provocação ou uma pergunta parva, mas é pertinente. Há os que se fartaram e se foram embora, há os que não gostam mas não têm outra escolha porque em Portugal têm as portas fechadas, e há os que mesmo tendo a opção de regressar, criaram aqui raízes, casaram com pessoas de cá, tiveram filhos e fazem aqui a sua vida. E para esses “queixar-se” quando as coisas correm mal é o mesmo que toda a gente faz quando quer o melhor para a si e para os seus. Esclarecidos?

Mas melhor que ouvir falar, e ainda por cima confiar em testemunhos que nada têm ver com o Macau do presente, era vir cá ver como isto é. Se não vos dá jeito, se é longe, caro, não vos interessa, ou não conhecem aqui ninguém e portanto acham que não vale a pena, paciência, só que antes de afirmar com essa dose de certeza que aqui é uma espécie de “mundo do faz-de-conta”, o melhor é informarem-se primeiro. Valeu, ó “vocês em Portugal”?

6 Jul 2017

Vai p’rá tu’rua

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s portugueses que chegam agora a Macau – e ainda vão sendo alguns, felizmente – poderão ficar surpreendidos com o nome de alguns dos arruamentos da RAEM. Quem se demora a observar as placas toponímicas do território diverte-se a pensar na origem do baptismo destas ruas, becos, travessas e pátios. Quando cheguei a Macau há vinte anos, ouvi falar de uma tal de “Ilha Verde”. Ilha Verde? – pensei eu – deve ser um sítio bestial, ideal para passar um fim-de-semana, umas férias, ou isso assim. Mas este tal Bairro da Ilha verde, “cheng chau” em chinês, não passa de um amontoado de barracas, habitações sociais e ferro-velho atirado lá para a zona norte da cidade. Tem muito pouco de verde, nada de ilha, e é populado por gente que pendura as cuecas nas janelas que dão para a rua. É um engodo. Mas o que seria de esperar de um sítio que fica perto de um tal Bairro do Fai Chi Kei? (fai chi significa “pauzinhos”, daqueles de comer, em chinês).

Existe ainda um tal Canal dos Patos, onde não encontramos nenhuma ave daquele tipo – ou outra qualquer, para esse efeito. Outros locais como a Travessa das Janelas Verdes ou o Pátio do Jardim apresentam-se bastante cinzentões, decepcionantes. Existe aqui perto de casa uma tal Rua do Teatro, que além de não ter nenhuma sala de espectáculos visível, tem várias lojas de armazenamento e distribuição de fruta, tornando impossível a circulação de veículos e pessoas, especialmente depois das seis horas da tarde. Devia-se chamar Rua da Fruta. Perto da Igreja de S. Lourenço existe um tal Pátio das Seis Casas. Eu já lá estive e contei pelo menos oito! Existe contudo uma Travessa Curta (na imagem), que faz jus ao nome. Não tem mais de dois metros de comprimento! Isto é que é chamar os bois pelos nomes. Existe um Coloane um tal Pátio Pequeno, mas ainda não tive oportunidade de verificar a pequenez do mesmo.

Como se sabe, os chineses não são adeptos de dar nomes de rua a personalidades históricas, figuras públicas ou beneméritos. Assim temos nomes muito simplistas, como a Travessa dos Ovos ou ou o Beco dos Óculos, o Pátio da Cadeira ou o Pátio do Banco. Outros mais românticos ficam sempre bem num cartão postal; a Rua da Esperança, Felicidade, Fortuna, Harmonia, Riqueza, Saúde, Prosperidade, Tranquilidade ou Virtudes, a Travessa da Glória ou da Paixão, o Beco da Sorte, o Pátio da Eterna Felicidade ou da Eterna União. Sempre é menos deprimente do que viver no Beco do Desprezo (em Coloane, e adivinho que será perto do Estabelecimento Prisional de Macau), no Pátio da Ameaça, do Desgosto ou da Indigência. Curiosamante não existem em Macau arruamentos com os nomes de desgraça, tragédia, miséria ou fome, mas bem podiam existir. Sem dúvida que é muito mais agradável ser abençoado e viver na Rua Alegre ou na Rua da Aleluia, do que viver na Rua da Cadeia ou na sua correspondente de calão, a Rua da Cana.

Quem é chique sempre pode morar na Travessa do Clube dos Iates, enquanto os mais pobrezinhos ficam remetidos ao Beco das Barracas ou ao Beco das Barraquinhas. Ou ainda à Travessa do Hospital dos Gatos, onde deve ser impossível dormir devido aos miados de angústia. O evento dos Jogos da Ásia Oriental, realizados na RAEM em 2005, baptizou uma série de arruamentos, incluíndo uma Avenida, Travessa e Praça, e exactamente, “dos Jogos da Ásia Oriental”, uma Rua do Desporto, e uma tal Rua da Patinagem, em Coloane. Esta deve ser dedicada aos orçamentos para a realização de certos eventos e projectos na RAEM, que são conhecidos por “patinar” de vez em quando. Disse eu de vez em quando? Queria dizer “sempre”.

Ainda em Coloane, exstem novos arruamentos com nomes bastante “floridos”: a Rua das Albízias, das Cássias Douradas, das Champacas Brancas, das Bauínias, das Árvores do Pagode, das Canforeiras, das Acácias Rubras, das Lichias, das Schimas, das Margoseiras ou das Mangueiras. Lindo, lindo, um deleite para os adeptos da floricultura e da botânica. Em contraste existe em Macau um Pátio do Pivete, onde deve ser impossível abrir uma janela. E celebremos com alegria a toponímia de Macau, provavelmente a mais rica do mundo!

29 Jun 2017

Inflamáveis infames

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ortugal esteve três dias de luto nacional, decretados no Domingo após o terrível incêndio que lavrou (e lavrava, até terça-feira à noite) nos distritos de Leiria e Coimbra. Esta figura do “luto nacional” não implica mais que colocar a bandeira a meia-haste, ou observar um minuto de silêncio no início de alguma cerimónia nacional ou evento desportivo. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio de imediato apelar à união e à contenção, pedindo a todos que se combatesse aquele foco de incêndio, em vez de “se acenderem novos focos”, referindo-se à imprensa e redes sociais, onde se começou imediatamente a montar o circo. O prof. Marcelo é óptima pessoa e tem sido um presidente de consensos, mas por vezes dá a entender que conhece mal o povo que o elegeu. Não há tempo seco nem temperaturas de mais de 40º que impeçam o bom povo de sair à rua de tocha acesa, pronto para acender mais uma ou várias piras inquisitoriais.

O país e mundo acordaram em sobressalto no Domingo ao deparar com as notícias que davam conta de quase setenta mortos nos concelhos de Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra, mortes essas em circunstâncias macabras e aterradoras, que deixaram para segundo plano as perdas materiais próprias desta estação. Em termos de área florestal ardida todos os anos nos incêndios de Verão, pode-se dizer que este foi só um “aperitivo”. As imagens de devastação e de morte falavam por si, e dispensavam qualquer tipo de comentário. Isto não impediu que uma escola muito “avant-garde” de jornalismo mandasse uma das suas mais celebradas profissionais fazer uma reportagem ao vivo junto de um cadáver que se encontrava na floresta, dentro de um saco próprio para o efeito. “Onde já se viu?”, bradava aos céus o povo incrédulo. Na CMTV, respondo eu, quando aqui há uns tempos transmitiram ao vivo o velório de uma criança que havia sido assassinada pela mãe. Foi aí que ficou a barra da decência.

Mas não vamos abrir só um foco de incêndio nos valores de ética jornalística, não. Sabiam que a companhia que gere as contribuições telefónicas para a ajuda das vítimas fica com 1/6 do valor das doações? Ah pois, isto é indecente, “fazer dinheiro com os mortos”, desta vez houve mortos à brava para poder fazer valer qualquer um destes argumentos. Mas alto e pára o baile, que a ministra da Administração Interna impediu a entrada de bombeiros espanhóis, carregadinhos de água, e nós ali sem saber fazer a dança da chuva. Ai alegou questões de logística? Incompetente! Demita-se e já! Ai a notícia “não foi bem verdade”? Demita-se na mesma – demitam-se todos! O que nos vai levar ao principal foco de incêndio, esse ainda maior que o de Pedrógão: de quem é a culpa? Agora é que o lixaram, ó sr. presidente Marcelo.

O incêndio foi causado por um raio de trovoada seca que, por culpa das temperaturas altas e dos ventos, se espalhou rapidamente pela floresta. Houve inicialmente quem tivesse colocado a possibilidade de fogo posto mas, havendo mão criminosa, era mais complicado aos ordenadores do território feitos à pressão nas redes sociais darem o inevitável veredicto: a culpa é do Governo. De qual? De todos, e ainda se estava longe de saber ao perto a dimensão real da tragédia, e já “xuxas” e “pafiosos” apareciam de fósforo em riste, prontinhos a acender fogo na palhota da culpa alheia. Isto é tudo sem dúvida de uma relevância assombrosa. Com toda a certeza que a última coisa que passou pela cabeça das pobres pessoas que se viram subitamente rodeadas pelo fogo da morte não foi arrependimente de ter votado ou deixado de votar em A ou em B.

Talvez eu não esteja a abordar a situação da forma mais apropriada, sem a sensibilidade necessária. É que aqui em Macau (que já contribuiu para o alívio da tragédia, sem fazer perguntas ou tecer comentários, o que é de louvar) tem chovido todos os dias desde o fim-de-semana, e o calor é húmido e não há incêndios florestais – torna-se mais difícil relacionar-se com o drama. Ou talvez porque na China dá-se o abatimento de uma mina e morrem 200 operários, ou uma cheia custa a vida e as casas a milhares de pessoas de uma assentada, e não se faz da notícia um vendaval especulativo, não “vale tudo” para vender papel ou ter audiências, e não se atira a carniça aos abutres para que estes desatem a fazer campanha eleitoral. Em Portugal o luto terminou ontem (terça-feira), e agora já não fica mal falar-se à vontade de responsabilidades, de culpas e de todo o resto. Mas será que ainda ficou alguma coisa por dizer, bem ou mal.

22 Jun 2017

Santos da casa

[dropcap style≠’circle’]1)[/dropcap] Junho é o mês de Portugal na RAEM – bestial. Faz todo o sentido também; é o mês dos Santos Populares, das marchas, das sardinhadas, da farra, tudo coisas que fazem bem à alma. Há dias comemorámos aqui em Macau o 10 de Junho, e se onde há um português faz-se sempre a festa, nesta antigo território ultramarino não faltam alternativas para se exercer a lusitanidade, mesmo que à distância. Mas comezaina e beberrice à parte, fico um pouco apreensivo quanto ao nosso futuro papel neste território agora chinês. Todos os anos se repetem as declarações de boas intenções. O cônsul-geral cumprimenta o Chefe do Executivo, e agradece a disponibilidade, este retribui destacando a contribuição da nossa comunidade (verdade, verdadinha, diga-se de passagem), tudo isto entre juras de amor eterno que se renovam ano após ano. Depois há a vertente comercial da coisa, e repetem-se as palavras que ficam bem quando se trata de negócios; ora é a plataforma, a faixa, arrota, perdão, a rota. Ora se atira com um “entreposto de produtos portugueses” em Zhuhai, ora se muda de discurso e se aponta a Shenzhen. E na prática, o que quer isto dizer? O que é que tem sido feito, realmente, além das visitas, dos apertos de “bacalhau”, e depois lá vai cada um à sua vida? Contexto histórico à parte, a verdade é que o futuro de cada residente de Macau está nas suas mãos, independente de ter nascido em Macau, Portugal, França ou outro sítio qualquer, e tudo depende da prosperidade do território, e já agora da estabilidade política na própria China. E é isto que temos que colocar no topo da lista de prioridades. E por falar nisso…

2) Vamos ter eleições legislativas em Setembro próximo, e a coisa começou já a “aquecer”. Sem me referir a nomes (sabem de quem estou a falar), tivemos esta semana polémicas declarações de um deputado, que acusou o Gabinete de Ligação de favorecer outro candidato. Repito, o Grupo de Ligação. Isto para quem não acredita em bruxas, mas considera que as há, há (não, não me estou a rir) pode ter algum cabimento, mas eu duvido. Perdoem-me por não ter o dom da fé, mas quer-me parecer que o tal candidato deu um tiro no pé – no outro, que está bom, se é que entendem onde quero chegar. Onde se pode chegar levantando uma suspeita destas? E mesmo sendo legítima, quanto votos valem o tal convite para o jantar, o discurso que foi ali feito, e tudo mais? Mas a campanha eleitoral promete, pois além dos habituais pássaros que normalmente ocupam o poleiro da Praia Grande, temos este ano uma lista composta pelos “lesados do Pearl Horizon”. O nome não lhes podia ficar melhor. São aqueles tipos que pensaram que compraram uma “pérola”, mas foram a ver e à frente só tinham o horizonte. Em Setembro há mais.

15 Jun 2017

Loucura, santa loucura

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]iva! Reside em Macau, e não é maluco? Bipolar? Esquizofrénico? É normal, portanto. Ora, nem sabe o que está a perder, pois em Macau vale a pena ser louco. Nem que seja um bocadinho, mas quanto mais melhor. Garantidamente ninguém se mete consigo, enquanto que se der o caso de ser uma pessoa normal, arrisca-se a ter que prestar contas à Polícia, ao Ministério Público, à Auditoria, ao CCAC, tudo! Macau é “no country for sane men”. Lembram-se daquele idoso sem abrigo que costumava ficar especado no meio do Largo do Senado a emanar um intenso odor a urina? Muitos anos passaram, e o senhor muito provavelmente já terá ido ter com o criador, mas na altura em que era um enfado para residentes e turistas, chegou a haver quem tivesse interpelado as autoridades e chamado a atenção para o caso. Resposta da polícia? “O senhor tem o direito de estar ali, se quiser”. Viva o segundo sistema, onde se consagra o direito de se revelar o que vai quer na alma, quer na bexiga.

Atendamos ao exemplo do “estranho amarelo”, como é conhecido entre locais e turistas aquele indivíduo que quase diariamente pontifica na Avenida da Praia Grande, e debitar altos decibéis de poluição sonora através de uma grafonola rachada, e a exibir danças tribais entre no meio da estrada, entre os sinais vermelhos para o trânsito. Experimente o leitor desatar a berrar a meio do dia naquela artéria da cidade, e em menos de cinco minutos tem a polícia à perna. Um dia destes alguém partilhou nas redes sociais uma imagem do referido indivíduo a viajar num transporte público com todo o aparato que o acompanha – cartazes, megafone, roupagem estúpida, tudo a que tem direito. Tente o leitor entrar num autocarro com duas malas de viagem, e vai ver como é dali escorraçado em menos que nada.

O pior mesmo é quando a loucura parte de onde menos se espera, ou de onde nunca deveria partir. Ainda esta semana os Serviços de Saúde (SS, e nem por acaso) anunciaram um sistema de delação, onde se encoraja os residentes a denunciar quem estiver a fumar em espaços proibidos para o efeito. Ora isto de fumar não é bem a mesma coisa que montar uma barraca de farturas, e já consigo imaginar a situação:

– “Ah ah! O senhor está a fumar aqui, onde não é permitido?”

– “Sim…olhe não sabia”.

– “Ai não? Então olhe, fume devagarinho que eu vou ali chamar o fiscal!”

– “E se entretanto eu acabar o cigarro?”

– “Acenda outro!”

Claro que a excepção seria sempre para o estranho amarelo. Esse bem podia estar a fumar numa maternidade ou no Macau Dome, e ninguém dizia nada.

E do que me estou eu a queixar? Ora essa, de coisa nenhuma. A loucura é que está a dar, garanto-vos, ou não me chame eu Napoleão Bonaparte.

PS: Realizam-se as eleições no Reino Unido, numa altura em que o país está mergulhado numa onda de insegurança devido a mais um atentado levado a cabo em Londres no último sábado, e uma outra de incerteza devido ao Brexit. Fico a torcer para que a partir de hoje a sra. Theresa May passe a uma (infeliz) nota de rodapé da História. E não, agora não é loucura.

8 Jun 2017

Dia do adulto (com birra)

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]is-nos em Junho! Chegou o Verão, e com ele chega o calor insuportável, a chuva das monções,  os tufões, e o período em que começamos a contar os dias até desopilar daqui para fora por um mês ou menos, para “arrefecer o radiador”. Espero ainda que tenham aproveitado bem o feriado do Barco Dragão, da última terça-feira, que agora o próximo é só em Outubro. Sim, e para quem está no rectângulo, lembre-se de nós, “os sortudos de Macau”, quando estiver a levar a cabo as sardinhadas, os arraiais, os concertos pimba e tudo mais que arranca em Junho e só acaba em Setembro – e depois ainda se arranja mais qualquer coisinha, aposto.

Enquanto isso, é Macau porta-fora, porta-dentro. Ainda na segunda-feira de manhã saí de casa todo bem disposto, com aquela sensação de “falsa sexta-feira”, pois no dia a seguir era feriado. Eram oito e meia da manhã, uma hora perfeitamente razoável para percorrer 1200 metros a pé até ao buliço. Ou seria, não fossem os percalços começar logo à saída da porta. Um vizinho meu partiu recentemente uma perna (coitado) e resolveu nesse mesmo dia sair de casa à mesma hora que eu, acompanhado da anda de metal, proporcional à sua larga moldura, uma perna no chão e a outra pendurada (outra vez, coitado), a mulher a dar-lhe o braço, e atrás vinha o seu pai, com a cadeira de rodas. Isto tudo para caber dentro de um elevador com uma área de seis metros quadrados.

Saindo dez ou quinze minutos depois para ir passar a manhã toda a apanhar o tão necessário solinho, não me deixava a rogar-lhe pragas o dia todo. Até porque depois o elevador pára noutros andares, e lá vão as mui-muis e os pi-pis, acompanhados das avós e das empregadas, e normalmente nunca falta aquele senhor obeso que entra no quarto andar para sair na garagem dois pisos abaixo. É por isso que é gordo. Curiosamente em matéria de civismo ganha o meu vizinho do sétimo andar, um taxista dono de um cão daquelas raças tipo “mastim”, e que nunca entra no elevador se estiver acompanhado do animal. Trata-se aqui de uma muito honrosa excepção.

Depois na rua é outra aventura. A desvantagem de trabalhar quinze minutos a pé de casa é não se poder alegar um atraso por “greve dos transportes”, porque aqui também não há (greves, pois os transportes “vão havendo”). Mas andar na rua já foi mais fácil. Ainda nessa tal segunda-feira passada, evitei um individuo que vinha na minha direcção direito que nem um foguetão norte-coreano, enquanto olhava para o infinito, certamente à espera de ver a deusa A-Má montada num dragão. Enquanto noutros pontos podíamos sensibilizar o indivíduo no sentido de “olhar para onde anda”, nestas situações o melhor mesmo é ligar o escudo anti-míssil, e irmos à nossa vida, para evitar conversas de surdos.

Finalmente o último terço do percurso, mais sinal ou menos sinal vermelho lá se vai chegando a horas, por entre uma multidão de gente com a cara espetada no telemóvel a ler os comentários às fotografias pirosas que partilharam no fim-de-semana, ou a jogar ao “Bubble-qualquer-coisa” no Facebook. É tudo gente muito ocupada, a quem ainda foram dar essa enorme chatice que é ter que ir de manhã para o emprego. É a esses heróis que dedico este artigo, e não é com este discurso de tosse de catarro que estou a tentar educar ninguém. Sabe bem desabafar, e ainda por cima hoje tenho um desconto; se é o dia mundial da criança, porque não também do adulto com birra?

1 Jun 2017

O velho e a escola

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m primeiro lugar gostava de deixar aqui uma palavra de apreço à Escola Portuguesa de Macau (EPM), que continua a dar o brado no ranking de escolas portuguesas no estrangeiro. Mérito daquela instituição de ensino, dos seus docentes e funcionários, e porque não dos próprios alunos e dos seus pais – parabéns a todos. A escola tem tudo para ser, como afirmou há meses o presidente do Conselho de Administração da Fundação da EPM, Roberto Carneiro, “o veículo para levar a Europa para dentro da China”.

Feitos os (mais que merecidos) elogios, permitam-me uma pequena dissertação sobre o que a EPM representa para mim, e aquilo que me faz sentir: velho. Tanto eu como o leitor que tem lá as suas crianças a estudar, ora há mais tempo ou recentemente, fica inevitavelmente com aquela sensação de que o tempo vai passando mais para nós do que para os miúdos. Para eles é um desabrochar, para nós são as folhas que vão caindo. O meu filho, por exemplo, já não é aquele pequenote que em tempos eu pegava ao colo com um braço; agora é ele que me levanta! Aquele adolescente agora com 16 anos e a frequentar o 10º ano passou de “meu tesourinho” a “o outro gajo que vive cá em casa” – isto como figura de retórica, claro.

E não é só ele, mas todos os seus coleguinhas, também. Macau é praticamente uma aldeia, e dentro da comunidade portuguesa conhecemo-nos praticamente a todos. Alguns dos colegas do meu filho vêm-no acompanhando desde o jardim de infância, e hoje olhando para o quanto eles cresceram, começo sinceramente a ver a areia da ampulheta do tempo a escoar, e a chegar ao fim. Quem diria que aqueles miúdos que me davam pelo joelho são hoje jovens cavalheiros e senhoritas? Os mesmos que quando os vi ainda não assim há tanto tempo quanto isso me mostravam o seu carrinho ou a sua boneca, e hoje ostentam uma espécie de barba, usam “piercings”, e respondem-nos com “iás”, e “tipo…”, quando falamos com eles? Ouvem música de artistas de que nunca ouvimos falar, guardam aqueles silêncios próprios da angústia juvenil, pois “nunca os conseguiríamos entender”. Sei lá, que diabo, a mim às vezes apetece-me sacudi-los, para saber onde anda aquela inocência que nos dava aquela confortável sensação de superioridade, e que para eles era (e ainda é, de algum modo), de dependência.

Não são assim tantas as vezes que preciso de me deslocar à EPM, e quando é mesmo necessário, acaba por ser uma chatice. Mas saio sempre de lá com aquela sensação de que sim, estou a ficar velho, e os miúdos estão aí para tomar o meu lugar. E ainda bem, pois quer dizer que o mundo continua a girar, e vai-se cumprindo o ciclo e a velha máxima do “filho és, pai serás”, etc. “And the cat’s in the cradle and the silver spoon…”.

25 Mai 2017

Os novos do Restelo – um desabafo

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ortugal é que está a dar, e já não era sem tempo. Em menos de um ano matámos dois borregos: vencemos o Europeu de futebol e o Festival da Eurovisão. E ainda por cima este último num fim-de-semana em que o Papa esteve em Portugal, a propósito dos cem anos da menti…perdão, das aparições de Fátima. Seria este o quarto segredo de Fátima, caso tivessem havido mesmo outros três? Não interessa! A verdade é que com todo este banzé pode ser que um dia quando nos perguntarem de onde somos, possamos dizer “de Portugal” sem precisar de acrescentar “…fica ao lado da Espanha”. E para quem estiver a pensar que estou a ser velhaco, nada disso. Vencer o Festival da Eurovisão é uma daquelas coisas que os portugueses vaticinavam para o dia de S. Nunca à tarde – dia 30 de Fevereiro, para quem não sabe a que dia bate cada santo.

Há quem diga cobras e lagartos do Festival da Eurovisão, mas normalmente quem o faz quer dar a entender que tem um gosto musical erudito, que “ele é que percebe de música”, e tal. Aposto que muita gente não sabe que o tema “Nel blu dipinto di blue” (mais conhecido por “Vooolare, oh oh”), de Domenico Modugno, ficou em 3º lugar no Festival da Eurovisão em 1958. Quantos detractores do evento, que apelidam de “piroseira”, já cantaram isto no chuveiro? E “o zabba”? Sim, “o zabba”, o grupo mais popular da História logo a seguir aos Beatles. Não fosse pela Eurovisão e nunca tinham passado da sua nativa Suécia, onde cantavam naquela língua que mais parece que têm a boca cheia de favas. Nana Mouskouri, Julio Iglesias, Cliff Richard, Celine Dion, France Gall e muitos outros devem as suas carreiras de sucesso ao Festival. E agora também o nosso Salvador, o Sobral. E é impossível não se gostar daquela canção, e da carga emotiva como o rapaz a interpretou. Espera lá, eu disse impossível? Para o tuga que se preze tudo e nada é impossível ao mesmo tempo.

Quem não gosta e não liga ao Festival, e por isso está-se nas tintas, tem todo o direito a NÃO tugir nem mugir. Faz muitíssimo bem, e pode sempre mudar de canal. Entre estes há até quem tenha o discernimento e o bom senso de considerar a vitória de Portugal uma coisa boa em termos da promoção do país. Sempre são 200 milhões de telespectadores dos quatro cantos do mundo que vão para o ano assistir ao certame transmitido em directo de Portugal. Isto serve para o Festival como para outra coisa qualquer, que o tempo do “orgulhosamente sós” já lá vai. E ainda bem.

O problema aqui é que a minoria que fala mal é tudo menos silenciosa, e como é habitual nestas coisas das artes, além de não conseguir estar calada, diz tantos disparates que se torna impossível contemplar a obra em sossego. Ora é porque o rapaz “se veste mal”, ou porque “parece um mendigo”, ou ainda “porque esta canção não é de Festival”, dizem ainda os (des)entendidos na matéria. Tanto não é que ganhou, vejam lá vocês. Por incrível que pareça, e tal como sucedeu no Europeu de futebol no ano passado, houve quem tivesse ficado aborrecido por Portugal ter ganho, imaginem! Já sei, já sei, “não foi bem assim”. O que se passa é que a malta gosta de dar palpites e de ter razão no fim, e depois não há garganta para fazer passar tamanho melão. Tudo Freud explica. Afinal sempre foi mais de meio século a ver os outros ganhar e depois afirmar “Pois, eu não disse? Queriam o quê, ganhar? Não me façam rir”.

São os novos velhos do Restelo, que constantemente ressuscitam o cadáver do derrotismo, mesmo que este lhes implore para que o deixem morrer em paz. É o velho conto do pobre e mal agradecido, revisto e aumentado. De tão habituados que estão a não passar da cepa torta, desconfiam quando lhes sai a sorte grande. Porque “são vivos”, estão a ver? São de Olhão e jogam no Boavista, só que nem uma coisa nem outra. Nunca foram ao Algarve na vida e não sabem dar um chuto numa bola, isso sim.

Portugal é um país pequeno, com 10 milhões de alminhas – menos que muitas cidades da China – e de nós não se esperam mundos e fundos. A sério, não se espera mesmo. Faltam-nos os meios logísticos e humanos para ombrear com as grandes potências, o que é que querem? E é por esse mesmo motivo que nos devíamos orgulhar, e se calhar parar um bocadinho para pensar que se na bola e no Festival (já) não somos menos que os outros, quem sabe se chegou a hora de arregaçar as mangas, deitar mãos à obra, e mandar os impossíveis à fava, juntamente com os novos do Restelo que por aí abundam. Despeço-me com um agradecimento ao Salvador Sobral, que juntamente com os bravos rapazes que trouxeram o caneco de França no ano passado, provaram que se pode vencer, mesmo com esse tremendo handicap que é o de ter nascido português. Sois uma inspiração. Amén!

18 Mai 2017

Celui qui n’est pas elle

[dropcap style≠’circle’]R[/dropcap]ealizou-se no passado domingo a segunda volta das eleições presidenciais francesas, e vou poder finalmente falar do assunto sem ser apelidado de mil e uma coisas, como “esquerdalho” e “marxista” entre as mais simpáticas. Não que isso me inibisse de todo – só não estava para me chatear, pronto – mas há silêncios que depois sabem bem, recompensadores. Hmmm, cheirai os lírios dos campos onde o ar é salúbre porque os fascistas não mandam. E viva a União Europeia! Claro que esta não é uma vitória definitiva, pois a seguir vêm aí as legislativas, mas pronto, a casa não veio abaixo, e Macron fez bem o papel do “outro que não Le Pen”, ou no linguajar nativo da velha Gália, “celui qui n’est pas elle”.

E porque pouco importa o que Macron é, foi, ou representa, se é banqueiro, se foi socialista ou se casou com a s’tora e tem um enteado mais velho que ele. Não é ninguém em especial, é a “marca branca” na prateleira do supermercado, se quiserem. E ainda bem que preferiram essa, pois a outra, a “de marca”, já há muito que passou do prazo de validade. O projecto da sra. Le Pen e da sua Frente Nacional não é um projecto; é um anti-projecto. Suportada na revolta daqueles a quem esta democracia nada deu (e muitos simplesmente porque nada investiram), a plataforma da FN é baseada numa política de terra queimada, do baralha e torna a dar, do medo e da intimidação. E no fundo deste fétido vespeiro jaz a rainha vespa, parideira de assassinas: a imigração.

Foi fácil identificar os desiludidos com a derrota de Le Pen nas redes sociais. São os tais que andam já a algum tempo a pedir se chovem…atentados. Agora dizem que a França “acabou”, e que “se rendeu ao Islã” (estes eram brasileiros, acho), e querem que tudo rebente à grande e à francesa! Para quê? Para depois dizerem que tinham razão, ora essa. São uns queridos. A sério, não vejo mais ninguém a fazer claque pelos terroristas e a pedir que aconteçam atentados do que estes. E vergonha na cara, temos hoje ou não havia na praça?

E Macron, o tal que não Le Pen, pode ser jovem, alto ou baixo, e por acaso tem uns olhos todos giraços, o franciú, não interessa – é a vontade da democracia que tanto desprezam, por isso respeitem-na, pázinhos. É a vontade de quem continua a acreditar num projecto que representa oito décadas de paz, e rejeita o retrocesso ao tempo da barra dura, dos muros, dos murros e dos burros, das “limpezas da casa” que são tudo menos limpas, e que é aquilo que Le Pen e a sua FN pretendem trazer, ao vivo e as cores. Faltam as legislativas, é verdade, mas esta batalha está ganha. Não me vêem a dizer isto muito frequência, mas desta vez lá vai: Vive la France!

PS: Não podia terminar sem deixar um grande bem-haja ao director deste jornal, ainda o diário da liberdade (já viram que até parece o Liberátion e tudo, ah ah), por ter a coragem de romper o silêncio confrangedor a que a imprensa estrangeira da região se tem remetido quanto a estes temas, digamos, “distantes”. No programa de debate da TDM do último Domingo, o exmo. Sr. director teve digno gesto de recordar as alminhas adormecidas ou atordoadas, que muita da propaganda destes movimentos fascistas é baseada em notícias falsas, em mentiras. É bom que se tenha dado este murro na mesa “in public”, e nem era preciso ir muito longe – basta verificar a veracidade dos factos e começar a pôr de parte as fontes de água poluta. Para quem mesmo assim prefere a contra-informação, não sei o que mais lhe diga. Olhe, boa sorte?

11 Mai 2017

Cristiano Portugaldo

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]as viagens que tenho feito pela Ásia próxima (a Ásia próxima daqui, portanto), em todos os lugares há um nome com que os nativos se identificam quando lhes deixo saber a minha nacionalidade: Cristiano Ronaldo. Todos não, e não vos vou mentir; a Índia, onde o desporto mais popular é o intragável Cricket, o melhor jogador de futebol do mundo é relegado para segundo plano, até em termos de Portugalidade – Vasco da Gama ainda é o português com que muitos indianos ainda mais se identifica. De resto, seja no Cambodja, no Laos, no Vietname ou no Myanmar, qualquer adepto do desporto-rei ou pirralho que goste de dar uns toques na bola associa a palavra “Portugal” ao seu ídolo: é aquele país pelo qual Cristiano Ronaldo joga no mundial de futebol. De qualquer outra forma, nem nunca teriam ouvido falar de nós, ou pensavam que “ficávamos na Espanha”, como os broncos dos americanos. Mas têm alguma dúvida disso, meus caros?

Não é por acaso que Cristiano Ronaldo é a lenda, e ontem (madrugada de quarta-feira em Macau) encarregou-se de reforçá-la, assinando mais uma épica exibição na primeira mão da meia-final da Liga dos Campeões. Para quem não sabe ou não quer saber, esta Liga dos Campeões é a competição de clubes de futebol mais importante do planeta, e em tempos de (relativa) paz, e longe da era das lutas de gladiadores, é o palco onde se decide quem são os bravos entre os homens. Marcou mais um “hat-trick”, quebrou mais não sei quantos recordes, igualou outros tantos, marcou mais de 400 pelo Real Madrid, sei lá, para quem não se rende aos factos, renda-se pelo menos aos números. Estamos aqui a falar do melhor marcador de sempre da competição de clubes mais importante do planeta.

E foram golos de antologia, aqueles, dignos de constar de um eventual futuro museu da modalidade, numa distopia onde as guerras se substituíram ao futebol para eleger os maiores entre as nações. No primeiro sobe ao terceiro andar num cruzamento, enquanto o defesa que o marcava, um tal Savic, só consegue chegar ao segundo, não evitando que a redonda acabe no fundo das malhas da baliza de um tal Oblak (pelo nome até parece um oficial das SS, e para efeitos dramáticos digamos que faz de conta que é). No segundo e no terceiro demonstra toda a sua inteligência, qual mestre de xadrez, mas muito mais atlético, rápido e ágil. Uma bola que lhe salta à frente, e ele prepara um remate que fuzila o nefasto Herr Oblak; e depois uma outra em que recebe um passe que podia ter finalizado de calcanhar, mas prefere parar a bola e marcar um mini-penalty ao então moribundo guardião do Atlético de Madrid, e oficial nazi nas horas vagas. Nem é preciso gostar-se de futebol para apreciar isto como arte, minha gente.

Não surpreende que só Vasco da Gama possa competir com Cristiano Ronaldo como figura de proa de Portugal e dos portugueses; destes últimos, qual o que fez tanto ou uma décima parte para prestigiar o nome do país lá fora? Mas há quem não se convença, por incrível que pareça, e se a inveja está à cabeça dos motivos que levam a todo o desdém (ao ponto de se idolatrarem anões argentinos, numa súbita queda para o circo), outras razões para que se desdiga do nosso herói da bola incluem o facto de ter sido formado pelo clube rival. Em suma, tudo notas de rodapé, e não acredito que alguém nos confins do mundo que adora Ronaldo saiba sequer o que é o Sporting – os lagartos que me desculpem, mas é assim. A embirração chegou ao ponto de se protestar que se tenha atribuído o nome do jogador ao aeroporto do Funchal, na sua Madeira natal. Eu por mim rebaptizava o país inteiro com o nome do Cristiano Ronaldo, com uma breca. E fica já aí no título uma boa sugestão para o nome da nação. Agora, não sei é se o próprio CR7 nos dava essa honra. E sabem o que mais? Aposto que dava, como tem sempre dado tudo pelo nome do país cujas armas sempre orgulhosamente ostentou ao peito. Ele nunca pediu nada em troca, pois não?

4 Mai 2017

25 de Abril já, ou tudo preso!

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão sei se os estimados leitores deram conta disso, mas foi dia 25 de Abril na passada quarta-feira, há dois dias. Ah, pois é. Foi dia vinte e cinco no mundo inteiro, de facto, mais cedo para uns do que para outros, mas no mundo que fala português (menos no Brasil), comemorou-se o 43º aniversário da Revolução dos Cravos, conhecido para os mais novos sobretudo como “aquele dia que é feriado, cabom”. Nem de propósito, foi dos mais novos que a TDM se lembrou, e foi Escola Portuguesa adentro fazer às angelicais criaturas que por lá proliferam fazer uma sacramental pergunta: o que é para ti o 25 de Abril. Uma versão adaptada do Bastos, “olha lá, onde é que tu estavas no 25 de Abril?”. Aqui as criaturas obviamente que simplesmente não estavam, e em muitos casos nem os respectivos paizinhos delas – olha eu aqui que não me deixo mentir.

As respostas foram do mais surreal que há, mas fiquei contente por saber que as criancinhas tentam explicar a coisa, pelo menos. Ah, e tal, ditadura. Ah, e tal, liberdade. Aqui não é feriado, que pena. Fiquei boquiaberto de espanto ao ouvir coisas do calibre de “o 25 de Abril aconteceu porque o Salazar não nos dava liberdade”, mais o Salazar para aqui, mais o Salazar para acolá, olha, até cheguei a ter pena do tirano beato de Santa Con…Comba. O senhor já tinha morrido quatro anos antes, ó meninos. A natureza encarregou-se disso, portanto como podem ver não há mal que sempre dure. A reportagem terminou com chave d’ouro, com a jornalista a perguntar a uma estudante do ensino básico “o que seria se não tivesse acontecido o 25 de Abril”, ao que a pequena retorquiu “estávamos todos presos!”. Toma lá que já abrilaste!

Ora bem, fiquei encantado com a criançada, a quem no meu tempo era muito mais difícil perdoar a ignorância – e havia burrice a rodos, se havia. O que não me encanta assim tanto é ver a quantidade de resmungões. Sim, resmungões, e nestas contas não entra a idade. Há por aí muito menino e menina que há 43 anos ainda andava a balançar entre o esquerdo e o direito a proferir chorrilhos de inanidades do tipo “antes é que se estava bem”, e “havia respeito, e não se viam as poucas vergonhas que se vêem agora por aí”, ou ainda “os pretos estavam todos em África” (menos o Eusébio e outros quadros especializados do desporto e das artes). Então vá lá, querem saber uma coisa: NÃO! É MENTIRA! Pela enésima vez: quem não gostou do 25 de Abril porque estava então ou estaria agora mais bem acomodado, paciência. É entre os tais resmungões que se encontram muitos destes desatinados com a vida, a quem a tal liberdade e democracia não lhe fez sair a sorte grande, então pronto, que se lixe, bardamerda para a liberdade e para a democracia. Que bonita figura.

Para mim foi porreiro pá, achei óptimo, como acho cada vez que se derruba a canalhada fascista e ditadora. Depois houve o PREC e mais não sei o quê – e depois, o que é que o 25 de Abril tem a ver com isso? Comemora-se o dia, não o que se fez depois com ele, umas vezes bem, quase sempre mal. E não é para isso que serve a liberdade, para se poder fazer asneiras à vontade, e eventualmente pagar por isso? É a outra face de ser recompensado por se fazer o bem, é a dialéctica da liberdade. Com Salazar, que desta vez foi “injustiçado” pela rapaziada da EPM é que não se fazia nada, meus amigos. Não vos quero maçar mais – e tinha pano para mangas – e assim sendo termino. Não sem antes desejar um feliz Dia da Liberdade para todos  os leitores do Hoje Macau. Sim, todos, mesmo os resmungões. Feliz 25 de Abril, ó chefe.

27 Abr 2017

A maior democracia do mundo

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]oltei no Domingo de uma semana de férias na Índia, onde fiquei dois dias em Nova Deli, três em Varanasi, à beira do rio Ganges, e mais um dia e meio na capital, antes do regresso a este “same same” – faz sempre bem mudar de ares de quando em vez. Só que desta feita não foram as habituais “férias de luxo na miséria dos outros”, nem tanto mais ou menos um relaxante e reparador interlúdio do quotidiano. Digamos que foi antes um “partilhar da miséria alheia”. Se me perguntarem se gostei, vou dizer que sim, claro, mas não vou recomendar. Não é tudo “lindo”, e uma maravilha, antes pelo contrário. Eu gostei porque sou um tipo esquisito, a atirar para o excêntrico.

Na Índia está bem à vista dos olhos tudo o que há a lamentar naquele país, o segundo mais populoso do planeta depois da China: o lixo, a pobreza, as gritantes insuficiências em termos de estruturas que possam dar uma vida decente a toda a população. Sendo que ali vigora um regime de governo parlamentar eleito por sufrágio directo e universal, posso dizer que estive na maior democracia do mundo. Tecnicamente é assim, e pensarem-se em medidas de controlo da natalidade não faz sentido. Afinal que democracia é essa onde não se pode ter o número de filhos que se quiser? Ali o melhor é ter uns nove ou dez, pois se morrerem metade, ainda se fica com a descendência assegurada. Valha isso o que valer àquela pobre gente. Estava ainda no carro a caminho do minha sede em Deli, e deparei com um aviso em inglês por cima de um muro de arame farpado, onde se lia: “Propriedade privada. Os intrusos serão ABATIDOS”. Isso mesmo, ou “trespassers will be shot”, na versão original. Realmente, na maior democracia do mundo o melhor mesmo é resolver as coisas da forma mais simples, do que recorrer a tribunais por algo de tão pífio como entrar em propriedade privada. Já pensaram o que seria se centenas de milhões de pessoas tivessem a noção de que poderiam processar alguém, do que simplesmente limpar-lhe o sebo?

O que também não faz falta e só atrapalha são as regras de trânsito. Na Índia não há uma, duas ou três faixas de rodagem – há as que calharem, desde que sejam na direcção certa. É preciso ter atenção mesmo quando se anda pelo passeio, pois existe a possibilidade de se pisar num cão, em bosta de vaca, ou em alguém a dormir no chão. Na Índia é normalíssimo encontrar pessoas a dormir na rua, e não se pode aqui sequer aplicar o conceito de “sem abrigo”. Pode ser que ainda haja por lá quem considere que estes “têm sorte”; se estão a dormir, é sinal que estão vivos. Quantos às vacas na via pública, sim, confirmo: vacas em toda a parte, e contem com isso se estiverem a pensar em lá ir. Contudo são falsos os relatos que dão conta de comboios paralisados devido à presença de uma vaca nos carris, ficando os passageiros a depender da vontade do ruminante em sair dali para fora. Na eventualidade disto acontecer (e não é de todo improvável), enxota-se o animal e ele vai embora. Reparei que a Índia não é um mau sítio para se nascer vaca ou cão, pois tudo o que fazem é comer lixo e dormir. E lixo é coisa que ali não falta.

Mas deixarei agora Deli de lado, e vou falar de Varanasi, a outra capital da Índia, mas esta espiritual. É uma cidade à beira do Ganges, e conta-se que foi nela que o príncipe Siddharta decidiu mudar de vida, e passou a ser conhecido apenas por “Buda”. Eu chamaria-lhe uma espécie de cruzamento entre Fátima e Meca, mas “on acid” e aberto 24 por dia todos os dias. Uma coisa completamente louca, um “hippie trail” que só visto. Varanasi foi fundada por Lorde Shiva, um dos elementos da santíssima trindade hindu, e que passava o dia “a fumar marijuana e a beber veneno”, e à conta disto “era azul”. As pessoas que morrem envenenadas pela picada de uma cobra “ficam azuis”, assim me contaram. Por falar em morrer, é ali mesmo no leito do rio Ganges que se realizam diariamente cremações de mortos, cujas cinzas são deitadas na água. Excepção feita a um grupo de casualidades, onde se inclui a lepra, onde nesse caso o cadáver é simplesmente deitado ao rio. Não, não vi nenhum cadáver a flutuar nem nada que se parece. Aquele é um dos maiores rios do mundo, sabiam?

Assim sendo, da Índia tirei algumas conclusões pessoais; eis um povo que vive a sua democracia, a maior do mundo, alimentada pelo veneno da religião e da idolatria, que não deixa ninguém azul, mas antes conformado. Vigora ainda hoje, em pleno século XXI, um sistema milenar de castas, que determina que a percentagem da população que nasça no seio de determinada casta  considerada “impura” esteja condenado a pedir esmola ou limpar latrinas, mal saia do ventre maternos. Os colonizadores britânicos acabaram com muitas práticas consideradas “barbáricas” pelos indígenas, mas curiosamente não tocaram nesta, que é está em prática de forma bem evidente – porque será?

Adorei a Índia, mas mais uma vez, não recomendo a ninguém. Já agora, comida é óptima, um “must” para os aficionados. E não, não contraí nenhuma doença tropical, apesar dos 42º sequinhos que se aguentavam bem melhor que os vinte e qualquer coisa ensopados de Macau. Que nem é democracia sequer, quanto mais a maior do mundo.

20 Abr 2017

Os B.P.S.

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ostumava o meu pai dizer que “à mesa não se fala de religião ou política”. Mas de futebol tudo bem, falava-se pelos cotovelos. Na ressaca de mais um “derby”, disputado no último Sábado entre o Benfica e o Porto, resolvi hoje de um mal que afecta os portugueses de um modo geral: a clubite.

Se os benfiquistas são seis milhões (é bem possível, a julgar pela quantidade de gente deprimida no país), os restantes quatro milhões são do Porto e do Sporting. São os BPS (benfiquistas, portistas e sportinguistas), que constituem 99.9% da população portuguesa – os outros 0.1% são uma margem de erro. Mesmo os que se dizem adeptos dos outros clubes, do Guimarães, do Braga, do Belenenses, e mesmo os orgulhosamente insulares da Madeira, são uns enormíssimos BPS camuflados. Basta ver os jogos do tipo Braga-Benfica, ou Penafiel-Porto, se acabam 2-2, metade dos adeptos no Estádio festejam os quatro golos, sendo que a outra metade pertence a um BPS inimigo – os BPS são os expeditores da glória desportiva. Um adepto de Setúbal que garanta a pés juntos que só gosta do seu “Vitórria”, é lá no fundo um BPS recalcado que sofre com um deles todos os fins-de-semana. A Taça de Portugal é um bom exemplo disso. Lembro-me há uns anos um dirigente de um clube dos escalões secundários ter dito em vésperas de receber um dos grandes que “queria vencer para ajudar o Benfica”.
O clubismo é um cancro nacional. Separa os melhores dos amigos, gera discussões bacocas entre colegas, é só do que se fala quando não há nada para falar (e quase sempre não há!). Qualquer BPS mais pacato começa a levantar a voz e o dedo quando fala de futebol com um BPS rival. Ao contrário das religiões, que não se enfrentam todos os fins-de-semana em busca de um troféu (pelo menos não nos mesmos moldes), aqui a rivalidade é renovada a cada jogo, a cada semana, a cada título. Cada um dos BPS é especial na sua maneira de ser.
O benfiquista é o mais orgulhoso. Há benfiquistas de toda a espécie e feitio: ministros, advogados, trolhas, domésticas, beatas, arrumadores, tudo. Há benfiquistas alentejanos, beirãos, portuenses, do Minho até Timor, como dizia o outro. O Benfica é a United Colors of Benetton do clubismo lusitano. Podem ser óptimas pessoas, boazinhas, porreiríssimas, mas passam-se dos carretos quando alguém fala mal do seu clube. Todos sabem de cor os hinos do Benfica, têm em casa um pratinho que diz “quem não é do Benfica não é bom pai de família”, arrepiam-se quando revêm imagens do Eusébio e do Rui Costa a chorar. Produzem resmas de poesia e prosa de casca grossa para definir “o que é ser benfiquista”, que começa quase sempre por “é uma chama imensa”. São tão agressivos quanto os portistas, têm ambos mau perder, e isto porque ambos pensam que existe uma guerra norte-sul, em que a deslocação para cada um dos campos de batalha se faz de carro em pouco mais de duas horas.

Os portistas são gente desconfiada (“este morcone não é do Norte, carago), orgulhosa, que um dia arregaçou as mangas e resolveu pôr um fim ao domínio da capital. São os anti-imperialistas do clubismo. Olham para o Benfica de cima, e riem com tom sarcástico das coisas que os acusam. Para o portista, que ri na cara do perigo, “as contas fazem-se no fim”. E têm sabido fazer bem as contas. Pinto da Costa aparece assim numa aura estranha, de santidade como o Papa, de revolucionário como Che, de padrinho como Vito Corleone com um culto da personalidade a fazer lembrar Mao. Orgulham-se do terreno que foram conquistando nas últimas décadas, e estão convencidos que “até em Lisboa há portistas”. Enganam-se. Haver há, os que emigraram. Os outros são sportinguistas arrependidos, uns BPS à parte, que são anti-Benfica.

Os sportinguistas são, dos três, os mais simpáticos. Têm orgulho de ser do Sporting, consideram-se uma elite. São os tais “netos de visconde” de que o Octávio Machado falava. Quando penso num sportinguista tipo vem-me à ideia um indivíduo calvo, sorridente, técnico de informática, com um autocolante “salvem as baleias” no PC e outro “Bebé a bordo” no Fiat. São os BPS que mais filosoficamente aceitam a derrota, e não entram em grandes euforias quando ganham, porque afinal, “é normal”. São uma malta que sabe estar na vida. Sendo os mais simpáticos, são também os mais permissivos, e talvez por isso nunca ganham, coitados. Simpatizam com o Porto “quando ganha títulos em vez do Benfica”. Para eles ver o Benfica perder é um prazer indiscritível. Dizem com a maior das calmas e com um desportivismo latente que “o Porto é melhor clube português dos últimos 30 anos”, mas secretamente desejam que os BP (Benfica/Porto) se matem, esfolem e auto-destruam. O seu mote é “quem espera sempre alcança”.

Outra palermice que os adeptos gostam de reafirmar é que “são BPS, mas são portugueses e querem que os outros ganhem na Europa”. Mentira. Na hora da verdade o visceral ódio vem logo ao de cima. Basta observar este ano a novela entre Porto e Benfica por um lugar na Liga dos Campeões. Mas nos outros países é assim, porque havia Portugal de ser diferente? Na Espanha os adeptos do Barça ficam furiosos quando o Real Madrid vence um troféu europeu, e vice-versa.

Mesmo na selecção nacional o clubismo dita as suas regras. São os BPS cada um a puxar a brasa à sua sardinha, a achar que devem ter mais jogadores do seu clube na selecção de todos nós. Culpam árbitros, dirigentes, políticos e outros pelas derrotas. Têm uma lista negra de responsáveis pelos seus fracassos, e não se importavam de ver “toda a gente na cadeia” para poder festejar as vitórias para que, afinal, muitos nada contribuíram.

6 Abr 2017

Eibar

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cinco de Agosto último passei a maior parte do dia em Donostia (San Sebastián), aproveitei para visitar Irun, e para a terminar em beleza fui jantar a Eibar, onde cheguei ao final da tarde. Parecia uma excelente ideia fazer tudo em apenas um dia, uma vez que de Irun a Eibar a distância é de 74 km, que de carro fazem-se bem em menos de uma hora. O que eu estava longe de imaginar é que a linha férrea do Euskotrain parava em todas as estações e apeadeiros, e a viagem acabou por demorar mais de duas horas.

Mas posso dizer que valeu a pena a viagem, apesar de no fim do dia ter sido obrigado a despender 70 euros num táxi de regresso à minha sede em Bilbau, mas posso dizer que fiquei a conhecer a província de Gipuzkoa, uma das três que compõem o País Basco espanhol, juntamente com Viscaya e Aláva. O que mais posso dizer, quando durante todo o percurso tinha o mar do lado direito, e do esquerdo bosques, alternados com pastagens e campos a perder de vista, com montanhas ao fundo? Pontualmente parávamos numa ou outra pequena localidade, e deparava com alguma indústria pesada. Nada que destoasse da idílica paisagem – por cada metalurgia, estaleiro ou ferro velho, vi centenas de ovelhas, praia e mar a perder de vista.

E foi já perto da hora de jantar que cheguei à estação de Eibar, e em menos de dez minutos a pé estava em plena Plaza Untzaga, no centro da cidade. Parecia uma daquelas praças em estilo espanhol, quadrada com uma fonte ao centro, mas nem por isso menos digna de registar em fotografia. Enquanto o fazia um senhor, penso que um eibarrés, abanava a cabeça em sinal de aprovação, e de seguida disse-me que “foi nesta praça que se declarou pela primeira vez a república”. E de facto foi – a segunda república, em 1931. A população de Eibar alinhou com os liberais nas guerras Carlistas, e da então Praça Afonso XIII fizeram a Praça da República. Durante a Guerra Civil Espanhola a audácia foi severamente castigada, e a cidade de Eibar ficou quase totalmente destruída.

Vieram os anos 70 e Eibar ganhou um impulso económico e populacional, e depois da crise da década, estabilizou e hoje vive da indústria e serviços. Jantei por lá – pintxos, o que mais? – e além da enorme afabilidade dos locais, algo mais me chamou a atenção; por todo o lado, quer nos cafés, nas varandas e nas praças se viam bandeiras da S.D. Eibar, o clube de futebol local que em 2014 disputou pela primeira vez na sua história o escalão principal do futebol espanhol. Um feito espantoso, para uma cidade com 27 mil habitantes, e desportivamente na sombra dos gigantes Athletic Bilbau e Real Sociedad. O problema é que o pequeno Eibar não tinha o dinheiro para cobrir as exigências da liga, nem se queria endividar, e foi aí que surgiu uma ideia pioneira: formar uma sociedade desportiva e vender acções em todo o mundo. E assim graças a uma bem elaborada campanha pela internet, existe desde a Austrália aos Estados Unidos quem seja proprietário do clube, que é o orgulho da cidade que tanto passou para poder ter pão, e agora tem direito ao seu “circo”. Amei Eibar, e vou um dia lá voltar.

30 Mar 2017

Fake & Fake

Pedir a Macau casinos sem fumo é o mesmo que pedir a uma gelataria que abandone o uso da lactose.

[dropcap style=’circle’]1[/dropcap] Dissipou-se o fumo à volta da famigerada proibição total do tabagismo nos casinos de Macau – pasme-se. Não que eu seja a favor do fumo em locais fechados, à revelia dos direitos dos não-fumadores, mas pedir a Macau casinos sem fumo é o mesmo que pedir a uma gelataria que abandone o uso da lactose. Tudo bem, há convenções internacionais disto e daquilo a respeitar, e há que colocar a RAEM ombro a ombro com as jurisdições mais evoluídas e progressistas, mas convém não usar a mesma medida para coisas diferentes – para coisas que nem têm comparação! A equação é muito simples: 1) a economia de Macau depende quase inteiramente das receitas do jogo; 2) o mercado de jogadores é na esmagadora maioria oriundo do continente chinês; 3) os jogadores do continente chinês fumam desalmadamente (porque gostam). É somar 1+2+3 e temos “Não, obrigado: eu fumo”. É preciso ter em conta ainda que Macau é um caso único (até nisto) no mundo, e que não se aplica aqui o mesmo remédio para uma tosse diferente. Que se salvaguarde quem não estiver disposto a levar com o fumo dos outros, ou em alternativa criem, sei lá, casinos “verdes”? Só para não fumadores, para toda a família e onde tudo decorra dentro das regras da boa etiqueta? Isso é que eu duvido que se levantasse do chão.

[dropcap style=’circle’]2[/dropcap] Fake news. Seria já a palavra da década, não fossem duas palavras. O director de uma publicação da compita manifestou um dia destes num editorial seu o desagrado pelas “fake news” em geral, e nomeadamente uma de muito mau gosto que andou a circular pelas redes sociais no último fim-de-semana, e que dava conta do falecimento do actor Rowan Atkinson (vulgo Mr. Bean) num acidente de viação. De facto é de lamentar que se espalhem estes rumores infundados que acabam sempre por colher de surpresa os mais desatentos. Ou será mesmo assim? Neste caso em particular, o “Mr. Bean” é um personagem querido do imaginário de todas as idades, e certamente que se lamentaria profundamente a sua morte. Por outro lado, não merecerá ele estima quanto baste para CONFIRMAR a veracidade da notícia, antes de desatar com RIPs, e a adiantar-lhe a missa de corpo presente? É só olhar para a notícia, procurar o nome do sujeito num motor de busca qualquer, e se os primeiros dez resultados não disserem que ele morreu, é porque ainda está vivinho da silva, a sofrer como todos nós. E peço desculpa se ofendi alguém com o meu tom, mas não creio que seja só a “lamentar” que se vão combater as tais “fake news”.

23 Mar 2017

Neo-mini-dicionário

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]oje decidi fazer uma coisa diferente, e compilar alguns neologismos, bem como termos e expressões que passaram a adquirir um sentido diverso do original, depois de passarem pelo inferno das redes sociais. Espero que não detestem muito.

Abortismo: apoio à prática do aborto, como parte do plano para o Genocídio Branco.

Anti-Semitismo: qualquer demonstração de relutância em aceitar a política expansionista e o comportamento criminoso do estado de Israel.

Benfica: não sabendo bem do que se trata, é aquele ou aquilo que tem a culpa de tudo; “a culpa é do Benfica”.

Burguês: um indivíduo que sabe escrever; “Ao contrário de muito burguês a quem o paizinho pode pagar os estudos, existe gente que teve de começar a trabalhar muito cedo e não aprendeu a escrever devidamente. De qualquer maneira e independentemente dos estudos, todos temos direito a opinar.” (da página do PNR).

Capitalismo: um horror porque o dinheiro está nas mãos dos outros, mas uma maravilha na hora de atacar os esquerdalhos.

Cientistas: esquerdalhos pagos pelo George Soros para nos impingir a teoria do aquecimento global e prejudicar o humilde negócio familiar das petrolíferas.

Direitinha: alguém que se diz de direita, mas que na verdade não passa de mais um esquerdalho.

Estalinista: pessoa que se opõe à verborreia demente do fadista João Braga.

Esquerdalho: basicamente qualquer indivíduo que não partilha de ideologias fascistas e não seja um reaccionário.

Fascismo: ideologia de esquerda; “Mussolini pertenceu ao Partido Socialista italiano e Hitler ao Partido Nacional Socialista”.

Feminazis: partidárias radicais dos ideais feministas, que “são lésbicas e querem acabar com os homens”. A existência destas implica que toda e qualquer pretensão do feminismo seja “uma grande treta”.

Genocídio Branco: a teoria de a vinda de refugiados e imigrantes para o Ocidente faz parte de um plano maior com vista à extinção de raça branca. A sério.

George Soros: bilionário americano relativamente discreto até há poucos anos, quando lhe  foi atribuída a autoria da “Conspiração globalista”.

Globalismo: a ideia de um mundo sem fronteiras. Uma coisa “terrível”.

Globalização: coisa boa quando se vai comer ao chinês e fazer compras no Toys’R’Us, péssima quando se vive paredes meias com imigrantes.

Invasão Uterina: vinda para o Ocidente de mulheres islâmicas “que têm oito filhos EM MÉDIA cada uma”, com o intuito de contribuir para o Genocídio Branco.

Islamo-fascismo: é melhor nem procurar saber do que se trata.

Liberalismo: “uma doença mental”. Vem também em versão “neo” e “ultra”.

Maoista: pessoa que se opõe à realização de palestras onde o convidado seja o Dr. Jaime Nogueira Pinto.

Me(r)dia: os media convencionais, que “escondem a verdade”.

Nazi: lengalenga infantil; “- És um ganda nazi! – Não não, nazi és tu!”

Neo-marxismo: supostamente o mesmo que Marxismo, só que da era tecnológica; na prática é tudo que não se insira neste rol de disparates que estou aqui a debitar.

Nova Ordem Mundial (NOM): Parece qualquer coisa saída de um plano diabólico de Lex Luthor, ou do imperador Ming, mas “estamos a caminho dela”, com a ajuda do Globalismo, Soros, abortocionistas, feminazis, etc.

Politicamente Correcto: serviu durante muito tempo para que certas pessoas não ouvissem o que não gostam, e é actualmente desprezado por estas mesmas pessoas para que possam dizer os disparates que muito bem entenderem.

Refujihadista: deixem para lá.

Salazar: ditador que morreu pobre e decrépito, tal como o país que deixou; D. Sebastião do saudosismo lusitano.

Trump: o santo e a senha; quem é anti-Trump não entra no clube Trump, e vice-versa.

16 Mar 2017

Mea culpa (pois)

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]assei um destes últimos fins-de-semana em Hong Kong, e mais uma vez levei “um banho” de aquilo que não temos aqui deste lado. Já sei que fazer comparações entre os dois lados do delta não é de bom tom, é território minado, e não me livro com toda a certeza de alguns “estás mal muda-te” sussurrados entre dentes, mas é assim mesmo: isto é a minha opinião, e é aquilo que os meus sentidos apuraram. A culpa é minha, que tal? Primeiro “Mea culpa”, pronto. Não dói assim tanto. Não dói de todo.

Primeiro a descontracção, que é um valor que eu prezo. Saí à noite em Tsim Sha Tsui, e depois de tentar um ou dois bares (que estavam cheios) em Knutsford Terrace, deparei um bar catita, situado num dos andares de um edifício comercial ali perto. Talvez por este último motivo podia-se fumar dentro do bar – pasme-se. Mas não foi só com esse pormenor que deparei quando subi entrei; havia música, “snooker”, dardos, muita animação. Gente toda ela mais jovem que eu, mas num ambiente super-descontraído, onde entre a risota e a música podia-se berrar “Daaarby!” sem ninguém ficar a pensar que estamos escangalhados da cachola. Foi uma mudança em relação à noite aqui em Macau, onde se nota o constrangimento em dar um murro na mesa, ou se dizer alto que se está ou é feliz. Há muito olhar por cima de um ombro, muitos “ai tu aqui?” ou o risco de no dia seguinte alguém nos dizer “ontem vi-te” –  sabem como é. Mas mesmo assim deixem lá, que vos carregos essa cruz também: a culpa é só minha. Mea culpa ao quadrado. Aguenta-se bem.

Falemos de comida para o estômago e para a alma. Em Hong Kong come-se bem, barato e caro, e há sempre qualquer coisa para se ver ou para comprar. Fazem-se coisas mais ousadas, também, que houve quem ensinasse às gentes aqui do lado a pensar fora do chapéu, e olhar para além do próprio nariz. Aqui tivemos agora o Festival Rota das Letras, que vai na sexta edição. Acho óptimo, e cada ano tem sido melhor, e o futuro da iniciativa parece assegurado. No entanto não posso deixar de concordar com um opinador de uma publicação compita deste jornal, que lamentou a “falta de tempo”. Sim, de facto o Rota das Letras é muito coelheiro: vai ser tão bom, não foi? Eu espero com mais tempo e mais orçamento se possa dar mais atenção e apreciar com mais cuidado uma iniciativa destas, que este ano trouxe a Macau nomes como Raquel Ochoa, Sérgio Godinho e José Rodrigues dos Santos – só este ano. Mas aí está, eu é que não tive lugar na agenda, paciência, e salta o terceiro Mea culpa. Amén.

Falámos de Hong Kong e do Festival Rota das Letras, falemos agora dos Doçi Papiaçam de Macau, que vão estar no Festival de Artes com uma nova peça, onde a RAEHK entra também no enredo. O título ficou qualquer coisa como “Sorte em Terra de Tufões”, não sei ao certo, mas conta a história de um maquista que ganha o “Mark Six”, e por culpa de um tufão fica impedido de ir à Sociedade de Lotarias de HK reclamar o prémio. Consigo imaginar o que vem a seguir, pois tendo em conta que a tal sociedade entrega o prémio a qualquer um que apareça com o bilhete, o tal sortudo vai ter um dia cheio de novas “amizades”. Se calhar era melhor ter ficado calado, e eu calo-me já também. Dos Doçi nunca sei bem o que esperar – e isso é óptimo – mas de mim eles podem contar com o mesmo dos últimos 9 anos: uma “review” no blogue. Ok, pode ser que alguém ache isto mau, ou que eu “não devia”, mas penso que não estaria a fazer-lhes nenhum ficando calado. Não sai uma Mea culpa aqui, que de boas intenções está um certo lugar cheio. E não é Hong Kong. Pois…

9 Mar 2017

Gernika

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]assavam alguns minutos das dez da manhã do último dia 1 de Agosto quando saí da minha casa na Rua Urritibide, em Bilbau, e minutos depois estava na estação de Casco Viejo, onde menos de meia hora de metro me levaram à estação do ajuntamento de Gernika-Lumo. A cidade de Gernika, completamente destruída em Abril de 1937 pelos bombardeamentos da Luftwaffe nazi, tem hoje 16 mil habitantes, e um outro tanto de histórias para contar. Situada na região de Basturialdea, no vale do rio Oka, a cidade ficou imortalizada naquele que é provavelmente o quadro mais famoso de Pablo Picasso, “Guernica” – o seu nome em castelhano.

Cheguei pouco antes da hora de almoço, e depois de me deliciar com algumas guloseimas na conceituada pastelaria Bidaguren, fui visitar um pouco da cidade, sentir-lhe o pulso, e depois de queimar as calorias do “brunch”, arranjei lugar para os deliciosos pimentos verdes de Gernika – os melhores do mundo, sem exagero. Era então altura de realizar um sonho de infância: ir ver a “Gernikako arbola” – o carvalho centenário de Gernika, símbolo vivo da identidade basca.

A primeira “arbola” (“árvore”, em basco), conhecida entre os locais como “o pai”, foi plantada no século XIV, e ali ficou durante 450 anos, até dar lugar à “velha árvore”, cujo tronco se encontra rodeado de um pequeno gazebo perto da actual. A terceira, e provavelmente a mais famosa, foi plantada em 1860, sobrevivendo ao bombardeamento de Gernika e às tentativas das tropas falangistas de a destruir durante a Guerra Civil espanhola. Contudo não resistiu a um fungo, que acabaria por a matar já em 2004, mas o ajuntamento preservou algumas pernadas, entre elas a actual “arbola”, plantada em 2015.

Quando cheguei às “juntas generales”, onde se encontra o carvalho de Gernika, deparei com o tal gazebo onde se encontra o tronco já ressequido e praticamente oco, e resolvi confirmar junto de um  funcionário que se encontrava à porta do museu se era aquela a segunda encarnação da árvore.  Não sei se me fiz entender, mas o simpático senhor colocou-me a mão no ombro, levou-me por uma pequena sala dedicada à heráldica basca, e deixou-me à porta do jardim onde se encontrava a “arbola”, dizendo em voz baixa, quase sussurrando: “esta é a nossa árvore, a original, e a alma do nosso povo”. Agradeci-lhe, e lá me deixou ali, completamente só, perante a famosa “arbola”, junto da qual e ainda hoje os mandatários do povo basco prestam juramento quando tomam posse de cargos públicos. Não me comovo com facilidade, e nem senti nada que se parecesse com um nó na garganta, mas antes uma espécie de apertão no peito: perante mim estava a árvore que um dia Adolf Hitler quis para si, crendo que possuía poderes mágicos. Foi um momento especial, e ainda mais sabendo que aguardei tantos anos até estar perante aquele pedaço do meu imaginário.

Não sou muito dado a nacionalismos de nenhum tipo, mas simpatizo com a causa basca, pois é um pretensão que além de justificada pela História, é também inclusiva – na eventualidade de um dia ser criado o estado independente do Euskal Herria (País Basco espanhol e francês e Navarra), pode ser basco quem quiser, quem se sentir basco. Para quem ainda não o fez, recomendo a todos que incluam na lista de destinos a visitar enquanto ainda por cá andam a cidade de Gernika, e a sua “arbola”, o orgulho de um povo que resistiu às mais violentas intempéries da História. Denok Gernikako dira – somos todos cidadãos de Gernika.

2 Mar 2017

A grande divisória

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que é que nos divide, hoje, agora, neste preciso momento? A política. As redes sociais. As “fake news”. O “photoshop”, os “emoticons”, os “ad-ons”, todas essas coisas com nomes em estrangeiro, e já agora porque não as “selfies”? É um mundo de “selfies”, este em que vivemos, mas não derivados da palavra que designa “o próprio” (“one self”), mas do nosso egoísmo (“selfish”). Um mundo egoísta este, portanto.

Para entender melhor o que acabei de dizer no último parágrafo, tenho uma explicação que pode parecer para alguns um tanto ou quanto “socialista”, mas aqui vai – tentem seguir o raciocínio. Para todos nós, pessoas de bem e outras que nem por isso, mas que vão fazendo o que podem e sabem, o que se entende por “sociedade ideal”? Uma sociedade em que as coisas funcionam, haja pão e circo, além de saúde, educação e justiça, mas onde exista ainda “solidariedade”, e uma atenção especial com os mais desfavorecidos. Vá lá, sem os desfavorecidos, como é que alguém tem uma medida de quão bem ou mais ou menos está na vida? “Um mal necessário”, se preferirem assim.

Nesta “sociedade ideal” existem autoridades, claro, senão seria a anarquia. Dentro dessas autoridades existe a polícia, que para ter legitimidade, precisa que exista “crime”. Mas alto lá, crime numa sociedade perfeita? E quem são estes criminosos? Ora deixa lá puxar da minha câmara e tirar uma “selfie(sh)” – os “criminosos” são sempre “os outros”. Aquilo que serve para mim e para os meus serve para todos, e quem pensar de outra forma, só pode estar a querer o meu mal – e o mal de todos, lógico.

Pode parecer um cenário pessimista, este que aqui descrevo, mas não fica muito longe da verdade, infelizmente. Para o vincar de posições e o cimentar de convicções recorre-se a todo o tipo de truques de manga, sejam eles manipulação ou fabricação de notícias, distorção de factos históricos, quer através de interpretações delirantes de acontecimentos, quer com recurso a associações escabrosas de pessoas a factos. Insulta-se o Papa, a classe política convencional (toda ela, ora de um ou de outro lado do espectro político), em suma, tudo o que que possa interferir com a tal “selfie” e provocar um “photo bomb” (vão procurar o que é, se o conceito vos for estranho). Imaginem que até um país como a Suécia, que tem um dos maiores índices de desenvolvimento do planeta, foi transformado assim numa espécie de Sodoma 2.0, onde acontecem “várias violações a cada minuto”. Nem adianta os pobres suecos negarem, e eles que lá vivem e mais teriam a lamentar caso isto fosse mesmo verdade. Tenho a certeza que pediriam ajuda, caso não conseguissem resolver qualquer problema sozinhos. Afinal não são partidários de “Swexits”, nem de derrubar pontes.

Estamos a assistir a um verdadeiro festival de extremismos, inverdades, toda a forma de manipulação, seja através dos média, seja – especialmente, aliás – pelas redes sociais. A verdade, a transparência, e ultimamente a justiça obtêm-se pela resolução de problemas que existem, e não daqueles que gostávamos que existissem para dizermos que “Afinal tinhamos razão”. Que perfeitinha que ficou a nossa selfie!”. Eu temia que isto viesse a acontecer mais cedo ou mais tarde, e a confirmação chegou quando assisti a meio mundo rejubilar-se com a promessa de um muro, pensando ainda em mais muros, fronteiras, barreiras, cadeados, tudo, mas tudo que se coloca no caminho do que seria afinal a tal “sociedade perfeita”. Cada um sabe com que linhas se cose, e eu não mudo. Falta-me engenho e paciência para tirar “selfies” a torto e a direito. São os dias da grande divisória, agora também perto de si.

23 Fev 2017

Vamos a butes?

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]osto de andar a pé, sempre gostei. Não vou aborrecer os leitores com o meu registo de épicas caminhadas, que é extenso, mas desde que cheguei a Macau fiz questão de morar o mais perto possível do local de trabalho, de forma a dispensar o automóvel ou os transportes colectivos. Este é um privilégio de que pouca gente que vive nas grandes cidades pode usufruir, o de poder ir para o emprego e voltar a casa a pé, e deixa-me sinceramente deprimido que hajam pessoas que em 30 ou 40 anos de trabalho despendam dois anos ou mais apenas nos transportes de que dependem para ganhar a vida. Hoje vivo a um quarto de hora a pé do emprego, ou melhor, vivia – agora são vinte, ou às vezes mais, depende do trânsito…pedonal. Sim, é cada vez mais complicado andar a pé em Macau, especialmente quando não se está a passear.

São as multidões, pois sim, os turistas e etcetera, e sei que todos temos razões de queixa da malta de fora, especialmente do continente, e que ainda os mais rezingões como eu vão tratando como um mal necessário. OK, tudo bem, bem-vindos a Macau e tal, mas importam-se de sair do caminho para que eu possa ir à minha vida, fáxavor? Ainda esta segunda-feira vinha a voltar de casa depois de almoço, já com a certeza de que chegaria em cima da hora, na melhor das hipóteses, e ao fim da Rua Central antes da Av. Almeida  Ribeiro deparo com uma das tais excursões, que ocupa a totalidade do passeio e ainda parte da estrada. Fiz o possível para passar pelo meio dos nossos simpáticos convidados, mas não consegui disfarçar uma cara de poucos amigos, que os levou a olhar para a minha figura com um ar de espanto. Só lhes faltou perguntar: “Calma, então? Não está de férias, também”? Não, não estou! Tenho pressa, e ao contrário do que possam pensar, as pessoas em Macau trabalham, têm uma vida própria, e não lhes basta ir ao casino buscar dinheiro sempre que precisam. Desconfio que é essa imagem que se passa do território ali do outro lado da fronteira: somos todos uns “sortudos”.

Falemos da hora de ponta – o que é, exactamente? Trata-se do período entre as 8 e as 9 da manhã, quando a maior parte das pessoas se deslocam de casa para o serviço, entre as 6 e as 7 da tarde, quando regressam a casa, e mais aquele bocadinho entre as duas e as duas e meia, depois de almoço. Muito simples. Para quem pretende dar uma voltinha, fazer o seu passeio higiénico, a sós ou com o cachorro, existe o resto do dia, que não é assim tão pouco tempo quanto isso. Já perdi a conta das vezes em que sou obrigado a pedir licença a casais, ou por vezes famílias inteiras, que decidem usar essas tais horas de pontas para reforçar os laços familiares, passeando de mão dada todos juntinhos, ocupando a totalidade da via pública, que como se sabe, é estreita. E que mania é aquela de andar com o guarda-chuva aberto por tudo e por nada, ora quando caem um pinguinhos que demorariam uma hora para encher um penico, e até mesmo quando faz sol? O sol é nosso amigo, pessoal! Já ouviram falar da síntese da vitamina D através da incidência dos raios UVB do astro-rei sobre a pele?

Agora os velhinhos. Para evitar mal-entendidos, queria deixar claro que me parte o coração que em Macau não se providenciem mais espaços e se organizem mais actividades para a terceira idade, e o meu respeito pelos nossos idosos é a toda a prova. Dito isto, será que não podem esperar que a cidade se componha antes saírem de casa, e andem por aí às 8 e tal da manhã em marcha lenta enquanto a população activa vai à sua vida? As pessoas não lhes fazem uma cara feia e os carros não lhes buzinam por eles serem velhos, mas antes porque escolheram uma péssima hora para dar o seu passeio. Acreditem que não é por gosto que vos peço encarecidamente que me deixem passar, pois enquanto o trajecto do metro-ligeiro que me leva da porta de casa até ao emprego não entrar em funcionamento, não me é dada outra opção senão fazer-me à estrada. Ou ao passeio, neste caso.

A população de Macau aumentou nos últimos anos, mas não foi assim tanto que tenha deixado de caber toda a gente, nada disso. O problema é que os residentes de Macau vão tendo dificuldade em adaptar-se ao espaço que têm, que hoje é menos do que antes. Em suma, não se adaptam a uma vida mais cosmopolita. Quanto às pessoas que apesar de tudo isto ainda se vão entretendo a olhar para o telemóvel enquanto andam na rua, mesmo durante as tais horas de ponta, o melhor é nem falar. Mas para que fique bem assente este ponto, caso esbarrem comigo porque não estavam a olhar por onde iam, o aparelho cair no chão e ficar danificado, e me pedirem uma compensação pelo arranjo do mesmo, ou por um novo, tudo o que levam da minha parte é um dedo do meio. E podem ficar com o troco.

16 Fev 2017

Ases e aselhas

[dropcap style≠’circle’]1)[/dropcap] Tem-se falado nos últimos dias em Macau da possibilidade do território poder vir a tornar-se alvo preferencial de agentes do terrorismo internacional, e tudo por causa “do Trump”. Em causa está a proibição de entrada nos Estados Unidos imposta pelo seu novo Presidente a sete países conotados com o terrorismo, que poderão assim escolher os interesses norte-americanos na RAEM para futuros ataques. Ora bem, como devem saber tenho um bocado de pudor em relacionar actos de terrorismo – um conceito muito abrangente – com as suas motivações, sejam elas de carácter religioso, nacionalista (IRA e ETA, para citar dois exemplos), ou outro qualquer, portanto para mim Macau corre o mesmo risco que outro lugar qualquer no mundo, com ou sem americanos à mistura. Contudo o tipo de atentados de que se fala, em larga escala, será algo de bastante improvável; é preciso não esquecer que o território está rodeado pelo espaço marítimo, terrestre e aéreo da R. P. China, onde mal passa uma mosca, quanto mais um eventual kamikaze. E mais uma coisa: se na fronteira são barrados professores baixinhos, carecas e velhinhos, e até as celebridades de países tidos como mais “exóticos” chegam a ficar retidas uma ou mais horas, estão com medo de quê, afinal. Surrealista mesmo é a análise que se faz da capacidade das forças de segurança de um enclave no sul da China com pouco mais de 20 km2 em responder a um eventual ataque concertado de grupos paramilitares com células um pouco por todo o mundo. Suponho que tivesse sido brincadeira, nada mais do que isso.

2) O que pode considerar quase um acto de “terrorismo” (eu disse que era “um conceito muito abrangente”, não foi?) é a alegada “sorte” de uma jogadora que passou por Macau durante o Ano Novo Lunar, e “sacou à casa” alguns milhões de patacas, ao ponto de influenciar as receitas daquela concessionária durante o respectivo período. Não sei até que ponto esta história é verdadeira, mas o casino chegou mesmo a alertar a concorrência para a “sorte” da senhora, que ficou assim referenciada como…bem, uma “sortuda”, enfim. No fundo aquela jogadora fez tudo mal; o ideal teria sido que perdesse tudo o que tinha até ao último centavo, fosse obrigada a prostituir-se para poder voltar a casa, e sem que antes não passasse mais umas quantas vezes pelo casino, iludida pela possibilidade de “recuperar o que perdeu”, e como muitos devem saber, às vezes nem isso lhes chega para aprender a lição. Pode-se dizer mesmo que esta turista não “sentiu Macau”. Not welcome anymore.

9 Fev 2017

Um grande galo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] que deseja você para este Ano Novo Lunar? Está aí o último dia do Ano do Macaco, e à meia-noite os panchões anunciam a chegada do Ano do Galo. Parece mentira que já tenham passado doze anos desde o anterior Galo. Tantas aventuras fantásticas que vivi, e que doces memórias guardo desse magnífico galináceo, e em todas elas estava plenamente consciente que “isto só me está a acontecer porque estamos no Ano do Galo”.

Agora falando a sério – ou talvez não. Nesta altura a televisão vai à rua saber o que querem os cidadãos para este Ano Lunar que amanhã começa. Os portugueses ainda confundem isto com o Natal, ou com o nosso Ano Novo, e dizem que querem “paz”, “saúde” e outras inaninades. Quem se interessa realmente por essas coisas, e quer saber o que se deve fazer e o que não se deve fazer por altura do Ano Novo Lunar para evitar que um mau Galo lhe cante. Este ano, e apenas por acaso, tropecei num artigo do Yahoo! News intitulado “As 10 principais superstições do Ano Novo Lunar”, que vou ter o prazer de partilhar aqui, numa versão adaptada. Para quem teve a paciência de ficar a ler estes cinco parágrafos cheios de “palha”, é agora finalmente recompensado. E afinal quais são as dez superstições e tabus deste festival que mais devemos ter em conta, nem que seja apenas para evitar ofender os nativos? Aqui estão elas:

Limpeza da casa. Deve ser realizada ANTES do Ano Novo Lunar, até à véspera e não no primeiro dia, como alguns sugerem. Dessa forma afasta-se o azar que ficou do ano anterior, e que assentou em forma de poeira, e recebe-se o novo ano com a casa “limpa”. Antes da meia-noite do último dia do ano cessante, convém guardar os utensílios de limpeza, quer vassouras, esfregonas, panos ou espanadores num local fechado. Para quem acredita mesmo nestes miasmas do outro mundo, o melhor mesmo é deitá-los fora e comprar uns novos.

Panchões. Voltamos, portanto, ao fascínio da cultura chinesa pelos explosivos. Os estalos produzidos pelos panchões são uma forma de anunciar a chegada do novo ano, e nada como fazer um estardalhaço do caraças para que todos saibam, mas também servem para afastar os “maus espíritos”. Compreendo que os chineses não queiram entrar em detalhe sobre este assunto, especialmente com os estrangeiros, mas estes maus espíritos a que se referem é apenas um mau espírito – o Nian Shou!

Linguagem e atitude. Os chineses acreditam que a forma como correr o primeiro dia do ano, assim será o ano inteiro. Assim não é nada recomendável discutir, entrar em conflito, dizer obscenidades, transmitir pensamentos ou ideias negativas, falar de morte, doenças ou contar histórias sobre fantasmas, ou mencionar algo relacionado com os maus espíritos. Nesse dia devem ser todos bonzinhos, fazer votos de prosperidade, desejar saudinha e andar bem disposto (mesmo que lhe doa um dente). Este é um tabu levado muito a sério pelos chineses, e por acaso reparei como nos dias que antecederam o Ano Novo, os meus colegas tornavam-se bastante cautelosos e pouco receptivos a entrar em conflitos ou polémicas, e abstinham-se de fazer comentários depreciativos de qualquer espécie. Se tiver alguém a quem precisa de dizer “das boas”, pode sempre aguardar pelo terceiro dia do ano, que é reservado às discussões e quezílias entre amigos, cônjuges e familiares.

Lavar o cabelo. Os chineses têm por hábito não lavar o cabelo ou a cabeça no primeiro dia do ano, de modo a não sacudir as energias positivas que chegam da Lua. Portanto da mesma forma que se limpa a casa, a lavagem da cabeça deve-se realizar antes da chegada do ano.

Não usar cor preta. O preto é a cor (ou a ausência da cor, como preferirem) associada com a morte, portanto a evitar no dia da chegada do novo ano. Atenção a este detalhe, ó Carlos Morais José.

Hora de dormir/longevidade. Esta é talvez a superstição mais interessante. Na noite da chegada do novo ano, é suposto toda a gente ir dormir tarde, mesmo as crianças. Existe uma crença que nessa noite, enquanto as crianças estão acordadas estão a  “guardar a vida” dos pais, e portanto quanto mais tarde forem para a cama, mais tempo os pais vivem. Se nesse dia o seu filho ou filha se quiserem ir deitar cedo, se calhar anda um Nian do fundo do mar atrás de si. O melhor é ir comprar uns panchões, nunca se sabe.

Não chorar. Quem chorar no primeiro dia do ano, vai chorar o ano inteiro, e por isso os pais evitam castigar as crianças, mesmo que elas façam algumas travessuras. Mas aqui pode-se dar um contra-senso; remeto ao ponto anterior por exemplo: e se a criança chorar porque está rabugenta de sono, pois ficou a pé até às cinco da madrugada para que os pais vivam mais? E já agora o ponto nº 3: e se a criança conta histórias de fantasmas, disser palavrões ou desejar que a família toda morra? Questões a levantar ao oráculo mais próximo.

Loiça partida. Não se deve começar o ano com loiça partida, rachada ou lascada, pois isso dá azar. No último dia de cada ano certifique-se da integridade de pratos, travessas, potes, canecas, etc., e se necessário vá às compras.

Cortes. Esta pode apanhar os mais distraídos: dá azar cortar seja o que for durante o período do Ano Novo, pois isto pode-se reflectir na sorte e na fortuna. Torna-se complicado ter isto em mente, pois pode aparecer um pacote de leite que seja necessário abrir cortando uma das pontas, ou uma malha na roupa. O melhor mesmo é não levar esta regra muito à letra.

Vermelho. O vermelho é a cor da sorte, da prosperidade, da fortuna e tudo mais, por razões que já expliquei acima e que têm a ver com o tal Nian. Por isso é comum observar o vermelho vivo nas indumentárias, nas decorações nos envelopes de “lai-si”, em tudo o que esteja relacionado com o Festival. Para quem não gosta de vermelho, pode optar pelo amarelo-ouro, que também se aceita, a regra de ouro é esta: vermelho, bom; preto, mau. Entendidos? Uhn? Carlos Morais José? Ok.

E depois há tudo aquilo que já se sabe: não oferecer livros, que em chinês têm uma sonoridade semelhante ao da palavra “perder”, comprar sapatos, pela mesma razão, mas neste caso o som é semelhante a uma interjeição de dor, e uma dica que vos deixo que aprendi por experiência própria: não tocar em alguém que esteja à mesa do jogo, nem que seja apenas mah-jong. Quanto aos “lai-si”, os tais envelopes vermelhos que contêm dinheiro “abençoado” e que se começam a distribuir esta semana, a regra é simples: os casados dão aos solteiros, os ricos dão a toda a gente, e as crianças recebem de todos. Pode dar “lai-si” à vontade, pois como naquela canção dos Beatles, “o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”. KUNG HEI FAT CHOI!

Artigo escrito a 26 de Janeiro

2 Fev 2017

É um mundo cão

[dropcap style≠’circle’]1) C[/dropcap]irculou pelas redes sociais no início da semana um vídeo que dava conta de um caso de maus tratos a animais, que indignou qualquer pessoa de bem, e deixou as associações dos direitos dos animais à beira de um ataque de nervos. Nas imagens recolhidas por um amador (aparentemente) da janela da sua casa, vê-se um indivíduo a espancar brutalmente um cão do terraço de um edifício anexo, durante cerca de um minuto. Mais tarde veio a saber-se que o agressor é um agente da Polícia Judiciária, e aparentemente fora do seu horário de turno, naquele que deve ser o seu  “remanso do lar” – lá se foi a desculpa de que o animal estava a ser interrogado, e mostrava-se pouco disposto a colaborar com as autoridades. Nem por acaso, e logo para azar do actor principal daquela fita, ainda no ano passado a AL aprovou (finalmente) uma lei que criminalizou a “biqueirada ao cachorro”, uma exótica e bizarra forma local de lidar com o “stress”. A PJ abriu um inquérito, e veio muito oportunamente condenar a conduta do seu agente (e é preciso não esquecer a tal leizinha, pois…). Acho mal e acho bem – o comportamento do agente, e a prontidão da resposta por parte das autoridades, respectivamente. Isto de molestar criaturas de sangue quente está completamente “off”, e ao contrário do oficial do GP de Macau que enxotou à vassourada um cão que se atravessou na pista durante os treinos, aqui “não havia nexexidade” nenhuma.

2) Por falar em AL, o deputado José Pereira Coutinho apresentou na última terça-feira no hemiciclo um voto de pesar pelo desaparecimento de Mário Soares, figura inalienável dos últimos 40 anos da História de Macau, e da transição do território para a R. P. China em 1999. Achei a ideia boa, mas não gostei da “entrega” por parte do sr. deputado;  leu mal, depressa, atabalhoadamente, ignorando quase por completo a pontuação. Podia estar nervoso, cansado, não interessa, pois logo a seguir o quadro ficou completamente borrado: o voto foi aprovado com 13 votos a favor, cinco contra, e duas abstenções. Quanto a estas últimas, quem acha que a intensidade da ordem de trabalhos da AL (?) não deixa tempo para sentimentalismos, tem todo o direito a ser tótó, mas…votar contra? Um voto de pesar por uma pessoa que faleceu, e que nunca lhes fez qualquer mal – antes pelo contrário – e…votam contra?!?! Não me surpreendeu que tenha vindo dos sectores patrióticos cá do burgo, mas…para quê? Quem é que lhes encomendou o sermão? Parece que a memória é mesmo curta, e que nem ainda há nem dois meses um outro elemento do órgão legislativo local ficou com um enorme “melão” depois de uma demonstração de “patriotismo” durante uma visita ao continente, e que não agradou ao seu destinatário. E sabem porquê? Porque sois ricos. Não “marxistas”, e muito menos revolucionários. E no caso da AL, devem o estatuto a…Mário Soares, entre outros. Ó, a ironia. E que Pátria é essa que estes patrioteiros idealizam, onde nem se respeitam os mortos?

19 Jan 2017