David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSeguro de titular A semana passada foi publicada uma notícia na imprensa de Hong Kong sobre a compra de propriedades no Canadá. Na peça, salientava-se que, neste país, se aconselha as pessoas que compram propriedades a não as pagarem a pronto a totalidade do seu valor, mesmo que tenham dinheiro suficiente para o efeito. Considera-se preferível contrair um pequeno empréstimo bancário para impedir vendas fraudulentas. Além disso, o proprietário deve fazer um ‘seguro de titular’ para ter protecção adicional. Ser titular significa que se detém direitos de propriedade e de posse. Quem compra uma propriedade torna-se seu titular, ou seja, adquire os direitos de propriedade e de posse sobre esse bem. Ter a propriedade de, significa ser dono de. Ter a posse significa ter o direito de usar a propriedade. Numa venda de imobiliário, o comprador tem de adquirir simultaneamente a propriedade e a posse, mas existem algumas excepções. Por exemplo, se o imóvel que está a ser vendido estiver arrendado, embora o comprador adquira a propriedade, o direito de posse do imóvel fica limitado pelo contrato de arrendamento. Esta é uma situação especial na venda de imóveis, e o vendedor deve prestar toda a informação ao comprador. O seguro de titular é um tipo de seguro que protege o proprietário ou o locatário de imóveis residenciais ou comerciais e que indemniza o comprador caso exista algum problema não identificado com a propriedade adquirida. Uma situação fraudulenta que ocorre com alguma frequência é a “venda” de um imóvel por burlões. Nesta situação, o comprador pode pedir à companhia de seguros que o indemnize, através do seguro de titular. Actualmente, em Ontário, o preço do seguro de titular é de cerca de 900 dólares para uma propriedade no valor de 1 milhão. Para além de proteger a titularidade, o âmbito do seguro do titular abrange ainda hipotecas imobiliárias, taxas de água e de eletricidade, prestações de condomínio não pagas pelo proprietário anterior, construções ilegais de imóveis que não foram demolidos, registos públicos incorrectos que podem levar à perda do direito de propriedade, etc. Um advogado canadiano reportou em 2022, quatro casos em que os burlões pretendiam ser proprietários dos imóveis postos à “venda”. Os alvos destas fraudes eram todos cidadãos chineses. Um dos motivos que levou ao aumento deste tipo de esquemas fraudulentos está relacionado com a pandemia, pois, nesta altura, muitos contratos de compra e venda foram assinados através de videoconferências. No entanto, desde que os compradores tivessem seguro de titular, eram todos compensados. Em comparação com o Canadá, a compra e venda de propriedades em Hong Kong é mais complexa, tem de ser registada junto do departamento governamental competente, embora o registo não atribua automaticamente a propriedade do imóvel; fixa apenas a forma como o proprietário o vai usar. Mais importante ainda, não estar registado não significa que não haja interesse fundiário. Por conseguinte, o sistema imobiliário de Hong Kong exige seguro de propriedade. Num precedente, um motorista de autocarros entregou o dinheiro para a compra de um imóvel à esposa, que contratou para o efeito um escritório de advogados. Como a mulher tratou do assunto sozinha, foi a única a assinar a documentação, pelo que se transformou na proprietária exclusiva do imóvel. Mais tarde, vendeu a propriedade sem o conhecimento do marido e fugiu de casa com o dinheiro. O comprador levantou um processo ao marido para desocupar o apartamento. O caso foi julgado num tribunal de Hong Kong, e o juiz apurou que o dinheiro para a compra do imóvel provinha do marido e que era ele o verdadeiro proprietário. Embora isto não possa ser mostrado no contrato de propriedade, o comprador descobriu, depois de fazer uma inspecção ao local, que além de roupas da mulher, havia também roupas do marido. O comprador devia ter percebido que o marido também vivia no apartamento e deveria ter procurado informar-se melhor. Como não o fez, teve um comportamento negligente. Desta forma, o comprador passou a deter apenas a propriedade do imóvel, e o marido enganado manteve o direito de posse e pôde continuar a habitá-lo. A partir do caso deste infeliz comprador de imóveis, podemos compreender a importância do seguro de titular em Hong Kong. Pelo contrário, em Macau, desde que o contrato de compra e venda do imóvel seja assinado e os procedimentos de registo relevantes sejam concluídos, o comprador torna-se o proprietário do imóvel, pelo que a importância do seguro de titular em Macau não é elevada. Na China continental, os compradores não estão sensibilizados para a aquisição de seguro imobiliário. Acredita-se que seja mais difícil promover este seguro do que em Hong Kong e Macau. Voltando à questão da compra de imóveis no Canadá, embora existam seguros de titular neste país, para impedir a venda de casas por burlões, o comprador deve contrair um empréstimo à habitação em qualquer banco. Do ponto de vista da gestão financeira, esta condição é anti-económica. Desta forma, fica “escravo da propriedade” para o resto da sua vida. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesFamily office No passado dia 23, Li Jiachao, Chefe do Executivo de Hong Kong, visitou Singapura, a Indonésia e a Malásia em busca de oportunidades de negócio. Li Jiachao declarou que espera atrair mais family offices para Hong Kong. Na apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2023, Li Jiachao mencionou que o objectivo é vir a ter 200 family offices em Hong Kong em 2025. Family office é uma empresa privada de consultoria e gestão das fortunas de famílias muito ricas, com activos superiores a 100 milhões de dólares. Quantos mais family offices se estabelecerem em Hong Kong, mais famílias bilionárias farão negócios e investimentos em Hong Kong, promovendo a continuação do desenvolvimento económico da cidade. Além disso, as actividades económicas das famílias super-ricas não se limitam, obviamente, aos negócios e ao investimento. Dedicam-se frequentemente a leilões e a acções de caridade. Estas actividades também se desenvolvem com a presença de family offices, pelo que a sociedade de Hong Kong pode beneficiar de várias maneiras. Family offices são criados por indivíduos e famílias, ou por instituições profissionais. O seu âmbito de serviços não envolve apenas investimentos e negócios, mas também inclui planeamento patrimonial, gestão pessoal, gestão patrimonial, educação dos membros da família, etc. Do ponto de vista dos investimentos, estas empresas formulam planos de gestão financeira para as famílias de acordo com as suas necessidades, de forma a aumentar os seus patrimónios. Do ponto de vista pessoal, gerem a logística relacionada com heranças, educação dos jovens, ajudando o crescimento e o desenvolvimento da próxima geração. Como o âmbito dos serviços dos family office envolvem todos os aspectos da vida familiar e não se limitam à gestão das fortunas e dos investimentos, à semelhança do que é feito pelos tradicionais Bancos comerciais, os family offices surgem no mercado à medida que as necessidades assim o exigem. Os family offices são muitas vezes constituídos como «corporações colectivas» independentes e são totalmente detidos por administradores fiduciários ou empresas que detêm o património familiar. Por outras palavras, uma «corporação colectiva» independente é uma sociedade anónima. Um family office é propriedade de uma família, administrado por familiares ou por gestores externos, que promove os investimentos e gere os assuntos da vida familiar. A legislação dos vários países e regiões têm regulamentações diferentes no que respeita aos family offices e diferentes incentivos fiscais. Os family offices têm geralmente de obedecer a três normas: sobre a forma como se estabelecem, a forma como operam, e os impostos que pagam sobre o património familiar. No passado dia 10 de Maio, o Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou a ‘Inland Revenue (Alteração) da Lei de 2022 (Desagravamento fiscal para os instrumentos de controlo do investimento familiar’), que contém regulamentos claros sobre o estabelecimento e o funcionamento dos family offices. Em resumo, O capital mínimo de um family office é de 240 milhões de dólares americanos. Pode ou não ser estabelecido em Hong Kong, mas muitas das operações comerciais só podem ser feitas a partir desta região. Desde que os regulamentos sejam respeitados, os lucros do family office podem ficar isentos de 5 por cento dos impostos. Para além de oferecer bonificação das taxas sobre a actividade comercial, Hong Kong também tem vantagens sobre o imposto sucessório. Desde 11 de Fevereiro de 2006, o imposto sucessório foi abolido na região, pelo que os herdeiros deixaram de pagar este imposto ao Governo. Estas medidas ajudam o estabelecimento dos family offices em Hong Kong. Hong Kong é um centro financeiro internacional, e a livre circulação de fundos é garantida pela Lei Básica. Actualmente, existem cerca de 80 bancos e 70 sociedades de gestão de activos a operar em Hong Kong. No final de 2021, os family offices estabelecidos em Hong Kong administravam activos no valor de 4,6 biliões. Hong Kong é apoiado pela China Continental, tem um sistema de impostos simples, um sistema jurídico bem estabelecido e um sólido sistema financeiro, tudo excelentes condições que fomentaram o desenvolvimento financeiro da cidade. Por conseguinte, o meu país apoia Hong Kong no reforço do seu estatuto de centro internacional de gestão de activos no “Esboço do 14º Plano Quinquenal”. Hong Kong está empenhado em ter pelo menos 200 family offices até 2025, o que significa que mais família super-ricas vão passar a operar e a investir na região. A isenção de 5 por cento dos impostos é apenas uma das condições favoráveis que aqui vão encontrar. Se se esperar a vinda de mais family offices para a cidade, o Governo de Hong Kong deve investir mais no desenvolvimento e na divulgação da Área da Grande Baía, salientando as oportunidades de negócio que esta pode trazer para o futuro desenvolvimento de Hong Kong. O facto de Hong Kong ser apoiado pela mãe pátria não está ao alcance de outros países ou regiões, e é insubstituível. Este factor insubstituível é o incentivo mais importante para atrair family offices para Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesSistema de protecção dos depósitos No passado dia 13, o Hong Kong Deposit Protection Board (Comissão de Protecção de Depósitos de Hong Kong) lançou uma consulta pública a três meses, convidando as pessoas a manifestar as suas opiniões sobre a optimização do sistema de protecção dos depósitos. O Hong Kong Deposit Protection Board propõe aumentar o montante dos depósitos protegidos dos actuais 500.000 dólares de Hong Kong (HKD) para 800.000. O motivo apresentado para este aumento é a inflação. Se esta proposta for implementada, a percentagem dos depósitos protegidos aumentará de 89 por cento para 92 por cento e os custos decorrentes desta operação serão suportados pelos bancos. Quando os depósitos estão protegidos os bancos pagam taxas ao Governo para a criação de um Fundo. Se o banco suspender a sua actividade, o Governo pode usar este Fundo para indemnizar os depositantes de acordo com a lei; protege também os direitos dos depositantes e estabiliza o sistema financeiro. A criação do Hong Kong Bank Deposit Protection Scheme ocorreu depois do incidente do International Commercial Credit Bank (ICCB) em 1991. A 6 de Julho de 1991, o Hong Kong Banking Regulatory Office (o predecessor da Autoridade Monetária de Hong Kong) descobriu que o ICCB tinha concedido empréstimos problemáticos entre 1988 e 1990 e o Governo de Abu Dhabi, o maior accionista do ICCB, recusou-se a injectar capital no banco. No dia 7 de Julho, à tarde, o Hong Kong Banking Regulatory Office ordenou que o ICCB cessasse a actividade na manhã do dia seguinte. Na altura, o Governo de Hong Kong também declarou que não iria recorrer ao Fundo Cambial Internacional para salvar o banco. O ICCB foi dissolvido a 17 de Julho. Devido a este incidente, vários bancos de Hong Kong foram profundamente afectados porque os clientes quiseram levantar os seus depósitos, mas acabaram por conseguir superar as dificuldades. Ao início, o ICCB pedia aos clientes que levantassem apenas 25 por cento dos seus depósitos o que causou a muita insatisfação. Em Novembro de 1991, o Hong Kong Chinese Bank (o predecessor do China CITIC Bank (International)) adquiriu todas as acções do Hong Kong ICCB. Em finais de 1999, os clientes do ICCB recuperaram a totalidade dos seus depósitos, pondo desta forma fim ao incidente. A crise financeira asiática de 1997 conduziu, durante um breve período de tempo, a uma corrida ao Hong Kong.g Bank. Este caso demonstra que as pessoas reagem fortemente aos rumores e que incidentes semelhantes são prejudiciais para o sistema financeiro. A Autoridade Monetária de Hong Kong liderou uma pesquisa sobre protecção dos depósitos em 1998, e promulgou a “Deposit Protection Scheme Ordinance” (Regulamentação para a Protecção dos Depósitos) em Maio de 2004, a qual entrou em vigor a 25 de Setembro de 2006. Ao abrigo desta regulamentação, os prémios dos seguros têm de ser pagos pelos bancos e não pelos clientes, que, no entanto, continuam a ser protegidos. Em Hong Kong, o âmbito desta protecção inclui depósitos em dólares de Hong Kong, Renminbi e outras moedas estrangeiras e os juros que geram. O montante máximo segurado é de 500.000 HKD. Durante a crise financeira de 2008, começaram a surgir falsos rumores na Internet sobre a iminente falência dos bancos de Macau, e o Governo local decidiu criar as “Medidas de Protecção dos Depósitos”, que deveriam estar em vigor entre 14 de Outubro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010. Mas, depois da data-limite, as medidas continuaram activas e a Assembleia Legislativa de Macau aprovou a Lei No. 9/2012 – Sistema de Protecção dos Depósitos. Ao abrigo desta lei, criou-se um “Fundo de Protecção dos Depósitos”. De acordo com a Lei No. 9/2012, o Fundo tem autonomia administrativa, financeira, goza de protecção do seu património e é coadjuvado pela Autoridade Monetária de Macau. O Governo da RAEM alocou inicialmente 150 milhões de patacas ao Fundo de Protecção dos Depósitos, para facilitar a seu funcionamento. Os bancos de Macau passaram a ter de participar no sistema de protecção de depósitos e, a partir de 2014, passaram a pagar prémios de seguros a este Fundo. Com este sistema, os depósitos feitos nos bancos de Macau estão protegidos, mas os produtos financeiros como acções, obrigações e unidades de participação em fundos de investimento e metais preciosos não estão cobertos. Em Macau, os depósitos ficam segurados até ao montante máximo de 500.000 patacas por banco, o valor máximo que os depositantes podem reaver caso o banco cesse actividade. Isto deve-se ao “método de compensação líquida”. Em Março de 2018, o Fundo de Protecção dos Depósitos introduziu o “método de compensação bruta” em substituição do “método de compensação líquida”. Ou seja, quando se calcula o valor da compensação que o cliente deve receber, prevalecem o saldo e os juros do depositante. Não há necessidade de deduzir as dívidas do depositante para com o banco. Este método pode simplificar o cálculo do montante da indemnização e melhorar a eficiência da emissão de compensações. A protecção dos depósitos é necessária para estabilizar o sistema financeiro. Em caso de insolvência do banco, os depositantes serão certamente indemnizados. O Silicon Valley Bank e o Signature Bank são disso um exemplo. Sem protecção de depósitos, muitos clientes dos bancos americanos veem as suas poupanças desaparecer de um dia para o outro. Hong Kong está agora a aumentar a percentagem de protecção dos depósitos de 89 por cento para 92 por cento para que mais depositantes possam estar protegidos, o que pode reforçar ainda mais a estabilidade da banca e o estatuto de Hong Kong como centro financeiro internacional. É uma medida louvável, mas as despesas dos bancos vão aumentar. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesTitanic O navio Titanic ficou tristemente célebre por ter naufragado depois de chocar com um iceberg. A tragédia ocorreu em 1912 e foi posteriormente recriada no cinema há 25 anos. A acção deste filme romântico desenrola-se no navio. Para poupar a sua amada Rose, Jack, o herói da película, obriga-a a ir sozinha num bote salva-vidas. Quando está quase a embarcar, Rose volta para trás para beijar Jack e diz-lhe: “Saltamos os dois”. Neste momento do filme, as audiências emocionavam-se até às lágrimas. A rapariga deitava a cabeça ao ombro do rapaz e não parava de chorar e ele apertava-lhe as mãos, ambos determinados a nunca se separarem. Jack e Rose acabam por cair à água enquanto o Titanic se afunda. Mas Jack encontra uma prancha e pede a Rose que vá para cima dela e espere até ser resgatada. Enquanto pôde, Jack foi segurando na prancha para evitar que submergisse no gelado Oceano Atlântico, mas acaba ele próprio por morrer afogado. O seu martírio teve como resultado a salvação de Rose que conservou Jack no coração até à hora da sua morte. Recentemente, o Titanic voltou a fazer novas vítimas que também foram choradas. O acidente sucedeu com o submergível Titan propriedade da “Ocean Gate Expeditions” que organizava excursões submarinas aos destroços do Titanic. Cada um destes passageiros pagou 250.000 dólares americanos pela viagem e teve de assinar um contrato com uma cláusula de isenção de responsabilidade. Este submergível era apenas controlado por um comando activado por uma ligação sem fios via Bluetooth, e nem sequer tinha GPS. Os submergíveis destinados a excursões ao fundo do mar são pequenos não têm casa de banho e os passageiros têm de estar sempre sentados, de pernas cruzadas. O Titan iniciou a sua viagem a 18 de Junho e perdeu contacto com o navio base 1h e 45 minutos após ter submergido. Mais tarde, um submarino da Armada americana detectou um som consistente com uma implosão. Finalmente, a Guarda Costeira americana encontrou destroços provenientes do Titan no fundo do mar a cerca de 490 metros do local onde jaz o Titanic, confirmando assim que todos os ocupantes do submergível tinham morrido. A pressão da água junto aos destroços do Titanic é de aproximadamente 400 quilogramas por cm quadrado, muitíssimo diferente da pressão que se regista à superfície do mar, calculada em 1,033 quilogramas por cm quadrado. O material usado na manufactura dos submergíveis costuma ser o titânio ou o aço, mas o invólucro do Titan era feito de uma mistura de fibra de carbono e titânio, que pode provocar ligeiras infiltrações de água, o que explica a implosão provocada pela enorme pressão da água. Rob McCallum, um antigo perito da Ocean Gate Expeditions para a exploração das profundezas do mar, enviou um email interno em 2018 a Stockton Rush, Presidente da empresa, assinalando que os submergíveis para fins turísticos apresentavam potenciais perigos para a segurança, e desaconselhava as viagens até aos destroços do Titanic até serem realizados os testes necessários e estarem na posse da certificação requerida. Mas Rush acreditava que a estrutura destes submergíveis, diferente dos tradicionais, representava a inovação. Como resultado desta sua crença, aconteceu um acidente e os cinco ocupantes do Titan morreram e a empresa anunciou que vai suspender a sua actividade. As pessoas sentem-se atraídas a visitar os destroços do Titanic pela história lendária deste navio e também pelo filme. A palavra Titanic significa “enorme”. Por isso algumas pessoas chamavam ao Titanic “navio inaufragável”. A 2 de Abril de 1912, o Titanic saiu do estaleiro. Era o maior veículo da época, pesando 46,328 toneladas e com capacidade para transportar 3.547 pessoas. As suites mais luxuosas do navio eram “The Parlor Suites”. Além da decoração absolutamente deslumbrante e de todas as acomodações de apoio, também possuía um corredor privado à beira-mar. O preço só de ida destas suítes era de 4.350 dólares, o equivalente a cerca de 110.000 dólares nos nossos dias. Por isso, o Titanic também era conhecido como o “Navio de Sonho”. à semelhança das suites presidenciais da actualidade, desde que houvesse oportunidade, todos as queriam visitar. A 14 de Abril de 1912, o Titanic chocou com um iceberg, provocando uma fractura no casco do navio que conduziu ao seu naufrágio, no qual morreram 1.514 pessoas. Todas estas mortes foram provocadas pelo pequeno número de botes salva-vidas existentes a bordo. Os botes do Titanic estavam pensados apenas para transportar passageiros para outros navios e não para permitirem uma evacuação geral em caso de naufrágio. Foi por este motivo que tantos passageiros se afogaram, porque o Titanic não possuía botes salva-vidas suficientes. Depois deste naufrágio, foi criada a “Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar”, que estipula que o número de pessoas que os botes-salva vidas podem transportar não pode ser inferior ao número de pessoas que viajam no navio, para assegurar que todos se podem salvar em caso de naufrágio. Isto também demonstra o processo de promulgação de leis que, a partir de circunstâncias específicas, formula a legislação e as normas relevantes. Os destroços do Titanic foram descobertos em 1985, mas infelizmente não puderam ser recuperados devido a vários factores. Mas a curiosidade humana fez nascer um negócio que, até agora, estava a crescer de dia para dia: as viagens turísticas em submergíveis à sepultura do lendário navio. Outro motivo que justifica estas viagens é a psicologia dos muito ricos. Os destroços do Titanic estão escondidos no fundo do mar e este tipo de excursão envolve um certo risco. Os milionários gostam de aventuras e de novas experiências, interditas ao comum dos mortais. Um dos passageiros do Titan, o bilionário britânico Hamish Harding, era um exemplo do que foi dito. Em Junho de 2022, fez uma viagem espacial. Este homem não estava, portanto, intimidado com uma viagem às profundezas do mar. Mas quem haveria de dizer que a visita aos destroços do Titanic poria fim à sua vida? Stockton Rush sabia que a estrutura do Titan era diferente das tradicionais e pensava que isso era algo inovador. A inovação é boa no mundo dos negócios, é um processo, cujo primeiro passo é a invenção. Ao inventar novos produtos, estimula-se a curiosidade da clientela que passa a desejar experimentá-los o que permite que as empresas aumentem os seus lucros. Sem inovação, as empresas ficam naturalmente sem outras opções. Sem mudanças, os custos operacionais não são reduzidos, a competitividade diminui e, a longo prazo, é prejudicial para as empresas. A OGE usava uma mistura de fibra de carbono e titânio para fabricar o invólucro dos submergíveis que viajavam até aos destroços do Titanic, obtendo enormes lucros com esta actividade que era na verdade inovadora. É uma pena que esta inovação tenha estado ligada à falta de segurança. O resultado da negligência são os acidentes, que são inaceitáveis para todos. As empresas não só apreciam a inovação, como não podem sobreviver sem ela, mas a inovação não pode excluir a segurança. A implosão deste submergível vem recordar-nos da importância da segurança e esperamos que acidentes como este não voltem a acontecer. Se quisermos recordar o Titanic, devemos aprender as lições extraídas deste acidente e não voltar a repetir os mesmos erros.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesOs métodos da Cathay Pacific Airways (I) A Cathay Pacific Airways teve problemas recentemente. Foi anunciado que um piloto tinha conduzido o avião na pista lentamente e logo a seguir ocorreu o incidente do cobertor relacionado com os assistentes de bordo, o que deixou a administração em maus lençóis. A condução lenta leva a empresa a pagar mais aos pilotos, visto que são pagos à hora, e provoca uma demora na chegada dos passageiros aos seus destinos, prejudicando a empresa e aqueles que viajam. Os assistentes de bordo lidam directamente com os passageiros e se existir algum problema que os deixe insatisfeitos, a imagem da Cathay Pacific Airways será afectada. O piloto é responsável pela segurança do voo e o assistente de bordo pelo trabalho de cabine e ambos prestam serviços aos passageiros. Portanto, se quer uns quer outros prejudicarem de alguma forma os passageiros isso vai reflectir-se na venda de bilhetes e nas receitas da Cathay Pacific Airways. Provavelmente, para tentar manter as suas receitas, a Cathay Pacific poderá tratar os dois incidentes como um só. Desta forma não só concentra os problemas, como também fará com que as pessoas sintam que a administração da empresa dá importância à situação, o que vai melhorar ainda mais a sua imagem. Estes incidentes de condução lenta nas pistas ocorrem porque o salário dos pilotos é calculado com base nas horas de voo efectuadas. Ao prolongar o tempo da viagem os pilotos recebem mais. Por isso vemos por vezes na comunicação social a seguinte frase: “Se andarmos mais depressa reduzimos o nosso salário, então porque é que havemos de o fazer?” A Cathay Pacific Airways declarou que não vai responsabilizar criminalmente os pilotos pela condução lenta, mas lembrou que este procedimento pode conduzir a um processo disciplinar. Recentemente, as medidas actualizadas que se aplicam a esta situação foram finalmente publicadas na comunicação social. A Cathay Pacific vai optimizar o método de cálculo do salário dos pilotos. Estes salários têm três componentes: o salário base, subsídios e horas de voo. Em 2023, a Cathay Pacific Airways aumentou o vencimento base dos pilotos em 3.3por cento. Além disso, a empresa vai comparar as horas de voo estimadas com as horas de voo efectuadas e usará o valor mais elevado para calcular o pagamento. Em resumo, os pilotos vão beneficiar com esta medida. Uma vez que o novo regime implica a actualização dos sistemas informáticos, estas medidas só vão ser implementadas só no próximo mês de Outubro. Por estas medidas, podemos ver que a Cathay Pacific planeia solucionar o problema da condução lenta aumentando o salário dos pilotos. Mas se este aumento salarial não for o que os pilotos estão à espera, como é que se vai resolver o problema? O Governo de Hong Kong aplicou 19.5 mil milhões de dólares de Hong Kong em acções preferenciais da Cathay Pacific Airways em Junho de 2020, e adiantou 7.8 mil milhões em empréstimos provisórios. Esta divida colocou pressão nas finanças da Cathay Pacific o que lhe torna impossível aumentar os salários dos pilotos a curto prazo. Por motivos de gestão, por vezes, as empresas exigem que os directores comprem acções, ou então oferecem-nas. Como atrás foi dito, quando as empresas geram lucros distribuem os dividendos consoante o número de acções vendidas. Quem possuir mais acções recebe mais dividendos. Se os directores possuirem acções da empresa, quando existem lucros, para além dos seus salários recebem os dividendos. A estratégia não só permite que quando estes executivos tomam decisões considerem os interesses da empresa como seus, mas também permite que recebam dividendos. A prática de alinhamento de interesses torna a política anual de bónus mais flexível, o que beneficia o funcionamento da empresa. Li Ka-shing, magnata de Hong Kong que fundou a Enterprise Holdings Co., Ltd., recebeu apenas um salário anual de 5.000 dólares durante 46 anos enquanto director da empresa. Quando a economia de Hong Kong estava em recessão, um jornalista perguntou-lhe se ele ia reduzir o seu salário e Li Ka-shing respondeu: “Eu só tenho um salário anual de 5.000 dólares, como é que posso reduzi-lo?” Mas por causa das acções que detinha, Li Ka-shing recebia milhares de milhões de dólares em dividendos. Li Ka-shing afirmou que esta abordagem protegia os interesses da empresa, dos directores e dos accionistas. A Cathay Pacific Airways está actualmente a passar um mau período. Agora que já vendeu acções ao Governo será que pode considerar vendê-las também aos pilotos? Ou mesmo doá-las? Uma vez que detenham acções, os pilotos para além de empregados da empresa passam também a ser accionistas. Quando a empresa tem lucros, os accionistas recebem naturalmente os seus dividendos. Mesmo que o piloto pense que o seu salário está abaixo dos padrões do mercado, depois de receber os dividendos vai pensar de outra forma. Com a melhoria da situação epidémica, a indústria da aviação vai gradualmente melhorar e os lucros da empresa vão certamente aumentar. Acredita-se que os dividendos a distribuir irão aumentar gradualmente. Para a próxima semana vamos analisar a resposta da CathayPacificAirways ao incidente do cobertor.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesCópia judicial Um caso extremamente raro ocorreu em Hong Kong a semana passada. Quando um juiz do Tribunal de Primeira Instância do Supremo Tribunal julgou um processo de responsabilidade civil, preencheu 98 por cento do acórdão escrito com as alegações do queixoso, o que constituiu o que é vulgarmente conhecido como “cópia judicial”. Depois da comunicação social ter noticiado o caso, surgiram várias opiniões na sociedade de Hong Kong. De um modo geral, levantaram-se dúvidas quanto ao veredicto. Este caso envolve o produto Huang Dao Yi Huo Luo Oil, muito conhecido em Hong Kong. O queixoso, entrou com uma acção por violação de marca registada. Em Abril de 2014, o tribunal proferiu uma sentença escrita a seu favor. O réu recorreu ao Tribunal de Recurso, alegando que tinha havido “cópia judicial”, ganhou o recurso e o processo foi enviado ao Tribunal de Primeira Instância para novo julgamento. O Presidente do Tribunal de Última Instância, Zhang Juneng, afirmou que a cópia judicial tinha causado injustiças a ambas as partes do litígio e que tinha afectado a confiança do público no poder judicial, o que é inaceitável. Por isso, emitiu um sério aviso juiz competente sobre o incidente. No sistema jurídico de Hong Kong, o Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Recurso e o Tribunal de Última Instância são todos tribunais superiores que devem proferir acórdãos escritos após a apreciação dos processos. Esta abordagem não só permite ao tribunal esclarecer os argumentos da sentença escrita, mas também permite que tanto o queixoso como o réu conheçam o ponto de vista jurídico do juiz e ajuda-os a decidir se devem ou não recorrer da sentença. Também ajuda os estudantes de Direito a conhecerem melhor a lei. De acordo com a Lei Básica de Hong Kong, a cidade pode implementar o sistema jurídico da common law (direito consuetudinário), cuja essência é a jurisprudência. A jurisprudência faz parte do direito de Hong Kong. Trata-se de um princípio jurídico formulado por um juiz quando confrontado com um processo. Além de resolver o litígio entre o queixoso e o réu no caso presente, este princípio será igualmente aplicável a casos semelhantes no futuro, pelo que este método resulta num desenvolvimento da lei. Por conseguinte, a sentença escrita é muito importante. A Lei Básica de Hong Kong estipula ainda que, ao julgar um caso, os tribunais de Hong Kong podem referir-se a precedentes de outros países ou regiões que implementam este sistema jurídico. Esta disposição sublinha a importância das sentenças escritas no sistema de direito consuetudinário. Depois de o tribunal apreciar o processo, precisa escrever uma sentença, que frequentemente cita o queixoso e o réu para demonstrar que o juiz analisou os argumentos de ambas as partes. Portanto, não é surpreendente que as alegações do queixoso e do réu sejam citadas na sentença escrita. No entanto, neste caso, 98 por cento do conteúdo da sentença escrita era preenchido com as alegações do queixoso, o que, de facto, é relativamente raro. É a primeira vez desde que Hong Kong regressou à soberania chinesa, que se ouviu falar de um tal caso. Redigir uma sentença é importante, mas se uma tarefa tão importante é completada citando um grande número de palavras do queixoso vai inevitavelmente suscitar dúvidas em ambos os lados do processo. Naturalmente, o que mais preocupa as partes é a forma como o juiz tira conclusões a partir de diferentes pontos de vista jurídicos e toma a sua decisão. Um grande número de citações de uma parte no processo pode facilmente fazer com que a outra parte duvide se o juiz estudou cuidadosamente os seus próprios argumentos e, portanto, recorra com este fundamento. Do ponto de vista do público, a função dos juízes é apreciar os processos e as sentenças escritas exprimem os resultados da análise jurídica. É mais difícil mostrar ao público o processo dos juízes que analisam as leis e produzem sentenças escritas, afectando assim a sua confiança na justiça judicial. É claro que também precisamos considerar a questão do ponto de vista do juiz. Em qualquer sociedade, o número de juízes é pequeno e não pode haver muitos mais. Os incidentes sociais de 2018 exigiram que a polícia realizasse investigações aprofundadas em muitos casos, e, por conseguinte, os tribunais tinham um grande número de processos pendentes de julgamento. Os juízes precisam de muito tempo para preparar os processos com antecedência, mas a acumulação de processos em atraso e os prazos apertados exercem, sem dúvida, uma forte pressão sobre os magistrados. No sistema de common law, os advogados são eloquentes e os argumentos e opiniões jurídicas baseados no comportamento das pessoas são muitas vezes estranhos e complicados. Se o juiz não passar por uma reflexão e análise aprofundadas, não pode pronunciar-se sobre o caso. É por isso que vemos frequentemente o tribunal adiar o julgamento depois de ouvir as declarações de ambas as partes. Num julgamento, não importa se o juiz concorda com as opiniões do queixoso ou do réu, ao redigir a sentença, deve usar suas próprias palavras para expressar e analisar as opiniões jurídicas de ambas as partes, o que é uma tarefa muito difícil. É realmente muito complicado para os juízes correrem contra o tempo e concluírem rapidamente o seu trabalho sob pressão, quando a situação que exige muita reflexão. Esta “cópia judicial”, para além de abrir portas a um recurso, também desencadeou muita controvérsia pública. Se circunstâncias semelhantes surgirem noutros casos, tal constituirá muito provavelmente um motivo para recurso para ambas as partes. Com base no julgamento deste caso, outros casos semelhantes têm maior probabilidade de serem reencaminhados para novo julgamento. O Presidente do Supremo alertou o juiz competente para evitar este comportamento de forma a impedir que situações semelhantes voltem a acontecer. A longo prazo, o poder judicial pode ponderar a necessidade de rever o Código de Conduta dos Juízes, e identificar a “cópia judicial” como uma acção a que os juízes devem estar atentos. Acredita-se que esta alteração pode aumentar a confiança do público e de ambas as partes em litígio no sistema jurídico de Hong Kong. Além disso, uma vez que ainda existe uma grande acumulação de processos penais, o poder judicial pode considerar a possibilidade de aumentar o número de juízes-adjuntos, a fim de julgar o número de processos em atraso o mais rapidamente possível. Desta forma, o juiz pode ter mais tempo para preparar e redigir a sentença, o que pode evitar a recorrência da cópia judicial.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInteligência Artificial (II) A semana passada, falámos sobre a carta aberta divulgada pela Organização Sem Fins Lucrativos “Center for AI Safety”, onde era solicitada a suspensão da investigação em sistemas de inteligência artificial mais avançados do que o GPT-4. A razão apresentada era o perigo que o mau uso da inteligência artificial (IA) pode representar para a humanidade. Alegava-se que poderia vir a ter “consequências desastrosas. Um exemplo da má utilização da IA é a produção e divulgação na Internet de vídeos falsos. Os softwares com tecnologia de redes neurais podem retirar as roupas às pessoas fotografadas, exibi-las nuas e criar imagens pornográficas, dando origem a vídeos e áudios falsos. Depois de produzidos, podem ser publicados na Internet. Na altura, colocámos a seguinte questão: sobre quem recai a responsabilidade criminal, sobre o produtor do software, ou sobre quem o usou para criar os vídeos? A questão moral também se coloca nesta situação, porque a nudez obscena não deve ser exibida perante crianças nem circular online. Como é que a sociedade lida com este problema? Referimos ainda que a IA pode ser considerada em três fases distintas, a saber, Inteligência Artificial Limitada, Inteligência Artificial Geral e Super Inteligência Artificial. Estamos actualmente a desenvolver a segunda fase da IA. No actual estado de desenvolvimento, a IA pode substituir pessoas que desempenhem tarefas simples e repetitivas Pelas notícias que nos chegam, não é difícil perceber que estão a ser feitas experimentações em sistemas de condução não tripulados. Se estes sistemas forem completamente desenvolvidos, os motoristas têm de encontrar outro trabalho. Aqui, não podemos deixar de perguntar, deveremos continuara a aperfeiçoar estes sistemas de IA e deixar os motoristas desempregados? Provavelmente o melhor será os motoristas começarem a ganhar outras competências para precaverem o futuro. O desemprego destes profissionais vai reduzir as receitas do Governo porque vão deixar de pagar impostos laborais e o Governo pode ser obrigado a aumentar os impostos das empresas de transportes para compensar as perdas. Este imposto extra que recai sobre empresas mais automatizadas, chama-se imposto robótico e já está em vigor em alguns países europeus. A introdução do imposto robótico, para além de assegurar que as receitas do Estado não serão reduzidas devido à substituição de trabalhadores por sistemas computorizados, destina-se sobretudo a criar um Fundo que permita formar e ensinar outras competências a quem ficou sem trabalho por ter sido substituído por computadores. O imposto robótico pode, assim, reduzir os efeitos negativos da implementação dos sistemas de condução não tripulada. Por enquanto, alguns profissionais não podem ser substituídos pela IA, como advogados e professores. Num processo jurídico, os advogados esgrimem diferentes pontos de vista legais e cada um deles tem um peso diferente no processo. A IA não pode julgar porque não sabe distinguir os diferentes pesos dos argumentos legais apresentados. A IA nasce a partir de uma imensidade de dados, dados esses acumulados através da experiência humana ao longo da História. Por conseguinte, a IA lida facilmente com a realidade existente e tem menos probabilidades de cometer erros, mas não consegue lidar com o que ainda não existe. A novidade não está inserida no sistema de dados a que o computador tem acesso. No entanto, as profissões da área jurídica têm de lidar constantemente com novas leis e casos peculiares e isto é algo com que a IA não consegue lidar. A IA também não pode substituir os professores, porque quem ensina tem de ver se os alunos estão a perceber as matérias e estar atento a vários factores como expressões faciais, movimentos, perguntas e concentração, de modo poder explicar o assunto a partir de diferentes ângulos. O sistema de IA pode criar um vídeo com a explicação da matéria da aula, mas não pode responder às respostas dos estudantes, tendo em conta diversas situações, como faz um professor verdadeiro. A IA é uma tecnologia de ponta na área informática. Esta tecnologia irá certamente desenvolver-se ainda mais e surgirão inevitavelmente novos problemas. O desenvolvimento da IA vai ser indissociável da questão da responsabilização e das questões de ordem moral. A IA é uma tecnologia criada pelos Homens e deve ser usada em benefício de todos. Talvez os cientistas que trabalham nesta área devessem ter em conta o que foi feito quando se começou a estudar o ADN, de forma a criarem comités para supervisionarem e regularem o desenvolvimento desta tecnologia e evitarem abusos e “consequências desastrosas”. De futuro, quando as condições o permitirem, este sector será legislado e regulado. Futuramente, a IA pode vir a ultrapassar-nos e os computadores poderão desenhar e compor melhor do que os humanos. Se esse dia vier, a arte passará a ser fruto da civilização humana ou da “civilização” da IA? O mundo mudará por causa das pessoas ou por causa da IA? Imaginemos que estamos a discutir com um modelo de inteligência artificial questões como o aborto ou as alterações climáticas. A IA usa a imensa base de dados recolhida ao longo da experiência da humanidade e vai analisá-la connosco. No entanto, a IA não tem sentimentos humanos e não compreende as conotações emocionais e morais do aborto nem consegue sentir as consequências das alterações climáticas. Neste momento, o que é que a IA representa para as pessoas? O que é que vai trazer aos seres humanos? Falámos de algumas consequências do desenvolvimento da IA, ou seja, do pensamento não humano. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesInteligência artificial (I) No passado de 31 de Maio, alguns jornais de Hong Kong anunciaram que várias centenas de cientistas, liderados pot Sam Altman, Director-Executivo da Open AI, – uma empresa recente que desenvolveu o chat robótico, com base em inteligência artificial, ChatGPT – bem como o cientista Xin Dun, conhecido como o “Padrinho da Inteligência Artificial”, e executivos da Google e da Microsoft assinaram conjuntamente uma carta, divulgada através da organização sem fins lucrativos “Center for AI Safety”, na qual solicitam a interrupção das investigações em sistemas mais avançados do que o GPT-4, alegando que o mau uso da inteligência artificial (IA), pode ter consequências graves para a humanidade. O ChatGPT é usado principalmente em sistemas de IA interactivos. Recentemente, foi noticiado que a Universidade de Hong Kong proibiu os estudantes de usarem o ChatGPT para redigirem os seus trabalhos académicos o que demonstra o poder deste sistema informático. O GPT-4 é uma das versões da aplicação ChatGPT, que está adequado a um vasto leque de tarefas processadas por computador e comandadas por voz, como produção de textos, compreensão de linguagem humana, resposta a perguntas, tradução, etc. Recentemente, o Presidente Xi Jinping declarou que é necessário aperfeiçoar o nível do processamento de dados em rede e da segurança do uso da IA. Casos semelhantes ao acima mencionado ocorreram no passado mês de Março, quando mais de 1.800 líderes da área tecnológica assinaram uma carta aberta. Entre eles encontravam-se nomes como Bill Gates da Microsoft, apelando a uma moratória sobre o desenvolvimento de sistemas de IA mais avançados do que o GPT-4, durante os próximos seis meses. Na carta pergunta-se se os sistemas de IA devem substituir os humanos em todas as tarefas possíveis? Devem os humanos desenvolver “mentes” artificiais para substituir as suas próprias mentes? Devemos perder o controlo das nossas civilizações? Na carta afirma-se que se não for imposta de imediato uma moratória a seis meses, o Governo deve intervir e impô-la ele mesmo. Os laboratórios de IA e os peritos independentes devem aproveitar esta oportunidade para desenvolverem e implementarem em conjunto protocolos de segurança para a IA avançada, sujeitos a auditoria e supervisão rigorosas por peritos externos independentes. Um apelo semelhante foi feito em 2018. No relatório “O Uso Pernicioso da Inteligência Artificial: Previsão, Prevenção e Mitigação” publicado por 26 peritos em IA, assinala-se que os abusos nesta área terão consequências desastrosas. São disso exemplo os vídeos falsos e a pirataria informática. Em Junho de 2019, surgiu um software de tecnologia de redes neurais que despia as pessoas retratadas em fotografias e, a partir daí, criava imagens pornográficas. Estas imagens podem depois ser usadas para criar vídeos falsos. Se alguém publicar um vídeo falso, comete um delito e fica sujeito a uma pena, mas quando é o computador a publicar um vídeo falso na Internet, através de um sistema de IA, como é que pode ser responsabilizado? Para além do aspecto da responsabilidade criminal, é preciso salientar que a nudez obscena não pode ser exibida perante crianças nem circular online. Como é que a sociedade lida com vídeos obscenos produzidos por software de tecnologia de redes neurais? Não existe só uma resposta a pergunta, mas não deixa de ser uma questão moral e social. Quem detém os direitos dos áudios e vídeos produzidos pelo software de tecnologia de redes neurais? A legislação dos direitos de autor, estipula que quem faz o vídeo detém os direitos e tem de receber uma percentagem sobre a sua comercialização. Neste caso, os direitos pertencem ao fabricante do software que gerou o vídeo e o áudio falsos, ou à pessoa que usou o software para os criar? Esta pergunta não tem uma resposta simples já que não existe legislação nem acordo entre as partes. Ao nível tecnológico actual, quando nos referimos à IA estamos a falar da capacidade que os computadores passam a ter para simular a inteligência humana, para aprender e resolver problemas. A IA pode ser sub-dividida em três fases, nomeadamente, Inteligência Artificial Limitada, Inteligência Artificial Geral e Super Inteligência Artificial. Actualmente estamos a desenvolver o segundo estádio de IA. A primeira fase é a Inteligência Artificial Limitada, que se foca numa única tarefa e tem um desempenho repetitivo. O software AlphaGo é um exemplo típico desta fase. Embora o AlphaGo possa ganhar o campeonato mundial de xadrez, não consegue desempenhar outras tarefas. Estão também incluídos nesta fase os sistemas de condução não tripulada, o uso de robots para automatizar a produção, o uso de IA para avaliar riscos, prever tendências de mercado, etc. A segunda fase é a Inteligência Artificial Geral, e significa que o sistema informático, à semelhança de um ser humano, tem capacidade para desempenhar qualquer tarefa intelectual. Como já foi mencionado, o “Center for AI Safety” apelou para que fosse suspensa toda a investigação em sistemas mais avançados do que GPT-4, que é exactamente o foco do desenvolvimento da IA nesta segunda fase. O Congresso americano intimou Sam Altman, Director Executivo da Open AI, para responder a questões sobre o ChatGPT. Durante a audiência, Sam Altman afirmou que é “muito importante” que o Governo americano regule esta indústria à medida que a IA se desenvolve. Nick Bostrom, filósofo da Universidade de Oxford e especialista em IA, define a fase III, a Super Inteligência Artificial como “inteligência que ultrapassa largamente os maiores cérebros humanos em quase todos os domínios, incluindo a criatividade científica, a inteligência geral e as competências sociais.” Uma metáfora simples pode ilustrar a situação desta fase. Os seres humanos têm que estudar por muito tempo para se tornarem engenheiros e enfermeiros, mas a Super Inteligência Artificial pode aperfeiçoar-se continuamente enquanto os seres humanos não conseguem fazê-lo. Na próxima semana, continuaremos a nossa discussão sobre os efeitos negativos da IA nas nossas sociedades e sobre a melhor abordagem para lidar com a situação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPilotar devagarinho (II) A semana passada, falámos sobre a questão dos pilotos de uma conhecida companhia aérea de Hong Kong que conduzem os aviões muito devagar nas pistas e das queixas que vários aeroportos fizeram ao longo dos últimos meses devido a esta situação. Normalmente, leva 10 minutos a conduzir um avião da porta de embarque até à pista de descolagem e alguns pilotos demoram 40 minutos para fazer este percurso, ou seja, mais 30 do que o necessário. Um dos motivos que pode levar a esta situação é a vontade dos pilotos de aumentar as suas horas de voo e, consequentemente, os seus salários. Na raiz do problema, poderá estar o cálculo salarial que, actualmente, é feito com base nas horas de voo efectivas e não nas estimadas, como a companhia aérea costumava fazer anteriormente. Se o avião chega mais cedo ao seu destino, o piloto recebe menos. Além disso, o número de horas voadas certifica a experiência do piloto. Quanto mais horas de voo acumuladas, mais experiente será o piloto e maior será a confiança que o público deposita nele e na companhia aérea para a qual trabalha. Se parte destas horas de voo acumuladas se ficam a dever à condução lenta nas pistas, a confiança do público será abalada. Devido a estes incidentes, as companhias aéreas estão sob grande pressão. A pandemia desferiu um golpe quase fatal nesta indústria, provocando prejuízos muito elevados. Na medida em que a pandemia já não tem o mesmo impacto, as pessoas voltaram gradualmente a viajar. Agora que o sector começava a melhorar ligeiramente, vê-se confrontado com o problema da condução lenta nas pistas. A melhor forma de resolver esta situação é, claro está, seria alterar o sistema de avaliação de desempenho através do qual os pilotos são pagos à hora. Desde que os salários dos pilotos aumentem, o problema vai naturalmente melhorar. No entanto, o número de pessoas que viajam ainda é limitado, por isso como é que a companhia aérea vai poder aumentar os salários? Os passageiros, são vítimas dos atrasos provocados pela condução lenta. Durante a epidemia, era impossível viajar e agora, finalmente, vão poder fazê-lo. Como é que iriam imaginar que vão entrar num avião pilotado por alguém que conduz propositadamente devagar? Portanto é natural que fiquem zangados e desapontados. A frustração será com certeza dirigida contra a companhia aérea. Face a esta situação, podemos apropriadamente afirmar que as companhias aéreas estão em sofrimento. No que diz respeito aos pilotos, a sua relação com a companhia aérea é uma relação de trabalho, ou seja, uma relação empregador/empregado. Nenhum trabalhador está disposto a ter o seu salário reduzido. Quando conduzem devagar e ganham 30 minutos nas suas horas de voo, os pilotos acabam por receber mais 1.500 dólares de HK. Mesmo assim, este valor não compensa os salários reduzidos. Os pilotos conduzem devagar porque estão descontentes com a companhia aérea por lhes ter reduzido os vencimentos devido à pandemia. Afinal de contas, os pilotos também foram vítimas da pandemia. Nesta questão, as pessoas concentram-se na condução lenta, mas quantas compreendem que durante a pandemia os pilotos foram afectados por reduções salariais? Com a permissão do Governo chinês, Hong Kong pôde implementar o sistema jurídico da Common Law na sua Lei Básica. Nas relações laborais, a Common Law estipula que os trabalhadores devem desempenhar as suas funções com esmero e cuidado. Torna-se pois claro que a condução lenta propositada viola esta lei. Assumindo que este caso ia a tribunal, o importante não seria quem ganhava a acção ou quem a perdia, porque a questão mais importante é estabelecer e manter boas relações de trabalho, de forma que a companhia aérea, os pilotos e os passageiros sejam todos beneficiados. A criação de boas relações de trabalho pode tornar esta companhia aérea famosa na indústria, os pilotos tranquilizam-se se forem mais bem pagos e os passageiros podem desfrutar de viagens agradáveis e confortáveis. É uma situação em que todos saem a ganhar. Nas actuais circunstâncias pós pandémicas, todos esperam aumentar os seus rendimentos e esperam mesmo compensar o que perderam durante a pandemia. Mas, na verdade, a economia tem de recuperar aos poucos, e não pode voltar ao nível em que estava antes deste problema sanitário, de repente. As companhias aéreas, os pilotos e os passageiros têm de compreender esta realidade. Para resolver o problema da condução lenta, a companhia aérea deve dialogar mais com os pilotos para que haja mais compreensão de parte a parte e para que os conflitos possam ser reduzidos. Assim que a pandemia desaparecer completamente e que o número de pessoas que viajam voltem aos níveis normais, a economia irá naturalmente recuperar, e o problema da condução lenta vai melhorar significativamente. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPilotar devagarinho (I) A semana passada, os jornais de Hong Kong noticiaram que uma conhecida companhia aérea foi alvo de queixas por parte de vários aeroportos, porque nos últimos meses os seus aviões andaram mais devagar do que deviam. Geralmente, o avião leva 10 minutos para se dirigir da porta de embarque para a pista, mas estes aviões estavam a levar 40 minutos para fazer o percurso. A companhia aérea reconheceu a situação e deu instruções aos pilotos para se deslocarem na pista a uma velocidade entre os 30 e os 40 quilómetros/hora. Os pilotos que agora estão em funções não são culpados pelos erros passados, mas a companhia aérea vai reforçar a sua supervisão. Se o mesmo problema voltar a ocorrer, o piloto responsável ficará sujeito a uma acção disciplinar e pode ser castigado. É habitual ouvirmos falar de greves de condutores de camiões de mercadorias, de maquinistas, ou de motoristas de autocarros e de taxistas que passam a conduzir mais devagar. No entanto, é raro ouvirmos falar de aviões que circulam mais lentamente, por isso não é de admirar que, quando este caso veio à luz do dia, tenha captado a atenção da comunicação social. Os jornais fizeram saber que alguns destes pilotos também trabalham para outras companhias aéreas e acredita-se que existem várias razões que provocam esta situação. No caso de o piloto estar a conduzir de forma mais lenta intencionalmente, põe-se a hipótese de o estar a fazer para aumentar as suas horas de voo e, naturalmente, os seus honorários. Afectada pela epidemia, a companhia aérea renovou os contratos dos pilotos recentemente. À luz do antigo contrato, os pilotos eram pagos com base nas horas de voo estimadas. Mesmo que o avião chegasse mais cedo ao seu destino, o salário do piloto não era alterado. Com o novo contrato, o salário dos pilotos é calculado com base nas horas de viagem efectivamente cumpridas e, na realidade, se o avião chegar mais cedo do que o previsto o piloto recebe menos. Actualmente, os pilotos recebem por cada hora de voo entre 1.500 e 3.000 dólares de Hong Kong (HKD). Se o piloto conduzir o avião muito lentamente na pista e, em vez de fazer o percurso em 10 minutos o fizer em 40, ganha 30 minutos, o que corresponde a receber mais 1.500 HKD. Mas não se trata só de receber mais 1.500 HKD, trata-se também de acumular 30 minutos às horas de voo, e quem não está por dentro deste assunto pode não compreender de imediato, mas estes 30 minutos são particularmente importantes para o piloto. Pensemos um momento sobre o assunto. A indústria da aviação usa o critério de horas de voo para demonstrar a experiência e capacidade dos pilotos para garantir a segurança dos passageiros. Assim que o avião está no ar, as vidas dos passageiros estão nas mãos do piloto. Um piloto com muitas horas de voo, já teve de lidar com muitas situações e tem experiência suficiente para vir a lidar com outras tantas. Este critério também é usado para a promoção dos pilotos. Portanto, o número de horas voadas é um atestado de “antiguidade” neste ramo. Quanto mais sénior, mais experiente, o que é um indicador de fiabilidade. Actualmente, existem pilotos que deliberadamente conduzem o avião da porta de embarque para a pista muito lentamente para ganharem horas de voo e fazerem avançar as suas carreiras. Este procedimento é aceite pela indústria da aviação? Enquanto passageiros, gostaríamos de apanhar um avião pilotado por alguém que o conduzisse devagar? Mas para além da questão das horas de voo, o cálculo dos salários dos pilotos também merece alguma atenção. Independentemente de o piloto conduzir o avião mais depressa ou mais devagar, enquanto está na cabine, o piloto está a trabalhar e a companhia aérea tem de lhe pagar o ordenado a tempo e horas. Se conduzir devagar, o piloto tem, naturalmente, mais vantagens. Embora a companhia aérea tenha instruído os pilotos para que dirijam a uma velocidade de 30 a 40 quilómetros por hora na pista, é impossível obedecer a esta indicação à risca, porque a condução do avião está sujeita a várias condicionantes, por isso esta directriz tem sobretudo uma natureza informativa. É como quando um hospital marca uma consulta com um médico, a consulta é marcada pela administração, mas esta não tem poder para determinar como é que ele vai conduzir a consulta ao paciente, porque isso envolve uma série de decisões de ordem médica. Se houver um pequeno descuido, o hospital tem de assumir a responsabilidade e indemnizar o doente, e o médico pode ver a sua licença revogada. Não vai poder continuar a exercer medicina. Por conseguinte, a eficácia da indicação para os pilotos conduzirem o avião entre 30 e 40 quilómetros por hora na pista, varia conforme a situação. Se os critérios subjacentes ao pagamento dos salários dos pilotos não forem alterados, a condução lenta nas pistas pode não vir a mudar significativamente. Continua na próxima semana.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAumento do tecto da dívida americana A semana passada, a actualidade internacional foi marcada pela discussão do tecto da dívida nacional americana. O Governo prevê que será difícil que o Congresso chegue a um consenso sobre o novo tecto da dívida antes de 1 de Junho, e por isso volta a enfrentar uma crise no que respeita a esta matéria. O Governo salientou que o Partido Democrata e o Partido Republicano não conseguiram chegar a um acordo atempadamente, que permitisse que o país continuasse a contrair empréstimos. A partir de 1 de Junho, o Governo pode já não vir a ter capacidade de pagar os juros dos empréstimos anteriores o que vai provocar uma reacção em cadeia. As agências de notação de crédito baixarão o valor da dívida nacional americana, o que levará a um aumento dos custos dos empréstimos futuros e afectará mesmo o estatuto do dólar americano como moeda internacional. Além disso, o Governo fica impossibilitado de pagar os prémios anuais dos seguros de saúde, as pensões, os salários dos funcionários públicos, e assim por diante. A falta de dinheiro para fazer face a várias despesas afecta todos os sectores da sociedade. Para citar a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, “o desastre económico e financeiro será da nossa inteira responsabilidade”. O tecto da dívida nacional é uma questão com uma longa história nos Estados Unidos. Actualmente está fixado nos 31.4 mil biliões de dólares. Em 1917, o Congresso estabeleceu um limite agregado, ou “tecto”, para o montante total de novos títulos que poderiam ser emitidos. Quando o Governo emite títulos, o Congresso não tem de os aprovar a todos. Quando deflagrou a Segunda Guerra Mundial, o Congresso criou o primeiro tecto da dívida nacional da História americana. Antes de 1953, o Congresso não debatia o aumento do tecto da dívida nacional. Em 1953, o Senado discutiu aprofundadamente a questão, o que deu início ao debate bipartidário que então foi instituído. Em 2011, ocorreu um impasse semelhante, o que levou a uma descida da notação de crédito do país. Embora o Congresso tenha chegado a um acordo para aumentar o tecto da dívida nacional, o Governo viu-se forçado a cortar nos gastos domésticos e militares na década seguinte. Existem algumas discussões na Internet sobre este assunto. Nestas discussões, houve alguém que disse que a situação é semelhante à de um alcoólico que se vê confrontado com um limite da quantidade que pode beber. Quando o limite é atingido, tem direito a pedir que possa ser prorrogado. Se o pedido for aceite, pode continuar a beber sem parar. Assim sendo, que sentido faz a imposição de limites? Também foi dito que o Governo pode invocar o Artigo 14 da Constituição para abolir o tecto da dívida. O Artigo 14 da Constituição afirma que a validade da dívida pública dos EUA “não deve ser questionada”. Como não pode ser questionada, significa que, por maior que seja, os Estados Unidos continuam a poder endividar-se. Nesse caso, fixar o tecto da dívida nacional não faz sentido, e o Congresso não precisa de o aprovar. Naturalmente, trata-se apenas de considerar o limite máximo da dívida nacional do ponto de vista jurídico. Partindo do princípio de que o Governo americano ganhasse este processo, o Congresso não iria precisar de aprovar nunca mais o tecto da dívida nacional, mas ainda iria precisar de tomar em linha de conta as respostas dos mercados e outras questões. Não seria definitivamente um método eficaz de governação partir do princípio de que os problemas se resolvem quando se ganha um processo judicial. Os Democratas e os Republicanos devem entender que se não chegarem a um acordo provocam um impacto tremendo nos EUA e nos mercados internacionais. Como disse Janet Yellen, serão certamente os Estados Unidos a sofrer as consequências mais graves. Por conseguinte, a probabilidade deste acordo não ser alcançado é muito baixa. Quando o acordo sobre o novo tecto da dívida for atingido, os Estados Unidos vão continuar a poder contrair dívidas e a aumentar o seu endividamento, o que nos traz de novo à ideia aquela analogia dos alcoólicos e do limite de álcool que podem ingerir. Esta política não gera segurança a longo prazo. Se os EUA não conseguirem aumentar as receitas e simultaneamente reduzir as despesas, vão deparar-se com o problema do tecto da dívida vezes sem conta. Quando os Estados Unidos chegarem à conclusão de que não podem pagar o enorme montante da sua dívida nacional, o mundo inteiro vai assistir a uma nova crise. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAumento de contribuições (II) A semana passada, assinalámos que a Mandatory Provident Fund Schemes Authority (Autoridade para o Regime do Fundo de Previdência Obrigatório) tinha apresentado um relatório ao Governo de Hong Kong, onde propunha aumentar o tecto contributivo para o Hong Kong Mandatory Provident Fund (MPF) (Fundo de Previdência Obrigatório de Hong Kong) de 1.500 dólares de Hong Kong (HKD) mensais para 2.750. Alguns dos residentes de Hong Kong têm na generalidade reservas em relação a esta proposta, porque acreditam que a pandemia não terminou por completo e que a economia ainda não recuperou, por isso pensam que este aumento contributivo não é adequado. Há também quem pense que esta medida só vai aumentar os custos das empresas e que muitas não os vão conseguir suportar. Outras pessoas defendem que o MPF só beneficia as empresas de investimentos e falha quando se trata de apoiar os residentes de Hong Kong. Estas críticas reflectem os problemas deste sistema. Actualmente, em Hong Kong, foi sugerida uma medida que raramente é mencionada: o aumento da idade da reforma. Esta sugestão implica um adiamento voluntário da reforma. Os problemas sociais dos idosos, as questões relacionadas com o MPF e os problemas com que lida a Segurança Social poderiam ser naturalmente e efectivamente resolvidos de forma gradual e as pessoas poderiam continuar a trabalhar, a receber salários e a ter autonomia financeira depois dos 65 anos. O aumento da idade da reforma deve ser voluntário e abordado com cuidado, como ficou demonstrado em França. A França alterou recentemente os termos do regime de pensões, estabelecendo um período mínimo de 40 anos de trabalho para que o trabalhador possa ter acesso à reforma por inteiro. Além disso, a idade da reforma foi aumentada dos 62 para os 64 anos. Estas medidas deram origem a uma onda de protestos em todo o país. Não temos ideia do número de pessoas envolvidas nos protestos, nem do número daqueles que apoiam estas medidas, por isso é que o prolongamento voluntário da vida activa pode evitar estes conflitos. Quem quiser continuar a trabalhar para lá da idade da reforma pode fazê-lo, quem não quiser desfruta do merecido descanso. Como é que pode haver conflitos quando a decisão cabe à própria pessoa? Em primeiro lugar, no quadro actual, o aumento voluntário da idade da reforma deve ser regulado pela legislação, que todos devem respeitar, para evitar situações em que os empregadores não querem contratar trabalhadores com mais de 65 anos. Em segundo lugar, para além do aumento da idade de reforma, o funcionamento existente não pode ser alterado, caso contrário o aumento da idade de reforma não seria voluntário. Em terceiro lugar, se o Governo permitir que se faça primeiro o aumento voluntário da idade da reforma nos seus departamentos, as pessoas podiam verificar a sua eficácia, e depois considerar o seu aperfeiçoamento e implementação. A situação em Macau e Hong Kong é semelhante, o salário médio é de 20.000 patacas, mas Macau só será uma sociedade envelhecida em 2026. Por conseguinte, Macau ainda tem tempo para se preparar. Desde que a pandemia esteja sob controlo e deixe de constituir uma ameaça à sociedade, a economia de Macau pode definitivamente recuperar antes de 2026. Além disso, o Governo de Macau recebeu um relatório, que sugere que deve ser implementado o Fundo de Previdência Obrigatório em 2026. Este regime implica que tanto os empregadores como os empregados têm de contribuir mensalmente, com uma verba correspondente a 5 por cento dos salários. Se este regime for implementado, o sistema de pensões de Macau continuará a desenvolver-se. Além disso, é preciso notar que, de acordo com o actual sistema de benefícios socias de Macau, as pessoas já recebem cerca de 6.000 patacas mensais depois dos 65 anos. É este o sistema de apoio aos reformados na cidade. A longo prazo, o valor que os reformados auferem deriva da protecção que lhes é assegurada pela segurança social e pelos seus próprios preparativos pessoais. A segurança social é garantida pelo Governo. Devido aos recursos limitados do Executivo, é necessário alocar mais meios para continuar a desenvolver o apoio aos reformados, que poderão ser gerados pelo aumento dos impostos. Mas esta medida não vai agradar a todos. Os preparativos pessoais para a reforma podem ser feitos de várias formas, e uma delas é a criação de um fundo de reforma pessoal. Quanto mais cedo se der início a estes preparativos, melhor será o resultado. O Fundo de reforma dos trabalhadores vai depender da contribuição das empresas, e a contribuição que fizerem para os trabalhadores será uma manifestação de responsabilidade social. Será injusto, quer para as empresas quer para os trabalhadores, pedir um aumento de contribuições se não vier a haver um aumento de segurança na reforma, mas apenas aumento das despesas mensais para ambos os lados. Seja qual for o país em que vivemos, o aumento voluntário da idade da reforma parece ser uma forma rápida, simples, directa e eficaz de resolver o problema da segurança na aposentadoria. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesAumento de contribuições (I) A Autoridade para o Regime do Fundo de Previdência Obrigatório apresentou um relatório ao Governo de Hong Kong, propondo o aumento da contribuição máxima para o Fundo de Previdência Obrigatório (Hong Kong Mandatory Provident Fund – MPF) de 1.500 dólares de Hong Kong (HKD) mensais para 2.750. O Governo de Hong Kong vai rever o relatório e fazer recomendações ao Conselho Legislativo, no sentido de proceder às alterações. Esta revisão é realizada de acordo com o sistema existente. O Governo de Hong Kong reavalia os limites superior e inferior das contribuições ao MPF a cada quatro anos para garantir que as contribuições estão em conformidade com o desenvolvimento económico. Depois do anúncio desta medida, alguns residentes de Hong Kong manifestaram reservas em relação à proposta. Alguns órgãos de comunicação social salientaram que algumas pessoas acreditam que a pandemia ainda não acabou por completo e que a economia ainda não totalmente recuperada e, por isso, não será adequado aumentar o tecto das contribuições nesta altura. Há também quem pense que esta medida só vai agravar os custos operacionais das empresas, e que muitas delas não os conseguirão suportar. Segundo a opinião de outras pessoas, o MPF capitaliza com os investimentos das empresas, mas falha no apoio aos residentes de Hong Kong. Com base no salário médio da cidade, 20.000 HKD mensais, o valor acumulado no MPF após 40 anos de trabalho é de 1 milhão de dólares, sem calcular os juros do investimento. No entanto, a esperança média de vida dos homens em Hong Kong é actualmente de 83 anos e das mulheres de 85. Isto significa que, depois da reforma, as pessoas precisam de acumular neste Fundo uma quantia que lhes permita viver por mais 20 ou 30 anos. Com o sistema em vigor, o milhão acumulado em média é manifestamente insuficiente. As críticas apontadas reflectem os problemas do regime do MPF. Desde a criação do Fundo de Previdência Obrigatório pelo Governo de Hong Kong, os trabalhadores têm de fazer contribuições mensais, bem como os empregadores. As contribuições representam 5 por cento do salário dos trabalhadores, para cada uma das partes. Os custos operacionais dos empregadores aumentaram significativamente. Se o tecto das contribuições para o MPF aumentar, estes custos voltam a subir. Como as outras prestações de reforma não são aumentadas, mas apenas as prestações para o MPF, significa que a protecção à reforma dos trabalhadores recai mais uma vez sobre os ombros dos empregadores. Não é justo para a entidade patronal. A injustiça para a entidade patronal é um problema, mas se ao fim de 40 anos de trabalho uma pessoa só acumula 1 milhão de dólares de HK, fica muito aquém de vir a poder suprir as suas necessidades durante o período da reforma. Por conseguinte, o Governo de Hong Kong tem de enfrentar o problema e resolvê-lo. Os dados estatísticos mostram que Hong Kong já é uma sociedade envelhecida, de acordo com os critérios das Nações Unidas. Mais de 14 por cento da população está acima dos 65 anos, e o número de pessoas em idade activa diminui todos os anos. É urgente resolver o problema da protecção na reforma. Assim sendo, embora a epidemia não tenha desaparecido completamente em Hong Kong e a economia ainda não esteja completamente recuperada, isso não deve ser motivo para impedir o Governo de Hong Kong de aumentar o limite máximo das contribuições ao MPF. Os investimentos envolvem riscos e é inevitável que haja ganhos e perdas. No regime do MPF de Hong Kong, empregados e empregadores fazem contribuições mensais num sistema de investimento obrigatório. As pessoas são obrigadas a descontar e ficam naturalmente insatisfeitas. Se este investimento trouxer lucros as pessoas consideram-no uma boa ideia, mas se trouxer prejuízos vão pensar que é uma medida negativa. Além disso, as empresas responsáveis polos investimentos cobram taxas. Os comentários que os investimentos obrigatórios beneficiam estas empresas não podem ser evitados. O investimento obrigatório tem sido criticado porque o MPF de Hong Kong tem uma única finalidade e só pode ser usado em benefício do trabalhador depois da reforma. Algumas pessoas em Hong Kong sugeriram seguir o exemplo de Singapura e expandir o uso do MPF. Por exemplo, o MPF poderia ser usado como garantia para comprar casa. Infelizmente, esta sugestão acabou por ser rejeitada. Outra proposta foi ainda sugerida. Consistia na possibilidade de os trabalhadores comprarem anuidades de Hong Kong usando o MPF depois da reforma, para criarem rendimentos mensais a longo prazo. É uma pena que esta proposta tenha sido criticada e que não tenha podido seguir em frente. As propostas acima mencionadas foram rejeitadas, por isso, como é que se pode resolver o problema da protecção na idade da reforma? Vamos continuar esta discussão na próxima semana e também abordaremos a melhor forma de Macau lidar com esta mesma questão. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEra uma vez na América A semana passada, uma notícia correu mundo. Ralph Yarl, um adolescente afro-americano, foi baleado por um homem branco de 84 anos quando ia buscar os irmãos gémeos. O autor dos disparos, Andrew Lester, alvejou Ralph na testa e no braço porque este tocou à sua campainha por engano. Lester foi libertado sem ter sido acusado, depois de estar detido durante 24 horas. Estes acontecimentos geraram grande revolta popular. Foram organizadas várias manifestações e as pessoas alegam que a polícia favorece os brancos. Andrew Lester acabou por se entregar à polícia e foi acusado de agressão de primeiro grau e de posse de arma de fogo. Na primeira audiência, negou as acusações e foi libertado sob fiança, mas foi obrigado a entregar as armas, e a não contactar com a vítima nem a sua família e a ser monitorizado através do telemóvel. Se for condenado por agressão de primeiro grau, Lester enfrenta uma pena de prisão perpétua. Mas como Ralph sobreviveu, esta condenação é muito improvável. Ralph é um jovem negro que foi alvejado por um homem branco quendo estava desarmado. Não é difícil encontrar nesta história um elemento de racismo. Um dos casos de racismo que ficou tristemente famoso, foi o de George Floyd, um homem afro-americano. George foi detido por um polícia branco sob suspeita de ter usado uma nota falsa. O polícia pressionou o pescoço de George com um joelho até este morrer sufocado. Este acontecimento deu origem a muitos protestos. Finalmente, vários agentes envolvidos no caso foram acusados de assassínio e de homicídio involuntário e foram condenados. O caso de Ralph, além de mais uma vez trazer à tona a questão da discriminação racial nos Estados Unidos, também nos volta a alertar para a questão do controlo de armas. No artigo que escrevi sobre o caso de George em 2020, era claramente salientado que o 16.º Presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, libertou os escravos negros e que Martin Luther King, encabeçou o movimento que ficou conhecido por Montgomery Bus Boycott, entre Dezembro de 1955 e Dezembro de 1956. Este movimento levou à aprovação da Lei dos Direitos Civis em 1964, que estipula claramente que não pode haver discriminação racial nos Estados Unidos. Toda a discriminação feita contra negros, minorias, ou mulheres é ilegal. Em 2009, Barack Obama foi eleito, tornando-se no primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, uma prova de que este país reconhece o direito dos negros ao mais alto cargo da nação, e também demonstra que não pode haver discriminação racial no sistema e na lei. As acções discriminatórias que se registaram são da responsabilidade de certos indivíduos. Então perguntamo-nos, quanto tempo levará até que os Estados Unidos eliminem este tipo de discriminação? Sobre a questão do controlo de armas, o caso de Ralph é um “remake” do caso de Takejo Hattori, ocorrido em 1992. Takejo Hattori era um jovem japonês que estudava no Louisiana. Takejo e seu amigo Webb Haymaker iam a uma festa de Halloween. Como tinham apontado mal a morada, foram dar à casa errada. Quando tocaram à campainha, assustaram a dona da casa, uma mulher chamada Bonnie Peairs, que estava na garagem. Por causa disso, o marido, Rodney Peairs, pegou numa arma e veio tentar perceber o que tinha assustado a mulher. Nessa altura, Takejo dirigiu-se a Rodney e acenou-lhe. Rodney não falava japonês e pensou que Takejo estava a tentar agredi-lo. Avisou Takejo para que ficasse quieto. Takejo, que não teve noção do perigo, continuou a avançar e a dizer que vinha para uma festa, mas acabou por ser atingido no pulmão esquerdo e morreu devido a uma hemorragia. Rodney foi acusado de homicídio, mas os 12 jurados consideraram que não era culpado, ao abrigo da “fortress doctrine” (doutrina da fortaleza). O “fortress principle” é um princípio jurídico, que estipula que, para manter a segurança da sua casa, o proprietário pode usar de força contra pessoas que a queiram invadir. Esta acção é considerada legítima defesa e não é criminalizada. Mais tarde, os pais de Takejo levantaram uma ação civil contra Rodney. O tribunal considerou que Rodney tinha reagido de forma exagerada à presença de um adolescente e que não tinha tomado as medidas de segurança mais eficazes, como ficar dentro de casa até à chegada da polícia. Por isso, Rodney foi acusado de negligência e condenado ao pagamento de uma indeminização de 650.000 dólares. O acusado declarou falência de imediato e os pais de Takejo acabaram por só receber 100.000 dólares. Depois de deduzir as taxas legais, os pais de Takejo criaram o “Yoshi’s Gift” com os 55.000 dólares restantes para apoiar grupos que defendem o controlo de armas nos Estados Unidos. Também usaram a compensação do seguro de vida do filho para criar o “Fundo YOSHI” para apoiar os estudantes do ensino médio dos Estados Unidos que visitam o Japão, promover intercâmbios e melhorar a compreensão mútua. Nos 30 anos que se seguiram, os pais de Takejo apresentaram várias petições ao Governo dos Estados Unidos, e à opinião pública, para que fosse revista a questão das armas de fogo. O ex-Presidente Bill Clinton promulgou a Brady Law em 1993 para que fossem verificados os antecedentes de pessoas que querem comprar armas de fogo. Os pais de Takejo afirmaram: “O mundo pode ser mudado.” “Se apenas ficarmos à espera, nada muda. Mas se dermos um passo em frente, o cenário vai mudar. Mesmo que não aconteça nesta geração, acontecerá na próxima.” Thompson, o promotor do caso de Ralph, prometeu lidar com o caso de forma objectiva e justa e afirmou “A minha mensagem para a comunidade é que, na cidade de Kanas, aplicamos e obedecemos à lei. Não importam as origens, a aparência, ou os bens pessoais, todos têm de respeitar as mesmas regras.” O Presidente Biden condenou o incidente, afirmando que mais uma vez reflecte o problema do uso de armas; disse também que tinha falado com Ralph e com família ao telefone e que o tinha convidado a visitá-lo na Casa Branca, depois de estar recuperado. Este procedimento é exactamente igual ao que ocorreu no caso de George Floyd. Biden mostrou que se preocupa com as vítimas, mas como é que pode ajudar no controlo de armas? Os pais de Takejo têm lutado para mudar a política de armas de fogo nos Estados Unidos. O seu contributo é ainda maior do que o de muitos americanos. No entanto, se os casos que envolvem armas de fogo continuarem a acontecer, não sabemos quando é que Takejo pode vir a descansar em paz no céu. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan VozesTrump acusado de crimes de falsificação Na semana passada a comunicação social anunciou que o ex-Presidente dos Estados Unidos Donald Trump foi acusado de falsificação de documentos relacionados com a sua actividade empresarial, aquando da campanha para as presidenciais de 2016, ocultando informação que não lhe era favorável e comprometendo a integridade das eleições. Trump negou todas as 34 acusações e foi libertado sob fiança. O processo será retomado no início do próximo mês de Dezembro. Esta é a primeira vez que um ex-Presidente dos Estados Unidos é acusado da prática de crimes. O procurador de Manhattan, Alvin Bragg, escreveu uma acusação de 13 páginas descrevendo três incidentes. O primeiro refere-se a uma “empresa de média americana” que tem uma relação próxima com Trump. O ex-Presidente terá pagado a um porteiro do Trump Building 30.000 US dólares para que não vendesse aos jornais uma história sobre um filho que alegadamente teria tido fora do casamento. Mais tarde, veio a provar-se que a história era falsa. Os outros dois incidentes referem-se a alegados pagamentos de 150.000 e 130.000 dólares que Trump terá feito, respectivamente, a Karen McDougall, uma modelo da Playboy, e a Stormy Daniels, actriz de fimes pornográficos. Daniels, conhecida como “Storm Woman”, afirma que o ex-advogado de Trump, Michael Cohen, lhe pagou 130.000 dólares para que não divulgasse a sua relação com Trump, através de uma empresa fantasma em 2016. Trump negou o pagamento desta quantia e também o relacionamento sexual com Daniels. A acusação alega que em 2017, Trump passou cheques a Cohen do seu fundo fiduciário e da sua conta bancária para pagar “honorários de jurista”, mas Cohen afirma que se tratou de um reembolso do dinheiro que terá adiantado para “silenciar testemunhas”. Como não houve o pagamento de uma taxa de contratação inicial, estas verbas não podem ser consideradas como liquidação de serviços jurídicos. Segundo a legislação de Nova Iorque, não é ilegal pagar para silenciar testemunhas, mas se o dinheiro for dado a um advogado, fazendo-o passar pelo pagamento de serviços jurídicos, pode violar a “Lei Federal de Financiamento de Campanhas” e, neste caso, o arguido também fica sob suspeita de ter cometido o crime de “falsificação de documentação comercial”. Especialistas americanos em jurisprudência assinalam que, em Nova Iorque, falsificar documentação comercial é uma contravenção, mas se puder ser provado que o objectivo da falsificação é encobrir outros crimes, a contravenção pode tornar-se crime ficando o réu sujeito a uma pena que pode ir até quatro anos de prisão. “Trinta e quatro acusações de falsas alegações para encobrir outros crimes são crime no Estado de Nova Iorque e, seja o réu quem for, não podemos e não vamos normalizar essas infracções graves”, afirmou Bragg. A acusação também apresentou postagens anteriores de Trump nas redes sociais em que ele ameaça a cidade de Nova Iorque e os procuradores e critica o juiz Juan Merchan alegando que o odeia. O advogado de Trump respondeu que ele tem direito à liberdade de expressão, enfatizando que a postagem não é ameaçadora. Do lado de fora do tribunal, reuniu-se um grande número de manifestantes pró e anti Trump e a polícia rompeu os bloqueios para separar os dois grupos. Trump deixou bem claro que se vai candidatar às eleições presidenciais de 2024. Do ponto de vista legal, a candidatura nestas circunstâncias levanta várias questões que merecem ser analisadas. Em primeiro lugar, a lei americana estipula claramente que pagamentos para silenciar testemunhas que pudessem divulgar informação prejudicial a Trump durante a campanha não são ilegais, mas podem violar a “Lei Federal de Financiamento de Campanhas” dos EUA”. O objectivo desta lei é manter a equidade da eleição. Toda a informação sobre os candidatos, que inclui os factos positivos e os negativos, deve estar acessível ao público antes da votação para que possa eleger quem considerada mais qualificado para vir a ser Presidente. Os Estados Unidos têm muita experiência em eleições presidenciais, e a legislação que as regula está amadurecida. Em segundo lugar, se puder ser provado que Trump pagou 130.000 dólares a Daniels para a silenciar, através de Cohen e de uma empresa fantasma, Cohen pode estar envolvido com Trump na violação da Lei Federal de Financiamento de Campanhas, e ser considerado seu cúmplice. Portanto, Cohen também pode ter infringido a ética profissional enquanto advogado e vir a ser ouvido pela Law Society. Se for condenado, a sua licença pode ser revogada. Em terceiro lugar, segundo a acusação, não houve lugar entre Trump e Cohen ao pagamento “inicial de contratação de jurista” pelo que não pode haver pagamento de “serviços jurídicos”. Se os registos demonstrarem que estes pagamentos foram feitos por serviços jurídicos, a acusação não será sustentada. Portanto, Trump é suspeito de ter cometido o crime de “falsificação de documentos comerciais”. Se o arguido for condenado, o tribunal tem maior probabilidade de admitir que os 130.000 dólares entregues a Cohen se destinavam a reembolsar o pagamento feito pelo silêncio de Daniels. Se assim for, Trump pode ser acusado de infracção da “Lei Federal de Financiamento de Campanhas.” Em quarto lugar, durante a audiência, um grande número de pessoas reuniu-se no exterior, uns para apoiar Trump, outros para o combater. Isto equivale a exercer uma enorme pressão sobre o tribunal. Além disso, no post, Trump questionava os motivos do procurador para o acusar e escreveu que o juiz o odiava, o que representa outra forma de pressão que pode afectar a justiça. A lei deve ser suficientemente imparcial, e nem o Ministério Público nem os tribunais podem ser sujeitos a interferências externas, quando estão a instruir e a julgar um caso. Bragg deixou tudo bem claro, “seja quem for que esteja em causa, não podemos normalizar os crimes”. O Ministério Público não pode retirar a acusação porque o réu tem um estatuto proeminente ou porque está a ser pressionado, e essa condição é indispensável ao exercício do estado de direito. Uma vez que não conseguimos ver as provas apresentadas pela acusação ao tribunal, nem ouvimos a defesa de Trump, tudo o que até aqui foi dito não passa de especulação, e não podemos afirmar que Trump tenha cometido um crime, nem que o comportamento de Cohen tenha sido problemático, só porque houve uma enorme cobertura deste caso pela imprensa. Mas uma coisa é certa, nem a acusação nem o tribunal querem adiar o processo até 2024, porque se for eleito nas próximas eleições, Trump passará a gozar de imunidade e o caso pode ficar suspenso, algo que a Justiça não quer que venha a acontecer. A Constituição dos EUA não exige que o Presidente não tenha antecedentes criminais. Portanto, embora Trump possa ser condenado, mantem o direito de se candidatar à Presidência. A acusação de Trump mostra que nos Estados Unidos, ninguém pode estar acima da lei e isso é uma manifestação concreta do estado de direito. Como é que o povo americano encara os pagamentos para silenciar testemunhas, as mentiras, os casos extra-conjugais e as transacções imorais? As respostas vão ser dadas nas eleições presidenciais de 2024. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHong Kong altera a “Portaria de Registo dos Dentistas” Na semana passada, alguns órgãos de comunicação social de Hong Kong divulgaram que está em preparação por parte do Governo de Hong Kong a emenda à “Portaria de Registo dos Dentista”, de forma que os licenciados em medicina dentária não possam registar-se e exercer logo após a graduação. Precisam primeiro de praticar numa instituição pública, ou numa outra instituição credenciada, durante um ano antes de poderem ingressar no activo. A Dental Association afirmou que o currículo odontológico actual exige que os alunos pratiquem todos os anos, e que as aulas práticas têm uma duração maior do que as aulas teóricas. Além disso, existem actualmente cerca de 40 clínicas dentárias públicas em Hong Kong, das quais 11 servem os residentes de Hong Kong e as restantes atendem apenas os funcionários públicos. Por conseguinte, a extensão dos benefícios que esta medida pode trazer aos residentes de Hong Kong é assunto do maior interesse para a população. De acordo com o Secretário do Departamento Médico e de Saúde de Hong Kong, existem 371 postos de odontologia, dos quais 50 estão disponíveis. Contando com a taxa de rotatividade anual de cerca de 11,1%, pode vir a haver 90 a 100 vagas. Além disso, o Governo de Hong Kong precisa de investir cerca de 500.000 HK dólares por ano na formação de dentistas, sendo que a formação em medicina dentária tem uma duração de 6 anos, pelo que o Governo investe na formação de cada um deles um total de cerca de 3 milhões de HK dólares. De acordo com os noticiários, os estudantes de medicina dentária não foram consultados sobre a proposta de alteração da lei, mas como podem vir a ser os mais afectados, alguns ficaram desconfortáveis com a situação. Há também quem se questione se o objectivo desta alteração da lei é atender às necessidades do mercado, ou alterar o currículo odontológico que está em vigor há muitos anos. A questão que se coloca está sobretudo relacionada com a formação dos dentistas e com os direitos e o interesse dos residentes de Hong Kong. Formalmente, trata-se de alterar uma lei de Hong Kong. Do ponto de vista formal, o primeiro passo a dar quando se pretende alterar uma lei é realizar consultas, nas quais se incluem, naturalmente, as partes interessadas. Esta alteração à Portaria de Registo dos Dentistas, sem a consulta a uma das partes interessadas, os estudantes de odontologia, é certamente inadequada. Simultaneamente, estes estudantes serão os mais prejudicados pela alteração da legislação. Um grupo de pessoas que será muito afectado não pode expressar a sua opinião. O seu mal-estar é compreensível. Quando se vierem a fazer alterações a outras leis de Hong Kong, devem ser feitas consultas mais abrangentes para evitar que algo semelhante volte a acontecer. É sabido que o currículo actual de odontologia em Hong Kong inclui muitas horas de aulas práticas em todos os anos da formação. No entanto, o Governo de Hong Kong propõe um ano de prática antes de se poder exercer. Quer se trate de uma prática segmentada ou de uma prática unificada que se concentra na conclusão das aulas teóricas, são apenas questões técnicas que não fazem muita diferença. A questão central é se existe alguma diferença significativa entre as aulas práticas incluídas no currículo e a prática pós-formação proposta pelo Governo. As mudanças propostas só fazem tentido se se apontar especificamente as diferenças entre as duas e se puder demonstrar que essas diferenças aumentarão o profissionalismo dos dentistas e melhorarão as suas capacidades de tratamento dos pacientes. Actualmente, todas as Universidades de Hong Kong têm propinas fixas, ou seja, as taxas de matrícula de cada curso são iguais às dos cursos universitários financiados pelo Governo. Há alguns anos, o Governo de Hong Kong debateu a possibilidade da instituição de “propinas diferentes para os diferentes cursos universitários”. Os custos de formação dos estudantes de direito são os mais baixos. O curso de direito dura quatro anos. Além disso, os alunos só precisam de ter acesso a aulas teóricas, às bibliotecas e a tribunais simulados. Se compararmos com os cursos de medicina, nos quais se incluí a odontologia, que precisam de estudar durante seis anos, de laboratórios e de muitas outras ferramentas, o curso de direito representa uma despesa muito menor. Os estudantes de medicina precisam do apoio do Governo para a sua formação num grau muito mais elevado do que outros estudantes. Porque o Governo de Hong Kong não implementou a prática das “propinas diferentes para os diferentes cursos universitários”, a maior parte dos subsídios governamentais para formação universitária recaem nos cursos mais dispendiosos. A odontologia é um exemplo típico. Se estes estudantes podem registar-se e praticar assim que terminam os cursos, e ver a sua actividade muito bem remunerada, isso fica a dever-se ao investimento de 3 milhões de HK dólares que o Governo fez em cada um deles. Mal compreendemos esta questão, percebemos, naturalmente, porque é que o Executivo de Hong Kong quer alterar a lei. Claro que existem problemas no planeamento governamental para a odontologia pública, Existem actualmente cerca de 40 clínicas dentárias públicas, das quais apenas 11 servem residentes de Hong Kong e as restantes apenas funcionários públicos. Esta disposição põe inevitavelmente em causa o objectivo da alteração da lei. Só quando o Governo de Hong Kong fornecer mais serviços dentários públicos para beneficiar mais residentes é que a população pode desvanecer as suas dúvidas. Quando se escolhe uma profissão, o mais provável é vir a exercê-la a vida inteira, e claro que esta assumpção se aplica aos dentistas. No que se refere à proposta de alteração da lei, não há dúvida que dentistas e estudantes de medicina dentária deveriam ter sido consultados. Uma mudança no programa curricular de um curso universitário só deve ser feita quando é necessária, especialmente se se tratar de um curso de medicina. As alterações curriculares não afectam apenas os estudantes e as universidades, mas milhões de pacientes, e devem ser efectuadas com cuidado. Na realidade, é impossível que as universidades cobrem a cada estudante de medicina dentária 500.000 HK dólares por ano. Por conseguinte, é inevitável que o Governo de Hong Kong os subsidie. Mas o financiamento do Governo de Hong Kong vem do dinheiro dos contribuintes, ou seja, o dinheiro dos residentes de Hong Kong. Assim, os estudantes de odontologia devem retribuir à sociedade depois de receberem o financiamento para concluírem os seus cursos. A forma de retribuir é por vezes problemática. Idealmente, as partes interessadas poderão chegar a um acordo que a todos beneficie. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRelatório Mundial de Felicidade de 2023 No “Relatório Mundial de Felicidade” de 2023, publicado pelas Nações Unidas, aparecem nos 10 primeiros lugares: a Finlândia, a Dinamarca, a Islândia, Israel, os Países Baixos, a Suécia, a Noruega, a Suíça, o Luxemburgo e a Nova Zelândia. Todos os países nórdicos com sólidos sistemas de segurança social estão incluídos na lista, e a Finlândia, o “país dos mil lagos”, encabeça a lista desde 2018, com uma pontuação de 7.8. Em relação aos países asiáticos, Singapura surge em 25º lugar, com 6.5 pontos, Taiwan em 27º, o Japão em 47º, a China continental em 64º, com 5.8 pontos e Hong Kong/China em 82º, com 5.3 pontos. O relatório foi divulgado pela agência financiada pela ONU “Sustainable Development Solutions Network”, em resultado de entrevistas realizadas com 1.000 pessoas de cada país e região. Os inquiridos deveriam avaliar a qualidade das suas vidas tendo em consideração vários factores, como o PIB per capita, apoios sociais, esperança de vida, liberdade, generosidade e o entendimento que têm sobre a corrupção nos seus países. O relatório abrange 137 países e regiões, e foram entrevistadas mais de 100.000 pessoas. Neste relatório, existem alguns pontos que merecem ser destacados. Em primeiro lugar, após três anos de pandemia, o índice de sentimentos positivos subiu para 0,66, muito acima do índice dos sentimentos negativos, que se ficaram pelos 0,29. Este facto está relacionado com diversos aspectos, ocorridos durante o período em que as pessoas estiveram fechadas em casa, como a melhoria das relações de vizinhança, a descoberta de pessoas em que podemos confiar, etc. O relatório assinala que, embora a epidemia tenha criado muitos problemas, também gerou um sentimento de comunhão a nível global. Estes indicadores mostram que as pessoas geralmente concordam com a forma como se lidou com a epidemia e os seus impactos têm vindo a diminuir gradualmente. Em segundo lugar, é importante reparar que o nível médio de felicidade nas pessoas de classe média excede o das pessoas de classes mais elevadas. Em qualquer lado, as pessoas com rendimentos mais elevados têm menos problemas financeiros, ou mesmo nenhuns. Ao contrário, as pessoas com rendimentos mais baixos enfrentam geralmente problemas financeiros. É certo que o bem-estar destes grupos é fortemente influenciado pela economia. A classe média, como o seu nome indica, situa-se entre estes dois grupos. Representa a maioria da sociedade. Os problemas económicos afectam-na sempre. O facto de ter um rendimento médio faz com que receba menos apoios sociais. Este relatório mostra que o índice de felicidade deste grupo social aumentou, o que reflecte o aumento da sua satisfação social, um factor que garante a estabilidade. Em terceiro lugar, os inquiridos indicaram que estão mais satisfeitos com as suas relações familiares e sociais. Não é difícil especular sobre as razões dessa satisfação. Durante a epidemia, todos passaram mais tempo em casa com os familiares e dependendo muitas vezes da ajuda dos amigos. Além disso, outros indicadores que contribuem para o índice de felicidade são: o sentimento da importância da vida e do controlo que temos sobre ela e a satisfação com o nosso bem-estar material e espiritual. Isto mostra que a felicidade não provém apenas de factores económicos, mas também de factores sociais e emocionais. A satisfação espiritual faz-nos entrar noutro domínio. É fácil perceber que estes factores não podem ser quantificados, mas existem e afectam os níveis de felicidade de todos. Quando o relatório foi publicado, todos ficaram a saber o índice de felicidade do seu próprio país ou região. Note-se que para a elaboração deste relatório foram entrevistadas apenas 1.000 pessoas em cada zona, pelo que as suas conclusões apenas podem ser usadas como referência. Não sabemos com toda a certeza qual o grau de precisão desta classificação. É certo que, não é apenas o Governo que pode contribuir para a felicidade dos cidadãos, a sociedade também tem um papel muito importante. É por isto que países com sistemas de segurança social sólidos registam altos índices de felicidade colectiva. A felicidade de cada um depende do seu próprio esforço. Como já foi mencionado, a felicidade depende de muitos factores subjectivos. Uma má relação com familiares e amigos pode afectar os níveis de felicidade. Este factor não pode ser alterado pela sociedade. Portanto, a felicidade deve ser criada pela sociedade e pelos indivíduos. Todos querem ser felizes, mas a forma de o conseguir varia de pessoa para pessoa. Se pensarmos que a felicidade depende do amor à nossa família, então devemos “amá-la todos os dias um pouco mais”, para que a nossa felicidade também aumente. Desde que os nossos familiares sintam que o nosso amor por eles aumenta, o seu amor por nós também aumentará. Se enveredarmos por este caminho, o índice de felicidade em termos globais vai certamente aumentar em 2024. “Amar mais de dia para dia” faz-nos felizes, mas no fim de contas, seremos, como os finlandeses, o povo mais feliz da Terra? Frank Martela é investigador interdisciplinar doutorado em Filosofia e Estudos Organizacionais. É responsável pela área de psicologia da felicidade e professor na Universidade de Aalto, na Finlândia, tendo-se especializado na questão do sentido da vida. Frank Martela disse que os finlandeses não comparam os seus haveres com os dos seus vizinhos e que não ostentam os seus bens pessoais. Frank Martela acredita que a felicidade depende de “prestar mais atenção ao que nos satisfaz, e menos àquilo que nos faz ser bem-sucedidos. O primeiro passo para a felicidade é definir os nossos próprios padrões em vez de os comparar com os dos outros.” Será que o leitor aceita este conselho do filósofo do país mais feliz do mundo? Em primeiro lugar, estabelecer os nossos próprios padrões e não nos preocuparmos com comparações com os padrões alheios? Daqui, desejo a todos dias cada vez mais felizes. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesE depois do adeus ao trabalho A semana passada foram publicadas duas notícias sobre reformas e pensões. A primeira debruçou-se sobre a proposta do Governo francês que visa a alteração do sistema de reformas. Recorrendo ao Artigo 49.3 da Constituição, o Governo aprovou a alteração do sistema de pensões sem a ter submetido ao escrutínio da Assembleia Nacional. Com esta alteração, a idade de reforma em França subiu dos 62 para os 64 anos. Além disso, para receber a pensão sem penalizações são necessários pelo menos 43 anos de descontos. Estas alterações revoltaram os franceses, que organizaram enormes manifestações de protesto. O Governo francês temia que se esta proposta passasse pela Assembleia Nacional não viesse a ser aprovada, por isso recorreu ao Artigo 49.3 para garantir a sua aprovação. Embora a proposta de lei tenha sido aprovada, o Governo enfrenta uma moção de censura na Assembleia Nacional. Se a moção passar, o Presidente Macron corre o risco de demissão. Aumentar a idade da reforma implica que as pessoas tenham menos tempo para desfrutar deste período das suas vidas. No entanto, o aumento da idade da reforma foi ditado por pressões financeiras. Digamos que o Governo passou a “batata quente” para os cidadãos. Esta manobra revoltou os franceses, o que é compreensível. A reforma e as pensões de reforma não são apenas questões sociais, são também questões pessoais. A sociedade precisa de estabelecer um sistema de pensões eficaz para que possa existir ter um determinado fundo de previdência para a reforma. As pessoas também precisam de apostar em fundos de pensões privados para aumentar os seus rendimentos na reforma. Como o Governo só pode atribuir uma pensão para cobrir as despesas básicas, o restante rendimento terá de vir de fundos privados. Não é uma boa opção depender apenas do Governo para garantir o rendimento na idade da reforma. A outra notícia sobre este tema está relacionada com um estudo feito pela Universidade de Harvard. O estudo foi feito ao longo de 85 anos e foca-se no que os aposentados esperam da aposentadoria. A Universidade de Harvard iniciou esta pesquisa em 1938, e realizou entrevistas de reavaliação a cada dois anos, com 724 inquiridos. Os inquiridos indicaram que sentem sobretudo falta dos colegas de trabalho e das relações sociais que construíram ao longo das suas vidas activas. Um dos entrevistados, Henry Keane, disse que depois da reforma, passou a trabalhar como voluntário numa organização sem fins lucrativos e que voltou a ter interesse na recuperação de móveis antigos, mas que sentia que ainda lhe faltava qualquer coisa. Mais tarde, quando já tinha 65 anos e voltou a ser entrevistado, Henry disse que precisava de um trabalho. Só tinha percebido depois de estar reformado que gostava de estar rodeado de pessoas. Henry deixou claro que considera o trabalho como o factor mais importante da sua vida. A reforma do sistema de pensões em França e o estudo da Universidade de Harvard indicam que a reforma não envolve só questões financeiras, mas também questões de qualidade de vida. Prevê-se que Macau tenha uma população envelhecida em 2026. Presentemente, o Governo de Macau tem um sistema de pensões que garante a cobertura das despesas básicas. No entanto, o acesso a fundos privados só é possível ser feito com as poupanças individuais, não é feito através de um sistema social. Cada pessoa deverá preparar-se de acordo com a sua própria situação e a quantia aplicada também será variável. Como cada vez se reformam mais pessoas, cada vez haverá mais pensões que têm de ser pagas e os encargos financeiros do Governo de Macau também aumentarão. No caso de os fundos privados não serem obrigatórios, é duvidoso que todas as pessoas recorram a esta opção. A investigação da Universidade de Harvard sugere que os aposentados precisam de se sentir valorizados e que esse sentimento pode ser encontrado no trabalho. Por conseguinte, a idade da reforma pode ser aumentada opcionalmente, por exemplo, dos 65 para os 70 anos, para que as pessoas possam escolher trabalhar até esta idade. Se desta forma as pessoas podem continuar a sentir-se valorizadas, e também resolver alguns problemas financeiros, porque não fazê-lo? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHabitação social fora de Hong Kong Wu Qiubei, representante do Congresso Nacional do Povo, durante as reuniões do Congresso Nacional do Povo da República Popular da China e do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, avançou com uma proposta para “permitir que o Governo de Hong Kong adquirisse habitações particulares nas principais cidades da Área da Grande Baía, para fins de habitação social (sugestão comercial). Wu Qiubei sugeriu que o Governo Central permitisse que o Executivo de Hong Kong comprasse habitações particulares desocupadas, de modo a resolver o problema de habitação dos residentes mais desfavorecidos de Hong Kong. Wu Qiubei assinalou que Hong Kong tem falta de espaço para construção e que os preços são muito elevados. Tomando como exemplo o programa de habitação pública recentemente lançado em Hong Kong, o custo de construção de cada unidade é de cerca 860.000 dólares de HK, e a taxa de administração mensal é 2.450 dólares. Em cidades da Grande Baía, como Dongguan e Foshan, por 2.450 dólares pode alugar-se uma casa com três quartos e com uma área de 65m2. Por conseguinte, se o Governo de Hong Kong comprar casas particulares desabitadas em qualquer uma das cidades da Grande Baía para os seus residentes mais desfavorecidos, pode efectivamente resolver os problemas de alojamento até certo ponto, e pode acelerar o processo de integração de Hong Kong na Área da Grande Baía. Um investimento que teria várias vantagens. O problema de habitação em Hong Kong tem um longo historial. No início, devido à implementação da política de taxas de juro baixas a nível mundial, houve enormes investimentos em Hong Kong para aquisição de propriedades, fazendo subir a procura para números que nada tinham a ver com a necessidade dos residentes e disparar os preços da habitação na cidade. Actualmente, o preço das casas em Hong Kong é de cerca 2.000 dólares de HK por m2. O preço de construção de uma casa com três quartos e uma área de 65 m2 ronda um milhão e quatrocentos mil dólares. Uma casa com mais condições, pode custar entre os 4 e 8 milhões. O rácio de rendimentos pode reflectir, em certa medida, a dificuldade de comprar casa. Quanto maior for a desproporção entre os rendimentos de quem quer comprar casa e o valor da propriedade, maior será a dificuldade em fazer a aquisição. Um inquérito demonstrou que, em 2022, para poder comprar uma casa uma pessoa tem de poupar durante 23, 2 anos. Isso implica que não se pode comer nem beber durante mais de duas décadas, antes de se poder comprar casa! A dificuldade de comprar uma casa em Hong Kong ultrapassa largamente a mesma situação na Suíça, e em Sydney, que surge em segundo lugar no ranking e ainda em Vancouver, que surge em terceiro. Nestes casos, a proporção rendimento/custos é de 15,3 e de 13,3 respectivamente. Outro estudo estatístico, demonstra que a média de espaço habitacional ocupado por residente em Hong Kong é de 16 m2. Em Singapura, em média, cada pessoa ocupa 33m2. Em Seul, o valor está nos 31m2 e em Tóquio 20m2. Podemos ver que em Hong Kong o espaço habitacional por residente é muito pequeno. Não nos esqueçamos que 1m2 é uma área inferior à de um elevador normal, o que significa que 16 m2 correspondem à área de 10 elevadores e é, em média, neste espaço que cada pessoa tem de viver em Hong Kong. Existem três palavras que descrevem a situação da habitação nesta cidade: “cara, pequena e lotada”. Os residentes de Hong Kong que não conseguem comprar casas no mercado normal têm de se candidatar às casas de habitação social ou então a dividir o alojamento com outras pessoas. À medida que a procura aumenta, mas a capacidade de construção permanece inalterada, os tempos de espera dos residentes para a habitação social também aumentam. Actualmente, os residentes de Hong Kong têm de esperar pelo menos 5 anos e meio antes de lhes ser atribuída uma casa de habitação social. O Governo de Hong Kong está sob enorme pressão para resolver o problema da habitação. Todos os Chefes do Executivo tomaram várias medidas para resolver a situação, mas nunca o conseguiram fazer. Por isso, ouve-se notícias de pessoas que vivem em casas minúsculas, em abrigos, em casas super lotadas, em armazéns e que dormem nas salas de espera dos aeroportos. Se o Governo Central aceitar esta proposta, os residentes de Hong Kong ficam beneficiados? Para se candidatar à habitação social, é preciso obedecer a certos critérios. Depois disso é necessário ter vontade de viver na China continental, mas ainda assim existem situações diferentes. No primeiro grupo a ser seleccionado encontram-se as pessoas que já viveram no continente. Por exemplo, alguém que vive em Shenzhen, mas trabalha em Hong Kong, ou ainda famílias de estudantes do continente que estudem em Hong Kong, Ou seja, famílias de estudantes que tenham de atravessar a fronteira. Como estas pessoas já viveram no continente, têm prioridade. No segundo grupo, encontram-se as pessoas que não se importam de viver no continente, mas que não precisam de atravessar a fronteira diariamente. Por exemplo, alguém que quer viver no continente depois da reforma. No terceiro grupo encontram-se pessoas que já trataram de tudo para puderem viver no continente, como cartão de saúde, transportes etc. e precisam de uma casa para viver. Embora a habitação social possa vir a resolver grande parte dos problemas dos residentes mais carenciados, ainda ficam muitas questões em aberto, como o problema dos transportes, dos centros de saúde, entre outros. Depois de considerar todas estas condições, é natural que passem a surgir outros problemas. Por exemplo, a manutenção e reparação das casas. A manutenção da casa é algo que se tem de se fazer sempre. Quanto maior for a qualidade da habitação menos reparações precisam de ser feitas. Os residentes de Hong Kong esperam ter casas de boa qualidade. Para além disso, os três grupos de que falámos não são todos constituídos por pessoas carenciadas. Ainda não se sabe ao certo quem pode vir a beneficiar deste programa. Até ao momento em que escrevi este artigo, não tinha havido mais notícias sobre o assunto e ainda não se sabe se o Governo Central aceitou a proposta. Mas é certo que, com base no tempo de desalfandegamento entre a China continental e Hong Kong, e no grande número de problemas práticos que precisam de ser identificados, depois de as pessoas se mudarem para estas habitações sociais, mesmo que a proposta seja aceite, ainda restam muitas questões que implicam resolução e planeamento por parte do Governo de Hong Kong. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesQue critérios presidem ao Programa Talentos de Topo? Nos últimos anos, Hong Kong viveu uma onda de emigração, sendo que, na sua maioria, as pessoas que saíram tinham recursos financeiros e competências profissionais. A longo prazo, a cidade pode vir a sofrer de “escassez de talentos”. Para solucionar este problema, o Governo de Hong Kong lançou o Programa “Talentos de Topo” para atrair estrangeiros qualificados que possam promover o desenvolvimento da região. Como não é necessário apresentar registo criminal no momento da candidatura, uma pessoa muito conhecida na área da medicina, que já tinha cumprido pena de prisão, veio para Hong Kong ao abrigo deste programa, o que causou grande polémica na sociedade. Este indivíduo anunciou numa conferência de imprensa que tinha entrado em Hong Kong através de um programa que tinha chamado a atenção do público. O principal motivo de preocupação prende-se com a prática de métodos de modificação de genes para impedir que mulheres grávidas infectadas com HIV transmitissem o vírus ao feto. Este método de modificação genética foi amplamente criticado na altura. Acreditava-se que a modificação de genes humanos conduziria a problemas de ordem social. Muitos países e regiões têm legislação que proíbe a modificação de genes humanos. Esta pessoa sobejamente conhecida violou essas leis e foi condenada a pena de prisão. Foi depois de ter saído da prisão, que veio para Hong Kong ao abrigo deste programa. As opiniões em Hong Kong dividem-se em relação a este assunto. Em primeiro lugar, a modificação genética levanta questões de ordem médica e de ordem moral. É sem dúvida um assunto controverso. É difícil chegar a conclusões e não é fácil de aceitar. Em segundo lugar, depois de este incidente ter começado a circular, descobriu-se que o Governo de Hong Kong não exigia que o registo criminal fosse apresentado no acto da candidatura, o que constitui é uma lacuna do programa. Depois do problema ter acontecido, o Governo de Hong Kong respondeu rapidamente e veio declarar publicamente que os candidatos passam a ter de submeter o registo criminal e assinalou que a pessoa em questão também terá de o fazer. Este incidente faz-nos lembrar da importância do registo criminal. Isto quer dizer que alguém com registo criminal não pode vir para Hong Kong ao abrigo deste programa? A medida pretende atrair pessoas altamente qualificadas para Hong Kong, para aí se fixarem e contribuírem para o desenvolvimento social. Por conseguinte, este programa tem duas vertentes: imigração para Hong Kong e talentos. Em muitas zonas do globo, os imigrantes têm de apresentar o registo criminal. Os candidatos estrangeiros a qualquer posição têm de provar que têm um registo criminal limpo. Portanto, a apresentação do registo criminal não é apenas uma formalidade, mas também uma condição substantiva. O candidato tem de provar que o seu registo criminal está limpo antes do Governo considerar o seu pedido de entrada no país. Nesta matéria, o Governo de Hong Kong falhou na elaboração o programa. Como já foi mencionado, a questão essencial é saber se o candidato já cometeu algum crime. Se tiver sido o caso, isso impede-o de entrar no país? Quando o Governo aceita imigrantes, a primeira consideração é, como é evidente, a segurança. É impossível aceitar alguém que venha a causar problemas, e se se tratar de uma pessoa que, em qualquer altura, infringiu a lei a questão é ainda mais complexa, porque a lei determina os padrões do comportamento em sociedade. Quando alguém comete um crime, o seu comportamento coloca-se abaixo dos padrões estipulados e tem de ser castigado para não voltar a prevaricar. Tendo estes factores em linha de conta, é razoável que o Governo exija a apresentação do registo criminal. Como já foi dito, a segunda vertente deste programa são os talentos. Permitir que se fixem e que comecem uma nova vida em Hong Kong. A cidade irá também beneficiar do seu contributo. Neste âmbito, a primeira condição que se impõe aos candidatos é possuírem boas qualificações. Em segundo lugar, é necessário perceber se essas qualificações podem ajudar a contribuir para o desenvolvimento de Hong Kong A julgar pelas notícias que circularam sobre esta pessoa sobejamente conhecida, o seu passado demonstra que é sem dúvida um médico talentoso. Será que Hong Kong pode vir a beneficiar com os seus conhecimentos? Devido aos problemas éticos que enfrentou, é inevitável que as pessoas tenham opiniões sobre o assunto. Mas será que a sociedade de Hong Kong fecha as suas portas devido a um erro cometido no passado? Na Grã-Bretanha, houve em tempos um advogado que cometeu homicídio. Depois de ter saído da prisão, voltou a exercer. Um advogado conhece a lei. Como poderia não saber que o homicídio é um crime? Depois de ter sido libertado, ainda lhe foi emitida uma licença e pode continuar a trabalhar. Isso mostra que, desde que haja poucas hipóteses de voltar a cometer um crime e que o indivíduo queira continuar a contribuir para a sociedade, um passado complicado não é necessariamente uma razão para impedir que exerça o seu trabalho. Devido a questões de ética médica, a lei proíbe a modificação de genes humanos. Desde que o candidato compreenda este problema, e não se envolva em investigações nesta área, debruçando-se sobre outras matérias, desde que não viole a lei, e que a sociedade e a comunidade médica o aceitem, os seus conhecimentos na área da medicina são um factor importante que o Governo de Hong Kong deve ter em consideração. Neste caso, aparentemente, o programa não exigia a apresentação do registo criminal. Esta lacuna pode ser colmatada através da alteração do programa. Desde que o candidato apresente um registo criminal limpo, a questão não se volta a colocar. O que tem realmente de ser considerado, é a possível aceitação por parte do Governo de Hong Kong de candidatos com que já tenham cometido certas infracções, uma aceitação que pode gerar controvérsia. Estes julgamentos podem ser de alguma forma subjectivos. Independentemente de o Governo vir a aceitar ou não essas candidaturas, na sociedade haverá sempre opiniões diferentes, e pode dizer-se que o Governo de Hong Kong irá enfrentar um dilema. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesComentários sobre o orçamento de Hong Kong para 2023 A semana passada, o Secretário das Finanças de Hong Kong anunciou o orçamento para 2023-24, o primeiro desde que Lee Ka-chao, o Chefe do Executivo de Hong Kong, tomou posse. Existem muitas medidas que beneficiam os residentes de Hong Kong neste orçamento, comummente conhecidas como “rebuçados”, incluindo os há muito esperados 5.000 HK dólares em vouchers de consumo. Embora em comparação com o ano passado o montante dos vouchers tenha sido reduzido para metade, não deixa de ser uma boa notícia. Esta medida, em conjunto com as outras despesas do Executivo, produziu um défice fiscal de 140 mil milhões no orçamento de 2022-23. Ao contrário dos orçamentos dos dois anos anteriores, este não traz consigo grandes aumentos de impostos. O mais significativo recai sobre o Jockey Club de Hong Kong que terá de suportar o “imposto adicional sobre apostas de futebol” por 5 anos, 2,4 mil milhões de dólares americanos por ano, num total de 12 mil milhões. O Jockey Club de Hong Kong já demonstrou a sua compreensão e está disposto a cooperar com o Governo de Hong Kong. Em 2021, o orçamento aumentou o imposto de selo sobre as transacções de acções para 0,13 por cento, o que fez com que Hong Kong passasse a ser a segunda região onde este imposto é mais elevado, suplantada apenas pelo Reino Unido. Em 2022, o orçamento propôs a criação de uma “dedução fiscal para arrendamento residencial”, vulgarmente conhecida como “subsídio de arrendamento”. Esta medida incentiva os inquilinos a declararem o valor que pagam pela renda de casa, pelo que o Governo passa a ter conhecimento do valor que o senhorio recebe. Quem recebe rendas tem de pagar impostos. Por conseguinte, o Governo de Hong Kong aumentou as receitas nesta área. Entre 2020 e 2022, a economia foi muito afectada pela pandemia e o Governo de Hong Kong viu as suas despesas aumentarem significativamente devido às acções de prevenção e combate à Covid-19. É compreensível que o Governo de Hong Kong tenha actualmente um défice orçamental, que se espera não venha a durar muito. No período pós pandemia as despesas relacionadas com a sua prevenção e combate irão baixar e os gastos do Governo de Hong Kong irão gradualmente regressar aos níveis normais. Por que razão devemos prestar especial atenção ao défice orçamental do Governo de Hong Kong? Por várias razões. Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 107.º da Lei Básica de Hong Kong, o Governo da cidade deve manter as contas equilibradas e os défices orçamentais não vão ao encontro desta disposição. Em segundo lugar, Hong Kong é um centro financeiro internacional e o défice orçamental afectará a creditação internacional do Governo de Hong Kong, afectando assim a confiança do público nas capacidades de gestão financeira do Executivo. Em terceiro lugar, actualmente o Governo de Hong Kong está a promover activamente o desenvolvimento económico e o crescimento da região. “Lantau Tomorrow” e a “Northern Hong Kong Metropolitan Area” são exemplos típicos dessa vontade. O desenvolvimento destas áreas requer grandes investimentos. Embora o Governo de Hong Kong tenha repetidamente salientado que estes projectos não colocam pressão financeira na administração pública, o público em geral estará sempre mais atento a estas questões em caso de défice orçamental e o Governo de Hong Kong deve fornecer explicações mais pormenorizadas e claras à população. A forma mais directa de resolver o défice orçamental é, naturalmente, aumentar os impostos. Os deputados do Conselho Legislativo de Hong Kong pediram ao Governo que os aumentasse, mas o secretário das Finanças recusou, salientando que não é o momento adequado para o fazer. Assinalou ainda que, de acordo com as estimativas do Executivo, é esperado que o défice acabe em 2027. Esta estimativa positiva e a recusa do secretário das Finanças de aumentar os impostos parecem ter feito a população sentir que o Governo da cidade está muito confiante na resolução do défice orçamental. Quer se trate de um Governo, de uma organização, de uma empresa ou de uma pessoa individual, quando confrontados com problemas financeiros, todos precisam de ter poupanças suficientes para fazer face a necessidades inesperadas. Quando falamos de um Governo, essas poupanças são a sua “reserva fiscal”. Geralmente, as finanças do Governo são liquidadas todos os anos e é bom que exista uma reserva para pelo menos mais um ano. Ou seja, assumindo que não há rendimento durante um ano, o Governo ainda pode operar normalmente durante esse período. Actualmente, o Governo de Hong Kong gasta cerca de 750 mil milhões por ano, por isso a sua reserva fiscal deveria ser de pelo menos esse montante. Além disso, Hong Kong é um centro financeiro internacional e os riscos financeiros em Hong Kong não são só internos, são também externos. Por exemplo, a turbulência financeira asiática em 1997 e o incidente do Lehman Brothers em 2008 não foram desencadeados em Hong Kong, mas a cidade foi profundamente afectada. Por conseguinte, o cálculo das reservas financeiras do Governo de Hong Kong deve ser feito tomando estes factores em consideração, portanto, mesmo que o Governo de Hong Kong tenha triliões em reservas fiscais, não é demais. A avaliar pelas várias subidas de impostos em Hong Kong nos últimos três anos, o Governo de Hong Kong entende que para a gestão financeira, não é apenas necessário resolver o problema do défice orçamental, mas também é necessário manter reservas fiscais suficientes para fazer face a emergências de ordem vária. Houve diversos aumentos de impostos nos últimos três anos. Embora tenham sido pequenos aumentos com um impacto limitado no plano orçamental geral, mas, em qualquer caso, um aumento da receita fiscal é melhor do que aumento nenhum. E, mais importante ainda, durante a epidemia, de forma a evitar colocar mais pressão nos residentes, esta parece ter sido a única forma de lidar com as finanças. A longo prazo, os recursos financeiros são indispensáveis para que o Governo de Hong Kong possa aplicar mais harmoniosamente as várias políticas e introduzir medidas mais eficazes. As subidas de impostos são uma forma eficaz de aumentar os recursos financeiros. Pelos orçamentos anteriores, podemos verificar que o Governo de Hong Kong está há muito ciente desta questão. Num futuro próximo, existirão mais pessoas em Hong Kong a pedir aumentos de impostos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPerigo à solta A comunicação social de Macau divulgou a semana passada uma notícia que despertou a tenção da comunidade. A polícia encontrou um estafeta de entregas de comida a conduzir embriagado e a caixa transportadora não estava bem presa à motorizada. O estafeta acabou por ser processado judicialmente. O Regulamento do Trânsito Rodoviário estipula claramente as dimensões que devem ter os recipientes para transporte de encomendas nas motorizadas. De acordo com o terceiro parágrafo do artigo 45º, o comprimento da caixa de armazenamento não pode exceder o 1metro e 60cm, a largura não pode exceder 1m e 20cm e a altura também não pode ir além de 1m e 20cm; o peso da caixa não pode passar dos 50 quilos. Se estas regras forem cumpridas, o veículo pode circular pelas ruas de Macau. Quaisquer alterações que a motorizada possa vir a sofrer posteriormente terão de ser aprovadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego. Depois da aprovação, o veículo está de novo em condições de voltar a circular. Estas medidas são efectivamente necessárias do ponto de vista da segurança. Se a caixa transportadora não estiver bem presa, e se soltar quando a motorizada está em andamento, pode pôr em perigo outros veículos. Se isso acontecer, o motociclista viola o artigo 67.º (1) da Lei do Trânsito Rodoviário, isto é, transportar objectos que possam afectar a condução e colocar em perigo pessoas e bens. O ano passado em Taiwan, China, um estafeta de entregas de comida atou a caixa armazenadora com uma corda, à parte de trás do veículo. Quando estava em andamento, a corda soltou-se e ficou presa na mota de outro estafeta, o qual saltou imediatamente para a estrada para evitar um trágico acidente. Por aqui se pode ver como é perigoso circular com uma caixa transportadora que não esteja convenientemente presa ao veículo. Este assunto merece uma análise mais detalhada. Se a caixa não estava correctamente colocada na motorizada porque tinha havido alterações temporárias que ainda não tinham sido aprovadas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, estamos perante uma situação especial. A informação entregue pelo proprietário quando fez o seguro para o veículo não corresponde à realidade actual. A companhia seguradora possui os dados que lhe foram entregues antes da motorizada ter sido modificada. Se ocorrer um acidente, a companhia de seguros deve cobrir as despesas? Se a seguradora se recusar a pagar, o motorista deve ser indemnizado? Claro que a melhor maneira de evitar problemas é obedecer à lei. A motorizada é uma ferramenta que o estafeta utiliza para trabalhar e que lhe é fornecida pela entidade empregadora, a qual é responsável por manter o veículo nas condições exigidas pela lei e é obrigada a suportar todas as despesas que daí advêm. Se o estafeta usar um veículo próprio para fazer as entregas, deve acertar com a empresa que o emprega a divisão das despesas relacionadas com a instalação da caixa transportadora, para que possa vir a existir uma relação de trabalho harmoniosa. Este incidente despertou a atenção das pessoas porque reflecte a situação geral da sociedade de Macau. Se a polícia processar com sucesso o estafeta e o tribunal decidir que usar fita ou corda para fixar a caixa de armazenamento é um acto ilegal porque é inseguro, os motociclistas sentem tudo isso como um inconveniente. O inconveniente é aqui o grande problema. Basta olhar para as ruas de Macau, quantos estafetas em motocicletas vemos diariamente? Ter uma caixa de transporte em condições é algo que muita gente não consegue fazer. Além disso, mesmo que a caixa esteja bem instalada na parte de trás da motocicleta, se esta transportar um passageiro para além do condutor, o pendura vai achar que não tem espaço suficiente. O mesmo se pode passar com o motociclista. Em Macau não existem suficientes zonas de estacionamento para estes veículos. Quando estão estacionadas, as motorizadas com caixas armazenadoras ocupam mais espaço. Os condutores têm de ter muita atenção para evitar colidir com outros motociclos, e isso também é muito inconveniente. Todos devem cumprir a lei sem excepção. Este acontecimento deverá ser uma oportunidade para todas as partes interessadas pensarem na forma de encontrar um equilíbrio entre a conveniência e o cumprimento das leis e dos regulamentos. No entanto, a julgar pelo uso generalizado de motocicletas em Macau, este ponto de equilíbrio vai ser realmente difícil de alcançar. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesEducar os adolescentes para a gestão financeira Publicámos há pouco tempo um artigo sobre a educação que os pais deveriam dar aos filhos na gestão do dinheiro que recebem nos envelopes vermelhos, para que possam incorporar a noção de gestão financeira. A semana passada, alguns órgãos de comunicação social de Macau divulgaram uma notícia sobre um homem de Jinan, na China continental, que ensina ao filho a melhor forma de administrar o seu dinheiro. Hoje vamos analisar as semelhanças e as diferenças entre estes casos. O pai de Jinan deu início a um plano de poupança para o seu filho de 10 anos em Janeiro de 2022. Sempre que a criança cumpre os seus deveres, é recompensada com dinheiro. Quando atinge os 50 CNY, se este valor ficar à guarda dos pais por mais de um mês, recebe 10por cento de juros. Após um ano, a criança tem um total de 1570 CNY. Assim, para além de aprender algumas lides domésticas e a concentrar-se nos estudos, a criança não vai gastar o seu dinheiro de forma impensada e também aprende a comprar apenas os produtos mais caros quando estão com alguma promoção especial. Conforme foi noticiado, o pai ensina ao filho três princípios financeiros essenciais. Primeiro, procura o pote de ouro. Segundo, poupa. Terceiro, tempo é dinheiro. Ao cumprir as tarefas domésticas e as tarefas escolares, o filho vai ganhando uma moeda atrás da outra, resultado do seu esforço, que, acumuladas, se transformam no seu primeiro pote de ouro. Este procedimento já se mantém há um ano, o que fará o jovem perceber que ganhar dinheiro implica trabalho. A partir do momento em que toma consciência deste facto, no futuro, o jovem irá dar valor a cada centavo porque fica a saber que não se ganha nada sem esforço. O pai encoraja o filho a ganhar dinheiro e a poupá-lo. A grande maioria das pessoas sustenta-se através do seu próprio trabalho, poupa o que consegue e cria e o pote de ouro. Criar uma poupança requer perseverança. Se a vontade não for firme, não se consegue poupar porque estamos sempre a ser tentados por uma série de coisas. O pai sugere que o filho entregue os ganhos todos os meses para o impedir de gastar dinheiro à toa e para evitar a situação “chapa ganha, chapa gasta”. Ao dar ao filho um juro sobre o dinheiro que guarda, o pai está a dizer-lhe indirectamente que o dinheiro pode render se for acumulado ao longo do tempo. A criança compreende o princípio e cumpre-o à risca. Desta forma, não vai desistir facilmente e a sua riqueza irá acumular-se aos poucos, à medida que o tempo passa. É bem verdade que a água que pinga sem parar desgasta uma pedra, mas não um dia de trabalho. O pai tem as melhores intenções ao ensinar ao seu filho os princípios da gestão financeira. Ensinar o filho a valorizar o dinheiro, a compreender a necessidade de poupar e também a compreender que tempo é dinheiro. Desde que se mantenha fiel a estes três princípios, vai certamente encorajar o filho a ter futuramente uma gestão correcta do seu dinheiro, pelo que será mais fácil para o jovem vir a acumular a sua própria fortuna. Quem beneficia desta lição não é apenas o filho, mas também a família que vier a ter depois de se casar. Claro que algumas pessoas comentaram que cumprir as tarefas domésticas pode implicar que a criança não faça tão bem os trabalhos da escola e que o que uma criança deve fazer é estudar. Mas não deveria este jovem aplicar-se nos estudos sem recompensas? Pela mesma lógica, o trabalho doméstico deveria ser apenas responsabilidade dos pais. Fazer o trabalho doméstico em conjunto implica uma espécie de partilha de responsabilidades e ajuda a solidificar as relações familiares. Neste caso, o pai recompensa o filho por fazer alguns trabalhos domésticos e por estudar com dedicação. Recompensar um filho por fazer o que deve fazer pode não ser conceptualmente correcto. Existe alguma verdade quando se diz que não se deve recompensar alguém que não faz mais do que a sua obrigação. Do ponto de vista dos pais, optar por esta abordagem pode fazer com que as crianças criem algumas noções erradas. Portanto, devemos ter cuidado quando pretendemos ensinar gestão financeira às nossas crianças através deste método. Mas, por outro lado, o que pode um miúdo de 10 anos fazer se não fizer bem os trabalhos domésticos ou os seus deveres da escola? Os três princípios financeiros acima mencionados são tão simples que todos os compreendem, mas nem todos os seguem. Se já é difícil para um adulto cumprir estes princípios, quanto mais para uma criança imatura? Cultivar o conceito correcto de gestão financeira nos jovens deve começar quando são pequenos e quanto mais cedo melhor. O pai de que temos vindo a falar tem, de facto, as melhores intenções quando pretende ensinar ao filho o valor da gestão financeira. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão do Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesRedução dos tempos de pausa Uma das mais importantes notícias que circulou a semana passada em Macau, foi a anunciada redução dos tempos de pausa dos trabalhadores da operadora de jogo Wynn. De acordo com a comunicação social, a Wynn notificou verbalmente os funcionários sobre a alteração dos períodos de descanso. A alteração visava encurtar os tempos de pausa. É costume os funcionários dos casinos terem pausas durante os períodos de trabalho. Muitas funções que exigem um elevado grau de concentração têm intervalos para descanso. Os condutores de autocarros são disso exemplo. Em Hong Kong, estes condutores descansam 5 a 10 minutos por cada hora de condução, para que possam reduzir a fadiga e para que os acidentes possam ser evitados. Ao proporcionarem este tipo de descanso aos condutores as empresas reduzem a possibilidade de sofrerem acidentes. Este método faz parte da política preventiva das empresas. A Associação Novo Macau pelos Direitos dos Trabalhadores do Jogo de Macau estava preocupada com esta notícia e também a Direcção para os Assuntos Laborais, que exerce o poder de supervisão sobre esta questão, nos termos do artigo 92.º da Lei das Relações Laborais. Depois do que lhe foi comunicado, a Wynn voltou atrás na sua pretensão e os direitos e interesses dos trabalhadores não foram prejudicados. Podemos afirmar que o problema se resolveu numa “primeira instância”. Mesmo assim, toda esta questão tocou em vários pontos sensíveis que provocaram várias repercussões na sociedade de Macau. Em primeiro lugar, a redução do tempo de descanso levanta a dúvida se deverá ser feita uma emenda aos contratos de trabalho. O tempo de descanso do funcionário está claramente consagrado no contrato de trabalho e só pode ser alterado de mútuo acordo, pelo que uma emenda unilateral é inválida. Se o tempo de descanso não estiver estipulado no contrato, o tempo que for concedido para este fim a partir do seu primeiro dia de trabalho, passará a funcionar como “norma”. Claro que uma norma não é um contrato escrito assinado pelo empregador e pelo empregado, por isso ainda é duvidoso que possa constituir parte do contrato de trabalho. Em segundo lugar, embora não possamos ver os contratos de trabalho de todos os empregados, nem as normas específicas estabelecidas para cada um, sabemos que se pretendia reduzir o tempo de pausa de todos, o que iria prejudicar a imagem da operadora de jogo Wynn. Embora esta modificação não tenha sido implementada, nem tenham sido lesados os interesses dos trabalhadores, na medida em que foram mantidas as disposições originais, a operadora poderia na mesma considerar a promoção de algumas actividades de carácter solidário para melhorar a sua imagem e colocar ênfase na sua responsabilidade empresarial, para com a sociedade onde opera. Em terceiro lugar, a pretensão de reduzir os tempos de pausa surgiu a seguir à reabertura de fronteiras entre a China continental e Macau. Após a reabertura, a recessão económica de Macau começou a ser ultrapassada e os casinos voltaram a estar cheios. Será porque há muito mais clientes e menos empregados que a empresa queria reduzir os tempos de pausa? Se tiver sido o caso, para além de terem de contratar mais pessoas, deverão os empregadores discutir com os seus funcionários as condições para o pagamento de horas extraordinárias, para assim fazerem frente à vaga de turistas? Se se chegar a um acordo sobre as condições de pagamento do tempo extra de forma harmoniosa, os funcionários ficarão satisfeitos e a imagem da empresa vai melhorar. Ambas as partes ganharão alguma coisa. Os funcionários afectados pela redução das pausas que se pretendia implementar incluíam os croupiers, os empregados que distribuem as cartas pelos jogadores. Esta função é muito importante. Se os croupiers cometerem erros que prejudiquem os clientes o casino tem de os compensar. Os casinos em Macau são altamente competitivos. Se os clientes tiverem uma experiência desagradável, podem não voltar e o casino fica prejudicado. Além disso, os croupiers têm de estar concentrados e sempre atentos para conseguirem lidar com clientes que têm reacções mais emotivas quando perdem dinheiro. Por isso, as pausas no trabalho são extremamente importantes para os croupiers e também para o casino. Estes funcionários estão protegidos pela lei. À medida que o número de croupiers aumenta, a competição entre eles torna-se cada vez mais intensa. Desvalorizar o impacto do incidente da “redução do tempo de pausa” pode afectar o futuro recrutamento de funcionários da Wynn. Este incidente acabou por não lesar os interesses dos trabalhadores e a empresa também não foi prejudicada. Desde que sejam organizadas mais actividades de cariz social para melhorar a imagem da empresa, este caso pode facilmente ser esquecido. Depois da recuperação económica, a Wynn só pode continuar a crescer se mantiver uma boa reputação. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk