Eleições | Activismo para a Democracia submete documentos

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão os cavalos-de-batalha do costume aqueles que ontem foram apresentados pela Associação Activismo para a Democracia, que participa em Setembro nas eleições legislativas. A equipa encabeçada por Lee Kin Yun esteve ontem na Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) para entregar a lista de candidatos e o programa político.

Ao todo, são cinco os aspirantes a deputados à Assembleia Legislativa: além de Lee Kin Yun, do grupo fazem parte Ng Sio Hong, Tam Kai Chong, Leong Seac e Chu Kai Chon. O programa político tem como grande objectivo fomentar o processo democrático em Macau, lutando pelo sufrágio universal nas eleições para a Assembleia Legislativa e para o Chefe do Executivo.

Lee Kin Yun destaca ainda outras prioridades, como a implementação do sistema de responsabilização dos funcionários públicos, a protecção da liberdade de imprensa, a definição da lei sindical, a diversificação adequada da economia e a ascensão profissional dos jovens.

À margem da entrega da documentação à CAEAL, o activista contou que uma fotografia sua foi usada indevidamente na criação de uma conta de uma rede social, que serviu para “atacar um candidato de apelido Kou”. O líder da Activismo para a Democracia assegura que não tem qualquer responsabilidade no ocorrido, pelo que vai apresentar queixa à Polícia Judiciária.

11 Jul 2017

Estudo | Confiança dos consumidores desceu no segundo trimestre

A habitação é um problema cada vez mais difícil de resolver em Macau, depreendem os autores do índice de confiança do consumidor feito pela Universidade de Ciência e Tecnologia. Em termos globais, o optimismo está em queda

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Índice de Confiança do Consumidor de Macau (ICCM) desceu no segundo trimestre deste ano. A diminuição de 1,21 por cento, em comparação com os primeiros três meses deste ano, é causada sobretudo pelo desânimo que existe em torno da habitação. Feitas as contas, o ICMM fixou-se em 85.30, numa escala de zero a 200, revelando assim que existe uma generalizada falta de confiança junto dos inquiridos.

O estudo compreende seis campos de análise, a saber: economia local, emprego, preços junto do consumidor, padrões de vida, aquisição de habitação e investimento em bolsa. O mais recente relatório da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (UCTM), divulgado ontem, resulta de inquéritos feitos a 1015 residentes com mais de 18 anos, entre os dias 13 e 19 do passado mês de Junho.

Numa análise global, os autores destacam que cinco dos seis subíndices desceram no período em análise. Salva-se apenas a “economia local”, que tem vindo a aumentar e fica acima da marca dos 100 pontos, com 102.28.

A este propósito, a UCTM recorda que as estatísticas oficiais indicam que houve um crescimento de 10,3 por cento do Produto Interno Bruto entre Janeiro e Março, bastante mais do que os sete por cento verificados nos últimos três meses de 2016. A contribuir também para este aumento da confiança na economia do território estão os resultados obtidos no sector do jogo, a principal indústria da RAEM.

Desde 2009, é a primeira vez que este campo de análise ultrapassa a linha dos 100 pontos.

Emprego sem garantias

Já o optimismo em relação ao emprego diminuiu ligeiramente, sendo que continua a ser o mais alto entre todos os campos analisados. As contas da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos indicavam uma taxa de desemprego para o período entre Março e Maio deste ano. Entre os residentes que integram a população activa, apenas 2,6 por cento se encontravam sem trabalho. Ainda assim, a percepção dos participantes no inquérito faz com que o valor se situe abaixe dos 100 pontos, com 97.45.

Também no subíndice “preços junto do consumidor” se registou uma ligeira queda, estando agora em 74.22. Para este resultado contribuiu a taxa de inflação, que tem estado a aumentar nos últimos meses.

É na aquisição de habitação que se verifica um maior pessimismo. O valor registado neste campo voltou a descer, estando fixado em 51.16. “Sugere que está a aprofundar-se a sensação negativa entre os potenciais compradores de casas”, indicam os especialistas da UCTM. Em relação ao primeiro trimestre do ano, este subíndice do ICCM desceu 4,15 por cento.

Os autores do estudo recordam que desde o fenómeno não é novo: desde 2012 que se tem verificado uma quebra de confiança a este nível.

 

O que pode melhorar

São conselhos que já foram dados noutras ocasiões, mas que são agora reiterados pela equipa da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, de modo a que seja possível melhorar o nível de confiança dos consumidores. A começar, entendem os autores do estudo que é preciso aumentar a cooperação regional com a China Continental e com Hong Kong. Depois, há que promover a diversificação económica, reduzir o efeito de “certos factores externos” na economia local, consolidar os resultados obtidos na inflação, e melhorar a relação entre a oferta e a procura no sector da habitação. Convém também encorajar o empreendedorismo entre os residentes, bem como a educação, que tem reflexos directos no nível de confiança.

11 Jul 2017

Isabel Valadão, autora de “O Rio das Pérolas”: “As palavras são o que restará de nós”

Viveu aqui na década de 1980, uma passagem de três anos que a marcou. África tinha ficado para trás, Lisboa foi o destino que se seguiu à vida no Oriente. Mais de três décadas depois, Isabel Valadão regressa a Macau através da literatura. “O Rio das Pérolas”, romance recentemente lançado pela Bertrand, conta a história de Mei Lin, uma mulher que existiu e que agora ganha uma nova vida

Viveu em Macau durante algum tempo, tendo deixado o território em 1986. Como é que surge este regresso, através da escrita, 30 anos depois?

Macau não foi mais uma passagem por um lugar que desconhecemos e que nos desperta curiosidade. Claro que também foi isso. Mas foi, sobretudo, uma etapa importante da minha vida. Angola tinha ficado para trás mas estava sempre presente nos meus pensamentos. Portugal, Lisboa, Cascais tinham apenas sido locais de passagem, apeadeiros impostos pelas circunstâncias. O regresso a Macau por este livro – uma forma de regressar que talhamos à medida dos nossos desejos e não pelos caprichos do tempo – talvez tenha a ver com a saudade mas está, muito certamente, relacionado com a minha formação em História e com o hábito de investigar o que o tempo guardou dos locais, das terras e das gentes por onde passo. 

Tem obra como romancista sobretudo em torno de África, onde viveu, continente que em muito a marcou. “O Rio das Pérolas” obrigou a uma mudança na geografia. Foi fácil esta transição?

Não foi, exactamente, o Continente que me marcou, mas Angola – embora exista uma relação de afecto entre mim e toda a África. “O Rio das Pérolas” é uma memória como são de memórias todos os livros que escrevi – frequentemente romanceadas. Se um dia deste nosso futuro tão incerto me for oferecida a oportunidade de passar por qualquer outro ponto do mundo e por lá me detiver por algum tempo voltarei a sentir-me emocionalmente compelida a investigar e a escrever sobre esse lugar e as suas gentes. A geografia é importante para o contexto. Mas o que é realmente importante são as pessoas, mesmo que algumas delas tenham de regressar da eternidade para as páginas dos romances que vou escrevendo. 

Em “O Rio das Pérolas”, há uma mulher no centro da narrativa. Convida os leitores para uma viagem entre os anos 1940 e 1960. De onde partiu esta história? Quem é a Mei Lin?

Mei Lin existiu na história de Macau. É um personagem que resgatei da vida real e coloquei no meu livro porque é um dos símbolos da mulher chinesa daquele tempo. Provavelmente, dei-lhe o brilho romanceado de uma história de encantar, emprestei-lhe uma personalidade que talvez nunca tenha tido, envolvi-a em mistérios orientais eternamente indecifráveis e ofereci-lhe um coração que ela talvez nunca tenha tido a oportunidade de conhecer. O resto da história é um romance sobre um lugar e as suas gentes… Uma espécie de fresco.

Estamos perante uma obra de ficção, mas com uma componente histórica. É licenciada em História de Arte. Sente que a sua obra ganha significado por partir de factos reais? Como é fazer este exercício de encaixe da história e da ficção?

Não existe nada na ficção que não seja, tenha sido ou venha a ser um dia uma realidade. Antes de ser historiadora sou, sobretudo, escritora e romancista. Mas é na História que me inspiro. E nela, das gentes desse mundo fora. Não existe nada de mais belo e de mais inspirador para um escritor do que as pessoas que se cruzam connosco num determinado momento ou numa esquina por onde o tempo já passou. Cada um de nós é um templo, tantas vezes misterioso na singularidade das nossas vidas, livros abertos que ninguém lê, exemplos de coragem, de altruísmo, de genialidade que o anonimato esconde na morte e enterra na campa mais profunda. Eu gosto muito de descobrir os heróis do passado e emprestar-lhes por um instante a homenagem que a vida lhes negou.

Viveu em vários continentes e teve actividades profissionais completamente distintas. Como é que surge a escrita, no meio de todas estas vivências diferentes?

A escrita chega quando tudo o mais se aproxima do fim. Chega-me numa idade mais madura, depois de todas as experiências que a vida me proporcionou. Chega-me também da necessidade de me ocupar e de me manter viva. De me manter, sobretudo, alerta. E da necessidade imperiosa de não esquecer! É a última casa de quem sobe na direcção da saída grande. Tenho 72. 

Faz investigação na área da defesa e conservação do património. Escrever sobre o passado de locais onde viveu é também, de certo modo, uma forma de preservar outro tipo de património?

Sim. O património imaterial que todos nós somos. As nossas palavras são tudo o que restará de nós para as gerações futuras.

Sei que tem planos para voltar a Macau nas suas obras. Podemos esperar para breve um novo livro?

Provavelmente voltarei a Macau – um dia. Mas o meu próximo romance terá o antigo Reino do Congo como chão. Uma princesa-escrava. Heróis avulsos. Guerreiros, estrategas e generais. Mártires e defuntos. Despojos. Escravatura. Epopeias, algumas que a História esqueceu. E uma história de amor, como não poderia deixar de ser.

11 Jul 2017

José Eduardo Martins, especialista em direito do ambiente: “A liderança chinesa é inevitável”

Paris já não seria Paris sem a China, que mudou muito nos últimos anos e percebeu que, sem um maior respeito pelo ambiente, o desenvolvimento não será sustentável. Mas a saída dos Estados Unidos do acordo internacional abre portas a um maior protagonismo de Pequim, analisa José Eduardo Martins, advogado, ex-secretário de Estado do Ambiente de Portugal. Quanto a Macau, tem um papel importante a desempenhar, porque tudo conta no trabalho de luta contra o aquecimento global

[dropcap]V[/dropcap]eio a Macau falar do Acordo de Paris, que voltou a estar recentemente na ordem do dia com a saída dos Estados Unidos. Ainda é cedo para avaliar o impacto real desta desistência norte-americana ou podemos já adivinhar consequências graves?
Para responder com franqueza, não sei. Como é que isso se vai avaliar? Hoje não estamos como há 20 ou 30 anos. O Acordo de Paris é absolutamente único no direito internacional porque, apesar de haver poucas normas imperativas – tirando as que obrigam à transparência e ao conhecimento, à monitorização das emissões –, permitiu vencer a barreira que existia no Protocolo de Quioto. O que é diferente em Paris é que, com excepção da Síria, da Nicarágua e agora dos Estados Unidos, todos os países do mundo têm consciência de que o trabalho de combater as alterações climáticas é um trabalho de cada país, um trabalho nacional. Não há uma coisa etérea chamada comunidade internacional, porque continua a haver terra onde pôr os pés, indústrias baseadas neste ou naquele país, modos de vida, de consumo, de produção de energia baseados neste ou naquele país – o que é muito importante em Paris é este consenso quase universal para a acção. Isso nunca tinha acontecido. É muito raro haver acordos internacionais sequer subscritos por maioria de Estados das Nações Unidas, quanto mais aprovados unanimemente. O primeiro efeito de Paris foi levar, de facto, um conjunto de Estados a avançar qualquer coisa nas suas políticas domésticas, e isso é importante. Anunciaram-se muitas iniciativas domésticas em muitos estados cruciais para o cumprimento do protocolo a seguir a Paris. Nessa medida, a desistência dos Estados Unidos é sobretudo grave pelo exemplo e pelo retrocesso. Mas não é só no ambiente que esta circunstância fatídica, de se ter eleito Presidente da América um homem que nunca terá lido um livro até ao fim, está a fazer os Estados Unidos perderem liderança e andarem para trás.

A questão do exemplo será então, para já, a principal preocupação.
O principal efeito que tem é os decisores políticos menos comprometidos com o futuro poderem dizer ‘se aqueles não fazem, eu também não faço’ ou usarem o argumento farisaico de que se os Estados Unidos não fazem, nada disto vai funcionar, porque eles são dos maiores poluidores. Este é o lado negativo. Mas voltando ao princípio: para quem trabalha nestas coisas, a primeira reacção tem de ser, apesar de tudo, um bocadinho mais optimista. Depois do Acordo de Paris, não há nenhum Trump que consiga fazer isto voltar atrás, nem na América. E nem na América porquê? As empresas americanas que estão pelo mundo inteiro não deixaram de estar sujeitas às regras que o Acordo de Paris fará das políticas domésticas de cada Estado. Dentro dos Estados Unidos, como muito do que se consegue é o que se faz efectivamente, uma grande maioria de Estados e de cidades continuam comprometidos com o Acordo de Paris, e vieram dizer ‘este senhor pode dizer o que quiser que nós, aqui, vamos continuar’. Não sabendo, tenho a esperança de que vamos chegar ao fim disto e, na matéria do clima, como noutras, terá havido aqui um momento sobretudo embaraçoso para os Estados Unidos, consequência de terem eleito este populista. Mas esse momento embaraçoso é um lapso de tempo num processo que ganhou uma consciência global que já não volta atrás.

É mais uma área em que a China pode ter um papel importante ao nível internacional, sendo que o país nos últimos anos tem feito um trabalho importante nesta área?
Um senhor que não estimo particularmente e que foi o mentor de Tony Blair, Anthony Giddens, escrevia a propósito do clima uma coisa simples: houve aqui um sonho de uma ordem internacional, de agências, supraestadual. Isso não é o mundo, nem é a normalidade. A normalidade é a competição entre Estados soberanos. Se há coisa que mudou no mundo nos últimos 20 anos é a passagem da China pelo mundo com a globalização. Imediatamente após as declarações de Trump, a União Europeia – que sempre quis ter um papel liderante nisto, mas que tem uma dificuldade enquanto bloco, de serem muitas vozes, muitas políticas diferentes e não tanta moral como a que se apregoa – voltou-se imediatamente para a China. A natureza não permite o vazio. A política também não permite o vazio. A geopolítica não permite o vazio. Quando os Estados Unidos se fecham sobre si próprios, a China aproveita – e bem – para tomar a liderança. Da última vez que falámos, tinha havido um congresso do Partido Comunista Chinês. E esse congresso fez com que os mais velhos do Comité Central tivessem como grande objectivo na vida voltar a ver o céu de Pequim, começar a despoluir a China. Perceberam que tinha havido uma fase de crescimento que atropelou as regras internacionais e que tinha de haver um esforço de ser liderante também como produção mais limpa. O que mudou essencialmente entre Quioto e Paris já vem muito da liderança chinesa, já vem muito da China arrastar os países desenvolvidos para a ideia de que todos temos obrigações e que não vale a pena imaginar que são uns quantos países industrializados do hemisfério norte que vão cortar as suas emissões, e que isso vai travar o aquecimento global. Não haveria Paris com a força que houve se não houvesse China dentro; com a saída dos Estados Unidos, acho que a liderança chinesa é inevitável.

Poderemos ter então um reforço positivo, estando a China num contexto internacional que os Estados Unidos não estão, numa questão tão importante como as alterações climáticas? Poderá ser um impulso adicional para o trabalho que a China tem estado a fazer?
É e de várias formas, também porque é interessante economicamente. A China quer ser líder mundial das renováveis e quer exportar tecnologia de energias renováveis, nomeadamente do solar fotovoltaico – em que está na crista da onda –, para imensos países com quem tem relações. Há um conjunto de acordos de investimento bilaterais da China com muitos países em África, por exemplo, e a esperança que tenho é que boa parte desses acordos bilaterais, além de protegerem o investimento, também criem regras para o investimento cada vez mais saudáveis. No fundo, depois de Paris, há uma tensão entre três mundos de normas internacionais. O Acordo de Paris, que nos diz basicamente que temos de tomar a acção doméstica porque o pior problema da Humanidade é o aumento da temperatura; depois temos as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo objectivo último é liberalizar o comércio mundial. Como é que se casa a liberalização do comércio mundial com alguma protecção do ambiente? Por exemplo, quando os Estados Unidos dizem que não querem importar camarão da Tailândia porque as redes dos pescadores dão cabo de uma série de espécies protegidas, estão a fazer uma norma proteccionista ou estão verdadeiramente a alegar uma excepção em favor do ambiente? Como é que vão evoluir os acordos da OMC? É uma área em que falta fazer muita coisa. Mas o terceiro mundo de normas internacionais, e que diz respeito sobretudo à China, são as normas destinadas ao investimento estrangeiro. Hoje, muitos países, para competirem pelo capital chinês, estariam disponíveis a baixar todos os standards de tratamento dos recursos naturais, e deixar que, nos seus países, se fizessem coisas que a China já não faz na China. É um modelo predatório do século passado. Neste século, aquilo que já vamos vendo é que boa parte dos acordos bilaterais de investimento têm uma previsão de protecção também dos modos e das regras de produção. A maior influência de Paris na vida real é que essa competição pelas trocas comerciais e pelo capital estrangeiro pode começar a ter algumas regras. Se não, não há esforço nacional que valha a um mundo em que agora, pela primeira vez, todos têm obrigações.

Veio a Macau para uma formação no âmbito do programa de cooperação na área jurídica entre a RAEM e a União Europeia. O que é que se ensina, numa perspectiva mais técnica?
Nesta formação, procuramos ver o que se pode fazer no cruzamento destes três mundos de normas – comércio, protecção de investimento estrangeiro, regras ambientais de Paris. Sobre o Acordo de Paris não se diz nada de extraordinário, porque o que conta é a acção local. Ao longo destes três dias, eu e o Prof. Julian Chaisse vamos procurar dizer que Paris convida que cada um faça a sua parte. A China é muito grande, mas não podemos começar a dizer que Macau é pequeno dentro da China. Tudo conta. O António Lobo Antunes gosta muito de citar um provérbio húngaro que eu uso muito para o tema das alterações climáticas, que é o do ratinho que foi até à beira do mar e fez chichi porque todos os bocadinhos acrescentam. Em Macau, não estamos a falar de um bocadinho pequeno; estamos a falar de uma concentração brutal num espaço exíguo, o que leva a fenómenos de concentração de emissões, especialmente no sector residencial, no tratamento do lixo, numa série de matérias. É isso que estamos a tentar dizer: Paris significa o compromisso da Humanidade com o modelo de vida para o futuro para a própria sobrevivência da Humanidade. Isso determina um conjunto de regras ao nível local para disciplinarmos a nossa vida em relação ao consumo de energia, à produção industrial, à produção alimentar, ao tratamento de resíduos. E todas essas coisas têm importância, todas essas coisas contam. No hotel onde estou, precisei de vestir uma camisola para tomar o pequeno-almoço – é nas coisas simples que temos de perceber isto. Precisamos de regras sobre utilização de energia que expliquem que não é confortável uma diferença térmica de 20o C entre o interior do edifício e o exterior, e que o conforto não é este consumo brutal de energia e de desperdício de energia. Se quisermos climatizar todos os hotéis a 20o C, quando estão 35o C na rua, e se acharmos isso certo, então só estamos a dizer que vamos ter de extrair e queimar mais carvão, aquecer mais a atmosfera e piorar mais a situação do clima. Se acharmos que não vale a pena tratar o lixo convenientemente e com ele produzir electricidade, evitando a extracção de carvão, não vamos conseguir fazer grande coisa. Se não quisermos regular o trânsito, de maneira a que as emissões sejam um bocadinho diferentes e os carros funcionem de maneira diferente, não vamos lá. O futuro não pode só esperar que todos os carros sejam eléctricos, precisa que algumas coisas aconteçam já.

7 Jul 2017

O dedo mindinho

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é uma impressão. É um facto. Quem vive nesta cidade sabe perfeitamente que, de há uns anos para cá, existe a ideia de que não há propriamente um Governo. Às tantas, esta Macau pós-transição nunca chegou a ter um Governo; foi tendo, isso sim, conjuntos de secretários em torno de uma figura central, o Chefe do Executivo. A diferença estará na liderança. Não sei se é a memória que atraiçoa, por embelezar obrigatoriamente o passado, mas estou em crer que é coisa do passado isso de haver um líder capaz de transmitir a noção de equipa governativa.

O que agora temos é uma mão cheia de secretários. São cinco, um para cada dedo, sendo difícil escolher quem está no anelar. Também não é claro quem ocupa o indicativo. Tenho suspeitas sobre quem se retraiu e escolheu o mindinho, um dedo sempre muito disputado nestas lides da governação local, por ser pequeno e aparentemente ninguém dar por ele.

Esta mão cheia de secretários faz coisas aqui e ali, não em grupo mas em actos que se me afiguram individuais. Em abono da verdade, diga-se que, num ou noutro aspecto, o que tem sido feito cai bem, apesar de persistirem muitos dos problemas que vinham da mão cheia de secretários precedente. Mas falta o braço, claramente. Não se percebe por onde anda, o que tem feito, a que comandos responde.

O imbróglio em torno da Lei de Terras é disto exemplo. Do ponto de vista político, é talvez a maior embrulhada que Macau viveu nos últimos anos. Já não interessam os detalhes de quem disse o quê e quando, se um prometeu e o que veio a seguir não cumpriu. O que importa é o que se tem agora. E o que temos é um sombrio problema de contornos que nos escapam, porque se passam numa dimensão que não é a nossa, e que resultou numa série de actos nunca vistos.

Em contas simples, já lá vão três iniciativas de deputados, por norma resguardados na análise de propostas e não proactivos na elaboração de projectos. A primeira intenção foi chumbada e até vinha de nomeado pelo Chefe do Executivo. Da segunda ninguém sabe o paradeiro, se tem autorização para sobreviver ou não; a terceira está em análise mas, aposto dez avos, poucas hipóteses terá de se consubstanciar.

Este incómodo legislativo traduziu-se esta semana noutro tipo de acção: nove deputados juntaram-se e foram falar com o Chefe do Executivo para apresentarem uma proposta concreta sobre o caso que gerou toda a polémica em torno da Lei de Terras. A resposta chegou um dia depois: o Governo vai pensar. A réplica surpreendeu-me, admito, não pelo conteúdo, porque todos nós sabemos que o Governo pensa muito, mas pelo simples facto de existir, vinda de uma estrutura que é muda quando lhe convém. E convém-lhe quase sempre.

Não tenho particular piedade dos concessionários que nada fizeram em tempo útil nos terrenos que lhes foram sendo confiados e, entretanto, retirados. Já compreendo bem a indignação de quem passou anos em vão à espera de respostas das Obras Públicas, que lavam as mãos do problema, apesar de ser reconhecida a inércia em que mergulharam no seguimento do drama Ao Man Long. Compreendo ainda melhor aqueles que investiram o que tinham – e o que pediram ao banco – e ficaram a ver navios, por terem confiado que as casas crescem como as árvores crescem e as ervas crescem, sobretudo as daninhas.

Perante esta embrulhada, restam duas hipóteses: alguém está à espera de um sinal divino para que tudo se resolva ou alguém está à espera de 2019 para que esta trapalhada deixe de ser sua. Em ambos os casos, diz muito sobre o modo como hoje a cidade é gerida. Um braço, uma mão cheia de gente, pedaços de carne que se mexem sem que haja um corpo visível.

7 Jul 2017

Eleições | Chan Meng Kam deixa Assembleia Legislativa para os mais novos

O grande vencedor das eleições de 2013 não se recandidata às legislativas de Setembro. Chan Meng Kam entende que chegou a hora de deixar o trabalho na Assembleia para os mais novos. Garante que não vai para o hemiciclo por nomeação do Chefe do Executivo. E quer ser o sucessor de Chui Sai On? Isso logo se vê

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão diz que desta água não beberá quando chegar a altura de se escolher um sucessor de Chui Sai On. Chan Meng Kam tem sido apontado como um possível futuro Chefe do Executivo, por causa do percurso político que tem feito e as ligações que lhe são apontadas ao actual Presidente da China, Xi Jinping. Para já, o ainda deputado à Assembleia Legislativa (AL) não revela quais são as suas intenções políticas.

“As pessoas têm várias coisas para fazer na vida. Ser deputado é só uma parte da minha vida”, disse, questionado sobre a possibilidade de se candidatar a líder do Governo, daqui a dois anos. O homem mais influente da comunidade de Fujian confirmou ontem que não se recandidata, deixando a tarefa para os actuais números dois e três da sua bancada. “Não vou concorrer às eleições deste ano.”

Como já era do conhecimento público, a estrutura política liderada por Chan Meng Kam dividiu-se em duas listas para as eleições deste ano. Esta separação de equipas tem como único objectivo garantir a eleição de mais deputados, dado o método de conversão de votos em mandatos aplicado em Macau que torna difícil a eleição dos terceiros candidatos das listas.

Si Ka Long fica à frente da Associação dos Cidadãos Unidos de Macau, com um total de dez candidatos. A outra lista, a Associação dos Cidadãos para o Desenvolvimento de Macau, é encabeçada pela jovem Song Pek Kei, contando também com uma dezena de aspirantes a deputados.

Em conferência de imprensa realizada ontem de manhã, Chan Meng Kam salientou que, ao longo da sua carreira de deputado, tem feito o possível para servir a população. Mas o também membro do Conselho Executivo considera que a AL ficará dotada de uma maior energia se for constituída por um número maior de jovens.

“Vou depositar as minhas esperanças em jovens como Si Ka Lon e Song Pek Kei, com a expectativa de que continuem com o espírito de proteger a justiça e tenham vontade de intervir na AL, servindo com os residentes com o coração”, disse. “Espero que, com base na prosperidade de Macau, fomentem o desenvolvimento da sua diversificação e a partilha dos frutos do desenvolvimento com os cidadãos”, acrescentou.

E agora?

Apesar de ter decidido deixar a AL, Chan Meng Kam promete continuar a servir os cidadãos e a contribuir para o desenvolvimento da sua equipa, fazendo-o noutra posição.

Quanto à possibilidade de ainda voltar ao hemiciclo, mas como deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, o empresário nega tal hipótese, recordando o que disse no passado: só gostaria de ser membro da AL se fosse eleito por via directa.

Recorde-se que Chan Meng Kam teve um percurso surpreendente enquanto político: de empresário desconhecido fora da comunidade de Fujian, de onde é natural, passou a deputado e a membro do órgão que coadjuva o Chefe do Executivo na tomada de decisões.

Nas eleições de 2013, a lista liderada pelo homem do Golden Dragon, a Associação dos Cidadãos Unidos de Macau, alcançou um resultado histórico, ao conquistar mais de 26 mil votos, o suficiente para eleger três deputados. Em 2009, tinha conseguido 17 mil votos, ficando garantida a reeleição de uma bancada composta por dois elementos. Nas eleições em que se estreou, em 2005, entrou directamente para o segundo lugar dos mais votados, com 20.701 eleitores a expressarem o apoio, só ultrapassado então pelos pró-democratas Au Kam San e Ng Kuok Cheong.

 

Song em estado de negação

Si Ka Lon agradece a oportunidade; Song Pek Kei diz que ainda não aceitou a decisão de Chan Meng Kam. Na conferência de imprensa que serviu para apresentar os dois novos cabeças-de-lista do grupo político de Fujian, as reacções foram diferentes.

O actual número dois da bancada prometeu que vai tentar manter o espírito de Chan Meng Kam. O deputado traçou algumas prioridades, dizendo que, nos passados quatro anos, “algumas políticas ligadas à vida dos residentes foram levadas a cabo sem resultados satisfatórios”. Si Ka Lon deu exemplos: a proposta para a renovação urbana, a verificação de infiltrações de água, o sistema de responsabilização dos funcionários públicos e a habitação pública. O candidato promete continuar a trabalhar para que haja melhorias nestas áreas.

Já Song Pek Kei destacou a influência de Chan Meng Kam na sua vida, dizendo que, até ao momento, ainda não conseguiu aceitar a decisão do líder do grupo.

As equipas lideradas por Si Ka Lon e Song Pek Kei estiveram na Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa para entregarem as listas de candidatos e os programas políticos. Das ideias de Si Ka Lon fazem parte a criação de um fundo criado com dez por cento das receitas do jogo, que possa ser usado directamente pela população para a aquisição de seguros médicos, aquisição de imobiliário e aumento das pensões de idosos para cinco mil patacas.

Si Ka Lon explicou que os membros da sua lista são jovens oriundos das áreas do turismo, logística, advocacia e engenharia. Há também pessoas ligadas ao mundo empresarial e aos serviços sociais.

Quanto ao programa político de Song Pek Kei, destaca-se a responsabilização dos funcionários públicos, a habitação, os serviços médicos, as questões ligadas à administração de condomínios, os jovens e o funcionamento das pequenas e médias empresas.

6 Jul 2017

Lam U Tou reconhece que luta eleitoral não o beneficia

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cinco ou seis candidatos, liderados por Lam U Tou, que em tempos esteve ligado à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). O director da Associação Sinergia de Macau decidiu candidatar-se, noticiou o Jornal Tribuna de Macau. Ao HM, Lam fala num processo de alguma indecisão e em várias dificuldades.

O pedido de reconhecimento da comissão de candidatura foi submetido a 9 de Junho. O processo para a preparação da equipa não foi fácil, refere. “De acordo com a lei, os grupos de candidatos às eleições pela via directa têm de ser compostos por, pelo menos, quatro membros”, assinala, acrescentando que a lista que encabeça junta pessoas que estão fora da Associação Sinergia de Macau.

“A recolha de assinaturas e os recursos para a campanha eleitoral também foram difíceis, mas quando conseguimos arranjar quatro nomes, decidimos candidatar-nos”, conta Lam U Tou.

A questão da escassez de recursos poderá ser resolvida recorrendo à angariação para a recolha de fundos, com actividades que deverão ser divulgadas em breve pela “Poder da Sinergia”, nome escolhido para a lista.

Quanto ao programa político, Lam U Tou prefere não adiantar detalhes, mas assegura que a proposta do grupo será entregue esta semana junto da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa.

O líder da “Poder da Sinergia” deixa, porém, algumas ideias, esclarecendo desde logo que o grande objectivo é apresentar propostas que possam ser efectivamente concretizadas. “Esperamos que alguns assuntos que influenciam a vida dos cidadãos sejam os primeiros a ser resolvidos. São matérias consensuais. Vamos submeter as nossas propostas, que são viáveis”, promete.

Lam U Tou considera que só através da resolução de alguns assuntos, “ignorados nos últimos anos”, é que “a sociedade poderá retomar a confiança e cooperar para se encontrarem soluções”.

Associação com pouco peso

No que toca ao sucesso desta candidatura, o ex-membro da FAOM diz acreditar na possibilidade de conquistar um assento na Assembleia Legislativa, mas reconhece que existem muitos obstáculos para ultrapassar, a começar pelo facto de a associação que lidera ter sido criada há pouco tempo.

No campo das vantagens está o facto de ter trabalho feito na área dos serviços sociais. O passado cívico de Lam U Tou leva-o a pensar que tem capacidade “para ouvir o que os cidadãos têm a dizer e avançar com propostas para solucionar os problemas sociais”. Ainda assim, Lam U Tou vinca que o objectivo da “Poder da Sinergia” é eleger apenas um deputado.

4 Jul 2017

Com uns trocos no bolso

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é difícil perdermos a noção das coisas. Vivemos numa bolha com demasiadas especificidades para conseguirmos espreitar além das paredes. Vivemos a um ritmo que não nos dá tempo para parar, escutar e atravessar para outros lados. Por isso é que andamos em círculos, muitas vezes às escorregadelas, mas sempre a acelerar. Macau é uma terra de ilusões, de sensações, de milhões, de excessos, de excessos excessivos, onde o tempo passa mais depressa do que a nossa capacidade de fazermos contas à vida.

No meio deste turbilhão onde toda a gente tem tudo, achamos sempre que ainda não temos aquilo de que precisamos. Os que têm tudo também querem mais, querem o dobro do que têm, como se fosse possível duplicar o infinito. Descobrem fórmulas de multiplicação de fortunas que não vêm nos manuais de economia. Das finanças sentimentais ninguém trata, porque não há tempo e, colocando tudo o que é de relevo em perspectiva, as almas ficam tão longe que mal se vêem. Os zeros é que contam.

Não é fácil mantermos os pés nesta terra, nem aterrarmos noutra qualquer. Sobrevoamos a vida sem pousarmos em nada, atarefados que estamos em afazeres que são os mais importantes, os mais decisivos, os mais inúteis também, mal o dia acaba e outro começa, com cinco minutos de intervalo para descanso dos pés cansados.

Tudo mudou muito nos últimos tempos, sabemos bem, apesar de não sabermos para onde vamos nesta centrifugadora de tempo e de energia. Tudo mudou muito e mais vai mudar, sabemos bem também, nós que começamos a olhar com normalidade para tudo aquilo que os outros fazem, todas as extravagâncias, todos os inusitados pedidos, todas as estranhas exigências. Já não nos espantamos com este mundo, como se a ausência de espanto fosse a normalidade. Queiramos ou não, todos nós fomos sugados pelo dinheiro que nos paga a casa, o carro, as jóias, as refeições com estrelas e sem estrelas, os ovos estrelados, o arroz com vegetais, o peixe cru raro e a sardinha na brasa.

Só no mundo da normalização da invulgaridade é que é normal comprar casas com três quartos, sem despensa, por dez milhões. Ou palácios por 70. Compram-se coisas aos milhões como quem muda de camisa. Ou de gravata. Assim como é normal mudar de roupa, também é normal tirar notas da mala, passar cheques, fazer transferências e comprar imóveis classificados em terras distantes. É tudo demasiado normal.

A Fundação Macau também compreende este espírito de normalidade. E alinha nele sem qualquer problema, sem qualquer desfaçatez, com toda a sinceridade de quem tem bem assimilado este modo de vida abastado, alargado, despreocupado, por ser aos milhões. Outra coisa não conhece.

Porque tem muitos milhões, mandatou um dos seus curadores para que este estudasse a aquisição de um determinado palácio lisboeta que pretendia comprar. Por coincidência, o curador é um empresário com olho para o negócio e com capacidade para cheirar a concorrência a quilómetros de distância. Por coincidência também, o mandatado anda com 65 milhões no bolso e não é pessoa para ficar à espera de convocatórias, reuniões e actas. Porque é um businessman, faz business. Compra o palácio em perspectiva, chega a casa e comunica o facto, os seus pares batem palmas ao feito, fazem-se poucas contas aos trocos, gastam-se mais uns milhões em avaliações e estudos ao que já se pretendia comprar antes de ser comprado, e está feito o negócio. Não se falou dele porque não calhou. Numa terra em que os milhões andam aos pontapés, tanto se lhe dá, como se lhe deu. E depois ninguém tem nada que ver com isso.

Também já nos habituámos a que nos normalizem os passos. Como se as tecnologias não bastassem para que se saiba se vos escrevo de Macau, da Taipa ou da Papua Nova Guiné. Todos sabemos onde andam uns e outros. Mas há quem queira ir mais longe e precise de compreender o que se faz entre este passo e o seguinte, o que se lê entre este livro e o próximo, a quem se sussurra, com quem se grita, com quem se viaja, qual é o último pensamento que nos abraça antes de o sono nos apagar. Estranha normalização esta que não nos faz gritar, espernear, fugir a sete pés, agarrar a vida com as duas mãos.

Não é difícil perdermos a noção das coisas quando as coisas que nos rodeiam surgem sem pré-aviso para se instalarem no meio da normalidade, disfarçadas de vulgaridades. Mas há que parar. Parar e escutar, para atravessar sempre, porque na travessia é que corre a liberdade.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Entrevista | Larry So, académico: “Há muitas pessoas a falar dos velhos tempos”

Larry So não é saudosista, embora agradeça a educação que teve. Nascido e criado em Hong Kong, o académico conta que a geração a que pertence se sente desiludida com duas décadas que podiam ter sido muito melhores. As expectativas eram grandes e os sucessivos Governos da RAEHK não deram conta do recado. O analista explica ainda porque é que os que nasceram depois também não se conformam

Em termos gerais, estes 20 anos de Hong Kong enquanto região administrativa especial da China vão ao encontro do que estava à espera?

De uma forma geral, sim. Mas também há muitos aspectos que não correspondem às expectativas. Sou da área dos serviços sociais. Eu e os meus amigos desta área estávamos à espera de que houvesse uma melhoria significativa neste aspecto. Hong Kong era uma colónia britânica e, com esse estatuto, não se esperava que houvesse um grande investimento, pelo que havia a esperança de um desenvolvimento dos serviços sociais. Claro que houve algumas melhorias, mas ficaram aquém das expectativas. Tínhamos, na altura, entre 40 a 50 anos e pensávamos que poderíamos ter uma reforma, por exemplo. Mas em Hong Kong, à semelhança de Macau, o sistema de previdência é terrível. 

Estamos a falar de um centro financeiro internacional, mas também de uma cidade onde existem muitas pessoas em situação de pobreza extrema – e os números aumentam nos últimos anos. Estas duas décadas não serviram para se trabalhar para a igualdade social.

Os ricos ficaram mais ricos e os pobres passaram a ter cada vez menos, como aliás demonstra o Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade. Este coeficiente aumentou quase um ponto desde 1997. É uma medida objectiva.

Qual é a explicação para este fenómeno?

Quando Hong Kong voltou para a China, a política prioritária da região administrativa especial foi a manutenção da estabilidade económica. Partiu-se da ideia de que se houvesse mais dinheiro no topo, chegaria a todos e que a população sairia beneficiada. Mas parece que houve uma concentração excessiva das políticas na dimensão económica: tentou-se arranjar terras para que houvesse mais construção, mas não se investiu em habitação pública. Deram mais terrenos aos magnatas, que puderam aumentar os seus investimentos. Este tipo de política funcionou em certa medida, mas foi um erro pensar-se que o dinheiro iria chegar às pessoas comuns. Se olharmos para os níveis de qualidade de vida e os problemas políticos com que Hong Kong se depara, chegamos à conclusão de que a aposta na economia só beneficiou uma pequena parte da população.

Podemos falar em falhanço no que toca à qualidade de vida dos residentes de Hong Kong? A cidade é muitas vezes retratada como o local onde milhares de pessoas vivem em cubículos.

No tempo em que Hong Kong era uma colónia britânica, a habitação pública tinha muita importância em termos de apoio social. A Administração construiu apartamentos que disponibilizava a preços baixos. Metade da população vivia em habitação pública. Neste momento, temos pouco mais de 40 por cento da população a residir neste tipo de habitação. É um tipo de apoio muito importante porque um terço dos rendimentos das famílias é gasto nas rendas. É muito complicado. A Administração britânica lançou, na altura, medidas que considero muito boas, porque permitiram combater a pobreza. Mas este tipo de políticas não beneficia os magnatas ou os investidores do sector imobiliário, porque quantas mais fracções públicas houver, menos gente irá comprar no mercado privado. Neste momento, falta habitação pública e o preço do imobiliário continua a aumentar. De cada vez que se pensa que não pode subir mais, há um novo pico. Neste momento, o pé quadrado custa em média 20 mil dólares de Hong Kong.

O primeiro Chefe do Executivo de Hong Kong, Tung Chee-hwa, não foi propriamente popular.

O Governo Central tinha de escolher alguém em quem pudesse confiar. Essa pessoa tinha de ter uma ligação a Pequim e à Administração britânica. Não digo que fosse a única escolha mas, nessa altura, era a melhor. 

Eram anos complicados, que foram pouco tempo depois dificultados pela tentativa falhada de legislar o Artigo 23.o da Lei Básica. E aí começámos a ver milhares de pessoas nas ruas.

Sim, isso foi um problema. Tung Chee-hwa forçou essa questão demasiado depressa, subestimando o facto de, ao contrário dele, nem toda a gente estar satisfeita com o regresso à China. Muitas pessoas da classe média e da classe baixa-média não pensam dessa forma. Na altura, não teve sorte, na medida em que a situação económica também não era uma vantagem. Tentou disponibilizar mais habitação pública, mas a resistência dos promotores do mercado imobiliário foi tão forte que se viraram para o Governo Central. Foram directamente a Pequim e o Governo Central, que tinha de arranjar um equilíbrio, decidiu que não ia haver habitação pública. Os magnatas opuseram-se.

Tung Chee-hwa estava de mãos atadas?

Ambas as mãos, não foi apenas uma. Uma delas com a questão das condições de vida da população e a outra com os magnatas a dizerem ‘não’.

Portanto, não teve suficiente força política.

Não, na altura não teve. Se nos lembrarmos dessa altura, a economia não era uma vantagem.

Tinha rebentado a crise financeira asiática de 1997.

Sim. A economia num estado complicado, ele a tentar levar por diante o projecto de habitação pública e os magnatas a dizerem que não. Tentou desviar as atenções com o Artigo 23.o, e foi o que se viu.

E ainda houve o surto de pneumonia atípica, em 2002 e 2003. Morreram quase 300 pessoas em Hong Kong.

Foi outra coisa terrível. Diria que Hong Kong enquanto região administrativa especial não teve um bom início. Havia muitas pessoas que esperavam uma série de coisas positivas depois do retorno à China, mas toda esta situação não ajudou.

Depois Donald Tsang assumiu o poder. Há analistas que consideram que foi o único Chefe do Executivo capaz de congregar diferentes sectores e interesses. Foram anos de alguma acalmia.

Teve sorte logo no início, em termos políticos e no contexto económico. Teve pelo menos dois ou três anos de estabilidade. Era muito diferente de todos os outros. Era um funcionário público, um burocrata. O modo britânico de treinar os funcionários da Administração fazia com que as pessoas não estivessem sempre nos mesmos cargos. Tinham determinadas funções durante um par de anos e depois mudavam de departamento. 

Donald Tsang beneficiou dessa formação.

Sem dúvida alguma. Toda esta geração de funcionários públicos passou por esta experiência e Donald Tsang tinha a vantagem de perceber de finanças.

C.Y. Leung, que deixa agora o cargo, foi bastante menos popular. Teve um mandato com dias muito difíceis, com o movimento Occupy. Mais recentemente, surgiu uma nova palavra na política de Hong Kong: independência. Há estudos que apontam para um reforço do sentimento de pertença a Hong Kong, por oposição à China, nos últimos anos. Confirma esta ideia?

Sim, isso é um dado adquirido. O movimento Occupy não teve na origem qualquer vontade independentista – as pessoas pediam o sufrágio universal. Era este o pedido da maioria dos jovens. Mas o Governo Central apoiou o pulso forte de C.Y. Leung, o método que ele utiliza. De facto, ele hostilizou os jovens.

Quando olhamos para o Occupy e outras manifestações que têm acontecido em Hong Kong, deparamo-nos com líderes que, se já eram nascidos em 1997, eram ainda demasiado novos para perceberem onde estavam. Compreende-se que pessoas de gerações anteriores possam estabelecer paralelismos com os tempos da colónia britânica, mas estes jovens não podem fazê-lo. De onde vem toda esta vontade de oposição? Como é que se explica que não queiram fazer parte da China?

Não estavam em Hong Kong antes de 1997, mas ouviram muito e leram muito acerca do passado. Percebem o espírito antigo de Hong Kong, em que muitas pessoas vinham das classes baixas, lutavam por vidas melhores, entreajudavam-se e conseguiam um nível de vida melhor. As gerações mais novas não viveram isto, mas sabem do que estão a falar. Por outro lado, nas escolas secundárias e universidades leccionam professores que, em 1997, tinham 20 ou 30 anos. São pessoas que nutrem certos sentimentos em relação aos tempos da colónia britânica, sobretudo quando comparam C.Y. Leung com a Administração britânica. Alguns deles dizem: ‘Nos velhos tempos, pelo menos o Governo iria ouvir-vos. Não vos iria dar tudo, mas vinha, sentava-se e falava com vocês. Talvez vos desse um bocadinho do que querem. C.Y. Leung, com o pulso forte que tem, não vos dá nada’.

O passado continua demasiado presente em Hong Kong?

Diria que sim, há muitas pessoas que voltaram a falar dos velhos tempos. E os velhos tempos não significam necessariamente que a Administração britânica era boa. Mas o modo e a qualidade de vida, em termos comparativos, eram muito melhores. Em termos económicos, no que toca à performance do Governo, encontramos diferenças antes e depois de 1997.

As pessoas sentem-se traídas, na medida em que havia expectativas no retorno à pátria que saíram defraudadas?

Na minha geração, sim. As pessoas que nasceram depois de 1997 não tiveram essa experiência, mas comparam estes três Chefes do Executivo e encontram diferenças. Dos três, C.Y. Leung foi o pior. Em termos económicos, estes últimos cinco anos foram melhores do que a recta final de Tung Chee-hwa. Mas não é a economia que interessa. É o modo como o Governo lida com as pessoas e, sobretudo, a forma como defende as políticas que implementa. C.Y. Leung não defende as suas políticas; limita-se a dizer que são as soluções possíveis e que o que está a fazer é o melhor. Há muitas coisas que foi dizendo que levam as pessoas a perguntar ‘mas o que é que ele está a dizer?’.

Falando agora do futuro. Carrie Lam toma posse amanhã. Quando foi eleita, vários analistas consideraram que se trata de mais do mesmo.

Sim. Carrie Lam tem uma carreira como funcionária pública, o que é uma vantagem em relação a C.Y. Leung, porque conhece a Administração. Mas isto não significa que esteja numa posição tão vantajosa como a que Donald Tsang teve, porque ele não se rodeou do mesmo tipo de pessoas. Todos sabemos que Carrie Lam fez muitas promessas ao regime para poder estar no poder. Tem de pagar todos os favores. Uma das formas passa pela nomeação de pessoas para a sua equipa. A maioria delas não corresponde às preferências da população. 

Não podemos esperar, então, melhorias no ambiente social e político de Hong Kong.

Não. É algo que posso afirmar com certeza. Ela poderá não ter o mesmo pulso forte de C.Y. Leung, pode ser ligeiramente mais diplomática, mas não acredito que consiga dialogar com as diferentes forças políticas. Teremos mais ou menos o mesmo tipo de situação.

Tem saudades da Hong Kong anterior à transferência?

Não exactamente porque, quando era jovem, era uma espécie de anti-colonialista. Mas posso dizer que valorizo muito a educação que Hong Kong me deu.

 

Patten, lágrimas, entusiasmo

Partiu para o Canadá, passou uns anos nos Estados Unidos, mas antes de embarcar garantiu que, a 1 de Julho de 1997, estaria em Hong Kong. A promessa, feita ao seu grupo de amigos, foi cumprida. No momento em que nascia a primeira das duas regiões administrativas especiais da China, Larry So estava em Hong Kong, a assistir às cerimónias pela televisão, em casa de um amigo. “Chovia muito”, recorda.

“Estávamos todos muito entusiasmados. Chris Patten [o ultimo Governador de Hong Kong] estava emocionado, com lágrimas nos olhos”, conta. Foi uma imagem que o marcou. Assim como “ver a polícia a mudar os distintivos, substituir a coroa pelo logótipo da região administrativa especial”.

Foi uma noite em que se falou muito. O futuro era uma incerteza. “Havia muita especulação. Entre os meus amigos, alguns tinham passaporte do Canadá e do Reino Unido. Todos decidiram ficar por algum tempo, para ver o que ia acontecer”, explica Larry So. O que aconteceu não correspondeu às expectativas da generalidade.

Nascido e criado em Hong Kong, o académico da área dos Serviços Sociais acabou por partir mais uma vez, em 2002, mas para um destino mais próximo: Macau. É por cá que tem estado desde então, sempre atento ao outro lado do Delta.

2 Jul 2017

Hong Kong, 20 anos | Êxodo de expatriados nos sectores bancário e financeiro

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ai um, entra outro. Sai um estrangeiro, entra um oriundo da China Continental. É este o fenómeno que se tem vindo a verificar nos sectores bancário e financeiro de Hong Kong, uma movimentação que chamou a atenção das agências internacionais de notícias e que pode resultar na descaracterização de uma das principais praças de negócios do mundo.

“Houve um influxo de profissionais da China em Hong Kong, mais visível no sector financeiro”, explica ao HM Diana Pires, uma gestora luso-britânica que trabalha na RAEHK, no sector financeiro. “Olhando para trás, há apenas dois anos os expatriados teriam várias ofertas de emprego a qualquer momento. Isso mudou drasticamente.”

De acordo com dados oficiais, o aumento de pessoas oriundas do Continente regista-se sobretudo em bancos de investimento, onde 80 por cento dos funcionários são oriundos do outro lado da fronteira.

Um dos gestores do BOCOM International contou à Reuters por que decidiu trocar a capital pela região administrativa especial: “O ambiente é muito melhor do que o de Pequim, onde costumava trabalhar”. Hong Hao vive em Hong Kong há já cinco anos. “A comida é boa e os impostos também.”

Diana Pires confirma a impressão transmitida por Hong Hao. “Os profissionais da China são cada vez mais atraídos pelo estilo de vida de Hong Kong”, diz. Esta procura pela região é “impulsionada principalmente pelo sistema fiscal atractivo que aqui temos”. Os impostos na RAEHK variam entre 15 e 17 por cento; no Continente podem chegar aos 45 por cento do valor do vencimento.

O mercado da língua

As ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla inglesa) chinesas dominam o mercado de Hong Kong. No ano passado, era o maior do mundo em termos de IPO, com 80 por cento das novas empresas listadas a surgirem da China Continental. Os serviços financeiros representam neste momento 18 por cento da economia do território, uma subida significativa quando comparando com os 10,4 por cento de 1997.

Evan Zhang, um jovem de 26 anos natural da província de Guangdong, é uma das novas contratações da CITIC Securities International e olha para o aumento do capital chinês em Hong Kong como uma oportunidade pessoal, por poder “desempenhar um papel” nestas transacções.

Num mundo de negócios cada vez mais em língua chinesa, os profissionais do Continente têm uma vantagem em relação a muitos expatriados: o domínio do idioma. “Não estamos a ver apenas um aumento significativo nos executivos da China Continental. O conjunto de habilidades também mudou. As línguas tornaram-se um requisito, seja cantonês ou mandarim, ou então ambos os idiomas”, aponta Diana Pires. “É uma habilidade que muitos expatriados não têm.”

O aumento dos negócios da China está a ser acompanhado por algum desinvestimento de multinacionais com sede no Ocidente, que procuram deslocar os seus serviços para cidades menos dispendiosas.

Numa cidade com um custo de vida elevado, as condições que se oferecem aos expatriados têm vindo a cair. O valor médio dos salários oferecidos a gestores com alguns anos de carreira diminuiu dois por cento nos últimos cinco anos; os benefícios desceram cinco por cento, apontam as consultoras internacionais.

“Há uma enorme mudança no panorama de expatriados e naquilo que lhes é oferecido para trabalharem aqui”, constatou à Reuters a gestora Christine Davis, a viver em Hong Kong desde 2011, depois de ter residido na cidade entre 1999 e 2001.

Diana Pires destaca que a facilidade em se contratar profissionais na China faz com que as empresas invistam menos no recrutamento de estrangeiros. “É por isso que existe um êxodo de expatriados. Os pacotes não são tão atraentes e a concorrência da China é feroz.”

No sector bancário, os jovens chineses ganham entre menos 20 a 30 por cento do que os colegas expatriados. Na lista de benefícios não constam, por exemplo, a habitação e as propinas das escolas dos filhos.

Outros impactos

A Reuters assinala que esta mudança demográfica na indústria financeira tem reflexos na economia local. Os restaurantes de comida chinesa congratulam-se com os resultados obtidos. O mesmo acontece com as empresas que têm apartamentos prontos a arrendar a executivos sem famílias e os centros que oferecem cursos de Inglês. Há ainda um aumento de Audis nas estradas, uma vez que se trata de uma marca de carros muito popular entre os chineses.

Esta alteração na demografia tem impacto junto de restaurantes ocidentais de certas zonas da cidade e, noutra perspectiva, poderá significar uma mudança no modo como Hong Kong tem vivido e se tem apresentado ao mundo. “Sem ocidentais em Hong Kong ou chineses ocidentalizados, os chineses [do Continente] têm pouca visão sobre a condução dos negócios ocidentais”, afirma Diana Pires. “E esse foi essencialmente um dos muitos papéis de Hong Kong.”

2 Jul 2017

Pereira Coutinho preocupado com falhas do ensino integrado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas 40 por cento das escolas primárias e menos de 50 por cento dos estabelecimentos do ensino secundário admitem o ensino integrado. Os números são de Pereira Coutinho que, numa interpelação escrita enviada ao Executivo, lamenta a situação actual de Macau no que diz respeito a crianças que necessitam de cuidados especiais.

Dando conta de queixas que recebeu por parte de encarregados de educação de alunos que precisam deste tipo de apoio, o deputado explica que o facto de não existirem vagas para todas as crianças e jovens faz com que muitos deles “não possam receber uma educação suficiente”.

Na rede escolar do território, continua o tribuno, existem apenas 32 escolas primárias e 20 secundárias que disponibilizam ensino integrado, em que as crianças com necessidades especiais partilham a sala com alunos sem quaisquer dificuldades, tendo, no entanto, um apoio específico.

“Devido ao facto de algumas dessas crianças não conseguirem receber a educação na qualidade de alunos integrados, têm de encobrir a especialidade inerente às suas próprias necessidades, para conseguirem, em contrapartida, uma oportunidade de receberem educação”, aponta Coutinho. “E, caso isto seja descoberto, provavelmente vão ser convencidas a mudar de escola”, denuncia.

Além de serem poucos os estabelecimentos de ensino que acolhem crianças com necessidades especiais, aqueles que optam pela integração revelam várias falhas. “Há escolas em que se verificam insuficiências em vários aspectos – conhecimento, pessoal docente, programa curricular, e instalações e equipamentos.”

Desde 2005 que o Governo disponibiliza um subsídio para o ensino integrado. O deputado entende que chegou a hora de se produzirem “instruções concretas” e apostar na fiscalização.

A rematar a missiva, Pereira Coutinho pergunta ao Executivo se vai trabalhar no sentido de convencer mais escolas a aderirem aos subsídios para o ensino integrado, de modo a haver um aumento de vagas. O deputado pretende também saber se o Governo tem planos para aumentar os recursos dedicados a este tipo de ensino e se foi feita alguma avaliação ao programa de subsídios, em vigor há mais de uma década.

29 Jun 2017

Nflorist | O incrível mundo das pétalas

Está de portas abertas há quatro anos e chegou com a promessa de produtos diferentes. A Nflorist rompe com a tradição local das floristas. O investimento foi feito na inovação, em designs mais arrojados e ofertas diversificadas. Sempre com o delicioso perfume das flores

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando a primeira loja abriu as portas, Macau nunca tinha visto nada assim. O mundo das flores respondia a métodos tradicionais, com ramos e coroas pouco diferenciados. Os mentores da Nflorist tinham visto outras coisas lá fora e decidiram abrir um espaço com “estilos diferentes”.

Quatro anos depois, a ideia provou ser bem-sucedida e o território mostrou que tem um mercado suficiente para este tipo de negócio. Na Nflorist há flores para todos os gostos, mas a aposta no design é visível: procura-se sobriedade para deixar respirar as pétalas. Este lado inovador já permitiu criar uma pequena cadeia de lojas: a Nflorist tem três espaços comerciais em diferentes pontos da cidade.

I Seong Lao é a responsável pelo estabelecimento principal e explica como funciona esta florista diferente. “Os nossos produtos são feitos por designers de Taiwan que se responsabilizam pelas fases de design e produção. Cada obra é produzida à mão pelos floristas”, afirma.

Na Nflorist abre-se espaço também à criatividade dos consumidores, que podem dizer o que pretendem. “Tratamos dos pedidos dos nossos clientes com todo o carinho e tentamos fazer o melhor com o nosso profissionalismo”, garante I Seong Lao.

Os anos de funcionamento das várias lojas permitiram perceber quem é o público-alvo: pessoas entre os 20 e os 45 anos. Para o facto contribuirá o estilo em que apostou a Nflorist, mas também serem estas as gerações “mais activas em termos sociais”, justifica a gerente.

À semelhança do que acontece no Ocidente, também no Oriente as flores ocupam um lugar central em momentos decisivos da vida, do nascimento à morte. Oferecem-se flores às mulheres que acabaram de ter filhos, às namoradas, aos estudantes recém-formados. As flores servem ainda para celebrar datas tradicionais como o Festival da Lua e para assinalar, com pompa e visibilidade, a entrada em funcionamento de novos negócios. Usam-se flores nas cerimónias religiosas, nos casamentos, em festas. Homenageia-se quem parte com pétalas.

I Seong Lao explica que, independentemente da ocasião e do objectivo, as flores frescas são as mais procuradas na Nflorist. “Têm um significado positivo, cheio de energia. É algo directo e natural.” O mundo das flores é riquíssimo, “existem imensas opções e variedades, são muito atractivas”.

Frescas e eternas

Em relação a planos para o futuro, I Seong Lao espera que a o negócio possa continuar a expandir-se pelo território, com a abertura de novos espaços. A gerente não tece comentários sobre a satisfação com o volume de vendas, preferindo abordar o assunto de outro prisma.

“Uma loja de flores é um local onde se transmite felicidade e amor aos outros. Esperamos oferecer o melhor serviço possível aos clientes. Quando regressam à loja com um sorriso ou nos trazem notícias felizes é um grande incentivo ao nosso funcionamento”, declara.

Outro objectivo da Nflorist é garantir que, de vez em quando, há novos produtos para oferecer a quem entra no espaço comercial. Entre ramos convencionais e arranjos gigantes de rosas, há plantas para venda e até jardins portáteis, como o “Bottle Garden”.

“Neste dia-a-dia ocupado, queremos transmitir uma nova energia aos clientes”, diz I Seong Lao. “O Bottle Garden tem um sistema ecológico aperfeiçoado. Os clientes só precisam de pôr água uma vez por semana para terem esta beleza natural perto deles. Esperamos conseguir incutir a beleza e a energia a quem ama plantas como nós.”

As flores à venda na Nflorist chegam de vários países, incluindo destinos distantes como o Quénia e a Colómbia. Mais perto, Taiwan é uma das principais fontes de plantas.

Na loja é ainda possível comprar flores eternas, oriundas do Japão. “Colaboramos com a empresa japonesa Earth Matters, para garantir a melhor qualidade desse tipo de flores”, sublinha a gerente. Submetidas a um processo químico no momento em que são colhidas, as flores eternas podem manter o aspecto durante meses ou anos. “Mas nós não limitamos as fontes dos nossos materiais”, ressalva I Seong Lao. “Esta diversificação é que permite satisfazer as diferentes necessidades dos nossos clientes.”

Nflorist
Alameda Dr. Carlos d’Assumpção, 92
Wan Yu Villas Ground floor & Attic I
Macau
28 Jun 2017

João Guedes, jornalista e investigador: “A memória perde-se muito rapidamente”

Quando chegou a Macau, a cidade era feita de segredos, um passado irresistível para João Guedes. Apaixonado por história desde cedo, porque ela apareceu no quintal da casa de infância, o jornalista é o responsável por uma palestra marcada para o próximo sábado, que marca os 12 anos da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau. O autor do único livro em português sobre as seitas no território promete outras obras para breve. Para que o passado não desapareça no vai e vem de pessoas

[dropcap]S[/dropcap]ão quase 40 anos de Macau. Veio viver para cá em 1980, num contexto bastante diferente. Como é que foi a chegada?
Cheguei num momento muito interessante da história de Macau, o momento em que a imprensa se começava a profissionalizar. Havia, na altura, dois jornais: a Gazeta Macaense, com um senhor que se dedicava muito ao seu jornal, o Leonel Borralho, mas não era um jornalista profissional; o outro era O Clarim, da Igreja Católica, que tinha também belíssimos colaboradores. Por outro lado, tínhamos uma rádio com um profissional, o Alberto Alecrim, mas que vivia sozinho na sua rádio. Era o director e era o resto. Tinha colaboradores que, normalmente, vinham em comissão de serviço para Macau. Gostavam de falar na rádio, de fazer programas, de pôr discos. Era assim. Cheguei no momento em que se estava a pensar fazer a televisão em Macau. A rádio deu um salto qualitativo muito importante e, por arrastamento, os jornais.

“Quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável”

Foi uma altura em que vieram para Macau vários jornalistas profissionais.
Vim eu, a Judite de Sousa, que hoje está na TVI, o José Alberto de Sousa da RTP, que faleceu há uns anos, o Fernando Maia Cerqueira, da RTP também, o Afonso Rato, que era o chefe da equipa, o Rodrigues Alves, um dos fundadores de O Jornal, que é hoje a revista Visão, e o Gonçalo César de Sá. A Rádio Macau transformou-se, de um momento para o outro, de uma emissora oficial que dava os comunicados do Governo e que punha música numa rádio normal, com noticiários de hora a hora, o que era uma coisa espantosa, nunca se tinha feito isso em Macau. Eu fui o crucificado, porque fui encarregado de ler os intercalares, fui literalmente lançado aos bichos. Tudo isto era para a criação da televisão, mas a rádio ainda ficou bastante tempo a ser dona das ondas hertzianas, porque o projecto da televisão demorou bastante tempo a ser concretizado. Houve percalços políticos, alterações de Governo. Os governadores em Macau costumavam ter um prazo de validade médio de mais ou menos dois anos. Com a mudança de Governador, não era só o ajudante de campo que mudava também – toda a Administração ia embora para Portugal e vinha um novo Governador com os chefes de repartição. Quando o PSD estava no poder, o PS vinha para cá exilado. Quando era o PS no poder, o PSD vinha exilado para cá. Finalmente, em 1984, ficaram reunidas todos as condições para a televisão poder avançar. E avançou com um projecto muito profissional a todos os níveis – técnico, da qualidade dos jornalistas, da qualidade da informação que se fazia. Foi um abanão muito grande no “status quo” de então em Macau.

Foi nessa altura que se verificou uma transformação na imprensa.
A Gazeta Macaense deixou de deter o monopólio das notícias da imprensa e surgiram dois jornais novos: a Tribuna de Macau e o Jornal de Macau. A Tribuna de Macau, sob a batuta de José Rocha Dinis, e o Jornal de Macau com João Fernandes, que acabou por ir embora. Deu-se então a fusão entre os dois. Ambos os jornais trouxeram equipas de redactores também profissionais. Por aqui se pode ver a profundíssima alteração que ocorreu na década de 1980 no jornalismo em Macau.

De lá para cá, houve outros momentos de grandes alterações na comunicação social local. Como é que olha para o jornalismo de língua portuguesa que hoje se faz em Macau? Há muitos profissionais que vieram depois da transferência de administração, para um território que já não pertencia a Portugal e às suas extensões.
Foi outra alteração tão profunda como a que acabei de referir, ou talvez ainda mais profunda. Vivi numa colónia portuguesa. Por muito que se diga que não era colónia, porque o poder económico esteve sempre na mão dos chineses, o espírito era esse. Quem mandava era Portugal. Surgiu 1999 e deu-se uma alteração do panorama que teve que ver principalmente com um factor: antigamente, a comunicação social ignorava o mundo chinês, os mais de 90 por cento da população, tratava das notícias e das análises sobre o que se passava com a comunidade ocidental que aqui vivia, com a comunidade portuguesa, que nunca ultrapassou as 10 mil pessoas. De repente, começou a tornar-se importante ouvir o deputado chinês na Assembleia Legislativa. Antes, quem ouvia os deputados chineses eram os repórteres chineses, não éramos nós que os íamos ouvir, porque quem contava politicamente eram os deputados portugueses. Aqui está uma alteração completamente radical. Hoje, Ng Kuok Cheong, Mak Soi Kun e todos esses nomes estão presentes nos diários. Isto representa a tal alteração estatutária de Macau que, de repente, passou a ser um local de emigração. O que vejo hoje é que as pessoas que vieram depois estão aqui como emigrantes. Às vezes custa-me perceber essa nova forma de estar em Macau, porque não me sinto emigrante e até posso ser considerado passadista. Mas leva-me muitas vezes a considerar a minha função de jornalista e a ter em conta a imagem do meu país. Hoje, o jornalista que está aqui, não precisa de ter isso em conta: tem em conta as regras da profissão e já lhe chega.

O facto de não se sentir emigrante faz com que encare o exercício da cidadania de outra forma?
Sim, talvez, porque gosto de Macau. Gosto de Macau por duas razões: primeiro, porque estou cá há muito tempo; e depois porque gosto muito de história, sempre gostei de saber o que se passava, e quando nos interessamos pelos becos e pelos sítios que não conhecemos, começamos a gostar, mesmo que os becos sejam feios e a realidade seja, muitas vezes, pouco agradável. É uma forma de estar bastante diferente da de um emigrante que está aqui, com toda a honestidade, a fazer o seu trabalho, mas que não tem quaisquer obrigações morais para com o sítio onde está.

Como é que surge o interesse por história?
Vem de longe. Nasce porque sou de uma aldeia do Alto Douro, muito pequenina, que hoje só já tem 22 habitantes. Lá no alto da aldeia há um monte que é um crasto antigo, romano. No meu quintal, encontravam-se muitas coisas que vinham com as enxurradas. Lembro-me que tinha uma colecção de moedas com vários sestércios romanos. Encontrei um anel árabe, várias coisas. E isso despertou-me o interesse. Andavam por ali arqueólogos da Universidade de Coimbra, que era na altura a única universidade que fazia esses estudos.

E como é que esse interesse se materializou em Macau?
Pouco tempo depois de cá ter chegado, apareceu-me uma pessoa que me entregou muito discretamente um documento sobre uns acontecimentos que, dizia, tinham sido terríveis aqui em Macau: os tumultos de 1922. Foi um caso grave na história de Macau porque houve uma greve geral que durou um ano, estiveram aqui os anarquistas em força a agitar as massas, houve tiroteios, os militares saíram para a rua, houve 70 mortos e mais de 200 feridos. Deram-me esse papel por acharem que daria uma boa história. Antes, esses assuntos não eram tratados, eram praticamente segredos. Olhei para aquilo: o documento que me foi entregue não era uma carta privada. Era um Boletim Oficial de 1922 que relatava os acontecimentos. Achei piada porque, na altura, em Macau era tudo secreto. Caí que nem peixe na água, porque aí comecei a investigar tudo o que era secreto. Mais secreto ainda do que 1922 – uma data tão remota que não percebia por que tinha algum grau de secretismo –, era 1966, o chamado “1-2-3”. Esse era ainda pior, ninguém falava e muito menos publicava alguma coisa sobre isso. Tudo isto me despertou para a história de Macau, que verifiquei ser muito interessante. Macau estava cheio de história, cheio de histórias, que se desconheciam, por estes preconceitos agravados pela ditadura e pelo monopólio da inteligência do clero local. O clero constituía a intelectualidade de Macau e exercia uma censura férrea a todos os níveis. Temos um exemplo muito interessante, o do Padre Teixeira. Foi o homem que escreveu sobre tudo quanto havia para escrever, mas havia determinados temas sensíveis em que não hesitava em adulterar por completo o que se passou, para se coadunar com aquilo que ele pensava ser correcto – e ele era um salazarista, um homem da extrema-direita, com todos aqueles preconceitos muito antigos, um reaccionário. Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura. Tudo isto me impeliu a ir vasculhar, para saber quais eram as outras histórias que não sabia e que tinha obrigação de dar a conhecer.

A partir daí começa também a investigar as seitas, numa altura em que não havia em português nada escrito sobre este tipo de organizações.
Sim, mas pior: continua a não haver. O meu interesse pelas seitas não começa aqui, mas sim quando pertencia à Polícia Judiciária, em Portugal. Por qualquer razão, tudo quanto dizia respeito a Macau acabava por vir parar à minha secretária. Tive de começar a estudar. Ainda me lembro que o primeiro processo que me caiu era de um homem da 14 Kilates, de maneira que tive de ir ver o que era a 14 Kilates. Não encontrei nada em português porque ninguém tinha escrito sobre isso, a não ser um pequeno livro que pouco ficou na história da literatura portuguesa, de um autor de viagens chamado António Maria Bordalo. Fez aquela que, estou convencido, será a primeira novela policial escrita em português. Era sobre as seitas em Macau na sequência da explosão da Fragata D. Maria II, em 1850. Era a única coisa que existia. Depois disso, escrevi o livro “Histórias do Crime e da Política em Macau – As Seitas”, e estava à espera de abrir caminho a outros interessados. Mas não, infelizmente continua a ser o único livro sobre as seitas em Macau. Ao contrário do que previ, Macau tem mais jornalistas do que tinha antes da transição. Pode ser que algum se interesse por esse tema, porque mesmo entre gente da universidade ninguém se interessou até ao momento.

O tema é demasiado sensível?
Se calhar. Ou as pessoas pensam que é demasiado sensível. Eu acho que não é. É um tema cultural, como qualquer outro. Por exemplo, Sun Yat-sen, o primeiro Presidente da República da China, era um homem das seitas e nunca omitiu esse facto na sua biografia política. As seitas oscilam entre mergulharem na criminalidade comum e depois em ciclos políticos de transformação. Por isso é que são importantes. Não é um assunto tão sensível como isso.

“Macau, apesar de já estarmos muito para lá do 25 de Abril, continuava envolto neste ambiente de censura, embora já não existisse censura”

Nos últimos anos, tem feito muito trabalho de levantamento histórico para programas da TDM. Fazem falta mais exercícios de explicação do sítio onde estamos, até pela falta da escrita da história de Macau?
O problema de Macau foi sempre a população mudar muito rapidamente, e não só a portuguesa. Se virmos as estatísticas, temos uma percentagem altíssima de pessoas que têm menos de sete anos de residência em Macau. A memória não fica preservada. Como disse, os governadores mudavam de dois em dois anos, com toda a Administração, pelo que se perdia a memória daqueles dois anos. Lembro-me de ser repórter e de chegar um Governador, anunciar que ia fazer um estudo sobre determinado assunto, e dois anos antes tinha sido feito um estudo sobre o mesmo tema. A memória perde-se muito rapidamente. Se calhar, as pessoas que agora vêm de Portugal ficarão mais de dois anos mas, de qualquer maneira, não permanecem aqui muito tempo. Quanto ao meu trabalho, porquê pequenos programas? Não pretendo fazer um compêndio da história de Macau – isso é a Universidade de Macau que deve fazer. O que pretendo é divulgá-la, da melhor forma, de maneira a que as pessoas se interessem. Quanto à feitura da história de Macau, acho que não existe uma história de Macau, de facto, mas também não sei que história se poderá fazer.

A rádio, a televisão e os jornais são efémeros. Há possibilidade de passar esses apontamentos para livro?
Sim, porque só depende da minha disponibilidade. Como estou na reforma, já tenho bastante mais tempo. Há muitos temas que são tratados de uma forma na rádio ou na televisão mas que, em livro, podem ser abordados de uma maneira mais profunda e elucidativa, e menos efémera.

Podemos então esperar mais livros de João Guedes?
Com certeza que sim.

Quase 40 anos depois de ter chegado, gosta da Macau que temos?
Gosto, gosto disto. Tem muitos problemas. Estou a ver a Ponte Sai Van e a quantidade de trânsito que tem. Depois a poluição. Há uma série de coisas terríveis e é preciso fazer pressão para que isto melhore. Mas, apesar disso, gosto muito de Macau e não sou nada saudosista dos tempos em que havia as casas baixinhas da Praia Grande. Gosto muito de ver essas gravuras, mas Macau não podia parar no tempo. Já teria desaparecido, obliterado por Hong Kong. Eu e quem achar que sim tem a obrigação de fazer os possíveis por corrigir estas coisas caóticas, torná-las melhor e transformar esta cidade para que dê gosto viver nela, sem tantas obras, sem tantos carros e outras coisas que não são boas.

27 Jun 2017

Agnes Lam, candidata às eleições: “O Governo é muito bom a gastar dinheiro”

As patacas não compram tudo e é por isso que Macau se depara hoje com mais problemas do que nas últimas legislativas. Agnes Lam, investigadora e docente, volta a liderar o Observatório Cívico nas eleições de Setembro. O resultado de 2013 ajudou-a a perceber que não pode ter apenas como alvo o eleitorado da classe média, uma fatia de eleitores demasiado pequena. Defensora de mudanças no método de conversão de votos em mandatos, entende que a sua grande vantagem é conseguir analisar a sociedade em que vivemos

[dropcap]C[/dropcap]andidata-se pela terceira vez este ano. Depois do resultado de 2013, aquém do que estaria à espera, o que a leva a tentar mais uma vez?
Sinto que tenho de voltar a fazê-lo. Da última vez, apesar de sentir que trabalhei muito, tomei a decisão demasiado tarde. Não planeei muito bem. O resultado foi bom, mas claro que se esperava mais. Quando olho para trás, percebo que não tive tempo para fazer uma série de coisas que queria fazer, para falar com as pessoas. Tenho de fazer isto como julgo que deve ser feito. Da primeira vez que me candidatei, achei que devia seguir por um caminho, mas acabei por escolher uma forma que não era aquela em que acreditava. Depois das eleições, a lista fez um grande trabalho de avaliação à nossa participação. Tivemos reuniões muito duras, criticámos o que fizemos mal e também tivemos sessões muito calmas, em que olhámos para os resultados das eleições, analisámos os votos que tivemos em cada mesa, analisámos todos esses detalhes, para percebermos quais são foram as grandes diferenças entre 2009 e 2013.

E que diferenças foram essas?
A principal diferença é que conseguimos melhores resultados junto das zonas onde vota a classe média. Tivemos mais votos na Taipa, na Praia Grande, no Tap Seac. Mas tivemos uma prestação pior na zona norte, não fizemos o suficiente nesta área da cidade. Mais tarde percebemos que, mesmo que quiséssemos representar a classe média ou os eleitores com mais formação, tínhamos de fazer mais em simultâneo, porque não tivemos votos suficientes. Não há apenas uma lista que representa este tipo de pessoas, há mais a fazê-lo. Desta vez, parti do princípio de que tenho de olhar para o panorama em geral. Aquele conjunto de pessoas era demasiado pequeno.

O trabalho que fez nestes últimos quatro anos foi suficiente para que as pessoas fora do grupo da classe média tenham ficado a perceber quem é Agnes Lam?
Acho que fiz melhor. Não consigo fazer uma sondagem acerca de mim própria, mas tenho os dados da minha presença nas redes sociais e parece que a minha popularidade é maior agora do que era há quatro anos. Quanto a estarmos a fazer o suficiente para o público em geral, lidei com alguns casos, como a da menina cega, em que ajudei à recolha de fundos para que fosse operada. Tive vários casos desse género, em que ajudei minorias e pessoas que precisam de ajuda sistemática ou de apoio urgente. De alguma forma, isso talvez tenha ajudado. E espero poder ajudar mais e melhor. Mas este envolvimento terá contribuído para chegar a um público mais abrangente.

Em termos eleitorais, a competição é grande na zona norte de Macau. Em 2013 já era difícil mas, este ano, a equipa de Chan Meng Kam partiu-se em duas e há mais uma lista oriunda de Fujian. Há várias listas que se dividiram, por causa do sistema de contagem de votos. Macau deve reconsiderar a forma como os votos são convertidos em mandatos?
Sim, acho que o método que utilizamos é errado. Um cenário seria aquele que se utiliza em Hong Kong, com a representação por distritos, mas as três freguesias da zona norte representam 70 por cento dos votos. É impossível desistirmos daquela área, onde não vivem apenas as classes mais baixas – também há pessoas da classe média, estudantes universitários, professores… Não posso pensar que não tenho de trabalhar naquela zona. Tenho, isso sim, de ter uma estratégia melhor. Ainda estou a trabalhar nela. Mas chegou a altura de repensarmos todo o sistema político para as eleições por via directa. Porque é que utilizamos estas listas? No boletim de voto, o eleitor poderia votar em 14 candidatos, o número de assentos. Na China Continental está a fazer-se isto. Se optássemos por este método, dávamos aos eleitores a possibilidade de decidirem como é que a Assembleia Legislativa (AL) deveria ser constituída. Por exemplo, se eu quiser que a sociedade seja mais estável, dou dez votos a candidatos mais tradicionais, mas como também quero alguma inovação, escolho dois com essas características, e como também quero alguma oposição para contrabalançar, escolho outros dois dessa ala. Neste momento, não é possível fazer essa escolha.

No dia em que formalizou a comissão de candidatura, fez referência ao facto de hoje termos problemas diferentes daqueles que existiam em 2013. O que é que a preocupa?
O Governo é muito bom a gastar dinheiro para resolver os problemas. A maioria das questões que podiam ser resolvidas através de dinheiro está solucionada. Agora temos muitos mais problemas que o dinheiro não pode resolver. Temos tanto dinheiro, mas por que é que temos tanto trânsito? Os transportes não são bons. O mesmo acontece com a habitação: está toda a gente descontente. Quem arrenda casas tem de pagar um custo muito elevado, quem quer comprar não tem perspectivas de quando é que vai poder fazê-lo. Depois, há questões sociais emocionais. Ganhamos mais, viajamos mais – muitas pessoas vão com frequência a Taiwan, ao Japão. E quando voltam sentem-se insatisfeitas com a cidade. Por mais que o Governo Central nos elogie, as pessoas não estão contentes, temos uma carga negativa grande na sociedade. Por quê? Porque nos dão nove mil patacas? Não é sequer um Panadol. No início era uma espécie de analgésico, agora já nem sequer isso é.

Sente que a cidade piorou desde 2013?
Em termos gerais, as emoções estão em baixo. Temos mais problemas, quando devíamos ter muitas hipóteses. Temos a política “Uma Faixa, Uma Rota”, devíamos estar à espera de podermos abraçar essas novas possibilidades. Mas depois não vemos ninguém que consiga comunicar de forma clara com o público em geral. O que é que está a acontecer? Sentimos que há qualquer coisa especial, parece que há muitas oportunidades para os países lusófonos, mas quais são as verdadeiras possibilidades para as pessoas de Macau?

Há demasiados chavões e slogans na política local, em comparação com o que existe na realidade?
Sim. A propósito da Grande Baía Guandong-Hong Kong-Macau, fui a uma palestra em que nos perguntaram o que podemos nós fazer. Houve uma pessoa que sugeriu que deveria existir uma espécie de gabinete de ligação para ajudar as pessoas jovens a poderem entrar nesta grande área e encontrarem oportunidades. Fiquei a pensar sobre que oportunidades são essas e cheguei à conclusão de que não sei. Talvez consigam os investidores, os profissionais liberais que possam arranjar emprego na sua área, aqueles que estão a fazer negócios. Parece que temos um enorme potencial, mas ninguém sabe o que fazer com ele. Talvez demore algum tempo a perceber. Mas, a partir do momento em que tivermos essa política a funcionar, espero que haja ideias concretas. Não me parece que haja suficiente informação.

Vem da área da Comunicação. Tem muito trabalho de pesquisa social feito. Se for eleita, qual pode ser a grande diferença em relação a outros deputados? Em que medida pode a AL mudar se estiver lá?
Um dos aspectos tem que ver com a capacidade de ver questões que não são abordadas, estudadas ou defendidas por outras pessoas. Fomos a primeira – e única – lista a defender os direitos dos animais em 2009. Nesse ano, quando organizámos actividades na Taipa com cães e gatos, houve pessoas que gozaram connosco nas redes sociais. Diziam que a lista não ia a lado algum, que não sabíamos o que estávamos a fazer. Mas a verdade é que foi feita legislação nessa área. Vimos que havia essa necessidade, Macau estava a mudar muito. Também fomos dos poucos a defender que a violência doméstica deveria ser considerada crime público. Fomos a primeira lista a defender políticas que protejam as famílias. Percebemos essas necessidades e acho que isso se deve ao facto de ser investigadora, fui capaz de observar a sociedade como um sistema e perceber que há aspectos que não funcionam. Se for eleita, farei pressão em relação a mudanças no sistema. Também propusemos regulamentação acerca das finanças públicas. Quando o fizemos éramos os únicos e o Governo avançou agora nesse sentido.

Independentemente da sua candidatura, o que gostaria de ver acontecer no dia 17 de Setembro?
Uma mudança positiva. Tivemos uma mudança nos últimos anos, mas não foi muito positiva. Desta vez, espero que possa ser diferente. É muito importante para a AL e para Macau, para toda a estrutura e vida política, para o poder e o equilíbrio.

“O fenómeno das listas regionais irá desaparecer”

Há quem entenda que as eleições de Setembro poderão ficar fortemente marcadas pelas chamadas listas regionais. Quais são as suas expectativas?
Se olharmos para a AL como um todo – incluindo os sete deputados nomeados e os dez eleitos pela via indirecta – a fatia para estas listas regionais vai ser maior, vão conseguir mais assentos. Fujian tem três listas este ano: a equipa de Chan Meng Kam dividiu-se e há mais uma da mesma província. Que consequências terá para Macau? Haverá uma ligação maior às políticas do Continente. Se as pessoas utilizam a influência do Continente para conquistarem assentos, então precisam de devolver algo. No grupo de deputados eleitos por via directa, acredito que consigam mais um lugar.

Este fenómeno será uma tendência no futuro?
Julgo que não, porque as pessoas vão mudando. Se olharmos de uma perspectiva histórica, a comunidade de Fujian chegou a Macau sobretudo nos anos 1980, pelo que são pessoas entre os 40 e os 50 anos. A próxima geração sentir-se-á mais enraizada. Os jovens não irão votar como os pais. Este fenómeno irá desaparecer.

Na passada semana ficámos a saber que vários deputados não se recandidatam, entre eles Leonel Alves, o deputado com mais experiência na AL. Como é que vê estas saídas?
É o deputado com mais experiência e exerce o cargo com muito profissionalismo. É muito importante para a AL. Por um lado, é advogado, pelo que utiliza as leis; por outro, é deputado há muitos anos. Conhece o jogo, sabe que problemas poderão ser levantados, o que deve ser feito quando se está a desenhar uma lei. Por isso, considero que se trata de um membro da AL muito importante. Não tenho a certeza de que possamos ter outro com tantas capacidades, com tanta diplomacia, com tanto profissionalismo como ele. Olhando para todas as listas, pelos membros que conheço, não vejo ninguém com qualificações que fiquem perto das dele. Ao mesmo tempo, tem todo o direito de afastar-se. O facto de não termos mais ninguém como ele também me leva a pensar que temos de ter alguém que cresça como ele. É uma pena não contarmos com ele desta vez, mas espero que possa ajudar a AL de outra forma: como uma espécie de consultor, por exemplo, não sei se tal será possível. Seria muito importante se pudesse escrever sobre a sua experiência, se escrevesse um livro sobre todos estes anos na AL.

26 Jun 2017

A perda

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]heguei a Macau num contraciclo de viagens. Ainda se contavam os amigos e colegas que tinham ido logo depois da meia-noite, os que tinham partido nos dias seguintes, os que tinham deixado os carros no aeroporto, com as chaves na ignição. Cheguei quando pouca gente chegava. Isso foi um enorme azar e uma sorte também. Aterrei sozinha, com tudo o que a solidão implica, mas não cheguei no meio da multidão, o que pode ser uma vantagem. Houve quem tivesse tempo para mim e eu tive de ter tempo para os outros, para os outros que eram diferentes e que não tinham chegado comigo.

Cheguei pouco tempo depois das eleições legislativas de 2001. Macau ainda era todo transferência: vivia-se da comparação, politicamente falando, como se fosse possível comparar séculos a dois anos incompletos. Aterrei na Assembleia Legislativa e por ali fiquei uma legislatura completa, a mais completa de todas as legislaturas que acompanhei.

Passei horas na sala de imprensa a aguardar o fim de reuniões de comissões permanentes. Ali consumi muita literatura. Passei horas e horas em plenários, alguns agressivos, em que a palavra ‘portugueses’ vinha à baila mais do que estaria à espera. Como se eu estivesse à espera de alguma coisa. Eu que não percebia nada daquilo. Eu que fui percebendo alguma coisa lentamente, com a ajuda de quem se interessa por quem não chega no meio da multidão. Eu que agora percebo cada vez menos daquilo.

Naqueles tempos as preocupações políticas eram outras. A dignidade do órgão também. Aprendi a ler os silêncios e os ruídos, o que uns e outros queriam dizer. Aprendi que há mais, muito mais, do que se faz e diz publicamente. Tentei ler os bastidores, na leitura possível de quem aterra de fora, sozinha, sem a multidão por perto. Quis perceber o que se estava ali a construir. Cheguei à conclusão, naqueles meus primeiros anos, que também são os primeiros anos disto que aqui temos, que a preocupação principal era impedir a destruição.

As pessoas eram outras. Não todas, mas muitas delas. Todas elas tinham memória, apesar de algumas dizerem que não, que não tinham. As pessoas que eram outras foram sendo substituídas e o processo nem sempre correu da melhor forma. Houve um declínio da preparação técnica, uma quebra no discurso político, um crescente aumento da falta de pudor, que é coisa que cai bem nestas instâncias. O discurso da comparação morreu, para aparecer apenas pontualmente, mas não deu lugar a algo substancialmente melhor. A agressividade pontual serve apenas as freguesias. Ou os bairros. Ou as origens, sobretudo as origens. Ninguém anda ali para grandes pensamentos. Quer-se estar naquele sítio porque o cargo dá a dignidade que não se conquistou cá fora.

Esta semana, ficámos a saber que Leonel Alves está de partida. Não se recandidata em Setembro. Há teorias que correm por aí que em nada me interessam. São 33 anos daquilo, os anos todos da mudança, os anos todos da mudança pós-mudança. É o deputado com mais anos de exercício de funções, um homem que há muito entrou para a história política do território, se um dia alguém se interessar por ela e se os outros deixarem que seja feita.

A Assembleia Legislativa ficará mais pobre. Nas ideias, na capacidade técnica, na diversidade, no Q.I.. Nós, comunidade de língua portuguesa, também ficamos mais pobres. Leonel Alves falou sempre em português, à excepção de raríssimas situações em que mudou de registo linguístico para evitar que os seus interlocutores se escudassem nas traduções. Ficamos mais pobres porque a língua diz muito e ele era o único a defendê-la verdadeiramente. A língua não é só a língua, é muito mais.

Não sei o que virá depois de Setembro, mas sei que não será certamente melhor. Este Verão é o início do fim de qualquer coisa. Daqui a dois anos saberemos todos melhor o que acabou.

23 Jun 2017

Lei de Terras | Chui Sai On ainda não decidiu se aprova iniciativas da AL

O Chefe do Executivo está à espera do relatório da tutela da Administração e Justiça para decidir se viabiliza a iniciativa legislativa de Leonel Alves e Zheng Anting em relação à Lei de Terras. Mas não deixa pistas sobre se concorda ou não com a ideia

[dropcap style≠’circle’]“E[/dropcap]m termos de propostas [de deputados], há casos em que rejeitamos e outros em que aceitamos.” Foi com esta constatação lapalissiana que Chui Sai On respondeu ontem aos jornalistas quando questionado sobre o mais recente projecto de alteração à Lei de Terras. Este mês, Leonel Alves e Zheng Anting entregaram ao Governo uma proposta que visa a obtenção de autorização de iniciativa legislativa. O processo está a ser avaliado.

De partida para Xangai (ver texto nestas páginas), o Chefe do Executivo explicou que o projecto dos dois deputados à Assembleia Legislativa está “a seguir os trâmites normais”, recordando que ao Governo já tinha chegado outra proposta sobre a Lei de Terras.

“O último projecto foi entregue à secretaria da Administração e Justiça para ser analisado. É necessário fazer uma análise profunda e a secretaria irá entregar um relatório. Vamos seguir esses trâmites”, vincou. O líder do Governo não deu, no entanto, qualquer sinal sobre uma eventual abertura à iniciativa dos deputados. “Em relação à lei laboral, o Governo vai fazer uma revisão, pelo que rejeitou”, recordou. Mas também há propostas que são acolhidas, ressalvou.

Chui Sai On tem de tomar uma decisão sobre dois projectos que, embora digam respeito à Lei de Terras, são substancialmente diferentes em termos de conteúdos e objectivos. Leonel Alves e Zheng Anting apresentaram uma proposta de revisão pontual de alguns artigos. Os deputados pretendem alterar as normas referentes à caducidade de algumas concessões de terrenos sem que tenha havido responsabilidade do concessionário e às habitações em Coloane, cujos moradores não têm títulos de propriedade e onde vigoram ainda os chamados papéis de seda.

Em Abril, ao Chefe do Executivo tinha chegado outro projecto, assinado por 19 deputados – incluindo Zheng Anting –, de teor diferente. Ontem, Chui Sai On também não se pronunciou sobre a viabilidade deste pedido de autorização para legislar.

 

 

Mais com Xangai

Macau pretende reforçar a cooperação bilateral com Xangai. A intenção foi manifestada ontem por Chui Sai On à partida para a capital económica da China. “É um município importante em termos de desenvolvimento, é um centro em várias áreas, nomeadamente nas finanças, transportes e turismo”, realçou o Chefe do Executivo, que pretende uma intensificação da cooperação “em termos de cultura, medicina e formação de funcionários públicos”. A viagem do líder do Governo tem como objectivo principal fazer o balanço dos trabalhos efectuados ao abrigo do actual mecanismo de cooperação bilateral, sendo que da agenda faz parte um encontro com os responsáveis pelo município, para uma análise “às infra-estruturas”. Chui Sai On testemunha ainda a inauguração da sucursal do Banco Tai Fung na metrópole chinesa.

Metro ligeiro

O principal responsável político do território afastou ainda a ideia de que possa haver um novo atraso na construção do sistema de metro ligeiro. “Estou convicto de que em 2019 irá entrar em funcionamento na Taipa. Não ouvi falar sobre qualquer adiamento de três anos, o ponto de situação está conforme o plano”, disse.

Ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai

Não há falhas no calendário no que diz respeito ao local que vai receber a ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai. “Em relação à zona A, já recuperamos o abastecimento de areia por parte de Guangdong. É um passo muito importante”, vincou Chui Sai On. “Quanto à segurança, em termos de infra-estruturas, as autoridades já disseram que os trabalhos estão a ser feitos de forma atempada”, prosseguiu. Com as obras feitas por Macau “não há qualquer problema em termos de qualidade e de segurança”.

Habitação social

Tendo sido esta semana anunciada a abertura de um novo concurso para habitação social até ao final do ano, o Chefe do Executivo não quis comprometer-se com uma data para uma iniciativa semelhante em relação à habitação económica. “Basta uma promessa que eu faça para que os meus colegas tenham imenso trabalho. Vamos passo a passo. Primeiro temos de recuperar o trabalho em termos de areia para a construção dos aterros”, afirmou. “Temos muitos trabalhos que estão a ser seguidos. Não posso fazer muitas promessas.”

Património

A população de Macau também não tem de estar preocupada com o património e a sua classificação, afiançou o Chefe do Executivo. “Temos feito muitos trabalhos com a UNESCO e temos um contacto muito estreito, os especialistas são convidados a virem fazer avaliações para verem o desenvolvimento. Fizemos as três legislações nessa área para satisfazermos as exigências da UNESCO”, salientou. “Não vamos fazer nada que ponha em risco o património mundial”, prometeu. “Não precisam de ficar preocupados.”

Wai Long vai em frente | “Estejam descansados”, assegurou o Chefe

Chui Sai On falava aos jornalistas no Aeroporto Internacional de Macau e à baila vieram as intenções de construção de habitação pública nos terrenos do outro lado da rua, que estavam destinados ao projecto La Scala. A ideia tem sido bastante contestada por alguns sectores que temem consequências para a saúde dos futuros moradores, dada a proximidade com a central de incineração e o depósito de combustíveis. O Chefe do Executivo garante que não há motivo para receios.

“Ao longo dos anos, temos tentado resolver as questões da habitação, tanto no mercado privado, como no mercado público”, começou por enquadrar. “Após uma série de trâmites administrativos e legislativos, estamos determinados [na construção], porque é uma área muito grande para construir habitação pública. O secretário Raimundo do Rosário já disse que vai ser feitas uma avaliação ao nível ambiental”, declarou Chui Sai On.

O líder do Governo fez questão, porém, de deixar claro que “a avaliação ambiental não se resume a uma resposta afirmativa ou negativa”. Ou seja, não é o resultado deste estudo que vai ditar o futuro dos terrenos na Avenida Wai Long. O mais importante, destacou, “é criar condições para que a saúde da população não seja afectada”.

Chui Sai On acrescentou que “não existe uma divergência entre o Governo e a população”, sublinhando que, “com uma avaliação técnica, o planeamento desta área terá sempre em conta as condições de saúde a longo prazo”. Em suma, “estejam descansados”.

22 Jun 2017

Rogério Puga, académico e investigador: “Enid Blyton é uma pioneira”

Escreveu livros que marcaram a infância de várias gerações. Enid Blyton, que deu vida a “Os Cinco” e “Os Sete”, nasceu há 120 anos. Em Portugal, a Universidade Nova e a Biblioteca Nacional assinalam a data, com um conjunto de palestras e uma mostra bibliográfica. Rogério Puga explica por que vale a pena ler e estudar a obra da escritora inglesa
Rogério Puga

[dropcap]E[/dropcap]ntre os leitores de Macau, é conhecido sobretudo pelos estudos que faz acerca da história do território. Sendo certo que as mulheres – e as mulheres que escrevem – estão muito presentes no seu percurso, como é que surge o interesse por Enid Blyton? o é que surge o interesse por Enid Blyton?
A escrita feminina interessa-me como objecto de estudo académico, nomeadamente a de língua inglesa. Enid Blyton, que terá redigido mais de 600 obras, começou a publicar poemas em 1917 e diversos livros na década de 20 do século passado, tornando-se uma das autoras que mais vende, mais de 600 milhões de cópias de livros. O meu interesse surgiu primeiro enquanto leitor adolescente e agora como fã académico (o chamado aca-fan). O imaginário e as referências culturais que apre(e)ndi com a obra de Blyton permanecem como memórias individuais partilhadas com as personagens das aventuras de “Os Cinco” e de “Os Sete”. Recentemente descobri, inclusive, que a famosa personagem Noddy foi também criada por Blyton, o que eu desconhecia. O interesse surge, então, da leitura e da investigação.

O que tem de especial o universo literário de Enid Blyton?
As obras de Blyton dirigem-se a um público infanto-juvenil de forma (então) original, e o imaginário das aventuras das suas personagens é caracterizado pelo suspense, pelo ultrapassar de obstáculo e pela reposição da ordem final, numa paisagem marcadamente inglesa, enriquecida por referências culturais, tendo sido adaptado para a televisão várias vezes, nomeadamente através da série que eu segui em criança, “The Famous Five”, produzida em 1978 e 1979. A sua obra foi criticada como simplista, xenófoba e elitista, estando obviamente marcada pela época em que foi produzida. No entanto, as aventuras das suas famosas personagens influenciaram e acompanharam muitos de nós, leitores. É sabido que a literatura infantil é produzida, comercializada e lida por adultos, como estratégia de socialização, colocando-se, portanto, a questão da ideologia veiculada por esses mesmos universos literários, e a obra de Blyton não é excepção.

Enid Blyton causou muita polémica, também pela quantidade absurda de livros que escreveu, a um ritmo que levou a que se achasse que não seria a autora de todas as obras. Por outro lado, também pelos conteúdos considerados xenófobos e elitistas. São críticas que faziam sentido?
A sua obra foi criticada, a partir dos anos 60 do século passado, como simplista, racista, xenófoba e elitista sobretudo no que diz respeito à caracterização de personagens e de atitudes estereotipadas em termos de etnia, género e de nacionalidade. A obra de Blyton está obviamente marcada pela época em que foi produzida, entre as duas guerras mundiais, e ecoa alguns dos ‘tiques’ negativos da classe média britânica desse período. Essa crítica literária é também fruto das novidades na academia e da (nova) forma de questionar a literatura, quer para adultos, quer para crianças. Uma crítica literária mais socialmente consciente e interventiva. No entanto, as aventuras das suas famosas personagens influenciaram e acompanharam muitos de nós, leitores. É sabido que a literatura infantil é produzida, comercializada, adquirida e lida em primeiro lugar por adultos (antes que seja lida à criança), como estratégia de socialização, colocando-se, portanto, a questão da ideologia veiculada por esses mesmos universos literários, e a obra de Blyton não é excepção. Essas críticas levaram a que algumas das suas obras fossem “actualizadas” e adaptadas, nomeadamente “The Faraway Tree”, em que, em edições mais recentes, desaparecesse o castigo físico de crianças. Em 2010 a editora Hodder adaptou os textos de “Os Cinco” para modernizar termos como “school tunic” (“uniform”), ou “mother and father” (“mum and dad”), projecto que foi abandonado em 2016, por não ter tido o êxito desejado.

As várias personagens que criou e os livros que escreveu tiveram imenso sucesso, e é algo que perdura. Como se explica este fenómeno?
A receita mágica do enredo baseado na descoberta, no suspense, nas aventuras picarescas tão desejadas por adolescentes, na relação do ser humano com a natureza, e numa visão moral(izada) do universo. A adaptação desses livros em formato de série ou filme também ajuda a vender livros. Blyton é, deveras, uma pioneira no que diz respeito à literatura infanto-juvenil.

A literatura infanto-juvenil foi, durante muitos anos, considerada uma arte menor, apesar de haver grandes autores que também escreveram para leitores mais jovens. Ainda é assim?
Já não, felizmente. Basta recordar o recente fenómeno literário e cultural de Harry Potter. É talvez das áreas do mercado livreiro que mais lucro gera, movimentando milhões. O diálogo entre o texto e a ilustração de qualidade enriquece o livro-objecto que agrada a graúdos e a miúdos simultaneamente, e permite um momento único de partilha entre pais/avós e filhos. Determinados livros e personagens tornam-se parte daquilo a que poderíamos chamar o nosso ADN cultural, da nossa memória familiar e pessoal, como acontece com “Os Cinco” de Blyton. O livro infantil é divertimento, mas sobretudo é visto por quem o oferece e lê como uma ferramenta didáctica que também estimula a criatividade. E cada vez mais autores conhecidos e lidos por adultos são convidados a escrever para um público mais jovem, de José Saramago, que publicou “A Maior Flor do Mundo” e o “Conto da Ilha Desconhecida”, entre outras obras para crianças, ou António Lobo Antunes, que publicou “A História do Hidroavião”, de temática pós-colonial, e logo complexa, que exige um leitor curioso, ou interessado, crítico e interventivo. A literatura infantil começou também a abordar temas que eram tabu na educação das crianças, como a morte ou a perda de entes queridos, os direitos humanos, os refugiados, a exclusão social, a sexualidade e o género.

22 Jun 2017

Função Pública | ATFPM contra novo sistema de apresentação de queixas

É a reacção da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau ao novo sistema de apresentação de queixas para os funcionários da Administração. Pereira Coutinho entende que a comissão de gestão e tratamento será apenas mais uma, sem qualquer utilidade

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) não está contente com o novo sistema de apresentação de queixas criado pelo Governo, publicado na passada segunda-feira em Boletim Oficial. O regime ainda não entrou em vigor – só em Setembro é que tal acontece –, mas o movimento liderado por Pereira Coutinho detectou já uma lista de problemas. Para o também deputado, não há dúvidas de que a comissão responsável pela análise das queixas “será mais uma das muitas comissões que já existem em Macau, pouco efectivas e de fraca utilidade”, que contribuirá para “o dispêndio do erário público”.

Em nota de imprensa, a ATFPM começa por destacar “a suposta vontade do Governo” de combater as ilegalidades dentro dos serviços públicos. Mas, para Pereira Coutinho, este desígnio do Executivo peca, desde logo, pela forma de apresentação das queixas, que terão de ser assumidas pelos seus autores.

“Alegam que ‘as queixas não podem ser anónimas porque podem envolver apenas duas pessoas’ deixando de fora situações em que mais de duas pessoas se comprometem a agir em conjunto para praticar ilegalidades”, observa a associação. Teme-se que as denúncias feitas resultem em “perseguição conjunta do grupo até o queixoso ser ‘escovado’ do posto de trabalho”.

O director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) garantiu, em declarações aos jornalistas, que as queixas anónimas poderão ser alvo de acompanhamento. Também aqui a ATFPM tem dúvidas, perguntando quais serão os critérios para a aceitação (ou não) de queixas não identificadas.

Confiança zero

O responsável pelos SAFP acredita que a obrigatoriedade de identificação do autor não fará com que as pessoas desistam da apresentação das queixas. “Esta afirmação é como querer “tapar o sol com a peneira’”, rebate Pereira Coutinho. Os anos de experiência da ATFPM dizem-lhe que, mesmo existindo um sistema paralelo no Comissariado contra a Corrupção (CCAC), “não tem sido fácil apresentar queixas por medo de represálias”. O presidente da associação vai mais longe: “Se o actual sistema no CCAC fosse fiável e merecedor da confiança dos trabalhadores, não haveria necessidade de implementar este novo regime”.

As reservas de Pereira Coutinho estendem-se ainda ao sistema de gestão e tratamento de queixas, que estará a cargo de uma comissão. O deputado assinala que os membros deste grupo serão propostos pela secretaria da Administração e Justiça, pelo que estarão dependentes da tutela.

“Não acreditamos que essas pessoas escolhidas pela secretaria da Administração e Justiça possam inspirar confiança e credibilidade junto dos trabalhadores da sua tutela, muito menos dos trabalhadores das outras tutelas”, atira Coutinho. O presidente da ATFPM é peremptório na conclusão a que chega: “Os princípios invocados serão meros slogans como quase sempre fomos habituados no passado”.

21 Jun 2017

Eleições | Observatório Cívico, de Agnes Lam, deu os primeiros passos para a candidatura

Agnes Lam diz que tem condições para ser eleita, mas sabe também que a concorrência é muita. O Observatório Cívico está de regresso à luta das legislativas. Desta vez, Rui Leão não se candidata

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] académica e líder do movimento Energia Cívica submeteu ontem às autoridades 500 assinaturas para a formalização da comissão de candidatura às eleições legislativas de Setembro próximo. Agnes Lam recandidata-se pela terceira vez, depois da estreia em 2009 e de uma nova tentativa em 2013, igualmente sem sucesso. Agora, entende que reúne mais condições para ser eleita, mas reconhece que a concorrência é forte.

“Por um lado, sinto que estou muito mais bem preparada do que há oito anos, quando me candidatei pela primeira vez”, comenta a professora universitária ao HM. “Ao longo dos anos, fui tendo a possibilidade de observar questões e de pensar como podem ser resolvidas. Sinto que tenho aquilo que preciso para trabalhar com os outros, para falar com as pessoas e motivá-las a votarem em mim.”

No reverso da medalha está a concorrência, que este ano não só é forte, como se multiplicou, atendendo às várias listas que se desdobraram em duas, na esperança de obterem melhores resultados. “É muito complicado porque este ano há mais listas e também é maior a proporção de eleitores recenseados com mais de 50 anos”, analisa a cabeça-de-lista do Observatório Cívico. “Não é a primeira vez que votam e será mais difícil chegar a essa fatia do eleitorado. Estarão mais motivados para as listas tradicionais”, reconhece Agnes Lam.

Em 2013, o Observatório Cívico não foi além dos 5225 votos, ou seja, conquistou 3,75 por cento do eleitorado que participou activamente nas eleições. Foi um resultado aquém das expectativas, tendo em conta os números que Agnes Lam tinha obtido no sufrágio de estreia: em 2009, conseguiu 5329 votos, o que equivale a 3,76 por cento.

Da experiência acumulada estes anos, a candidata destaca que continua a ter a sensação de que são necessárias “novas vozes” na política de Macau, “mais independentes e oriundas do meio profissional”. Além disso, detecta “alguns problemas novos” no território.

Agnes Lam concede que, desta vez, “as expectativas são mais elevadas”. Apesar das dificuldades que antevê, espera que o eleitorado consiga ler as propostas do Observatório Cívico com um olhar diferente daquele que teve no passado, com certas ideias a serem acolhidas com cepticismo.

“Fizemos alguma pesquisa e olhámos para as nossas propostas de há oito e de há quatro anos e fomos os primeiros a mostrar preocupação em relação a assuntos com os quais ninguém se importava na altura”, vinca, dando como exemplo os direitos dos animais. O assunto viria a ser mais tarde alvo de legislação específica mas, aquando da apresentação das propostas de Lam, houve “um certo gozo” e os candidatos foram catalogados como estando “preocupados com cães e gatos”.

“Não tivemos um assento da Assembleia Legislativa para podermos trabalhar no assunto, mas houve forças políticas que o fizeram”, sublinha a candidata. O mesmo aconteceu com a lei de combate à violência doméstica, uma ideia que teve o Observatório Cívico entre os seus primeiros defensores.

“Havia pessoas que achavam que estávamos a ir longe de mais, que não era preciso pensarmos em certas questões. Mas, depois de todos estes anos, estas propostas mostraram ser boas para a sociedade, tinham um grande grau de viabilidade e, por isso, conseguimos colocá-las na agenda”, reforça Agnes Lam.

A candidata espera, em Setembro, poder começar a contribuir de outra forma com propostas para Macau. Desta vez, da lista – cujos nomes ainda vão ser divulgados – não faz parte o arquitecto Rui Leão, que em 2013 fez parte do Observatório Cívico.

20 Jun 2017

Solidariedade | Aberta conta para apoio a vítimas de incêndio em Portugal

A Casa de Portugal abriu uma conta bancária específica de recolha de donativos para as vítimas do incêndio em Pedrógão Grande. No Consulado-Geral de Portugal, há um livro de condolências para assinar. O Chefe do Executivo enviou uma carta a Marcelo Rebelo de Sousa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda não é possível fazer um balanço definitivo da tragédia do passado fim-de-semana na zona centro de Portugal, mas há desde já uma certeza: dezenas de habitantes das várias localidades atingidas pelo incêndio de grandes dimensões ficaram sem casa, sem bens de primeira necessidade e, muitos deles, sem forma de sustento.
Em Portugal, rapidamente se criaram redes de apoio para as necessidades mais urgentes, com o Governo a ter dificuldades logísticas em gerir todos os bens que têm sido enviados para a zona afectada. Por cá, à distância, a Casa de Portugal em Macau (CPM) não quis deixar de dar o seu contributo e apelar à solidariedade dos residentes.
Ontem, pela manhã, foi aberta uma conta no Banco Nacional Ultramarino que se destina a recolher apoios para as vítimas das chamas em Pedrógão Grande. “Já está aberta uma conta. Vamos começar a divulgá-la”, explicou ao HM Amélia António, presidente da CPM. “Destina-se a auxiliar as vítimas, para aquilo que vier a revelar ser o mais importante.”
O incêndio que deflagrou no sábado à noite (hora de Macau) no concelho de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, fez pelo menos 62 mortos e 62 feridos. À hora de fecho desta edição, continuava a ser impossível controlar as chamas, que se tinham alastrado para os distritos vizinhos de Castelo Branco e Coimbra.

Manifestar o pesar
Não há memória de um incêndio com tamanho número de vítimas mortais. A dimensão da tragédia levou o Governo a decretar três dias de luto nacional.
Também o Consulado-Geral de Portugal em Macau se associou à manifestação de pesar. Já ontem foi possível, durante a tarde, assinar um livro de condolências. Quem quiser juntar-se à iniciativa poderá fazê-lo também hoje, entre as 10h e as 16h30, dirigindo-se à representação diplomática.
Tanto à presidente da CPM, como ao cônsul-geral de Portugal não chegaram informações sobre residentes portugueses no território naturais das zonas mais afectadas.

A carta de Chui Sai On
Ao final da tarde de ontem, o Gabinete do Porta-voz do Governo enviou um comunicado às redacções em que explicava que o Chefe do Executivo transmitiu condolências ao Presidente da República de Portugal pelo incêndio de Pedrógão Grande.
Na carta enviada a Marcelo Rebelo de Sousa, Chui Sai On transmitiu, em seu nome e em nome do Governo da RAEM, “os sentimentos do profundo pesar pelo devastador incêndio que atingiu as florestas em volta de Pedrógão Grande, com graves consequências humanas”.
O líder do Executivo endereçou ainda “as mais sentidas condolências às vítimas e às suas famílias”, e expressou “a solidariedade a todos os envolvidos nesta tragédia, e igualmente a todos aqueles que, no terreno e em circunstâncias críticas, continuam a combater este terrível incêndio”.

20 Jun 2017

Os coelhinhos

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ensar sobre coisa nenhuma é um exercício tramado. Assim como é difícil escrever sobre coisa nenhuma, mesmo para quem está habituado à folha em branco e às ideias no vazio. Anos de desertos ideológicos não nos habituam necessariamente ao nada, à inexistência. Temos esta mania insuportável de querermos pensar em algo, de precisarmos de um objecto para inventarmos outro, de necessitarmos de um conceito para o podermos avaliar. Somos uns tontos.

Pois bem. Esta semana, o Governo de Chui Sai On lançou à população um desafio metafísico de elevado grau de dificuldade: quer o Executivo que a gente pense no que deverá ser a presença do território no megalómano plano da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Sucede, porém, que não foi dado ao povo um ponto de partida para tamanha reflexão.

Na apresentação da consulta pública, que dura apenas 15 dias, não foi divulgado um plano, uma proposta ou meia dúzia de ideias. Foi lida a lista de chavões que todos conhecemos e que inclui palavras tipo plataforma, lazer, centro, mundial, lusófonos e afins. Ideias concretas: zero. Pensem vocês, dizem eles. Penso eu, respondo. Se tiver tempo, porém.

Reconheçam, senhores que mandam, que 15 dias é coisa nenhuma para se pensar sobre coisa nenhuma. Não chega para se sair da abstracção para a realidade. Quando nos encontramos mergulhados no alheamento colectivo, encontrar uma ideia por semana é tarefa árdua. O objecto da consulta é vasto, extraordinariamente gigante no tamanho e de natureza ultra-diversificada. Vós pedis o impossível.

Mas eu tento, dentro das minhas limitações. E isto apesar de não saber sequer se sou destinatário deste vosso pedido. Por certo quereis, senhores que mandam, que as opiniões a serem enviadas em correio rápido sejam redigidas por ilustres cabeças, cérebros mais iluminados do que o meu, uma humilde jornalista. São as elites pensantes do território que, em 15 dias, conseguem conceber um plano de integração económica, outro ao nível das infra-estruturas viárias, um terceiro sobre infra-estruturas rodoviárias e outro ainda sobre questões de harmonização jurídica, isto sem descurar, claro está, a sintonização das mais diversas manifestações culturais e linguísticas das três jurisdições em análise, os negócios, os negociantes e os negociadores.

Não obstante saber que há quem tenha disponíveis 15 vezes 24 horas pela frente para vos fornecer ideias a preço de desconto – que por aqui é caro, porque tudo custa os olhos da cara e outras partes do corpo –, agradeço o facto de me terem incluído, a mim e aos meus semelhantes, em tão nobre tarefa. Há dias em que sabe bem sentirmos que somos parte da engrenagem, e não a pedra que se afasta com a biqueira pontiaguda do sapato italiano.

Apesar de nos ser pedido o impossível e de, muito sinceramente, saber que não estais à espera do meu inútil contributo, aqui fica ele: há alturas em que mais vale estar calado do que atirar areia para os olhos de quem ainda vê para além do capacete local.

O projecto em análise é de nível nacional. Pequim, sabe quem lê os jornais, incumbiu as partes de dizerem o que pensam. Aqui ao lado, naquela China que achamos ser densa e opaca, há já algumas semanas que se fala publicamente dos estudos que foram encomendados e das propostas concretas que contêm. Aqui dentro, nada. Os senhores que mandam sentam-se a uma mesa e dizem: povo, pensai por nós, pecadores, para Pequim ver que estamos aqui todos ouvidos, todos olhos, todos receptivos às vossas ideias sobre coisa nenhuma. Entretanto, os amigos de sempre sacam da cartola um rolo com propostas e estudos preparados de anteontem para ontem, de tão geniais que são.

Eu quero uma grande baía cor-de-rosa. Uma Hello Kitty gigante que se visse da lua, mais expressiva do que a muralha. Cheia de ouro e diamantes, para respeitar a cultura transversal da província e das duas regiões. Macau deve afirmar-se pela diferença: passeios rolantes com ventoinhas penduradas em nuvens por causa do suor e dos maus cheiros, estradas revestidas a material fofo e absorvente para reduzir o barulho e amortecer as quedas em caso de acidente, hordas de turistas nipónicos com os telemóveis no silêncio e as gargantas em ‘mute’, livros a nascerem das árvores, árvores a nascerem dos livros, sofás imaculados espalhados pela cidade com música conforme o meu estado de espírito, crianças de uniformes brancos, bem-comportadas, velhinhos sorridentes a saltar à corda e coelhinhos aos pulos nos imensos jardins relvados do Leal Senado.

E também me apetece que 2049 não seja amanhã, porque amanhã é um sábado de 2017, e pode ser que, nos anos que faltam, apareça alguém que não queira apenas brincar aos políticos.

16 Jun 2017

Segunda Instância dá razão à Moon Ocean

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) deu razão à Moon Ocean numa questão de competência de tribunais para julgar o conflito que a opõe às empresas concessionárias dos terrenos para onde estava projectado o empreendimento La Scala. Um magistrado judicial do Tribunal Judicial de Base (TJB) tinha entendido que a questão em causa deveria ser avaliada pelo Tribunal Administrativo, mas o TSI teve um entendimento diferente.

Em causa estão os terrenos em frente ao Aeroporto Internacional de Macau, parcelas que foram retiradas à Moon Ocean na sequência do julgamento do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long. Os empresários de Hong Kong a quem tinham sido concessionadas as parcelas foram ambos condenados por corrupção, por terem subornado o antigo governante.

Em Agosto de 2012, o Chefe do Executivo declarou a nulidade do processo de transmissão da concessão por arrendamento dos cinco terrenos em questão. Inconformada, a Moon Ocean intentou uma acção contra as concessionárias dos lotes: a RAEM e quatro empresas constituídas pelo ex-Governo de Macau. Pretendia das cinco rés a restituição do valor pago pela transmissão dos direitos resultantes da concessão, bem como a indemnização pelas benfeitorias realizadas no terreno.

No ano passado, um juiz do 1º Juízo Cível do TJB entendeu que o contrato de concessão por arrendamento de terrenos urbanos do domínio privado da RAEM é um contrato administrativo, pelo que o tribunal competente seria o Administrativo e não o Judicial de Base. Declarou a incompetência do Tribunal Judicial de Base para julgar a acção e ordenou a remessa dos autos para o TA.

A Moon Ocean recorreu para o TSI, que considerou que, no caso em apreço, a empresa não está a pedir a restituição do prémio da concessão pago à RAEM, mas sim os preços pagos às rés para a transmissão dos direitos resultantes da concessão. A Segunda Instância entende que, neste processo, a RAEM é ex-sócia duma sociedade transmitente, “sem se dotar de qualquer jus imperii, agindo portanto como um contraente privado”. Assim sendo, o 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base é competente para julgar a acção.

14 Jun 2017

Eleições | Kaifong aqui, Mulheres ali

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] União Promotora para o Progresso, liderada por Ho Ion Sang, entregou ontem o pedido de reconhecimento de constituição da candidatura às eleições de 17 de Setembro, com 500 assinaturas recolhidas junto dos eleitores. O deputado aproveitou para anunciar formalmente que se recandidata à Assembleia Legislativa.

Para já, Ho Ion Sang não avança os nomes da lista que lidera, tendo referido que ainda estão a ser acertados detalhes. Prevê-se que seja constituída por oito a dez candidatos, oriundos de sectores diferentes.

Quanto ao programa político, o deputado explicou que ainda vão ser ouvidas as opiniões de residentes de diferentes comunidades, para que possam constar do rol de ideias a apresentar. A lista definitiva de candidatos e o programa político serão submetidos até 10 de Julho.

Ho Ion Sang pronunciou-se também em relação ao facto de os Kaifong e a Associação Geral das Mulheres de Macau (AGGM) não concorrerem juntos numa lista. A justificação é semelhante à que foi apresentada por outros candidatos: nas eleições que se avizinham, a competição é muita, pelo que a divisão em duas listas poderá significar um maior sucesso no sufrágio, tendo em conta o método de contagem de votos utilizado em Macau.

Presente na entrega do pedido esteve também a presidente da direcção da União Geral das Associações dos Moradores de Macau. Ng Siu Lai afiançou que a União Promotora para o Progresso tem como prioridades políticas a habitação, o trânsito e a segurança social.

13 Jun 2017

Planeamento Urbanístico | Consulta pública sobre vários projectos na cidade

Vários projectos foram ontem tornados públicos para que os interessados se manifestem acerca do que se pretende construir em diferentes locais do território. A maioria das plantas diz respeito à zona antiga da cidade, mas há também ideias para a área nobre. Está a ser planeado um parque de estacionamento junto à Assembleia Legislativa

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão 13 projectos de planta de condições urbanísticas que foram tornados públicos para que possam ser apreciados por quem se interessa pela matéria. Até ao próximo dia 21, as Obras Públicas recebem opiniões sobre projectos tão diferentes como edifícios classe M na zona antiga da cidade ou um parque de estacionamento subterrâneo junto à Assembleia Legislativa (AL).

É o projecto de maior dimensão, a ser construído num terreno junto a Praça da AL, com uma área total de 2656 metros quadrados. O lote pertence à RAEM e o projecto submetido prevê um parque de estacionamento subterrâneo e uma área verde. O edifício a construir no local não poderá ter mais de 18 metros de altura.

Na mesma zona, numa parcela igualmente detida pelo Governo, serão construídas instalações de fornecimento de energia eléctrica. O espaço junto à Avenida Panorâmica do Lago Sai Van tem 1712 metros quadrados e não será possível uma construção em altura com mais de 14 metros.

Os restantes projectos submetidos a apreciação pública dizem respeito a terrenos de propriedade privada ou concessionados. Vários projectos destinam-se à construção de edifícios em lotes que, neste momento, estão votados ao abandono na zona antiga da cidade ou ocupados por edifícios em avançado estado de degradação.

No Beco do Cisne há uma parcela com 65 metros quadrados na qual se pretende construir, sendo que não se admite ocupação vertical. Há condicionamentos urbanísticos definidos pelo Instituto Cultural, que determinam uma altura máxima de 20,5 metros.

Também o proprietário de um terreno na Rua do Teatro terá de observar várias regras nos 56 metros de área que tem disponível. A altura das fachadas dos edifícios situados ao longo da rua deve ser mantida, ou seja, os prédios não podem ter mais de 17,8 metros. Além disso, as fachadas confrontadas com a Rua do Teatro são para preservar; caso se encontrem muito degradadas, será necessário proceder à sua reconstrução com a forma original. O revestimento tem de ser feito com telha chinesa.

No n.˚ 60D da Rua da Barca, há um projecto que não poderá ultrapassar os 20,5 metros, a altura da chamada classe M. O lote em causa tem 56 metros quadrados.

Na Rua de Cinco de Outubro e na Rua do Pagode, há 188 metros quadrados que vão ser alvo de uma intervenção, mas também neste caso a fachada tem de ser preservada, admitindo-se o aumento de cércea. É mais um caso de um edifício classe M.

Ainda na península, estão pensadas obras para o Pátio da Tercena, num espaço de 74 metros quadrados onde não vai ser possível construir um prédio com mais de 17,8 metros. Na Travessa da Porta, há 23 metros quadrados para uma casa de 12,4 metros de altura, sendo que o construtor está obrigado a utilizar reboco pintado nas fachadas.

Escolas e Cheoc Van

Da lista de projectos fazem ainda parte duas escolas. Uma delas está projectada para um terreno de 8675 metros quadrados na Estrada de Coelho do Amaral e na Avenida do Coronel Mesquita. A outra deverá ser edificada numa parcela de menores dimensões, com 271 metros quadrados, na Rua do Almirante Costa Cabral e na Rua de Jorge Álvares.

Há também planos para um terreno na Rua dos Açores, na Taipa, com 1980 metros quadrados, onde deverá ser construída habitação, e para um edifício em Cheoc Van, em Coloane, destinado a comércio, restaurante e clubes. As Obras Públicas explicam que, a fim de conservar a integridade desta zona de moradias unifamiliares, não é permitida a alteração do plano director anteriormente aprovado. O futuro prédio não poderá ser maior do que o actual.

13 Jun 2017