A chinesa sexista e o seu marido 罗敷的丈夫究竟是谁?

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hamavam-lhe Qin Luofu e o mais certo é nunca terem ouvido falar dela. Luo Fu quer dizer “uma beldade”, o que significa que podia ser qualquer mulher bela, mas os chineses sabem que pertencia à família Qin.

Leiam a biografia de Luofu comigo.

Na Estrada das Amoreiras

A luz da manhã

Ilumina a Mansão Qin,

orgulhosa da sua dama,

A dama Luofdamau.

Alimentava os bichos da seda

com folhas das amoreiras

que cresciam a sul;

A cassia pendia do seu cesto,

presa por uma fita de seda.

Cabelo lindamente entrelaçado,

Brincos de pérola como raios de Lua,

Jaqueta amarela,

Aventalinho púrpura

Quando um viajante a avistou,

Pousou o seu fardo

por instantes e coçou a barba.

Sentiu um alvoroço quando a viu

Tirou o boné e cumprimentou.

O lavrador deixa de lavrar,

o cavador de cavar,

E quando voltam a casa,

não encontram graça nas mulheres,

depois de terem vislumbrado Luofu.

Do sul vem um Senhor

numa carruagem com cinco cavalos;

Surpreendido, pára e manda perguntar,

“Quem é aquela beldade,

A que família pertence?”

“Pertence aos Qins,

E o seu nome é Luofu.”

“E que idade terá?”

“Menos de vinte Primaveras,

mas mais de quinze.”

E então, condescendente,

diz, “Luofu, gostarias de

entrar na minha carruagem?”

Ela encara-o sem medo,

e responde:

“Que disparate dizeis, senhor!

Tendes uma esposa,

e eu, um marido.

De Leste vêm cem cavaleiros

e ele vem na sua frente.

Como sabereis quem ele é?

Pelos cavalos que monta,

com sedosas caudas entrançadas

E pelo pónei que o segue,

Pelos chicotes dourados;

e p’la espada com punho de jade

à cintura,

pela qual pagou milhões.

Com quinze anos

era guarda-livros da Prefeitura,

Escrivão aos vinte,

Aos trinta era ministro;

E agora, aos quarenta,

É Governador de Distrito.

A sua pela é muito clara

a sua barba comprida.

Desloca-se na casa dos mandarins

Com passos lentos e seguros;

Senta-se entre milhares

que lhe cedem o melhor.”

(1)

Este é um dos mais famosos poemas Yuefu da Dinastia Han (202AC-220AD). Yuefu foi um departamento musical do Governo fundado durante a Dinastia Qin (221AC-206AC). A Dinastia Han herdou a supervisão deste departamento tendo-se concentrado na recolha do folclore e nos arranjos destas peças musicais que viriam posteriormente a ser usadas em cerimónias e rituais oficiais.

Quando Luofu nos é apresentada, tem. “Cabelo lindamente entrelaçado, /Brincos de pérola como raios de Lua,/Jaqueta amarela,/Aventalinho púrpura.” Uma visão não é verdade? E para quê? Não ia propriamente a nenhuma festa, apenas apanhar folhas de amoreira para dar aos bichos da seda! Esta cena faz-me lembrar o filme Disponível para Amar de Wong Kar-Wai. A protagonista vestia-se todos os dias a rigor só para descer as escadas e ir comprar massas a um vendedor de rua. No nosso poema, Luofu, domina a arte da sedução porque, não só sabe que é sexy como os diabos, mas também porque é espirituosa e bem-humorada e de alguma forma provocadora no que diz respeito ao marido:

“Que disparate dizeis, senhor!

Tendes uma esposa,

e eu, um marido.

De Leste vêm cem cavaleiros

e ele vem na sua frente.

Como sabereis quem ele é?

Pelos cavalos que monta,

com sedosas caudas entrançadas

E pelo pónei que o segue,

Pelos chicotes dourados;

e p’la espada com punho de jade

à cintura,

pela qual pagou milhões.

Com quinze anos

era guarda-livros da Prefeitura,

Escrivão aos vinte,

Aos trinta era ministro;

E agora, aos quarenta,

É Governador de Distrito.

A sua pela é muito clara

a sua barba comprida.

Desloca-se na casa dos mandarins

Com passos lentos e seguros;

Senta-se entre milhares

que lhe cedem o melhor.”

     

(1) Cá para mim o marido a que Luofu se referia era um bicho da seda!

29 Mar 2017

Palavras como “pénis” e “vagina” 珍爱生命

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]elebrar a vida – Leituras Sobre Educação Sexual das Crianças (珍爱生命-儿童性健康教育读本) faz parte de um conjunto de livros publicados pela Universidade Normal de Pequim. Como o título sugere, são usados na educação sexual de crianças da escola primária.

Recentemente livro foi alvo de acalorada discussão, depois de uma mãe de Hangzhou se ter vindo queixar no Weibo, uma rede social chinesa, de que o livro era demasiado explícito. A senhora tinha ouvido a filha ler algumas frases como “O papá põe o pénis dentro da vagina da mamã,” e “O esperma do papá entra no útero da mamã.” Embora alguns dos comentários ao post revelem que as pessoas acreditam que a educação sexual das crianças é importante, um grupo de pais indignados acharam que o livro era impróprio para os mais pequenos. Apelidaram-no de “banda desenhada pornográfica” por ter um “excesso de nudez”.

O tom liberal do livro reflecte-se na exibição de imagens dos órgãos reprodutivos femininos e masculinos e também do acto sexual. “Você como pai, não fica chocado com isto?” perguntou a mãe que levantou esta polémica a um jornalista de Pequim durante uma entrevista. A identidade desta mãe é desconhecida.

O primeiro texto sobre educação sexual apareceu em Shenzhen em 2003, mas foi rapidamente retirado dos currículos escolares. A educação sexual só se começou a difundir na China a partir de 2010, depois de Celebrar a vida – Leituras Sobre a Educação Sexual das Crianças ter sido introduzido para ensinar as crianças de uma escola primária do Distrito de Chaoyang.

O autor, Liu Wenli, afirmou que, embora a educação sexual seja tão importante como a Língua ou a Matemática, a cultura tradicional chinesa considera desnecessária a sua introdução nos currículos escolares. As lições incluídas no livro versam temas como: O Pénis e a Vagina, a Homossexualidade, Igualdade de Género e, mais importante que tudo, o ensino de uma atitude progressiva.

“A maior parte das pessoas sentem-se atraídas pelo sexo oposto, mas algumas sentem-se atraídas por pessoas do mesmo sexo. Este fenómeno é absolutamente normal,” afirma o professor e autor do livro. “Não devemos discriminar essas pessoas.” Para além de falar sobre as orientações hétero e homossexuais, o texto também menciona a bissexualidade.

“Vocês já ouviram falar de uma celebridade que se assumiu como bissexual?” diz a rapariga.

“O professor não nos disse? Algumas pessoas gostam de picante e de doce. Não temos de nos sentir chocados,” responde o amigo.

Num relatório de 2013 elaborado a partir de uma pesquisa interdisciplinar sobre a protecção a raparigas, Celebrar a vida foi citado como um exemplo para ajudar as crianças a estarem mais atentas aos predadores sexuais. Em 2014 foram reportados mais de 500 casos de abusos sexuais infantis.

22 Mar 2017

Porque é que o 1º Imperador da China foi o Nero da poesia?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]  primeiro livro que o Imperador Qin, o Primeiro Imperador, queimou foi 《诗经》, O Livro dos Cânticos. E porquê? Não terá sido pelas as suas abundantes e explícitas referências sexuais que retratavam os nossos antepassados e os seus lamentos e padecimentos nos arrozais.

O Livro dos Cânticos, também conhecido como, Clássico de Poesia, é a mais antiga colectânea de poesia chinesa, incluindo 305 obras datadas de um período compreendido entre os séculos XXI e VII AC. Pensa-se que muitas destas líricas foram escritas por mulheres, ou pelos menos, por alguém que assumia um ponto de vista feminino. Inicialmente o clássico continha 3000 cânticos. Confúcio, que organizou a compilação oficial, eliminou 90% do material e seleccionou apenas cerca de 300 cânticos que viriam a ser estudados e memorizados por estudiosos chineses e de outros países vizinhos, durante mais de dois milénios. Estes “300” ficaram na versão aprovada, porque segundo Confúcio eram os que melhor serviam o Ritual Confuciano e as boas maneiras.

Comparados com os antigos egípcios, gregos ou romanos, que relevavam os comércios e as intrigas dos deuses, os heróis e as suas batalhas, os poetas chineses que escreveram o Livro dos Cânticos sentiam menos curiosidade pelos seres superiores e ignoravam-nos completamente. Os chineses preferiam cantar os lamentos das pessoas vulgares, as queixas do seu dia a dia e as injustiças que sofriam.

Será que esta diferença se pode explicar de alguma forma? Talvez porque as antigas sociedades grega e romana eram sobretudo constituídas por cidades-estado e os seus cidadãos e aristocratas procurassem o entretenimento; histórias de heróis de coração bondoso e de deuses intrometidos e de espíritos malvados (Egipto) que os empurravam de guerra em guerra.

Os chineses por seu lado não parecem ter encontrado encanto nenhum na guerra. Em vez disso, os poetas anónimos, na sua maioria mulheres, preferiam cantar a vida (e as suas agruras) e perseguir a esperança. Podemos facilmente imaginar que a vida ao longo das margens do Rio Amarelo era dura e desagradável e obrigava os chineses a ter uma mentalidade terra a terra, sem ilusões e prática.       

O Imperador Qin não conseguiu tolerar esta abertura e esta franqueza. O Imperador era muito sensível às críticas depois de ter unificado a China debaixo do “mesmo tecto” e tomou consciência do poder corrosivo dos cânticos que, embora aparentemente inocentes, falavam da vida do dia a dia do seu império “acabado de estrear”. Mas o Imperador Qin esqueceu-se que os cânticos são teimosos. Mesmo depois de ter queimado todas as cópias, as mães continuaram a cantá-los aos filhos e às filhas e estes seguiram-lhes o exemplo.

O Livro dos Cânticos chegou aos nossos dias apesar dos métodos agressivos de um soberano autoritário que viveu há mais de 2.000 anos.

16 Mar 2017

O que tem a Primavera chinesa a ver com Picasso? 毕加索的山水画

Pois, realmente o que será?

Vou começar por uma pessoa que quase ninguém conhece

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]uo Xi 郭熙 (1020 – 1090) foi um pintor chinês shanshui que viveu durante a Dinastia Song do Norte. Era um cortesão, um literato, um pintor culto que desenvolveu um sistema incrivelmente detalhado de pinceladas distintivas. Este sistema veio a revelar-se importante para artistas que vieram depois dele.

Guo X- “Árvores velhas, distância nivelada” (1080)

O que é uma pintura Shanshui. As pinturas Shanshui retratam montanhas e temas aquáticos e implicam um grande rigor na criação de um equilíbrio quase místico entre uma série de requisitos complexos, a composição e a forma. Todas as pinturas shanshui devem ter três componentes básicos:

Os Trilhos – Os trilhos nunca devem ser a direito. Devem ser sinuosos como um curso de água. Este truque ajuda a dar profundidade à paisagem conferindo-lhe vários planos. O trilho, ou passagem, pode ser um rio, o caminho que o ladeia, ou um raio de sol que atravessa o céu sobre o dorso da montanha. Prevalece o conceito de nunca criar padrões inorgânicos, mas sim de mimar os padrões criados pela Natureza.

O Limiar – Os trilhos devem conduzir a um limiar. O limiar está lá para nos receber e para nos dar umas especiais boas vindas. O limiar pode ser uma montanha, a sua sombra projectada no solo, ou o seu recorte contra o horizonte. A ideia é que a montanha, ou o que a contorna, sejam definidos claramente.

O Coração – O coração é o ponto focal da pintura e todos os elementos devem conduzir-nos a ele. O coração define o significado do quadro. Cada quadro deve ter um único ponto focal e todas as linhas desenhadas devem levar-nos directamente para lá.

Uma verdadeira pintura shanshui não deve representar a paisagem que o pintor viu, mas sim a paisagem que o pintor “pensou”. Ninguém quer saber se as cores e as formas do quadro são parecidas com a realidade. A pintura shanshui vai contra as ideias feitas sobre o que um quadro deve ser. Os quadros não são uma janela aberta aos nossos olhos, são uma janela aberta à nossa mente. A pintura shanshui é um veículo para a Filosofia.

Guo Xi – “Primavera Antecipada” (datada de 1072)
Colecção do Museu do Palácio Nacional, Taiwan

Uma das obras Shanshui mais famosas de Guo Xi é a Primavera Antecipada, datada de 1072. Nela podemos ver as técnicas inovadoras na criação de múltiplas perspectivas, que ele designava por “ângulo da totalidade”, mas que também ficou conhecida por “Perspectiva Flutuante,” uma técnica que faz deslocar o observador e o seu olhar. As montanhas de Guo e os seus cursos de água primaveris são luminosos e sedutores como um sorriso…

O jardim do Templo Ditoku-ji em Quioto, construído originalmente em 1509, é uma cópia viva das pinturas de Guo Xi, inspirado na estética da Perspectiva Flutuante. Para apreciar cada canto e cada pedra do jardim, o visitante deve deslocar-se à sua volta e mudar de posição. Aqui, o jardim passou a ser um modo de vida.

Muitos anos mais tarde, quando ainda estava na China e andava no Liceu, vi pela primeira vez rostos e corpos femininos de Picasso e aí compreendi, de repente, o significado do “ângulo da totalidade” de Guo Xi.

8 Mar 2017

A mulher chinesa e o seu corpo

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] semana passada a Victoria’s Secret inaugurou uma loja de primeira linha em Xangai, o que nos leva a concluir que as chinesas dos nossos dias estão interessadas em comprar soutiens ocidentais e excitadas com a ideia. As modelos da marca, as Victoria’s angels, gritaram nihao no anúncio de apresentação, o que do ponto de vista da cadeia americana, ajudava a criar empatia com as novas consumidoras do gigantesco mercado chinês. Esta ocasião acordou em mim a vontade de investigar a história do corpo feminino na China.

A partir do início do séc. XX, jovens estudantes que regressavam do ocidente e do Japão começaram a trazer para casa um conceito novo; o corpo como objecto artístico. Desde essa altura a arte corporal/nudez conheceu cerca de 100 anos de altos e baixos.

Em 1917, a primeira mulher modelo começou a trabalhar numa classe de artes em Xangai.  Cerca de dez anos mais tarde, em 1926, um grande senhor da guerra, o General Sun Chuanfang tornou-se governador de Xangai. O General Sun deu início a uma campanha contra o uso de modelos nus nas Escolas de Arte. Classificou o professor Liu Haisu de “traidor da arte” e os nus nas salas de aula foram proibidos. Um dos conselheiros de Sun explicou-lhe que no Ocidente era comum existirem modelos nas escolas de arte e que talvez fosse melhor não dar grande importância ao assunto, ou acabaria por dar mais um motivo aos ocidentais para se rirem do atraso da China. Sun recuou e apenas multou Liu por “prejudicar mulheres e homens chineses”.  E assim começou a interminável luta entre a intervenção estatal e a liberdade de expressão do “corpo”.           

Depois da fundação da República Popular da China em 1949, o uso de modelos humanos nas aulas de arte era rigorosamente controlado pelo Governo Central. Foi só em 1965 que o Presidente Mao assinou uma autorização oficial que permitiu a presença de modelos nas academias de arte, afirmando que “o uso de modelos nus é cientifico”. Esta tomada de posição de Mao foi altamente influenciada pela sua mulher Jiang Qing, cujo papel como “mentora das artes” tem sido por sistema tristemente menosprezado. No entanto, a assinatura oficial do Presidente não trouxe mudanças significativas à mentalidade feudal que dominava a China há milhares de anos.   

Os anos 80 deram as boas vindas ao verdadeiro renascimento do Nu Feminino na China.  A política de reformas e de abertura criou um ambiente social mais descontraído; a China e os chineses passaram por mudanças tão rápidas quanto inconcebíveis. Surpreendentemente, a sociedade chinesa demonstrou estar pronta para dar o salto para o futuro e para acabar para sempre com certas restrições, como as que envolviam o corpo feminino e a nudez como sujeito de interesse cultural e artístico e passível de ser comercializado. E, desde então, o corpo da mulher chinesa passou a ser o campo de batalha entre os valores ancestrais, que frequentemente se materializam a partir da voz do regime, e o capitalismo. Ambos vão lutando entre si e tomando o poder alternadamente.

A mulher chinesa moderna é governada por dois papás que, por razões não inteiramente altruístas, consideram a filha uma coisinha preciosa, mas que estão dispostos a sacrificá-la em qualquer altura, sempre em nome do amor.

Destaque

A mulher chinesa moderna é governada por dois papás que, por razões não inteiramente altruístas, consideram a filha uma coisinha preciosa, mas que estão dispostos a sacrificá-la em qualquer altura, sempre em nome do amor

1 Mar 2017

Quatro clássicos, quatro espelhos 看中国人的四面镜子

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s quatro clássicos chineses são: O Sonho da Câmara Vermelha《红楼梦, Viagem ao Ocidente 《西游记》, Margem das Águas 《水浒传》 e Romance dos Três Reinos 《三国演义》。

Quatro romances. Quatro espelhos de uma realidade chinesa genuína e verdadeira.

O Sonho da Câmara Vermelha (publicado em1791) representa o bom gosto e a elegância. Através da poesia, da música e das palavras, a cultura clássica chinesa é apresentada nos seus mais variados aspectos: arquitectura, gastronomia, culto dos jardins e arte. Quem se considerasse um literato haveria de discutir O Sonho da Câmara Vermelha, o que faria dele um Hongist. O Presidente Mao Tsé Tung foi um Hongist.

Há quem pense que a China poderia continuar a existir sem a Grande Muralha, mas não sem O Sonho da Câmara Vermelha.

Margem das Águas (compilado no séc. XIV) representa o culto chinês das boas maneiras, especialmente da virtude. Façamos o que deve ser feito. A ajuda deve ir para onde é precisa. A virtude é o pilar espiritual da cultura chinesa. Nenhum dos heróis de Margem das Águas dá importância aos bens materiais. Não podem ser comprados ou tentados, nem mesmo por belas mulheres. Os heróis chineses têm um déficit de genes românticos.

Viagem ao Ocidente (publicado no séc. XVI) conta as aventuras de um monge budista e dos seus discípulos, mas não tem nada a ver com o Budismo. O sumo sacerdote do templo budista instiga as nossas personagens para uma corrida ao ouro, como faria qualquer “pecador” ganancioso e tomado de apetites vorazes.  Não respeita o Taoísmo pois considera os monges taoistas desumanos e capazes de provocar o mal.

Os chineses rejeitam todas as formas de religião. As convicções religiosas devem assumir forma palpável e trazer vantagens materiais. O romance também apresenta uma visão crítica, se não cínica, das qualidades chinesas; quem é (ou não) competente para o quê.

Romance dos Três Reinos (publicado em 1522) fala-nos da China como nação unificada. O romance ignora praticamente os acontecimentos do dia a dia, as relações familiares ou as questões éticas. O autor estava centrado na governação, ou seja, na sobrevivência da China como nação. A China acima de todas as coisas. Eu diria que, “aspirar pela paz e pela unidade” é uma componente essencial da psicologia chinesa, inscrita no ADN deste povo. A “Política de Uma Só China” não é uma invenção dos comunistas.

22 Fev 2017

O filme que os chineses vêem no Ano Novo Lunar (e será que gostam?) 乘何方风破何方浪

Foto: Selecção de raparigas para uma Escola de Artes chinesa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] filme é uma comédia para animar os espíritos, chamada Cheng Feng Po Lang, 乘风破浪,Título em inglês: Duckweed (Lentilhas). Estreou no primeiro dia do Ano Lunar Chinês (28 de Janeiro) e atingiu recordes de bilheteira num período de apenas seis dias. No quinto dia de exibição já tinha ultrapassado o limite anterior de 70 milhões de RMB.   

Ah! pois, têm razão, vocês nunca devem ter ouvido falar deste filme, nem tão pouco do realizador Han Han, que faz parte de um grupo de chineses super populares devido a um fenómeno local chamado “o cancro do heterossexual”. Há alguns anos atrás Han Han revelou-se, a si e aos seus desprezíveis sintomas: “Quando uma rapariga aceita um convite para jantar e ir ao cinema, significa que quer sexo. Quando traís a tua namorada o melhor que ela tem a fazer é calar a boca.”

O Cancro do Heterossexual 直男癌é um neologismo chinês para designar um grupo de homens obstinadamente sexistas. Foi inventado por utilizadores das redes sociais em meados de 2014 para nomear chineses do sexo masculino que por palavras e actos menosprezam os valores femininos, ofendem os direitos das mulheres e combatem o movimento para a igualdade de género. Destacam-se, não só pela retórica misógina, mas também pela promoção da homofobia, uma higiene duvidosa, fraco sentido estético e pela violência doméstica. O termo surgiu na China continental para designar um fenómeno que se pode dever a uma economia fechada, a tradições que continuam a persistir, a uma preferência por filhos rapazes e ainda a outros factores, tais como sentimentos de fracasso pessoal e desconhecimento do estatuto da mulher.

Agora deixo-vos o início da letra da canção do filme tão popular de que já vos falei:

Antes de casares comigo / Há umas coisas que tens de dizer a ti própria /Talvez não gostes do que vou dizer /Mas mesmo assim tens de me ouvir / Porque estas são palavras que me saem do coração / só quando estou um pouco bêbedo / À noite nunca vais para a cama antes de mim/ De manhã nunca te levantas depois de mim / Tens de cozinhar óptimas refeições / E tens de te vestir à maneira / Vais viver em harmonia com a minha mãe e a minha irmã (e comer as bodegas que elas te derem)    

E por aí fora.

A progressiva afirmação das mulheres, quer a nível académico quer a nível profissional, conferiu-lhes papéis cada vez mais importantes na sociedade. No entanto, alguns homens recusavam-se a aceitar a alteração do estatuto social feminino. De acordo com o índex sobre a desigualdade de género, elaborado pelo programa de desenvolvimento das Nações Unidas em 2013, a China ocupa a posição 91 entre 187 países, pior que a do Irão e da Ucrânia.

Isto fez-me lembrar o conselho de uma mãe chinesa à sua filha: “Rapariga, lembra-te sempre que és uma convidada em casa dos teus pais e uma estranha em casa do teu marido.”   

15 Fev 2017

Devolvam a dignidade às filhas do galo 为鸡平反

[dropcap style≠’circle’]“[T[/dropcap]rump é] em primeiro lugar um homem adulto e, em segundo lugar, alguém que esteve envolvido na organização de concursos de beleza e que como tal conheceu ao longo de muitos anos algumas das mulheres mais belas do mundo. Custa-me muito a acreditar que ele fosse a correr para se encontrar num hotel com raparigas de moral duvidosa, embora as nossas sejam sem qualquer sombra de dúvidas as melhores de todo o mundo.” E desta forma promove Putin o turismo sexual na televisão russa.

Os cidadãos cibernautas de todo o mundo ficaram em choque com esta avaliação de cinco estrelas do Sr. Vladimir Bazófias. Apesar de tudo isto sinto-me tentada a disponibilizar aos meus leitores alguns factos alternativos (grin grin), lembrando as palavras eruditas de Lin Yutang: “Ninguém deverá menosprezar o importante papel desempenhado pelas prostitutas chinesas nas relações românticas, na literatura, na música e na política.”

Na antiga China, as damas da nobreza não precisavam de ser inteligentes nem talentosas para ser respeitadas. “Uma mulher é virtuosa desde que seja ignorante” é um provérbio que remonta à Dinastia Ming (1368-1644). Uma boa esposa chinesa é obediente ao marido, dedicada aos filhos, responsável pelas tarefas domésticas, virtuosa e ignorante em todas as outras matérias. Como se esperava que as esposas e concubinas seguissem os códigos sociais, os homens ricos e proeminentes procuravam legitimamente parceiras intelectuais fora de casa.

Agora aqui vai uma lista de prostitutas/poetisas famosas que deixaram uma marca na memória colectiva do povo chinês, e não só porque dançavam e cantavam para ganhar o pão nosso de cada dia. Algumas delas mudaram a história, para sempre.

Su Xiaoxiao 苏小小

Também conhecida como Su Xiaojun, foi uma cortesã chinesa que viveu em Qiantang City (Hangzhou dos nossos dias) durante a Dinastia Qi do Sul (479–502). Morreu com apenas 19 anos de idade. Foi cortesã e também poetisa. Havia quem pensasse que ela não queria ser esposa nem amante de ninguém. Assim, ao contrário das mulheres que ficavam enjauladas nos casamentos, optou por partilhar os seus encantos.

Li Shishi 李师师

Cortesã da cidade de Kaifeng, capital da Dinastia Song (960-1127), Li destacou-se pela sua incrível versatilidade. Era dotada para o canto, para a dança e para a poesia. O seu talento e beleza atraíram muitos escritores, poetas e oficiais abastados. O Imperador Song escapou-se do palácio numa noite de tempestade para ir ao seu encontro. Mais tarde veio a tornar-se viciado em laranjas descascadas pelas suas delicadas mãos. Os 108 heróis de a Margem Aquática não conseguiam conquistar uma posição na corte Song sem a interferência “entre lençóis” de Li.

Chen Yuanyuan 陈圆圆 

Chen Yuanyuan (16241681) foi uma prostituta muito conhecida que viveu durante os finais da Dinastia Ming e os inícios da Dinastia Qing. Foi concubina do General Wu Sangui. A captura de Chen por Li Zicheng, (o rebelde líder da revolta que depôs a Dinastia Ming), foi o motivo que levou Wu Sangui a abrir os portões da Grande Muralha para deixar entrar os Manchus.

Liu Rushi 柳如是

Liu Rushi (1618–1664) uma célebre cortesã que viveu nos finais da Dinastia Ming (1368–1644). Foi considerada por muitos estudiosos como a prostituta mais respeitável da antiga China, devido à sua lealdade à família real. Recusou submeter-se aos Manchu, os novos senhores.

Sai Jinhua 赛金花

Se ela não tivesse seduzido o Comandante Alemão do Exército das 8 Nações Aliadas durante a Revolta dos Boxer, não estou a ver como é que muitos dos artefactos chineses que estão actualmente nos Museus de Berlim, Londres, Paris e Moscovo lá tinham ido parar. Deveria ser nomeada para receber um prémio do Ministério da Cultura.

Sai Jinhua (1864 – 1936) foi uma célebre cortesã dos finais da Dinastia Qing. Tornou-se prostituta aos 20 anos. Casou-se com um oficial imperial de alta patente como sua concubina e viajou com o marido pela Rússia, Alemanha, Austrália e Holanda, como embaixatriz. Depois do Exército das 8 Nações ter invadido Pequim, teve uma relação com o Comandante Alemão.

Xiao Fengxian 小凤仙

Xiao Fengxian (1900-1954) prostituta afamada que conheceu os últimos anos da Dinastia Qing e os alvores da República da China. Foi a prostituta mais célebre do maior bairro de Pequim de “lanternas vermelhas”.  Tornou-se amante do General Cai E, o líder revolucionário que pôs fim às ambições imperiais de Yuan Shikai. Sem a influência da sua alcova o General Cai não teria arriscado a vida e voado para Yunnan para declarar a independência. Os sonhos imperiais de Yuan Shikai teriam vingado e estaríamos a ajoelhar perante o neto do Grande Yuan nos dias que correm. Esta mulher foi sem dúvida o arquitecto da reconstrução da República.

2017 é o Ano do Galo. Da Franga para alguns. “Franga” é calão para prostituta no chinês moderno. Nas ocasiões festivas, um frango bem cozinhado é um dos pontos altos de todos os banquetes familiares. Um chef chinês que se preze passa horas a suar na cozinha para fazer jus às receitas de que tanto se orgulha, subtis, mas cheias de sabor, e que demonstram em larga escala invenção e criatividade. Ao contrário das preparações rápidas, típicas das cadeias internacionais de fast food, a cozinha chinesa trata com o respeito que lhes é devido frangos e … as “frangas”.

8 Fev 2017

“Doutoradas ou virgens recebem um bónus de 10%” 日租金超千元

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]aobao 淘宝网,literalmente “procura de tesouros na net” é um website de compra e venda online semelhante ao eBay, à Amazon e ao Rakuten. É operado a partir de Hangzhou, Zhejiang, pelo Alibaba Group.

Fundado por aquele Grupo a 10 de Maio de 2003, o Taobao Marketplace promove o comércio entre consumidores através de uma plataforma desenhada para pequenos negócios. Também ajuda empresários individuais a abrir lojas online, direccionadas principalmente a consumidores de zonas onde se fala chinês (China continental, Hong Kong, Macau e Taiwan) mas também para o estrangeiro. Em finais de 2010 o número de membros registados no Taobao tinha ultrapassado os 370 milhões, representando cerca de 80% do mercado chinês de compra e venda online.

De há uns tempos a esta parte o Taobao passou a disponibilizar um artigo único com bom potencial de negócio: O aluguer de namorada/o para o Ano Novo Chinês.

Para fugir ao casamento, muitos jovens solteiros alugam namorados/as temporários quando visitam a família no Festival da Primavera (Ano Novo Chinês), o acontecimento social mais importante na China. A diária varia consoante os serviços prestados, podendo atingir os 2000 ou 3000 RMB. Alguns anúncios apresentam a lista completa dos serviços de cada pacote, na qual se incluem tocar as mãos (preço por cada toque), abraços (preço por abraço), encostar a cabeça ao ombro (preço à hora) etc. O “aluguer verde”, inclui quartos partilhados. O “Namorado de aluguer” tem mais procura do que a “Namorada de aluguer” e os preços também são ligeiramente mais altos. O pagamento é feito à cabeça e as duas partes assinam um acordo de prestação de serviços. Deslocações e alojamento estão incluídos. Muitos jovens encontram aqui uma oportunidade para viajar de graça e acima de tudo para fugirem às grilhetas familiares.

Na China tradicional os casamentos dos jovens eram negócios de família. Ficar solteiro era considerado nocivo ou mesmo perverso. Não ter filhos depois do casamento era “contra-revolucionário”. No entanto a política do “filho único”, bem como a urbanização do país, desenvolveram o apetite pela procura individual.

O anúncio mais incrível que apareceu no Taobao a semana passada veio de um jovem empresário que oferecia um milhão de RMB, para alugar uma namorada para passar o Ano Novo com ele no Norte da China. “Deve ter menos de 25 anos, mais de 1,68 m e menos de 50 kg. Atraente, com diploma universitário, sendo que a primeira escolha vai para uma doutorada, ou para uma virgem, nesse caso recebe um bónus extra de 10%. Será feito um depósito de 200.000 RMB no primeiro dia de trabalho. Por favor contactem a minha assistente para marcação de entrevista.”

25 Jan 2017

Guanxi, o dínamo da língua chinesa (限制) 中国人脑筋里的一件事

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]uanxi關係significa relacionamento. Ou simplesmente: contactos.

Guan significa demasiado perto, clausura; aprisionar. Mas, no sentido estratégico, também significa localização crucial, especialmente no que à Rota da Seda diz respeito.

Xi significa ligação, laços, correlações, sistema organizado, etc. O caracter inclui a palavra “seda”.

De facto, a Rota da Seda pode ser vista como a manifestação máxima das poderosas redes comerciais Guanxi, no tempo em que a seda era a moeda internacional. O projecto do Partido Comunista Chinês para uma nova Rota da Seda está em sintonia com a forma de funcionar das mentes chinesas.      

Contrariamente à nossa palavra “relacionamento”, que sugere algo durável e com valor de per si, a utilização da palavra Guanxi altera-se quando combinada com um verbo. Guanxi implica sempre muita acção. É um conceito enérgico e auto-motivado e constantemente em movimento. Guanxi é um herói de acção, tipo Bruce Lee, divertido, rápido e com um historial muito antigo. Guanxi é de longe a palavra mais dinâmica da língua chinesa. E, na minha opinião, é também um factor que limita a mentalidade chinesa e restringe a autenticidade e a criatividade.

Na cultura chinesa Guanxi é um factor fundamental para fazer negócio. Aos olhos dos ocidentais representa qualquer coisa de mítico e profundo que deve ser respeitado e venerado. Mas se olharmos por trás da cortina de fumo, é apenas uma forma de reciprocidade: ‘um favor em troca de outro’. Muitas vezes os homens de negócio chineses oferecem qualquer coisa a alguém, para que posteriormente possam cobrar os seus dividendos, ou para obterem de alguma forma mais poder e influência.

São procedimentos que permitem criar contactos, relacionamentos e redes que os ajudam a ultrapassar as normas impostas pelo Governo e as práticas comerciais convencionais. Aspecto importante deste processo são as ligações sociais entre os indivíduos, pensadas para proporcionar acesso directo e privilegiado a informações internas, sobre contratos comerciais e bens escassos.

Por outras palavras, o talento não é para aqui chamado e na maior parte dos casos nem se lhe dá hipótese de existir. No universo Guanxi, a inovação só existe enquanto efeito secundário e quem ousar arriscar um pensamento inovador tem a derrota garantida. O talento e a habilidade sofrem com a subjugação a uma tradição empedernida. A carta na manga deste sistema é, e sempre foi, o conjunto mais significativo de relações e contactos.

Estamos quase no Novo Ano Chinês, uma altura fantástica para “guanxar.  Por falar em “guanxar”, vamos dar uma olhadela aos rituais de bebida chineses.

Quanjiu, “persuadir (o parceiro de negócio) a beber” é um dos pontos altos das festas chinesas. Existem muitas expressões chinesas relativas a esta forma de comportamento, que poderíamos classificar de “extremo”. “Bebe! Mostra que és meu amigo!” “Bebe como deve ser porque é raro teres hipóteses de te embriagar.” “Sente (a amizade) profunda, bota abaixo. Sente (a amizade) frágil, como a taça.” Etc.

Na China valoriza-se a quantidade de álcool que estamos dispostos a beber com o nosso parceiro de negócios. Os jogos de bebida dos chineses não têm a ver com o prazer da bebida propriamente dita. Levar o outro a beber até cair esconde a intenção de poder e controlo; “quem manda em quem”. É um sinal de conquista. Se alguma das minhas leitoras tiver intenção de participar num banquete do Ano Novo Chinês, não se esqueça do que acabei de dizer.

18 Jan 2017

“Fala demais, constróis frases cheias de erros e as suas cenas de sexo são muito vulgares… etc. etc.” 高行健同志

[dropcap style≠’circle’]G[/dropcap]ao Xingjian (nascido a 4 de Janeiro de 1940) é um romancista, dramaturgo e crítico, naturalizado francês, que em 2000 recebeu o Nobel da Literatura por “uma obra de valor universal, de uma lucidez amarga e uma ingenuidade linguística…”.

Em 1990, Gao recebeu uma carta de rejeição da parte de uma afamada editora chinesa, a propósito do seu romance A Montanha da Alma e que rezava assim:

Camarada Gao Xingjian,

Saudações! 

Lemos o seu manuscrito de A Montanha da Alma. Devo informá-lo que tivemos dificuldade concluir a sua leitura. A julgar pela sua linguagem, fomos forçados a concluir que deve ser muito novo e inexperiente. Contudo, a sua dedicação à literatura agradou-me bastante, bem como a todos os que trabalham nesta editora.

       Apesar do que acabei de referir, o seu trabalho demonstra muitas       falhas. Listámos algumas, que passamos a citar:

Em primeiro lugar, o tema do romance não é claro. Os conteúdos são retrógrados e as técnicas de narrativa são datadas. Será que ficou preso nos anos 80?

Em segundo lugar, fala demasiado. Um romance deve contar uma história e desenvolver as personagens. Demasiada reflexão pode aborrecer os leitores. Pessoalmente, acho que os seus pontos de vista não passam de clichés. Além disso, é um grande erro usar a reflexão como enquadramento do romance. Claro que, se conseguisse apresentar ideias filosóficas como Milan Kundera, que estão profundamente interligadas à estrutura orgânica do livro, seria atractivo para os leitores. Repare que não estamos necessariamente a ser injustos consigo, porque pode não ter lido a obra do escritor checo.

Em terceiro lugar, a sua linguagem é pobre, constrói frases cheias de erros, é como se misturássemos arroz com areia. Fez-me dores de cabeça. Sugiro-lhe que leia os clássicos, os chineses e os estrangeiros, para desenvolver o seu gosto literário.

Em quarto lugar, existem muitas cenas de sexo, o que não vai ao encontro das políticas do nosso país. A propósito, as cenas de sexo são muito vulgares, parecem fantasias sexuais de um campónio. Apesar disto, você batalha para escrever e desenvolver um trabalho intelectual. Aconselho-o a cortar nas cenas de sexo nas próximas revisões.

        Existem ainda mais falhas no seu trabalho, mas não as vou  mencionar agora. Resumindo, não acho que o seu manuscrito esteja em condições de ser publicado. Iremos devolver a cópia por correio registado.

Com os melhores cumprimentos,

Assinatura do Editor

Departamento Editorial (selo oficial)

5 de Fevereiro de 1990

11 Jan 2017

O fim de 2016 e mais alguns tópicos 年底的礼物

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo os media chineses que se movem nos mesmos círculos que eu, as comemorações natalícias na China este ano foram feitas um bocadinho contra vontade. Durante as ultimas décadas a festa cristã foi homenageada na RPC, não propriamente de forma oficial, mas, por qualquer razão, foi sempre uma festa que as pessoas acarinharam.

No dia a seguir ao Natal, um post muito visto chamou a minha atenção, dizia assim:

“Hoje é o verdadeiro dia de Natal na China. Querido Presidente Mao, vamos sempre sentir a tua falta!”

Mao Tsé Tung nasceu a 26 de Dezembro. Aqui vai um breve sumário do sentimento geral:

“No tempo de Mao Tsé Tung o céu era azul, a água límpida, existia igualdade e o políticos eram justos! Agora ‘as três grandes montanhas’ (uma alegoria de Mao para o imperialismo, o feudalismo, e o capitalismo de estado burocrático – J O’y) que oprimem o povo, estão de volta!”

“Mao deu ao nosso País céus azuis, nuvens brancas, pessoas boas e ar fresco. Deu-nos harmonia social, garantida por quadros do partido justos e honestos. O nosso Sol era o mais vermelho e o Presidente Mao e mais querido!”

“Obrigado, Presidente Mao! Defendeste os verdadeiros valores sociais!   Defendeste a igualdade social e um rendimento justo para todos!”

“O Grande Líder viverá sempre nos corações de centenas de milhões de pessoas! No seu tempo, o povo chinês podia dormir tranquilo sem medo de ser roubado e as mulheres e as crianças não eram vendidas em plena luz do dia. As casas também eram baratas. A China estava perto de ser o paraíso.”

O fim do ano trouxe a um outro círculo de amigos chineses um presente que os encheu de orgulho. No título lia-se:

“Fábrica chinesa muda-se para os EUA para reduzir despesas.”

A vidreira Fuyao Glass comprou as instalações de uma antiga fábrica da GM nos subúrbios de Dayton, Ohio. Espera-se que crie 3.000 postos de trabalho quando estiver a operar em pleno. A Fuyao Glass America já empregou cerca de 2.000 pessoas desde a inauguração em Outubro.

Fundada em 1987, a Fuyao Glass tem fama de ser a maior vidreira a nível mundial. Tem 18.000 empregados em todo o mundo e, para além da China, tem fábricas na Austrália, no Brasil, Alemanha, Japão, Rússia, Coreia do Sul, e agora nos Estados Unidos.

Na passada segunda-feira em Pequim, o presidente da Fuyao Glass, Cao Dewang (de 70 anos), afirmou que os EUA são um local mais barato e melhor para produzir vidro, porque os impostos são muito mais baixos do que na China. Como o Presidente eleito Donald Trump está a tentar atrair as empresas para regressarem aos Estados Unidos, sob o estandarte ‘Make America Great Again’ as empresas estão a reconsiderar a sua presença na China.

4 Jan 2017

Filmes proibidos na República do Povo – o Top Mais 中国十大禁片

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Porque estamos naquela altura do ano.

Ano Novo (1999)


Realizado por Zhang Yuan conquistou o galardão de Melhor Realização na 56ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Uma história de amor e tolerância contada a partir do olhar do protagonista, que aqui nos fala dos 17 anos obscuros da sua vida. Zhang Yuan foi castigado por denegrir a imagem do socialismo.

O Papagaio Azul (1993)


Realizado por Tian Zhuangzhuang conquistou todos os prémios mais importantes do Festival de Cinema de Tóquio. Num ambiente carregado e melancólico, fala-nos do destino do indivíduo no quadro alargado do contexto histórico.

Viver (1994)


Baseado no romance homónimo de Yu Hua. O argumento centra-se na Guerra Civil e na Nova China nascida após a fundação da RPC. A história, contada através das diversas tragédias que se sucedem na vida do protagonista, reflecte períodos conturbados que, aparentemente, nunca deixaram de flagelar o povo chinês. Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Zhang Yimou.

Carteiro (1995)


Realizado por He Jianjun, acabou de ser rodado na Europa e estreou no Festival de Cinema de Roterdão. O filme “ofende os quadros superiores chineses”.

Palácio Oriental, Palácio Ocidental (1996)


De Zhang Yuan. Prémios para Melhor Realização, Melhor Argumento e Melhor Adaptação ao Cinema – 6ª edição do Festival de Cinema da Argentina. Baseado no romance de Wang Xiaobo, analisa a homossexualidade na China contemporânea.

O Artesão Carteirista (1997)


Realizado por Jia Zhangke. Exemplo perfeito da razão pela qual os filmes chineses vencedores de prémios internacionais não terem nada a ver com o mercado cinematográfico local.

Mr. Zhao (1998)


Filme de estreia de Lu Le que, à semelhança de Zhang Yimou, passou com sucesso de fotógrafo a realizador de cinema.

Rio Suzhou (2000)


Medalha de ouro no Festival de Cinema de Roterdão. Uma trágica história de amor passada na Xangai dos nossos dias. Realizado por Lou Ye.

Do Lado de Fora (2000)


Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Jiang Wen, expõe sem reservas o militarismo japonês e acusa figuras políticas proeminentes.

As Bicicletas de Pequim (2000)


Realizado por Wang Xiaoshuai, conquistou o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. A história de um jovem de 17 anos vindo do campo para trabalhar em Pequim como estafeta, a quem roubam a bicicleta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_separator color=”custom” style=”dotted” accent_color=”#dd3333″ css=”.vc_custom_1482929709086{margin-bottom: 5px !important;margin-left: 20px !important;}”][vc_column_text]

PS: Dicas culturais

Ben Hur foi proibido na China por conter “propaganda a crenças supersticiosas, nomeadamente o Cristianismo”. Avatar foi proibido na China porque os seus conteúdos podiam levar as audiências a pensar em deportações forçadas e por apelar à violência. O versão não editada de Avatar em DVD pode encontrar-se em qualquer loja da especialidade na China. As Lojas Walmart chinesas utilizam imagens do filme nos ecrãs de definição de imagem das televisões.

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28 Dez 2016

Desejos em Confronto 中俄边境的一些镜头

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Verão de 2014, Davide Monteleone iniciou uma viagem ao longo da fronteira da Rússia com a China em busca de algo que fosse real e fizesse sentido. Nessa altura o fotógrafo italiano vivia em Moscovo há mais de uma década. As imagens dos locais remotos, capturadas pela sua objectiva, trazem-me à ideia as palavras de Marcel Proust: “Não conseguimos alterar a realidade em função dos nossos desejos, mas aos poucos os nossos desejos vão-se alterando.”

Juntei aqui quatro fotografias cujo significado, tal como um desejo secreto sem pretensões a tornar-se realidade, não se altera nunca.

Monteleone: “Num local remoto como este os russos ficam à espera que algo aconteça, ao passo que os chineses tentam fazer qualquer coisa.”

Réplica da Catedral de São Basílio. A original, mandada construir no séc. XVI por Ivan O Terrível, está na Praça Vermelha em Moscovo. A réplica que aparece na foto foi construída pelos chineses em Jalainur. As torres pintadas e as cúpulas em forma de cebola são ocas; dentro do edifício aloja-se um museu dedicado à Ciência. © Davide Monteleone
Yu Shi está a estudar em São Petersburgo para vir a ser padre ortodoxo. A foto foi tirada em Harbin, na China. © Davide Monteleone
Um vendedor de comida espera os clientes na margem do rio Songhua, em Harbin, sob as duas pontes ferroviárias – a velha e a nova – pertencentes à Linha Chinesa do Leste. A ponte antiga, à esquerda, foi construída pelos russos no início do séc. XX. A nova, à direita, foi construída pelos chineses. © Davide Monteleone
Passageiros no terminal ferroviário da cidade de Manzhouli, uma pequena cidade chinesa junto à fronteira com a Rússia. © Davide Monteleone
21 Dez 2016

Afastados 排华 Julie O’yang

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uem havia de dizer que nos nossos dias as notícias sobre refugiados e chacinas étnicas voltavam a encher páginas de jornais, fazendo-nos recuar a um passado por demais sinistro. Neste mundo de Deus já só há reedições.  Seguindo esta linha de pensamento, veio recentemente parar-me às mãos o livro Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses de Jean Pfaelzer. Trata-se de uma história chocante que ainda continua por contar, senão mesmo escondida. Nos finais do séc. XIX, inícios do séc. XX, milhares de imigrantes chineses foram alvo de motins e de outros actos de violência que tinham como objectivo afastá-los das cidades americanas da costa oeste. A história pouco conhecida sobre a qual o Professor Pfaelzer escreveu ensinou-me duas coisas: 1. Neste mundo já foi tudo visto. 2. Os chineses não se deixam ficar. E também serve para que os milhares de chineses apoiantes de Trump, que bradam sobre o “autoritarismo carismático” da personagem”, pensem melhor. Há pouco tempo recebi pelo Wechat a imagem de uma pedra tumular que tinha gravada uma mensagem que gostava de partilhar com os meus leitores.

“Primeiro vieram buscar os comunistas. Como não era comunista, não protestei.

“Depois vieram buscar os judeus. Como não era judeu, não protestei.

“A seguir vieram buscar os sindicalistas. Como não era sindicalista, não protestei.

“Depois vieram buscar os católicos. Como não era católico, não protestei.

“No fim vieram buscar-me a mim e ninguém protestou.”

Por isso da próxima vez tentem ser um bocadinho menos egoístas, está bem?

E agora um excerto de Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses:

Às 9.00 da manhã de 3 de Novembro de 1885, as sirenes apitaram em todas as fundições e fábricas de Tacoma, para anunciar o início da expulsão dos chineses da cidade. Os bares fecharam e a polícia montou guarda, enquanto quinhentos homens, brandindo cacetes e pistolas, se dirigiram ao bairro chinês para despejar todas as casas e atirar os seus conteúdos no cais. No início da semana, quando se aperceberam do clima ameaçador que pairava no ar, quinhentos chineses fugiram de Tacoma. Aos que ficaram foram dadas quatro horas para deixar a cidade. Em desespero, tinham de guardar anos de vida em sacas, trouxas e cestas, penduradas em varas apoiadas nos ombros— com colchões, roupas, tachos e alguma comida. Ao meio-dia, a multidão começou a arrancar os trabalhadores chineses das suas casas, a pilhar as roupas e a atirar as mobílias para o meio da rua. Os comerciantes chineses rogaram ao Mayor e ao Xerife que lhes dessem mais 24 horas para desmontar as lojas.

Ao início da tarde daquela fria terça-feira, vigilantes armados escoltaram duzentos homens e mulheres chineses até às docas. O Governador do Distrito de Washington, Watson C. Squire, fez vista grossa aos muitos telegramas vindos da China, que solicitavam a sua intervenção. O Mayor e o Xerife fecharam-se no edifício da Câmara enquanto a multidão conduzia os chineses, debaixo de chuva torrencial, ao longo de uma linha de comboio lamacenta que se estendia por 15 quilómetros para lá da cidade. As mulheres dos comerciantes, impossibilitadas de fazer o percurso a pé por causa dos pés enfaixados, foram atiradas para vagões.

Lake View Junction era uma estação da linha ferroviária do Pacífico Norte, que tinha sido construída por trabalhadores chineses. Um pequeno número de desalojados encontrou abrigo nas barracas de armazenamento, nos estábulos, ou dentro do exíguo edifício da estação. A maioria pernoitou ao ar livre. Durante a noite, que estava fria e chuvosa, dois ou três comboios pararam na estação. As pessoas que tinham algum dinheiro pagaram seis dólares para apanhar o comboio para Portland e para Oregon. Outros apinharam-se num comboio de mercadorias. Os restantes iniciaram uma caminhada de 150 quilómetros para sul, em direcção à Chinatown de Portland, onde esperavam encontram refúgio numa comunidade que se tinha recusado a obedecer à ordem de abandonar a cidade. Durante vários dias foram vistos a seguir a linha do comboio. Houve também quem tivesse fugido para o Canadá.

Dois dias mais tarde a Chinatown de Tacoma foi destruída pelo fogo.

Jean Pfaelzer, “Afastados: A Guerra Esquecida contra os Americanos Chineses Comunicado da Universidade da Califórnia”, 2008

14 Dez 2016

Mark Zuckerberg, Jack Ma e a Chinanet “非死不可”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntes de começar a ler, por favor veja este vídeo.

bit.ly/2g1EQxk

Segundo a Socialbakers, em 2010, a seguir à estreia do filme de David Fincher Social Network, o crescimento da utilização do Facebook na China atingiu nos três meses seguintes a percentagem de 612.19%. Com estes números a “Terra da Fantasia Zuckerbergiana” registou o maior crescimento de sempre.

A 20 de Junho de 2008 o Facebook lançou uma versão chinesa simplificada para atrair utilizadores da RPC. Um ano mais tarde, a 7 de Julho de 2009, o Facebook foi bloqueado pelas autoridades chinesas e deixou de poder ser acedido directamente no país.

Aqui vão algumas razões que justificam o crescimento exponencial dos utilizadores do Facebook na China.

  • • A China conta oficialmente com 420 milhões de utilizadores da Internet, dos quais apenas 160 milhões estão registados no Facebook. O potencial é irresistível.
  • • O filme Social Network despertou a curiosidade dos chineses.
  • • O jogo CityVille.
  • • Razões políticas. Países como a Somália, a Serra Leoa e a República Centro-Africana registaram índices de crescimento semelhantes entre os utilizadores do Facebook.
  • • Os jovens chineses que estudam no estrangeiro, quando voltam a casa por altura do Ano Novo Chinês, criam uma conta no Facebook a partir da RPC.

Mas estas notícias não têm novidade nenhuma. No entanto, recentemente, o assunto voltou a dar que falar. Segundo o New York Times, aparentemente, o Facebook tinha criado uma ferramenta para zonas geográficas onde é censurado, numa tentativa de voltar a abrir caminho até à Rota da China. O jornal citava três empregados da empresa Facebook que afirmaram que esta ferramenta pode filtrar as publicações dos utilizadores em zonas geográficas específicas. Segundo o artigo do Times, Mark Zuckerberg, director executivo do Facebook, apoiou a criação de uma ferramenta destinada a zonas interditas.

A partir da altura em que o Facebook foi banido na China, em 2009, por causa do desejo das autoridades de controlarem os mecanismos de partilha da informação, e os movimentos que usam a internet, Zuckerberg nunca deixou de estar empenhado em “voltar à China”. Passou anos a estudar mandarim e teve encontros com dirigentes chineses de topo, incluindo Xi Jinping. Algumas más línguas insinuam que Mark Zuckerberg guarda um conjunto de livros “sagrados” de Xi na mesa de cabeceira.

No entanto não podemos falar de Zuckerberg sem mencionar o gigante chinês do negócio online, Jack Ma e a sua empresa a Alibaba, que ultimamente viu nascer “a aurora da partilha de dados” na era da internet global. Vai ser uma aurora num céu chinês, não vai Jack?

É certo que Mark e Jack são dois super-heróis dos nossos tempos, a única coisa que os diferencia é o empenhamento com que as pessoas veneram os seus deuses.

Huang Jian, um jovem de Shenzhen, afirma que já despendeu a quantia de um milhão de yuans (145.000 dólares) em cirurgias plásticas para ficar parecido com Jack Ma. Estas operações são efectuadas na Coreia do Sul, o principal destino asiático para quem pretende submeter-se a uma cirurgia plástica. Huang afirma ser um grande fã do segundo homem mais rico da China e passou por esta transformação radical na esperança de um dia poder encontrar-se com o seu ídolo.

Por isso Mark, talvez pôr os livrinhos vermelhos debaixo da almofada não seja o suficiente. Será que planeias vir a ficar parecido com Xi Jinping? Se for o caso, força, não hesites!

7 Dez 2016

Fidel e a complexidade da relação com a China 卡斯特罗:“不到长城非好汉。”

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]idel de Castro morreu a 25 de Novembro de 2016,  com 90 anos de idade. O Presidente da China, Xi Jinping, leu uma mensagem na abertura do noticiário da noite da CCTV: “O povo chinês acaba de perder um companheiro bom e leal. O Camarada Fidel viverá para sempre.”

Em Janeiro de 1959 Fidel de Castro, à frente da Revolução Cubana, derrubou o regime pró-americano de Batista e estabeleceu um governo revolucionário. Foi o início de uma era política que durou  mais de 50 anos. O relacionamento entre a China e Cuba desenvolveu-se rapidamente desde os acordos criados em 1960, e Cuba tornou-se o primeiro país latino-americano a ter relações diplomáticas com a China. Durante o seu longo mandato Fidel teve contactos com várias gerações de líderes chineses.

Em retrospectiva:

A 2 de Setembro de 1960 Cuba proclamou a primeira Declaração de Havana. Fidel de Castro reiterava o estabelecimento das relações diplomáticas com a República Popular da China. No entanto, a “profunda amizade” não se viria a concretizar e, até à morte de Mao em 1976, os dois países socialistas mantiveram-se distantes devido à ligação fechada de Cuba com a União Soviética, a “rival” da China nos anos 60.

Em  Novembro de 1993, quando Jiang Zemin visitou Cuba, Fidel preparou-lhe uma cerimónia muito especial e condecorou-o com a Medalha Jose Marti, a maior homenagem que o Governo cubano pode prestar a um estadista estrangeiro. A seguir à queda da União Soviética, no início dos anos 90, Cuba ficou “órfã” e a China disponibilizou-se para apoiar Fidel incondicionalmente. Nos primeiros anos da década de 90, Cuba importou 500.000 bicicletas da China. Mais tarde a China ajudou a construir várias fábricas de bicicletas na Pátria de Fidel. Nos anos que se seguiram as bicicletas tornaram-se o principal meio de transporte em Cuba.

A 29 de Novembro de 1995 Fidel chegava a Pequim e foi recebido de forma muito calorosa no aeroporto. No dia seguinte, Jiang Zemin homenageou-o com uma cerimónia de boas vindas na capital. Beberam champanhe e assinaram um acordo de colaboração entre os dois governos.

A 1 de Dezembro de 1995 Fidel subiu à Grande Muralha. Na altura declarou que tinha sentido pela primeira vez que “Ninguém pode ser um herói sem ter visto a Grande Muralha”, um trecho de um poema de Mao Tsé Tung. Na sua auto-biografia Fidel defendeu que Mao teria de ser lembrado como um dos maiores políticos, estrategas e líderes militares de sempre.

Em 2003, com 80 anos de idade, Fidel voltou a visitar a China fazendo-se acompanhar desta vez pelo filho e pelo neto. Foram recebidos por Jiang Zemin no Grande Salão do Povo. Este gesto ajudou a incrementar a colaboração de longa data entre os dois regimes e “agradou profundamente” ao velho líder cubano.

A 21 de Julho de 2014, Xi Jinping chegou a Havana para iniciar uma visita oficial a Cuba. Os dois chefes de estado tinham-se conhecido em 2011, quando Xi visitou Cuba noutra ocasião. No final desta vista de estado, Xi enviou parabéns antecipados a Fidel.

No passado dia 25 de Setembro Li Keqiang visitou Castro e mantiveram uma longa conversa.

30 Nov 2016

A China tal como ela é 真实的中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] câmara de Michael Wolf é honesta, mas não é indelicada. Durante mais de vinte anos, o fotógrafo alemão abordou os seus temas com uma frescura que reflecte simultaneamente o passado e sugere o futuro.  Tomemos como exemplo uma das suas muitas sequências conceptuais.  A série de fotografias intitulada “Cadeiras Chinesas” não o fez cair nas boas graças da polícia chinesa, embora ele se tivesse esforçado por explicar que o seu trabalho era “inofensivo”. Mas, a polícia continuava a insistir que “prejudicava a imagem da China”. Não chegaram a prendê-lo, mas detiveram-no durante seis horas e confiscaram-lhe as fotos.  Num contraste marcado entre a bizarria dos edifícios luxuosos e dos Centros Comerciais que inundam o País, as “Cadeiras Chinesas” inventariam todo o tipo de assentos que dão corpo ao humor e à sabedoria da cultura chinesa.  Na minha opinião, estas “cadeiras” são a constância da China. Cada cadeira é um retrato de teimosia e determinação. Passam ao lado da moda, calmas, intimas e audaciosas: são a China como ela é.

Nascido em Munique, Wolf cresceu nos Estados Unidos. Chegou a Hong Kong em 1995. Se o leitor fizer uma visita ao seu website, pode ficar um pouco chocado com a obsessão pela separação e classificação, sob a batuta do rigor alemão.

Em a “Fábrica de Brinquedos” percebemos que para haver uma infinidade de brinquedos são necessários inúmeros trabalhadores. Assistimos à “Verdadeira Toy Story”, numa fábrica de brinquedos chinesa: uma azáfama de trabalhadores, um ambiente abafado, e pilhas de brinquedos de plástico.  Cerca de 75% dos brinquedos produzidos em todo o mundo são “Made in China”. São fabricados por gente real e não por máquinas.

Durante a produção da série “Arte Falsa Real”, Wolf pediu a um falsificador de arte chinês que lhe pintasse os girassóis de Van Gogh. Obteve a seguinte resposta: “É muito simples. Com 400 pinceladas está feito!” Esta conversa decorreu na Dafen Artist Village (subúrbio artístico de Shenzhen), onde vários milhões de “quadros famosos” são produzidos anualmente para exportação. Um “artista” despachado consegue fazer 30 obras-primas por dia.  Sim, claro, isto também é a China.

23 Nov 2016

O presente de Hitler ao Extremo-Oriente 犹太人在中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] História dos Judeus na China vem de longe, remonta pelo menos ao séc. VIII. Também durante o Nazismo muitos vieram à procura de refúgio na “terra dos dragões”.

A economia mercantil da antiga China atraiu muitos comerciantes judeus. Viajando através da Rota da Seda, muitos deles instalaram-se na parte ocidental do País. Os judeus foram oficialmente aceites em 960 DC na cidade de Pien-Liang (Kaifen nos dias de hoje). Construíram a Sinagoga da Pureza e da Verdade, a primeira na região, em 1163. A comunidade foi crescendo nos oito séculos que se seguiram, atingindo o seu auge no séc. XVII, com 5.000 membros. Contudo, o período que se seguiu trouxe guerras, pobreza e isolamento religioso, provocando um declínio significativo da comunidade.

Mas em Xangai a história dos judeus é totalmente diferente. Conhecida como a “Pérola do Oriente”, Xangai recebeu, durante a II Guerra Mundial, cerca de 30.000 refugiados judeus, dados que deveriam ser acrescentados ao Registo da Memória do Mundo da UNESCO.

Em 1845 Xangai foi forçada a abrir as suas portas ao comércio externo, por imposição dos Tratados unilaterais que se seguiram às Guerras do Ópio, e uma rede de proeminentes famílias de Judeus Sefarditas – os Kadoories, Hardoons, Ezras, Nissims, Abrahams, os Gubbays, e, muito especialmente, os Sassoons – rumaram à cidade. Na altura, faziam parte da elite dos muitos ocupantes ocidentais da zona.

Pequena, mas poderosa, esta classe de comerciantes financiou muitas das Mansões Belle Époce construídas no distrito de Bund, numa versão local da Ringstrasse, em Viena. O Cathay Hotel, propriedade de Victor Sassoon, foi concluído em 1929 e tornou-se a “jóia da coroa” do Bund, o centro da vida social dos judeus da cidade. Neste sentido, Xangai é possivelmente a Maior Cidade Judaica Alguma Vez Construída. Pouco depois, em meados dos anos 30, chegaram os refugiados, fugidos da Alemanha Nazi. Nessa altura a comunidade judaica de Xangai aumentou consideravelmente, atingindo um número próximo dos 30.000 membros.

Embora os refugiados que se instalaram em Xangai vivessem certamente bastante melhor do que os seus familiares e amigos que ficaram para trás, na Europa, a vida no Extremo-Oriente não deixava de ser conturbada. Em Xangai, inicialmente tudo parecia promissor aos olhos dos judeus alemães acabados de chegar, pouco depois da subida ao poder de Hitler. Muitos deles eram médicos e dentistas. Aparentemente Xangai ficou tão grata pela vinda de pessoas com estas qualificações profissionais que um jornal escreveu num destaque: “O presente de Hitler ao Extremo-Oriente”.

Sam Sanzetti não era médico. O seu verdadeiro nome era Semyon Liphshitz e era fotógrafo. Chegou a Xangai em1922. Depois de trabalhar como aprendiz, abriu o seu próprio estúdio em1927 e tornou-se um dos mais famosos fotógrafos de Xangai. Trinta anos depois mudou-se para Israel, onde permaneceu até à sua morte em 1986. Sanzetti fez cerca de 20.000 retratos de habitantes da cosmopolita Xangai. Fotografou a sépia e a cores trabalhadores, figuras da alta sociedade, mulheres, famílias, crianças, enviados diplomáticos, figuras públicas famosas, etc. A imagem de marca de Sanzetti foi composta pela compleição suave dos seus modelos, pelo olhar intenso, a postura marcada, a beleza feminina e a inocência infantil. Os seus retratos deram origem a uma nova marca “O Xangai look”.

16 Nov 2016

Ser “cool” na antiga China 八雅

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stamos a falar do chinês “cool” e não do coolie chinês

Ser cool na antiga China significava ter adquirido as “oito graças”: 八雅。 

Cítara, Go, caligrafia, pintura, poesia, “apreciar” bebidas, arte floral, praticar o ritual do chá. Estes oito “ingredientes” faziam duma pessoa uma “brasa” da Antiguidade.

Cítara

Vou dedilhando e trauteio quando estou ébrio

Quantos cordas partirei até ficar sóbrio outra vez?

Não se trata de um poema que promova o alcoolismo, mas sim de um poema que nos fala do antigo culto da cítara. A cítara, o Go (jogo chinês de tabuleiro), a caligrafia e a ilustração representam quatro disciplinas eruditas; quatro requisitos para quem queria “dar nas vistas”. A cítara, ou古琴 era o supra-sumo destas habilidades e continha as “nove virtudes”. Ficou conhecida como o “instrumento dos cavalheiros” e era símbolo de bom gosto e de honra. A cítara é sinónimo da verdadeira música.

Go

Sonho com a minha vida entre cada jogada

Gosto de pensar três vezes antes de agir.

Jogar Go é uma arte. O Go foi um elemento importante da vida cultural na Antiguidade. Totalmente distinto de qualquer outro jogo recreativo, acreditava-se que redimensiona a perspectiva moral do jogador, o seu comportamento e a sua noção de estética. Fornece formas alternativas de pensamento.

Caligrafia

Traços fortes e curvas elegantes escrevem palavras intemporais,

O passado esconde-se dentro de cada pincel.

Diz-se que Cang Jie inventou os caracteres chineses, que são também pictogramas. A escrita chinesa contém a um tempo o som e a imagem, razão pela qual continua a ser um dos meios mais importantes para a comunicação do conhecimento.

Pintura tradicional

Como fazer permanecer a Primavera?

Só a pintura capta o perfume das suas flores.

A pintura tradicional na China centra-se na beleza da Natureza e só indirectamente reflecte a vida social da época.  Mergulhava-se o pincel na tinta para pintar em papel ou seda. O tema poderá ser a paisagem, as flores, os pássaros, imaginários ou reais, e surgem quadros de sonho.

Poesia

Flores primaveris e a chuva do Outono tecem os meus poemas

A Lua da aurora e a geada da noite entoam as minhas canções.

A capacidade pictórica da escrita chinesa torna a poesia clássica rica em imagens. Estes poemas são imagens em movimento, livres das regras da gramática, e permitem que o leitor mergulhe de imediato na visão do poeta.

Licores

Viajo até ao fim do mundo para encontrar o caminho do regresso

Mas só esta taça de vinho sabe amar a minha terra natal.

Os vinhos e licores são tão antigos quanto a poesia chinesa. Associa-se frequentemente os poetas chineses a episódios anedóticos sobre embriagados, alguns divertidos, outros trágicos.

Arte Floral

A Primavera convida um imenso esplendor ao meu jardim

A brisa sopra sobre a terra / vestida de todos os perfumes.

Mais conhecida nos nossos dias por ikebana, a antiga arte floral era considerada essencial para a felicidade espiritual.

O ritual do chá

As folhas de chá bebem a essência do sol e da lua,

Penso na solidão, quando as mergulho em silêncio na água cristalina.

O ritual do chá é uma experiência estético-artística.  É uma prática que defende a privacidade e o amor à solidão.

9 Nov 2016

As mulheres mais odiadas da China 让解放军踮起足尖的女人

[dropcap style≠’circle’]“E[/dropcap]m Xangai, Wang Guangmei (mulher do então presidente, J O’y) proferiu um discurso de 70.000 palavras…[na] mesma semana em que Jiang discursou no Festival da Ópera de Pequim. Enquanto Wang explicava a agrónomos qual o fertilizante que ela achava mais adequado para as difíceis condições da Província de Hebei, Jiang ensinava os actores a usar uma pistola de forma a evitarem danificar o pénis.”

Comrade Chiang Ch’ing por Roxane Witke, 1977

Querida Humanidade, ups, a Mestre de Artes, Jiang Qing江青.

A reforma da arte tradicional começou após a fundação da República Popular da China, em 1949; esta reforma também abrangeu a Ópera. No início dos anos 60, Mao Tsé Tung queixava-se que os palcos chineses ainda eram dominados por “imperadores, reis, generais, chanceleres, literatos e beldades” (风花雪夜才子佳人, ao invés de heróis proletários da classe trabalhadora. Houve uma mulher que o compreendeu. Acabaria por entrar na História como a mulher malvada do Secretário Geral – uma mulher que arcou com a as consequências do desagrado nacional, devido às marcas deixadas pelo líder da revolução de massas.

Liu Haisu, um dos grandes nomes da história da Arte chinesa, que deu início à utilização de modelos nus nas Academias, escreveu sobre Lan Ping: “Tinha regressado da Europa no Verão de 1935. [Ela] já era famosa em Xangai por causa do seu desempenho de Nora, na peça de de Ibsen. Era uma artista talentosa, qualquer coisa que se lhe dissesse, ela compreendia à primeira.”   Nos anos 60, quando Mao apelou à criação de uma nova arte revolucionária, foi como se lhe tivesse insuflado vida nova. Deu início a uma cruzada para controlar o mundo das artes, pelo que foi condenada para todo o sempre, mas através da qual deixou marcas inesquecíveis. Os chineses costumam dizer: “8 biliões de pessoas a admirar 8 personagens modelo do palco” (八亿人看八个样板戏). Porquê? Porque os heróis e as heroínas são gao (, sublimes), da (, gloriosos) e quan (, completos). É a versão chinesa do Übermensch (super-homem de Nietzsche), embora duvide que Jiang alguma vez tenha estudado Riefenstahl.

Pelos vistos, os efeitos das oito personagens modelo da camarada Jiang Qing na memória colectiva dos chineses, foram muito incrementados pela publicação de diversíssimos cartazes que reproduziam momentos chave das suas peças. Tornaram-se imediatamente clássicos, ousados e inovadores usando sem complexos elementos característicos da arte ocidental. Por exemplo, os instrumentos que compõem as orquestras ocidentais foram todos introduzidos na Ópera tradicional de Pequim, bem como elegantes bailarinas de sapatilhas de cetim, que volteavam e saltavam em torno de soldados agitando armas e espadas, enquanto realizavam proezas de Kungfu.  O colorido dos cenários chegava a ter um magnetismo à la Warhol.    

As oito personagens modelo continuam vivas hoje em dia, justiça lhes seja feita, embora o apreço do público seja já desprovido de significado político. O que resta tem mais a ver com nostalgia, já não existem conotações negativas. São o manifesto de uma mulher no mundo masculino da política.

26 Out 2016

Bob Dylan aos olhos da China 今夜我们唱鲍勃

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] semana passada estive a trabalhar num ensaio sobre o Livro dos Cânticos, uma colecção de poesia clássica chinesa, que inclui 305 palavras cuja origem remonta a um período compreendido entre os séculos XXI e VII AC. Nessa altura, escrevi: “…A poesia na sua forma original deve encontrar-se nos cânticos… As letras ficaram registadas, embora a música e a representação que lhe estava associada tenham sido gradualmente esquecidas. Estas palavras arcaicas tornaram-se poemas, constituindo uma memória que nos transporta a sentimentos e disposições de alma que se perderam na noite dos tempos. Os poemas combatem o esquecimento: são o grito dos nossos antepassados contra o olvido.”

Pouco tempo depois Bob Dylan ganhava o Nobel da Literatura, e os protestos que esta escolha desencadeou fizeram-se ouvir de imediato. Enquanto isto, pus-me a pensar que, para os chineses, esta deliberação não foi nada surpreendente, embora receie que a minha análise não tenha nada a ver com a decisão da máquina de Estocolmo.   

Demos agora uma olhadela rápida à imagem de Dylan na China através dos média de língua inglesa. O Guardian menciona a digressão de Dylan na China em 2011. “Na semana em que Ai Weiwei, o artista e activista, foi preso, Bob Dylan teve autorização para actuar em Pequim. Ninguém sabe ao certo porque é que qualquer uma destas decisões foi tomada, mas isso também não incomodou as 6.000 pessoas que encheram a arena do Estádio dos Trabalhadores, nessa noite…”

O concerto teve lugar em Pequim e o alinhamento “seguiu à risca o programa aprovado”. Até aqui não há nada de surpreendente, porque a China é a China e o público chinês compareceu “não pela música, mas pela lenda” e Dylan “não cantou, falou”. Ou seja, “cantou” poesia. A minha análise tem pernas para andar. Bob Dylan foi/é um sábio poeta chinês.

Durante os últimos dias, vimos nos canais de língua chinesa, o povo expressar-se directa e abertamente mostrando, de forma esmagadora, o seu apoio a Bob Dylan – ao contrário do meu círculo de amigos do hemisfério ocidental.  O público chinês partiu à descoberta de Bob Dylan, artista plástico, e de Bob Dylan. romancista: não existem limites para o brilhantismo e para o talento deste homem.

Encantados com esta vitória, os chineses já sugeriram que Zhang Chu deverá ser o próximo galardoado com o Nobel da Literatura.

E aqui vai Zhang Chu 张楚, aposto que nunca tinham ouvido falar dele:

https://bit.ly/2eb1Mxl

19 Out 2016

Aquele que não pode ser mencionado 蒙古王铁木真真相

[dropcap style=’circle’]”[/dropcap]Khatun (rainha) é uma das palavras que se reveste de maior autoridade e magnificência na língua Mongol. É sinónimo de realeza, de sumptuosidade e de grande força. Se um material for extremamente resistente e não partir, por maior que seja a força aplicada, é designado por khatun. A palavra pode fazer parte de nomes femininos ou masculinos, significando poder e firmeza aliados à graça e à beleza. Devido às qualidades da palavra khatun, os homens recebem frequentemente nomes como Khatun Temur, literalmente ‘Rainha de Aço’, ou Khatun Baatar, “Rainha Heroína’.” – Genghis Khan e a Construção do Mundo Moderno –

Foi um homem tão maligno e sedento de sangue que é impossível escrever o seu nome, mas, acima de tudo, conhecê-lo ajuda-nos a compreender algumas coisas sobre a forma como a História se constrói. Enquanto escritora, é meu dever partilhar convosco a minha última descoberta.

Aqui vai o seu Passaporte Pokemon (sim, sim, encontrei-o):

Língua Utilizada: Inglês
Data de Criação: 31 de Outubro de 2013
Passaporte Pokemon
Nome: Genghis Khan
Tipo: Ser das Trevas
Ataque 1: Assassínio
Invade outras civilizações e destrói-as
Ataque 2: Pilhagem
Saqueia cidades e todos os seus bens

E é por isto que os esforços para suprimir a sua influência continuam, porque a História não se pode repetir.
Por exemplo, a URSS erradicou da sua terra natal, na Mongólia, todos os rastos da sua passagem e proibiu que o seu nome fosse mencionado. Mas hoje venho aqui dizer-vos que quase tudo que sabem sobre ele está errado.
A chave para o sucesso do Império mongol foi a mestria com que lidava com o orgulho. Como é sabido, os Mongóis adoravam os lobos, animal que não se adapta ao circo, como os leões e os tigres. Genghis Khan dizia aos seus maiores guerreiros “se não souberem engolir o orgulho, não podem liderar”.
Genghis Khan aboliu a tortura, defendeu a liberdade religiosa e uniu diferentes tribos. Abominava os privilégios da aristocracia, adorava aprender e foi um pioneiro na defesa dos direitos das mulheres na Mongólia. Genghis era um visionário. O seu império conheceu o primeiro sistema postal, inventou o conceito de imunidade diplomática e chegou a permitir o acesso de mulheres ao seu conselho. Mas acima de tudo, os mongóis destacaram-se pela tolerância religiosa. Foi um homem que se fez a si mesmo e estava à frente de um império acabado de construir com cerca de 18 milhões de quilómetros quadrados, do qual algumas partes se mantiveram ao longo de sete séculos. Sim, é verdade, gostava da guerra, mas nunca em proveito próprio. A sua grande missão era: “Unir todo o mundo num só Império.” E a sua ambição assoberbou-o. Contudo, os mongóis não buscavam honras na guerra. Vencer era o seu objectivo. Após a vitória, focavam-se na construção da paz com igual tenacidade.
O maior conquistador de todos os tempos morreu suavemente, rodeado pelas esposas e pela família.
Ah, é verdade, todos sabemos que o dinheiro em papel foi uma invenção dos chineses (eu sei que vocês não sabem, mas não faz mal). Durante a Dinastia Yuan (1279-1367) – quando o Império Mongol se instalou na China – o dinheiro em papel era o único válido. Na altura em que o neto de Genghis Khan, Kublai Khan, terminou a conquista da China -1260 – e tomou posse do título de Imperador, o dinheiro em papel tinha-se tornado uma característica assente e definitiva da política financeira do governo Mongol. Existem registos, que cobrem um período de noventa e sete anos, onde podemos ver a quantidade de notas emitidas anualmente, durante o reinado de Kublai e dos seus sucessores. A descrição Marco Polo é a mais detalhada.

12 Out 2016

Don(ald), Hill(ary) e os clássicos chineses 希拉里.克林顿知道多少

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]êm ideia de quantas vezes os dois candidatos à Presidência dos EUA mencionaram a China durante o primeiro debate eleitoral? Pois é verdade, Pequim está sempre presente na mente dos americanos, se não mesmo nos seus corações.
Coração e mente. Estas duas palavras transportam-me para a literatura chinesa. Gostava de aproveitar a ocasião para falar sobre, ou melhor, falar em torno de um dos quatro clássicos: Os Três Reinos 三国志。
A 22 de Junho de 2015, durante a cerimónia de inauguração do Encontro Económico-Estratégico Sino-Americano, o Secretário de Estado John Kerry congratulou a China por se ter tornado um líder mundial, nomeadamente, por ter ajudado os EUA a combater o Ébola, pela intervenção diplomática no Irão, e pela colaboração conjunta no Afeganistão. Mas o Vice-Presidente americano Joe Biden fez umas declarações menos elogiosas. Afirmou que, se a China quiser verdadeiramente vir a tornar-se num “concorrente responsável,” terá de respeitar a lei internacional, garantir a liberdade das zonas marítimas e proteger os direitos humanos.
Como é que poderemos unir estes dois pontos de vista divergentes e compor uma imagem correcta da China?
Mesmo depois de mais de 200 anos de relações entre os dois países, a China permanece um enigma para os políticos americanos. Como explicar o comportamento contraditório da China? De uma forma geral, parece-me que os ocidentais, neste país, só conhecem Confúcio e a Arte da Guerra. O Ocidente tem prestado pouca atenção a outras eras importantes da história chinesa: o período do Três Reinos (220-280). A obra clássica da literatura Romance dos Três Reinos continua extremamente pertinente na sociedade chinesa actual. Este texto tem sido estudado e profusamente citado, e é uma referência de todos os dirigentes chineses desde Mao a Xi Jinping.
Romance dos Três Reinos decorre após a queda da dinastia Han, em 220. A China, até aí unida, divide-se em várias facções comandadas por temíveis senhores da guerra, cada um deles empenhado em reunificar o país sob a sua liderança. Por fim, os mais fortes conseguiram fundar três reinos: Wu, Wei e Shu.
O Reino de Wu simboliza a hegemonia regional. O Rei de Wu não tinha propriamente ambições imperialistas; só queria proteger o território que desde os tempos ancestrais pertencia à sua família, situado ao longo da costa leste. Mas isso não o impediu de lutar com todas as suas forças para defender a independência e a hegemonia dessa terra soberana. Quando o Rei Wei o defrontou na Batalha de Chibi (Falésia Vermelha), Wu uniu-se com Shu para proteger a hegemonia da sua região. Nos dias de hoje, a China está a posicionar-se pela hegemonia da Ásia. É líder na Organização para a Cooperação de Xangai e fundou o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, para fazer frente aos ocidentais Banco Mundial e ao FMI. Está também a caminho de estreitar os laços com a Rússia, de forma a manter o alcance deste gigante fora da sua esfera de influência.
Wei era o segundo Reino e representa a tirania. O Rei de Wei, o celerado Cao Cao, um líder implacável que usava as alianças para tornar os estados vizinhos seus vassalos e que, mal podia, quebrava as alianças assim que via uma possibilidade de atacar. A frase mais célebre de Cao Cao foi, “prefiro trair o mundo inteiro antes que o mundo me traia a mim.” Por isso agora podemos juntas todas as peças do puzzle, América Latina e África, Mar do Sul da China e Japão e, por aí fora.
Finalmente, vem Shu, o terceiro Reino, que representa a autoridade humanitária. Liu Bei personifica o rei sábio, que se apoiava na sua reputação e na sua virtude. Benevolente, seguia escrupulosamente a lei e exercia a autoridade de forma humanitária. Liu Bei não se guiava só pelas suas próprias ideias; rodeou-se de um círculo de leais conselheiros. Para defrontar o terrível Wei, Shu teve de aliar-se a Wu. A China dos nossos dias ascende à cena internacional como o rei sábio que desejava representar a autoridade humanitária no mundo. Isto diz-vos alguma coisa? Claro que sim, estou a lembrar-me de uma ideia tão ancestral quanto moderna que tem mantido a China viva no imaginário ocidental através dos séculos. Três Reinos, três caminhos. Querem experimentar com pauzinhos, USA?


Foto: Richard Nixon experimenta comer com pauzinhos durante um banquete dado em sua honra, 1972

5 Out 2016