Desde sábado que os líderes dos países que fazem parte do grupo dos BRICS estão reunidos no Rio de Janeiro para mais uma cimeira destinada a pensar a reforma das instituições e inclusão de mais economias emergentes, bem como o combate às tarifas decretadas por Trump. Destaque para as ausências de Xi Jinping e Vladimir Putin
O Rio de Janeiro acolhe, desde sábado, a cimeira de líderes do grupo BRICS, que termina hoje. O primeiro dia foi pautado pelo diálogo em torno da ambição das economias emergentes em reformar as instituições internacionais e a defesa do multilateralismo.
“Acho que a mensagem principal é essa: no momento de tantas crises internacionais, conflitos, a gente está vivendo uma sucessão de conflitos que só aumentam de ano para ano, ter um conjunto de países reafirmando o poder da diplomacia, da cooperação, da necessidade de actuar de forma conjunta, para resolver os problemas da população e não para gerar mais destruição, como os conflitos, é uma oportunidade que a gente sempre tem de aproveitar”, disse o embaixador Mauricio Lyrio, guia das discussões e acordos dos chefes de Estado na conferência, designado pela presidência brasileira dos BRICS.
Ao todo têm estado presentes cerca de 30 países e nove organizações internacionais, com o chefe de Estado brasileiro, Lula da Silva a liderar a reunião, que conta com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, do Presidente de Angola e da União Africana, João Lourenço, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, entre outros.
As principais ausências são as dos chefes de Estado russo e chinês, dois países fundadores dos BRICS. Vladimir Putin, alvo de um mandado de detenção emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por suspeita de deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia, participará apenas por videoconferência.
O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, e o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, serão os representantes dos dois países fundadores do grupo, que representa mais de 40 por cento da população global e mais de 35 por cento do produto interno bruto (PIB) mundial.
Da China com amor
Segundo a agência estatal chinesa Xinhua, o primeiro-ministro chinês prometeu “expandir a cooperação com o Brasil” nas áreas da “economia digital e aeroespacial”. Li Qiang falou no sábado, no âmbito de um encontro com Lula da Silva, referindo que o país pretende “trabalhar com o Brasil para aproveitar as vantagens complementares de cada um e expandir a cooperação em áreas como economia digital, economia verde, inovação científica e tecnológica e aeroespacial”.
A Xinhua cita palavras de Li Qiang, que referiu o facto de “a China estar pronta para trabalhar com o Brasil para continuar os esforços no sentido de enriquecer as dimensões das relações bilaterais e alcançar resultados mais concretos na cooperação, a fim de proporcionar mais benefícios aos dois povos”.
Um dos pontos saídos deste encontro foi a realização, em 2026, do Ano da Cultura China-Brasil, que prevê uma intensificação na cooperação em áreas como “a educação, juventude e saúde”, a fim de se facilitar “ainda mais os intercâmbios entre os povos e fortalecerem o apoio público à amizade e cooperação China-Brasil”.
“A China está disposta a trabalhar com o Brasil para consolidar e aprofundar ainda mais a cooperação bilateral em comércio, finanças e desenvolvimento de infra-estruturas no âmbito da cooperação de alta qualidade da Belt and Road [faixa e rota]”, terá dito o primeiro-ministro chinês, que não esqueceu a grande bandeira desta cimeira dos BRICS: o multilateralismo.
Desta forma, Li Qiang considerou “os dois países como defensores ferrenhos do multilateralismo e do livre comércio”, dizendo que “a China está disposta a melhorar a comunicação e a coordenação com o Brasil em estruturas multilaterais como as Nações Unidas, o BRICS e o G20, trabalhar em união com os países em desenvolvimento para promover um mundo multipolar igualitário e ordenado e uma globalização económica universalmente benéfica e inclusiva, e proporcionar mais certeza e estabilidade ao mundo”.
Do outro lado, Lula da Silva referiu que “o Brasil está disposto a aprofundar a comunicação e a coordenação multilateral com a China, a opor-se conjuntamente ao unilateralismo e defender o multilateralismo e o comércio livre, a fim de promover a paz e o desenvolvimento mundial”. Foram assinados, depois da reunião entre os dois líderes, “documentos de cooperação em áreas como assuntos fiscais e financeiros, inteligência artificial, alinhamento de estratégias de desenvolvimento e aeroespacial”.
A estreia de Cuba
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, também participa na 17ª cimeira dos BRICS, sendo a primeira vez que Cuba se associa a este grupo geopolítico e de cooperação económica.
Sob o lema “Reforçar a cooperação no Sul Global para uma governação mais inclusiva e sustentável”, a agenda da Cimeira dos BRICS compreende dois eixos centrais: a consolidação da cooperação entre os países do Sul Global e a promoção de reformas nos mecanismos de governação internacional.
Criado em 2009 pelo Brasil, Rússia, Índia e China, o BRICS admitiu a África do Sul dois anos depois e, desde o ano passado, integra seis novos membros efectivos: Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irão, Indonésia e Arábia Saudita. O Brasil convidou para esta cimeira os líderes de vários países da América Latina, incluindo o México, Colômbia, Uruguai e o Chile.
O estatuto de associado, que leva Cuba ao Rio de Janeiro, foi aprovado em Outubro de 2024 durante a cimeira do grupo realizada na cidade russa de Kazan, facto que foi oficializado em 2025, recordou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país caribenho.
Para além das questões geopolíticas, os BRICS têm procurado, no Rio de Janeiro, afirmar o peso económico da organização, designadamente no domínio financeiro, no qual há anos buscam uma alternativa ao dólar para as trocas comerciais no seio do grupo.
O Presidente anfitrião, Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente do Brasil, sublinhou na passada sexta-feira a importância de um mecanismo com estas características, reconhecendo, no entanto, que o actual contexto político internacional é “complicado”.
O que está na agenda
No primeiro dia, os chefes de Estado e de Governo dos BRICS participaram em duas sessões plenárias, nomeadamente sobre “Paz e Segurança e Reforma da Governança Global” e a segunda relativa ao Fortalecimento do Multilateralismo, Assuntos Económico-Financeiros e Inteligência Artificial”.
Nesta última, foi discutida a revisão das participações accionárias no Banco Mundial, o realinhamento de quotas do FMI [Fundo Monetário Internacional] e o aumento da representação dos países em desenvolvimento em posições de liderança nas instituições financeiras internacionais e a importância de uma reforma no Conselho de Segurança da ONU.
Para além disso, e tal como tem vindo a acontecer durante as reuniões ministeriais dos BRICS ao longo dos últimos meses, deverá ser feita uma denúncia ao aumento de medidas protecionistas unilaterais injustificadas, numa referência às medidas anunciadas pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; assim como um apelo ao reforço da utilização de moedas locais no comércio entre os países do bloco. Hoje a sessão plenária será sobre “Meio Ambiente, COP30 e Saúde Global”.
O termo BRIC foi criado por um analista da Goldman Sachs para se referir às economias emergentes que começaram a destacar-se a nível mundial além dos EUA, tendo os BRICS reunido pela primeira vez, ao nível de chefes de Estado, em 2009. Esta é a primeira reunião que congrega a nova configuração do grupo com 11 países membros.
O Brasil mobilizou cerca de 20 mil militares, além de caças com mísseis, sistemas anti-drone e atiradores de elite para garantir a segurança do evento. A operação de segurança, denominada Comando Operacional Conjunto Redentor, prevê ainda a utilização de 300 viaturas, 38 veículos blindados, 18 barcos e oito helicópteros.