João Romão, académico: “Macau está numa posição altamente privilegiada”

Docente na Yasuda Women’s University, no Japão, João Romão prepara-se para lançar, em Junho, um livro intitulado “Economic Geography of Tourism”. Em declarações ao HM, o académico realça a interligação entre turismo, economia e geografia, e elenca as suas possibilidades, limitações e efeitos, inclusivamente em Macau

 

 

Neste livro fala do conceito de “economia espacial”, em conexão com o turismo e geografia. Como se dá essa ligação?

A geografia económica combina o contexto geográfico com os processos económicos, sendo estudada a distribuição espacial das actividades económicas. A economia do turismo é particularmente sensível a estas condicionantes geográficas, pois são as características de cada lugar que potenciam o desenvolvimento de determinados produtos ou serviços. Essas características ultrapassam largamente os aspectos físicos do território e incluem também a cultura, a história, os modos de vida ou até as instituições e os enquadramentos legais. O caso dos casino, algo particularmente importante em Macau, é um bom exemplo da importância de aspectos jurídicos para desenvolver certos tipos de turismo. A geografia económica tem um âmbito mais vasto que a economia espacial, mais focada em aspectos estritamente económicos. Sendo evidente no turismo essa relação entre a economia e a geografia, este livro estabelece uma dupla abordagem que sistematiza a interdependência destes três aspectos que refere. Primeiro explora a forma como os conceitos e teorias da geografia económica se podem aplicar ao turismo. Na segunda parte faz o percurso inverso, discutindo como a análise de problemas relevantes do turismo contemporâneo justifica o recurso à geografia económica. São exemplos a degradação de recursos locais, impactos ambientais, contributo para alterações climáticas, aceleração de processos de gentrificação ou perturbação de modos de vida comunitários.

Ter uma economia excessivamente dependente do turismo pode constituir um problema ou uma salvação?

As duas coisas, e são ambos casos que a geografia económica pode ajudar a compreender. A industrialização das economias está ligada a processos de aglomeração de actividades que se reforçam mutuamente quando atingem uma determinada escala. Isso permite a massificação da produção e do consumo, com custos razoáveis. As indústrias contemporâneas, mais associadas à integração de tecnologias digitais e processos criativos, estão menos aglomeradas em zonas especializadas de desenvolvimento industrial, mas tendem a concentrar-se nas grandes cidades e áreas metropolitanas. Daqui também resulta que zonas rurais, ilhas, ou sítios que não acompanharam os processos de industrialização, têm mais dificuldade em mobilizar investimentos, tecnologias ou pessoas qualificadas para inovar e desenvolver novas indústrias. Nesses casos, o turismo aparece frequentemente como a solução possível, uma vez que se pode desenvolver com incorporação de tecnologia e conhecimento relativamente baixos. Por outro lado, o consumo turístico, não sendo essencial à vida humana, é muito sensível a flutuações de rendimentos.

Pode dar exemplos?

Isso foi visível, por exemplo, com a crise internacional de 2007/2009. O turismo também é muito vulnerável a problemas de segurança ou de epidemias internacionais, como o caso do covid-19 demonstrou ao extremo. Economias demasiado especializadas no turismo são muito vulneráveis a choques externos e menos resilientes perante crises. É visível também que, sendo o desenvolvimento turístico frequentemente suportado por serviços de mão-de-obra intensiva e fraca incorporação tecnológica, a especialização em turismo pode provocar, no longo prazo, constrangimentos em termos das qualificações da população, da capacidade de inovar e integrar tecnologia ou de acrescentar valor à economia regional.

O livro fala também de “Turismo Inteligente” e da “co-criação de experiências”, com recurso a megadados e IA. O turismo está, definitivamente, a ficar mais digital?

As redes sociais são instrumentos fundamentais para as novas gerações. Começaram, entretanto, a generalizar-se as ferramentas para planeamento ou promoção de viagens suportadas por inteligência artificial. O chamado “turismo inteligente” designa de uma forma mais geral a utilização de tecnologias digitais para intensificar os fluxos de informação, consolidar a formação de redes e promover tomadas de decisão mais informadas e partilhadas, eventualmente contribuindo para a chamada “co-criação de experiências”. A digitalização do turismo tem as suas origens nos sistemas de distribuição de serviços originalmente desenvolvidos por companhias aéreas, desde os anos 1960, mas seria a Internet a acelerar e globalizar a digitalização.

E as redes sociais.

A emergência das redes sociais promoveu a criação de um universo mais interactivo, potencialmente em tempo real e envolvendo largos números de utilizadores e vários de tipos de suportes. A generalização da utilização de telefones móveis permanentemente conectados à internet, mesmo em viagens ao estrangeiro, aumentou ainda mais este potencial para a utilização intensiva e interactiva de dados e informação. Esta “co-criação”, no entanto, esconde evidentes desequilíbrios de poder.

Tais como?

No que diz respeito ao turista, ou consumidor em geral, cabe normalmente o papel de fornecer informação, por exemplo através das redes sociais. Essa informação é obtida, acumulada e comercializada, por vezes sem consentimento ou até sem conhecimento, para eventualmente se traduzir na criação, adaptação ou promoção de produtos e serviços. Este processo é particularmente importante no caso do turismo, por haver normalmente um período longo entre a decisão de viajar e a viagem propriamente dita. Esse período de exploração e planeamento de viagem é aproveitado pelas empresas de marketing turístico para tentar influenciar as escolhas. Este tipo de interacção também introduz uma diferença na “espacialidade” da provisão de serviços turísticos, que normalmente são produzidos e consumidos ao mesmo tempo e no mesmo lugar, numa relação directa entre produtor e consumidor. A digitalização do turismo antecipa grande parte destas interações e fluxos de informação e transfere-as para grandes empresas tecnológicas ou de marketing e distribuição.

Num mundo onde cada vez se viaja mais, os percursos são mais curtos e o acesso à informação é imenso, como podem os países e regiões ser competitivos na oferta turística?

O turismo contemporâneo vive num ambiente internacional altamente competitivo. Mas da mesma forma que há uma grande variedade de destinos e ofertas, também há uma grande diversidade de preferências e consumos, aquilo que se vai designando como “hiper-personalização”, resultado da tal abundância de informação e oportunidade de interação. O desafio que se coloca aos destinos é o de identificar os recursos, produtos e serviços que se possam ajustar a um determinado grupo de consumidores, para comunicar com eficácia. Esta competitividade ultrapassa em muito o âmbito estrito dos serviços turísticos porque também requer serviços de mobilidade e transporte, infra-estruturas variadas, segurança, apoio médico, ou fácil comunicação. Qualquer lugar que pretenda desenvolver a sua indústria turística tem que intervir sobre todos estes factores.

O livro aborda também como os “processos sociais” moldam o desenvolvimento do turismo. No caso da China, por exemplo, acredita que estamos a assistir a uma mudança, que terá consequências para Macau?

Parece-me que Macau está numa posição altamente privilegiada para desenvolver outras formas de turismo. A China é o maior mercado emissor do mundo, a subida generalizada de rendimentos das últimas décadas permite a muitos milhões de pessoas explorarem a oportunidade de viajar. Macau é um destino muito próximo e ao mesmo tempo distinto, com as suas particularidades históricas e culturais. Para a população chinesa não era fácil visitar Macau e há certamente um interesse muito grande.

Como entra o projecto da Grande Baía nisso tudo?

A estratégia que está a ser seguida com a integração da Grande Baía permite desenvolver uma oferta cosmopolita e diversificada que pode certamente atrair turistas chineses e de outras partes do mundo. De resto, estas três áreas têm excelentes escolas de hotelaria e turismo, que garantem pessoal qualificado para a gestão e planeamento do turismo. O elemento de diferenciação que a cultura portuguesa introduz neste contexto pode certamente contribuir para o sucesso da transição de um turismo focado nos casinos para outras formas que valorizem mais a cultura e o património.

É possível ter um turismo sustentável?

Os problemas e as dificuldades da sustentabilidade do turismo são mais visíveis do que noutros sectores. A tal “espacialidade” do turismo (em que o consumidor é obrigado a deslocar-se ao local de consumo), implica que as consequências desse consumo se tornem mais evidentes. Esses efeitos são menos óbvios quando se trata da insustentabilidade de unidades industriais ou de formas de agricultura intensiva em áreas relativamente isoladas. Como as estratégias de massificação para redução de custos e rentabilização de investimentos também se aplicam ao turismo, as consequências sobre o ambiente ou a qualidade de vida dos residentes nos destinos podem ser devastadoras. A sustentabilidade implica uma perspectiva de longo prazo baseada na ideia de que as decisões de hoje não implicam consequências negativas futuras. Práticas sustentáveis dependem do controlo dos impactos que se vão acumulando ao longo do tempo por agentes económicos individuais e independentes.

Como pode ser feito esse controlo?

Quando um hotel ou uma companhia aérea definem que capacidade vão instalar nos seus serviços podem eventualmente estimar o impacto que os consumidores vão provocar no ambiente ou economia locais. Já terão mais dificuldades em antecipar que impactos vão ser gerados nos 10, 15 ou 20 anos seguintes ao investimento. E, seguramente, será impossível aferir como esse impacto se acumula aos impactos provocados por outros prestadores de serviços, agora ou no futuro. Ou seja: ainda que a ideia de sustentabilidade seja generalizadamente aceite, os agentes económicos não têm, na prática, mecanismos ou instrumentos para a avaliar. A regulação da utilização de recursos e territórios por entidades públicas com uma perspectiva mais abrangente e de futuro, pode contribuir para a sustentabilidade de uma forma mais eficaz do que a regulação associada à dinâmica dos mercados, que em muitos casos se tem revelado altamente predatória. A economia chinesa é um desses exemplos e pode eventualmente beneficiar disso.

E no caso concreto de Macau?

Macau tem problemas historicamente conhecidos: áreas ultra-urbanizadas e poluídas, com grandes consumos energéticos e produção de resíduos; grande concentração de turistas numa área relativamente pequena de grande interesse histórico e cultural; grande dependência do jogo, com os decorrentes desequilíbrios na apropriação de benefícios do turismo. A transição em curso para novas formas de turismo deve resolver melhor estes problemas e a regulação pelo estado terá certamente melhores resultados do que a baseada nas dinâmicas de mercado.

2 Abr 2025

Droga / HK | Duas portuguesas arriscam prisão perpétua

Os serviços de alfândega de Hong Kong detiveram no último sábado duas passageiras portuguesas que tinham, nas suas bagagens, 81 quilos de ketamina.

Segundo um comunicado das autoridades, as duas mulheres foram ontem presentes ao juiz, pela primeira vez, no Tribunal de Magistrados de West Kowloon, estando acusadas do crime de tráfico de estupefacientes perigosos.

As duas jovens ficam em prisão preventiva até ao julgamento, que arranca a 24 de Junho. Josiane Alexandre Borges da Costa, de 23 anos, e Alexandra Miriam Silva Lopes Correia, com a mesma idade, viajavam de Frankfurt, na Alemanha, para a região vizinha. No processo de desalfandegamento, no aeroporto, foi detectada a droga.

Segundo a legislação de Hong Kong, o tráfico de drogas perigosas é considerado infracção grave, com a pena máxima a ser prisão perpétua ou uma coima de cinco milhões de dólares.

1 Abr 2025

Economia | Secretário alerta para receitas da Administração

O secretário para a Economia e Finanças, Tai Kin Ip, deixou ontem um alerta sobre o desempenho do sector do jogo, com impacto aquém do esperado para as receitas obtidas pelo Governo. “Reparámos que nos primeiros três meses de 2025 as receitas brutas dos jogos atingiram 57,66 mil milhões de patacas, permanecendo o valor praticamente inalterado em termos anuais, não alcançando ainda a esperada média mensal de 20 mil milhões de patacas”.

Assim, Tai Kin Ip deixa o alerta de que “as receitas financeiras do corrente ano poderão não ser tão optimistas como o previsto”, sendo necessário “estudar seriamente a futura situação económica e persistir na gestão dos recursos financeiros com prudência”.

Estas ideias foram proferidas no âmbito de um discurso proferido na palestra anual para o sector industrial e comercial organizada ontem pela Associação Comercial de Macau. Tai Kin Ip não esqueceu as medidas proteccionistas dos EUA e os sinais negativos que trazem a Macau. “Actualmente, o unilateralismo e o proteccionismo estão a crescer, com o desenvolvimento económico global a enfrentar muitas volatilidades e incertezas”, disse.

Assim, “Macau, sendo uma microeconomia virada ao exterior e altamente aberta, não consegue escapar a estas influências”, adiantou o secretário, alertando para a “grande mudança nos padrões e conceitos dos visitantes”, pois “a despesa per capita dos visitantes caiu 14,6 por cento em termos anuais, para 2157 patacas”.

1 Abr 2025

Livro | Mark O’Neill conta a história dos europeus nos primórdios de Hong Kong

“Europeans in Hong Kong” é o 18º e novo livro do escritor e jornalista britânico Mark O’Neill, que vive na região vizinha. Ao HM, confessa que começou por escrever a história dos irlandeses, mas o projecto acabou por se expandir. Como tal, focou-se nas histórias de europeus que deixaram a sua marca em Hong Kong, incluindo portugueses

 

Hong Kong, a cidade da banca, das finanças e do comércio, um entreposto mundial durante séculos e uma porta de entrada para a China. Tem sido assim a região vizinha ao longo dos tempos, desde a sua instituição, em 1841. Desde sempre, Hong Kong foi um território internacional povoado por europeus de várias nacionalidades, muito mais do que os britânicos que administraram o território até 1997.

Faltava contar a sua história, e Mark O’Neill, autor e jornalista britânico, a residir em Hong Kong desde finais dos anos 70, fá-lo agora com “Europeans in Hong Kong” [Europeus em Hong Kong], que inclui inclusivamente um capítulo sobre os portugueses.

Em mais uma obra que acaba de sair para as bancas, o autor confessa ao HM que começou por escrever a história dos irlandeses em Hong Kong, cuja contribuição para o território “foi enorme”. Essa obra não chegou a ser publicada, nascendo depois a ideia de fazer algo maior.

“Escolhi as figuras que deram os maiores contributos, especialmente a nível religioso, ou professores, escritores, grandes figuras do mundo dos negócios e aqueles cujos legados ainda perduram”, confessou.

Mark O’Neill destaca que o grande contributo dos europeus na região vizinha deu-se na área educativa, mas não só. “O contributo mais duradouro foi dado pelas escolas, universidades, hospitais, lares de idosos, instituições de assistência social e algumas empresas. Embora se tratem de entidades que, actualmente, são geridas, em grande parte, por pessoas de Hong Kong, foram fundadas e alimentadas por europeus.”

O autor explica que a história mais impressionante associada ao legado dos franceses surge na capa do livro. “No século XIX, as freiras francesas adoptaram dezenas de milhares de raparigas chinesas que tinham sido abandonadas e deram-lhes uma boa vida. Sem elas, as raparigas teriam morrido ou trabalhado como mão-de-obra infantil, empregadas domésticas ou prostitutas”, disse.

Uma outra casa

Questionado sobre as novas percepções que o livro pode trazer para o público em geral, Mark O’Neill entende que este está hoje “familiarizado com a história dos britânicos em Hong Kong, mas não com a história da Europa continental”.

Assim, o autir diz esperar que “o livro os ajude a compreender a sua história, especialmente o seu contributo”.

Em termos gerais, “nas primeiras décadas [da fundação de Hong Kong], os europeus eram, sobretudo, homens de negócios e missionários, tanto católicos como protestantes”. Depois, a região cresceu “como grande cidade asiática e, a partir dos anos 50, a comunidade expandiu-se”. “Actualmente, temos arquitectos, engenheiros, músicos, professores, donos de restaurantes, médicos, advogados, especialistas em arte e pessoas em todos os domínios da vida”, disse o autor.

Outra figura de destaque em “Europeans in Hong Kong” é o padre jesuíta húngaro Laszlo Ladany, tido como o “maior observador da China em todo o mundo durante trinta anos”, e Anders Nelsson, “o cantor sueco e residente de longa data em Hong Kong, bem conhecido dos habitantes locais”, descreve-se na introdução da obra.

“A maioria das pessoas pensa que Hong Kong foi construída pelos chineses durante os 150 anos de domínio britânico, o que não é inteiramente exacto. Como o leitor descobrirá, muitas das escolas, hospitais, instituições de assistência social, edifícios e empresas da cidade foram fundados e geridos por pessoas da Europa (definida aqui como ‘a leste de Calais’). Muitos viveram aqui toda a sua vida adulta e só regressaram ‘a casa’ quando a guerra ou a doença o obrigaram”, é descrito na mesma introdução.

Mark O’Neill descreve também que os cemitérios de Hong Kong contêm vestígios dessa presença, pois “os europeus ficaram a gostar mais da cidade e das suas gentes do que da sua terra natal”. A presença europeia aumentou na região vizinha a partir de 1949, quando é fundada a República Popular da China, pois “o novo Governo chinês fechou as portas a estrangeiros, com a excepção de um pequeno número de pessoas provenientes de outros países socialistas”. Assim, “desejosos de permanecer na China e no mundo chinês, muitos europeus mudaram-se da China continental para Hong Kong”, é referido.

O legado macaense

O quarto capítulo é inteiramente dedicado à comunidade portuguesa e macaense de Hong Kong, tida como “pilar da sociedade” durante muitos anos. “Durante 150 anos, os portugueses foram, depois dos britânicos, a maior comunidade não chinesa em Hong Kong”, lê-se na obra, que traça o perfil de cinco personalidades e descreve dois clubes sociais, onde a comunidade se encontrava.

No tocante às personalidades, é referido o exemplo de José Pedro Braga, o primeiro português a fazer parte do Conselho Legislativo, entre os anos de 1927 e 1937; Sir Roger Lobo, membro do Conselho Executivo entre 1967 e 1985; e o Comendador Arnaldo de Oliveira Sales, primeiro presidente do Conselho Urbano entre 1973 e 1981.

“Os portugueses desempenharam um papel fundamental no Governo, nos bancos, nas profissões liberais e nas empresas comerciais. Viveram aqui durante muitas gerações. A maior parte dos expatriados ficava apenas o tempo da sua missão; quando se reformavam, partiam e regressavam à Grã-Bretanha ou a outro país da Europa. Os portugueses, por outro lado, tinham as suas próprias escolas, igrejas, clubes sociais e desportivos e a sua própria língua”, refere-se no livro.

Relativamente à origem desta comunidade, descreve-se como uma “raça mista”, ou macaenses, mas também portugueses com origens asiáticas. “A sua história remonta a centenas de anos, aos primeiros tempos do comércio e da exploração portugueses. No século XVI, Portugal estabeleceu entrepostos comerciais e missões religiosas em Goa, Malaca, Macau e Nagasaki. Os colonos portugueses casaram com mulheres locais, criando uma população mista com raízes na Índia, na Malásia, na China e no Japão. Em 1639, o Governo japonês expulsou todos os estrangeiros e isolou o país do resto do mundo.”

Macau surge intimamente ligado a esta comunidade, pois tornou-se, em meados do século XVI, “a base de Portugal na Ásia Oriental”, depois dos holandeses terem bloqueado Goa e conquistado Malaca.

“Os macaenses começaram a formar-se como uma comunidade coesa – partilhando laços com Portugal, a religião católica, uma língua e uma cozinha comuns e um sentimento de distinção em relação aos portugueses coloniais e aos seus vizinhos chineses. Eram as únicas pessoas em Macau que falavam português e cantonês, o que lhes conferia um papel de intermediários essenciais para o bom funcionamento do Governo e dos negócios”, é explicado.

O facto de “a fundação de Hong Kong ter devastado a economia de Macau” fez com que muitos macaenses tenham começado a mudar-se de armas e bagagens para uma zona com uma economia bem mais fulgurante. Afinal de contas, “a apenas 66 quilómetros de distância [Hong Kong] era o melhor porto de águas profundas a sul da China dentro das leis, administração e protecção militar no maior império do mundo”.

1 Abr 2025

TUI reduz pena de residente por crime fatal em Zhuhai

O Tribunal de Última Instância (TUI) decidiu reduzir a pena de um residente de 44 anos detido, em Agosto de 2023, por matar outro residente em Zhuhai. Tudo aconteceu numa noite de diversão nocturna que terminou da pior maneira, na zona de Gongbei, tendo os dois homens começado a discutir na rua quando o homicida decidiu atacar o outro residente com dois golpes de tesoura.

O Tribunal Judicial de Base (TJB) condenou o residente a uma pena de prisão efectiva de 15 anos pela prática, em autoria material e da forma consumada, de um crime de homicídio. Além disso, o residente foi condenado a pagar uma indemnização superior a dois milhões de patacas à viúva, com juros. Foi então que o homicida decidiu recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, por não concordar com a sentença, sendo que o TUI reduziu agora essa pena para 13 anos e nove meses.

Sem intenção “directa”

Segundo o acórdão do TUI, o homicida pediu a redução da pena alegando que estava sob efeito do álcool e que não sabia que os golpes de tesoura poderiam, efectivamente, matar o outro residente. Além disso, o recorrente alegou que tinha sido chamada a polícia antes de agredir o homem com a tesoura. Porém, o TUI entende que “tais circunstâncias não se apresentam válidas e eficazes para excluir a sua culpa quanto à conduta e a sua responsabilidade”.

O TUI entende que está em causa uma situação de “dolo eventual” e não uma intenção “directa” de matar o outro, pelo que se afigurou possível “uma redução moderada da pena”.

Os detalhes do caso são descritos no acórdão: os dois homens estavam, por volta das 00h02 de 31 de Julho de 2023 a comer com a mulher do falecido e mais sete amigos, sendo que o homicida bebeu “três a quatro garrafas de cerveja”, tendo alguns deles ido jogar mahjong a seguir. A discussão entre os dois homens aconteceu por volta das 3h50 “por motivos triviais”, tendo-se tornado “cada vez mais grave”.

Os amigos tentaram separá-los, sem sucesso. Por volta das quatro da manhã, o homicida “abandonou o estabelecimento de mahjong, correndo, pegou numa tesoura de uma loja de fruta com a qual deu vários golpes no lado esquerdo do peito, braço e antebraço esquerdos e polegar da mão esquerda” do falecido. O óbito foi declarado às 04h15 pela Polícia de Segurança Pública de Zhuhai. O autor do crime foi detido à entrada de Macau.

1 Abr 2025

Cinemateca | “Flow”, vencedor do Óscar, em destaque no mês de Abril

“Encantos de Abril” está aí, com uma nova selecção de filmes para ver este mês na Cinemateca Paixão. Destaque para “Flow – À Deriva”, que conquistou o Óscar de Melhor Filme de Animação este ano, bem como para “Dog on Trial” ou “Four Trails”, entre outros

 

Um gatinho preto, de olhos brilhantes, tenta sobreviver à inundação do mundo que ele conhece. De repente, tem de partilhar o espaço de um barco com outros animais de espécies completamente diferentes, e garantir que vivem. “Flow – À Deriva” é uma lição de humanidade e, talvez, uma reflexão sobre as alterações climáticas, consoante o olhar de cada um. Pode agora ser visto na Cinemateca Paixão, a partir desta sexta-feira, tendo ainda outras três sessões programadas.

“Flow – À Deriva”, de Gints Zilbalodis, é uma produção da Letónia que surpreendeu meio mundo e a Academia de Hollywood, tendo vencido o Óscar de Melhor Filme de Animação. O orçamento inicial do filme foi de 3,6 milhões de dólares americanos e o seu sucesso surpreendeu até o próprio autor do filme.

“Pensámos que, na melhor das hipóteses, seríamos seleccionados para alguns festivais e teríamos uma boa temporada de festivais”, explicou Zilbalodis, de 30 anos, à agência France-Presse (AFP). Para a Letónia, as duas nomeações para os Óscares foram históricas, pois nenhum filme do país báltico de apenas 1,8 milhão de habitantes havia disputado um Óscar.

Mas “Encantos de Abril” prossegue com outras histórias, já fora do mundo da animação. Uma delas é “Dog on Trial”, que pode ser visto já a partir desta quinta-feira. Trata-se de uma história fora do vulgar em que uma advogada, Avril, defende um cão na barra do tribunal. O filme acaba por revelar episódios cómicos e, ao mesmo tempo dramáticos, em torno de questões como o sistema judicial, os direitos das mulheres e dos próprios animais.

Aventuras em Paris

Segue-se “Grand Maison Paris”, um filme japonês passado na capital francesa. A primeira sessão acontece hoje às 19h30, seguindo-se mais duas datas de exibição. A história gira em torno da abertura de um restaurante em Paris, chamado “Grand Maison Paris”, depois do sucesso obtido com o “Grand Maison Tokyo”, ganhador de três estrelas Michelin.

Natsuki Obana e Rinko Hayami aventuram-se então em Paris, querendo ser os primeiros chefes asiáticos a obter estrelas Michelin na cidade luz, mas os desafios que vão enfrentar fazem da aventura uma tarefa bem mais difícil do que pensavam. Os protagonistas têm de lidar também com a pressão de uma cidade cheia de chefes bem conhecidos da cozinha francesa.

Outro filme, do género documentário, que pode ser visto a partir de amanhã é “Four Trails”, apesar de todas as sessões de exibição já estarem esgotadas. Trata-se de uma história real, a de Andre Blumberg, que partiu sozinho para correr os quatro trilhos icónicos de grande distância de Hong Kong em apenas 72 horas. São 298 quilómetros, e mais de 14.500 metros de desnível depois, acabou por ser criada uma das maratonas mais difíceis do mundo, com o nome “Hong Kong Four Trails Ultra Challenge”. O documentário retrata, assim, a edição de 2021 desta competição.

Dentro do rol de filmes asiáticos apresenta-se “Montages of a Modern Motherhood”, um filme deste ano de Hong Kong, que será exibido nos dias 15 e 27 de Abril. Trata-se da história de Suk-jing, que acolhe uma filha bebé na sua vida, e que com isso nunca mais será a mesma. Depressa Suk-jing percebe que o dia é pequeno demais para tudo o que tem de fazer, queixando-se de que o marido não a ajuda nesta nova tarefa da maternidade. Depressa começam os dramas familiares e as reflexões sobre a necessidade de dias melhores.

Dentro de uma outra secção, “Auter Style – Dupla Funcionalidade”, apresenta-se ainda, esta sexta-feira, o filme “Hard Truths”, do realizador britânico Mike Leigh sobre ética familiar. A história gira em torno da nervosa Pansy, com um comportamento psicológico contrastante face à irmã, mais nova e descontraída. Neste filme, pode-se explorar as relações familiares e as dificuldades que existem para, por vezes, se manter a harmonia nessas ligações.

1 Abr 2025

José Paulo Esperança, reitor associado da Universidade Cidade de Macau: “As línguas não podem ser controladas”

Co-autor do “Novo Atlas da Língua Portuguesa”, com Luís Reto e Fernando Luís Machado, José Paulo Esperança revela ao HM que a obra editada em 2016 e 2018 está a ser actualizada, sobretudo devido ao crescente valor global do idioma. O reitor associado e docente da Universidade Cidade de Macau sugere parcerias com Macau no âmbito do projecto editorial

 

Lançou o “Novo Atlas da Língua Portuguesa”, em co-autoria, sobre o valor global do idioma. Planeiam uma nova edição ou actualização?

Sem dúvida. Estamos a trabalhar nesse sentido, houve uma conferência recente em Macau e o professor Luís Reto, antigo reitor do ISCTE, apresentou alguns elementos mais actuais que foram desenvolvidos. Ele tem trabalhado numa questão muito importante, que é o papel do português como língua franca, que foi durante alguns séculos na Ásia. O intercâmbio entre holandeses e o reino de Sião fazia-se em português, porque era a língua comum utilizada nessa altura, antes do inglês se tornar na língua franca contemporânea. Portanto, há todo um historial interessantíssimo do português e no papel que teve nos primeiros pinyins que existiram, com o chinês e na utilização do alfabeto [romano] no Vietname. Há uma série de elementos que não estão, portanto, muito divulgados, e o trabalho do Atlas é esse mesmo, de divulgar algumas dimensões económicas da língua.

Quais são essas dimensões?

Uma delas é o intercâmbio de comércio e de investimento estrangeiro, que é muito facilitado pela língua. Falamos também das migrações, do turismo, do intercâmbio de estudantes que é muito influenciado pela proximidade linguística. Portanto, temos hoje um conjunto de elementos que são muito interessantes, e temos esperança de vir a desenvolver algumas parcerias mais importantes com Macau.

Como?

Mais ao nível do trabalho que o professor Luís Reto está a fazer, que mantém uma equipa de investigação sobre o valor do português. Ele tem colaborado com o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, por exemplo. Trata-se de um espaço museológico que foi renovado depois do incêndio que o destruiu. Além disso, tem um projecto com a Câmara Municipal de Cascais para desenvolver uma estrutura desse tipo, e temos esperança de fazer alguns trabalhos com Macau, no sentido de criar três pólos para a projecção da língua portuguesa. Quanto aos materiais do Atlas, gostaríamos de ter até um modelo de actualização continuado, pois estes dados ficam desactualizados muito rapidamente. A obra foi editada em muitas línguas, incluindo o mandarim. Este é o momento em que gostaríamos de dar ao livro uma dimensão mais histórica e profunda, com mais conhecimento sobre o ensino do português no mundo.

Que balanço faz desse ensino actualmente?

O português está a desenvolver-se muito como língua materna e, efectivamente, é uma das línguas com maior expansão devido ao crescimento demográfico em África, com países como Angola e Moçambique, que por volta de 2050 terão populações superiores a 100 milhões de habitantes, cada um deles. O português consolida-se, assim, como uma língua do hemisfério sul, mas muito mais de África, suplantando o próprio Brasil como local de maior número de falantes da língua. Tudo isso gera um enorme potencial, e tal também ocorre devido ao grande intercâmbio das universidades e internacionalização do ensino. Há hoje a possibilidade de o português ser uma língua de ciência, de haver mais publicações nesse idioma. Esse é um grande desafio, porque o inglês é a língua contemporânea dos cientistas. Queremos contribuir para todas essas dimensões, e Macau também pode ter aí um papel importante. Macau é de facto uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa, e pode desempenhar um papel significativo.

Macau é um sítio ideal para formar professores de português que não tenham o português como língua materna? Teme que o território perca relevância nesta matéria perante a oferta de cursos no Interior da China?

Vejo essa questão mais como complementaridade do que concorrência. Identificámos cerca de 60 instituições de ensino superior na China que têm cursos de português, mas julgo que Macau tem condições muito interessantes para começar a ensinar logo desde o ensino primário até ao secundário, para que seja possível às crianças terem uma aprendizagem desde tenra idade. Não quer dizer que não haja jovens chineses que começaram a aprender a língua na adolescência que passem a falar de forma fantástica, que me surpreende, mas é mais fácil começarem cada vez mais cedo. Isso será mais fácil em Macau. O que é importante é criar condições para uma maior colaboração económica a muitos níveis, como a investigação conjunta. Nesse aspecto, Macau tem uma oportunidade muito interessante. Na Universidade Cidade de Macau estamos muito interessados em ter cada vez mais colaboração com investigadores que nos visitem e trabalhem com as nossas equipas.

Pode dar-me exemplos?

O Brasil é hoje um dos grandes parceiros comerciais da China. Há muito intercâmbio nos dois sentidos, mas um dos temas que é pouco estudado, e no qual trabalho muito, é o da internacionalização das empresas chinesas. Até que ponto essas empresas seguem um modelo de internacionalização semelhante ao de outros países que começaram esse processo mais cedo? Falo dos Estados Unidos da América, dos países europeus, mas também do Japão e outros. A China tem, de facto, modelos diferentes de presença nos países que ainda não são muito conhecidos, e isso é importante perceber, para que saibamos como se pode facilitar esse processo de intercâmbio num mundo que vive períodos de algum retrocesso. É muito triste. Recordo sempre um grande economista de origem portuguesa, o David Ricardo, que explicou de forma clara como o comércio mundial é benéfico para toda a gente e como os países podem tirar partido dessa situação. Portanto, aplicar tarifas, fazer esse tipo de barreiras comerciais prejudica os países que são grandes exportadores, como a China ou Alemanha, e os países que têm hoje uma capacidade de exportação cultural, por exemplo, e não são apenas importadores.

Relativamente ao novo Acordo Ortográfico. Continua sem haver uma uniformização em Macau. Isso preocupa-o?

As línguas são dinâmicas e não podem ser controladas. Pensamos hoje no inglês, e percebemos que há formas quase incompreensíveis entre si, como o inglês que se fala na Nigéria ou na Austrália. Os americanos têm dificuldade em perceber os australianos. No século XIX, o português de Portugal e do Brasil estavam mais próximos, depois surgiu alguma divergência. Houve um esforço, no Brasil, de propor um acordo ortográfico, e os portugueses aderiram, resultando numa série de negociações. Sempre existiram resistências. Recordo que Fernando Pessoa sugeriu a famosa frase “A minha pátria é a língua portuguesa”. Era curiosamente uma manifestação de algum conservadorismo, porque ele achava que farmácia tinha de se continuar a escrever com PH [Pharmácia]. Na realidade não fazia muito sentido. Portugal acabou por procurar impor uma certa uniformização com base nas alterações mais genéticas do Acordo Ortográfico. Não é um processo que tenha corrido bem a cem por cento, e que tenha sido universalmente adoptado. Os países africanos acabaram por ser mais defensores do português de Portugal. Há, por vezes, alguma confusão, mas entendo que a intercompreensão ainda se mantém, conseguindo-se uma língua homogénea, mais talvez do que o inglês.

 

Entre palavras e números

José Paulo Esperança é doutorado em Economia pelo Instituto Universitário Europeu e foi presidente do departamento de Finanças e Contabilidade do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. O “Novo Atlas da Língua Portuguesa”, com edições em 2016 e 2018, contém “um amplo conjunto de indicadores que reforçam a ideia do crescimento do ensino, dos falantes e do uso escrito do português no mundo”, tendo sido alvo de uma série de iniciativas recentes em Macau.

Uma delas decorreu no passado dia 17 de Março, na Fundação Rui Cunha, com uma sessão do ciclo “Roda de Ideias”, intitulada “O potencial da língua portuguesa no mundo contemporâneo”, que contou com a participação do antigo reitor do ISCTE, Luís Reto, e o próprio José Paulo Esperança. Além do “Novo Atlas da Língua Portuguesa”, José Paulo Esperança é autor de outras obras na área financeira.

1 Abr 2025

Artista sul-coreana Shin Min vence primeira edição do “MGM Discoveries”

Shin Min, artista sul-coreana, foi a vencedora da primeira edição do prémio “Prémio de Arte MGM Discoveries”, atribuído em conjunto pela MGM e Art Basel de Hong Kong. Segundo um comunicado da MGM, a artista, representada pela galeria P21, de Seul, venceu com uma “instalação inovadora”, com o nome “Ew! There is hair in the food!!!”, em que utilizou “um simbolismo potente e experiências pessoais para confrontar as normas sociais e as injustiças sistémicas”.

Segundo a mesma nota, Shin Min “espera que este trabalho sirva como uma ferramenta poderosa para sensibilizar a sociedade e, em última análise, melhorar as condições de trabalho da população”. O prémio inclui um valor monetário de 50 mil dólares americanos e a “oportunidade de ser convidado pela MGM para realizar uma exposição e participar em intercâmbios artísticos em Macau”.

O objectivo do prémio “MGM Discoveries” é “promover a diversidade artística e ligar Hong Kong, Macau e o mundo através de eventos culturais icónicos”, sendo que esta iniciativa “reconhece a originalidade e a inovação de artistas internacionais emergentes”, além de “ampliar a sua visibilidade no mundo da arte global”.

Visões partilhadas

Kenneth Feng, presidente e director-executivo da MGM China Holdings Limited, disse que “a MGM e a Art Basel Hong Kong partilham a visão comum de promover o desenvolvimento artístico e cultural global”, sendo que este prémio conjunto “é um compromisso para descobrir artistas emergentes e celebrar a sua originalidade e criatividade, oferecendo uma plataforma para desenvolver o seu potencial e crescer”.

“Além disso, através dos esforços culturais internacionais, Macau está a unir-se estreitamente a Hong Kong e ao palco global, expandindo a rede global e o intercâmbio de Macau”, referiu o responsável.

Já Angelle Siyang-Le, directora da Art Basel Hong Kong, referiu que o júri escolheu “Shin Min de entre um notável conjunto de artistas apresentados no ‘Sector Discoveries’, que destaca artistas e galerias emergentes através de apresentações individuais de projectos recentes”.

A MGM organizou ainda uma visita guiada à Art Basel de Hong Kong, uma das mais importantes feiras de arte do mundo, para cerca de 50 líderes e representantes culturais e educacionais de Macau. Com este prémio, a operadora de jogo diz querer “trazer novas perspectivas artísticas a Macau e à Grande Baía”, bem como “uma variedade de actividades artísticas e culturais internacionais”.

31 Mar 2025

EPM | Paulo Rangel garante aumento de apoio financeiro, após 11 anos de cortes

Numa visita relâmpago a Macau, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal defendeu que a posição que o país mantém na União Europeia em nada afecta a relação com a China. Durante a visita de Paulo Rangel foi também anunciado que Sam Hou Fai deverá visitar Portugal durante o Verão

 

Reuniu com Sam Hou Fai, com conselheiros das comunidades portuguesas, representantes associativos, instituições de ensino e empresários portugueses. Foi assim a visita de Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, na curta visita à RAEM, que decorreu na sexta-feira. Não faltaram ainda passagens pela Escola Portuguesa de Macau (EPM) e o Consulado-geral de Portugal no território. No final da tarde, Paulo Rangel deslocou-se ainda a Hong Kong para visitar a exposição “Estórias Lusas”, dedicada à comunidade portuguesa do território, patente no Museu de História de Hong Kong. Na China, Paulo Rangel marcou presença no Fórum Boao, em Hainão.

Numa entrevista à TDM, o ministro assegurou que as relações de Portugal com a China mantêm-se boas, negando que o posicionamento do país nas tomadas de posição da União Europeia (UE) possa representar alguma espécie de entrave.

“Quem achar que a presença de Portugal na UE é prejudicial para a relação de Portugal com a China, não percebe a relação de Portugal com a China e não percebe o papel de Portugal no quadro internacional. Percebo que algumas pessoas não compreendam, mas sinceramente temos de ver isso como mais valia. E isso é visto assim”, defendeu.

Uma das vozes que criticou o posicionamento de Portugal em relação a matérias como a questão da Huawei e rede 5G foi Amélia António, advogada e presidente da Casa de Portugal em Macau.

“A minha expectativa não é grande. Gostaria que o senhor ministro, depois de visitar a China, dissesse alguma coisa simpática, na medida em que as relações têm estado muito frouxas. Gostava de ver essa relação ser retomada da forma como era habitual e também que não fôssemos tão seguidores das posições da UE, de forma tão feroz, pois temos aqui interesses muito especiais e temos uma comunidade portuguesa muito grande. A situação é diferente em relação a outros países da UE, e isso não deve ser perdido de vista”, disse ao HM antes da chegada de Paulo Rangel a Macau.

A questão EPM

Na entrevista concedida à TDM, Paulo Rangel comentou ainda a questão da EPM, frisando os pontos que não estiveram na agenda, nomeadamente as obras de ampliação das instalações.

“Esta questão ainda não foi abordada. Há, aliás, várias questões que têm de ser detalhadas e resolvidas, e uma ou outra que não foram ainda postas em cima da mesa. Sabemos que há procura por isso, mas, e estou a ser totalmente transparente, é uma questão que não está ainda posta em cima da mesa.”

Segundo a Lusa, Paulo Rangel anunciou também que o Governo aumentou o apoio financeiro à EPM, regressando ao nível previsto legalmente, após 11 anos de cortes.

“Acabámos de fazer a reposição da contribuição portuguesa para a Escola Portuguesa de Macau, que (…) tinha sofrido um corte enorme”, disse Rangel na sexta-feira.

O Estado português detém a maioria (51 por cento) do capital da fundação da EPM, mas desde 2014 que Lisboa apenas contribuía com 10 por cento das despesas da escola, uma decisão tomada no âmbito do programa de resgate financeiro de Portugal. O financiamento da EPM “está agora nos níveis legais outra vez e é a primeira vez ao fim de 11 anos”, anunciou.

Pouco depois, o chefe da diplomacia portuguesa disse aos jornalistas que “já não havia razão nenhuma, sinceramente, para haver esse corte e ele manteve-se”. “Aumentámos cinco vezes esse valor [do financiamento da EPM], portanto isso é algo que é altamente significativo do empenho que nós temos”.

“Há governos que realmente dão importância a Macau e à China e há outros que não dão, isto é uma coisa que tem que ser dita”, lamentou o ministro, apontando o dedo ao anterior executivo do Partido Socialista. A reposição do financiamento “é sem dúvida uma ajuda importante” para a EPM, que Rangel descreveu como tendo um papel fundamental para Portugal em Macau.

“Também registamos com agrado (…) que nunca houve tantos alunos de português – e agora falo de alunos da comunidade chinesa – como há hoje em múltiplas escolas”, acrescentou o dirigente. “Significa que também a Região Administrativa Especial [de Macau] tem incentivado o ensino de português e o conhecimento de português, e isso é algo que só pode trazer boas relações entre os dois lados”, acrescentou Rangel.

Sam em Portugal

Do encontro com Sam Hou Fai, que decorreu também na sexta-feira, saíram algumas ideias e opiniões sobre “o intercâmbio e cooperação bilateral nas áreas judicial, económico-comercial, educação, entre outras”, aponta uma nota oficial do Gabinete de Comunicação Social.

Sam Hou Fai levou para o encontro temas como “o desenvolvimento mais actual da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Henqing”, além de ter lembrado que “Paulo Rangel é o primeiro responsável ministerial estrangeiro que ele recebe após a tomada de posse como Chefe do Executivo, facto que reflecte as boas relações entre Macau e Portugal com uma história de longa data”.

O Chefe do Executivo destacou ainda que depois de 20 de Dezembro de 1999, Macau, “com o forte apoio do Governo Central, tem insistido em manter o princípio de ‘Um País, Dois Sistemas’, preservando o sistema jurídico continental, a cultura e costumes tradicionais, bem como manter, activamente, a ligação e fomentar as relações com Portugal”.

O governante disse ainda que “Macau tem aprofundado o papel de ponte e plataforma entre a China e os países lusófonos, impulsionando, de forma contínua, o estabelecimento de relações amigáveis nas diversas áreas de cooperação bilateral”.

Outra novidade deste encontro foi a informação, avançada pelo próprio Sam Hou Fai, que “espera visitar Portugal num futuro próximo” sem que, no entanto, tenha sido anunciada uma data concreta.

Rangel anunciou que o Chefe do Executivo de Macau deverá visitar Portugal “imediatamente antes de Agosto ou em Setembro”. “Há aqui claramente também um alinhamento das prioridades que é altamente simbólico”, disse o diplomata, à margem de um encontro com a comunidade portuguesa em Macau.

Questionado sobre as restrições a portugueses no acesso ao estaturo de residente, Rangel disse que falou com Sam Hou Fai “sobre todas as questões que são relevantes para a relação entre Portugal e a RAEM”. “Mas, como se trata de um diálogo que está em curso, tenho o dever de dar a oportunidade a que possamos, com as questões que foram levantadas de uma parte e da outra, termos agora espaço e tempo para construirmos soluções”, acrescentou.

Rangel disse que o “seguimento do diálogo” com Sam Hou Fai acontecerá numa reunião da Comissão Mista Portugal–RAEM, “que será organizada, em princípio, no segundo semestre aqui em Macau”.

Paulo Rangel disse ainda, em entrevista à TDM, que a visita de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República portuguesa, “vai acontecer um pouco mais tarde”, precisamente devido à marcação de novas eleições no país. Inicialmente, o objectivo era que Marcelo Rebelo de Sousa viesse a Macau em Junho para comemorar o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portugueses. A visita deverá acontecer nos meses seguintes de Verão, previu Paulo Rangel.

Encontros e desencontros

Paulo Rangel teve ainda um encontro com representantes associativos locais, incluindo com o conselheiro das comunidades portuguesas. Francisco Manhão, presidente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), aproveitou para falar da burocracia que ainda existe no relacionamento com a Caixa Geral de Aposentações (CGA).

“Para despachar um processo de pensões de sobrevivência leva seis meses e depois a correspondência anda para a frente e para trás. Os bancos de Macau não têm IBAN, e isso, por exemplo, atrasa todo o processo. Sempre que um processo vai para a CGA, voltam a insistir que não tem o número de IBAN e o NIF [Número de Identificação Fiscal], que a maioria das viúvas receptoras das pensões de sobrevivência, chinesas, não têm em Portugal”, exemplificou.

Manhão deixou ainda elogios ao político português. “Por pouco tempo que esteve aqui, mostrou preocupação. Gostei da presença do ministro”. Além disso, Francisco Manhão frisou que “em boa hora o Governo português nomeou Alexandre Leitão para cônsul”, lembrando também o bom trabalho do anterior cônsul português, Vítor Sereno. “O Consulado nunca esteve a funcionar tão bem como agora. As críticas feitas ao nosso cônsul são injustas. Houve associados nossos que me disseram ter ficado admirados por terem feito uma marcação e sido atendidos no dia seguinte”, salientou.

Mais aposta na língua

Outro ponto importante da visita de Rangel foi a promessa do reforço do ensino do mandarim em Portugal. “Com as autoridades chinesas fiz questão de dizer que nos vamos empenhar muito no ensino do chinês em Portugal”.

Na capital chinesa, Rangel encontrou-se com o homólogo chinês, Wang Yi, antes de se reunir com o vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, na ilha de Hainão, onde decorreu o Fórum Boao.

“A situação hoje é muito melhor do que era há 20 anos (…). Já temos, de facto, uma capacidade de formação que não tínhamos de todo”, disse Paulo Rangel. A formação de pessoas fluentes em mandarim “é decisivo também para o nosso futuro”, mas “não é suficiente para os desafios que temos pela frente”, alertou. Com Lusa

31 Mar 2025

MNE| BIR de portugueses e EPM são temas a discutir com Paulo Rangel

Durante a visita a Macau do ministro dos Negócios Estrangeiros português, Amélia António e Miguel de Senna Fernandes querem discutir o fim da preferência de acesso ao BIR por portugueses. A presidente da Casa de Portugal em Macau associa essa matéria à posição de Lisboa na questão do 5G

 

É mais uma visita de um governante português a Macau, mas a primeira de Paulo Rangel enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros do Executivo de Luís Montenegro, numa altura em que o país se prepara para ir a votos em Maio, após a dissolução da Assembleia da República.

Depois de um périplo pelo Interior da China, Paulo Rangel vai reunir com dirigentes associativos locais, no sentido de perceber problemáticas existentes relacionadas com a comunidade portuguesa.

Ao HM, Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), defende que as dificuldades de obtenção de residência por parte de portugueses deve ser um dos assuntos prementes. “A minha expectativa não é grande. Gostaria que o senhor ministro, depois de visitar a China, dissesse alguma coisa simpática, na medida em que as relações têm estado muito frouxas. Gostava de ver essa relação ser retomada da forma como era habitual e também que não fôssemos tão seguidores das posições da União Europeia (UE), de forma tão feroz, pois temos aqui interesses muito especiais e temos uma comunidade portuguesa muito grande. A situação é diferente em relação a outros países da UE, e isso não deve ser perdido de vista.”

Amélia António destaca o posicionamento que Portugal adoptou no caso da rede 5G e da Huawei, mas também “o desenvolvimento que houve em relação à vinda de portugueses para Macau, sujeitos ao blue card”. “Tenho a sensação que vem tudo na sequência desta política da UE face à China. Portugal deve ter uma posição no sentido de salvaguardar esses interesses.”

Em declarações à Lusa, a responsável fez queixas semelhantes. “Estamos aqui, sofremos as consequências dessas relações [entre Portugal e China], boas ou más. Tivemos relações muito próximas durante muito tempo, o que se alterou com a covid. Ainda não vi as coisas voltarem a ser como eram, e penso que era importante o senhor ministro explicar qual é a posição”, declarou, referindo que Portugal não tem de “alinhar fielmente com tudo o que se diz na Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos”, salientou.

Antes da pandemia, lembrou a responsável, existia “comunicação permanente” e “muito intercâmbio” entre as autoridades portuguesas e chinesas.

Hoje é perceptível um “endurecimento relativamente aos portugueses” em matéria de imigração em Macau, declarou Maria Amélia António, sublinhando, porém, não poder afirmar categoricamente se a posição está relacionada com “esse afastamento” entre a China e o Ocidente.

As autoridades de Macau não aceitam desde o ano passado novos pedidos de residência no território para portugueses, para o “exercício de funções técnicas especializadas”, permitindo apenas justificações de reunião familiar ou anterior ligação ao território.

Também Miguel de Senna Fernandes, advogado e presidente da Associação dos Macaenses, lamenta a situação da atribuição dos BIR. “Gostaria que o Governo da República portuguesa tivesse em conta a comunidade portuguesa no território, que enfrenta algumas dificuldades em relação à possibilidade de obtenção da residência. É um tópico que talvez possa ser abordado entre o Estado português e a RAEM, para haver uma maior flexibilidade para permitir que a comunidade portuguesa tenha maior acessibilidade ao direito de residência, como existia antes.”

Para o causídico, “a RAEM não tem de, aleatoriamente, atribuir mais residências, mas é algo que corresponde apenas a um desejo meu”. “Naturalmente, que a RAEM tem as suas razões e Macau está diferente, e há outras comunidades que têm interesse em ficar no território. A comunidade portuguesa, por maior ligação histórica que tenha ao território, não deixa de ser mais uma comunidade, entre outras. Como portugueses que somos, gostaríamos que houvesse maior flexibilidade”, admitiu.

O caso EPM

Outro ponto que Amélia António e Miguel de Senna Fernandes querem ver abordado na visita de Paulo Rangel é a situação na Escola Portuguesa de Macau (EPM) e a falta de docentes. “Penso que deve ver a escola e tomar um pouco mais de consciência em relação à situação, embora a EPM não seja da área dele. Como membro do Governo é importante que perceba que esta situação tem sido mal conduzida, pois em Portugal tem-se ido atrás de algumas conversas que têm pouco a ver com a realidade e que só prejudicam. Se ele percebesse um pouco mais da situação, não seria mau”, disse Amélia António.

Já Miguel de Senna Fernandes diz que é altura de o Executivo português deixar de olhar para a escola como mais uma instituição de ensino português no estrangeiro. “A EPM é sempre uma questão recorrente, e tudo depende de como o Estado português olha para a escola: se olhar como para qualquer escola portuguesa espalhada pelo mundo, isso é um erro. Não há comparação possível, pois a EPM surgiu num contexto muito especial.”

Porém, à agência Lusa, Jorge Neto Valente, presidente da Fundação da EPM, foi categórico: a escola “não tem nada para pedinchar” a Paulo Rangel. “Não há choradeira, não temos nada para pedinchar, não temos nada para exigir, está tudo normal”, garantiu.

O advogado e presidente da Fundação da EPM disse esperar que Rangel “leve uma correcta percepção da escola, para que serve, os objectivos que tem”. “É sempre bom ter conhecimento directo, é muito melhor que nos papéis”, sublinhou Neto Valente. “Temos de dar contas de que a escola está a cumprir o papel que se espera que desempenhe”, acrescentou o dirigente, recordando que o Estado português detém a maioria do capital da fundação da EPM.

Ainda sobre o universo da EPM, Miguel de Senna Fernandes, que também lidera a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), sugeriu um olhar atento sobre o ensino do chinês na EPM.

“Sempre advoguei que o cantonês deve ter estatuto. Porque os alunos, quando saem da escola, estão num mundo cantonês. Isto com todo o mérito que pode ter o ensino em mandarim”, referiu. “É uma questão que se deve colocar. É uma questão delicada, porque estamos a falar de uma língua oficial”, completou, referindo-se ao mandarim, língua oficial na China.

O responsável, também vice-presidente da Fundação da EPM, admite que esta não é uma questão que gere consenso – “muitos pais não concordam com esta visão” -, mas sublinha que a aprendizagem do cantonês “é um veículo de integração”, já que se trata da língua dominante no território.

Sim ao voto electrónico

Também à Lusa vários líderes associativos defenderam a transição para o voto electrónico, salientando constrangimentos nas opções correntes para a emigração. “Desde que não se avance sem ser testado, estou integralmente de acordo. O futuro é esse e temos que apontar para aí”, sublinhou a presidente da CPM.

Nas eleições legislativas, os portugueses no estrangeiro têm a possibilidade de exercer o direito de voto de forma presencial ou por via postal, enquanto nas presidenciais e europeias, a votação é presencial.

Na opção por correspondência, o Governo envia para a morada indicada no caderno de recenseamento o boletim de voto e dois envelopes, um de cor verde e outro branco, que devem ser devolvidos ao Ministério da Administração Interna após preenchimento.

A opção electrónica “pode oferecer maior segurança”, defendeu Maria Amélia António. “Com os consulados a funcionarem mal, no sentido de terem poucos funcionários, com o trabalho que têm, e em países onde estão muito longe dos sítios onde as pessoas moram, é muito difícil as pessoas irem votar pessoalmente. Também se tem provado que há muitas falhas nas garantias de receberem voto [via correio]”, acrescentou.

A escolha electrónica é uma reivindicação de longa data do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Rui Marcelo, presidente do Conselho Regional das Comunidades Portuguesas da Ásia e Oceânia, que tem um encontro agendado com o ministro dos Negócios Estrangeiros português, disse que o “tema já faz parte da agenda” do CCP “há alguns anos e já foi abordado várias vezes e com vários governos”.

“Com o avanço da tecnologia e a possibilidade de implementação de sistemas de segurança que possam garantir a segurança do voto – o que acontece hoje através da prestação de serviços noutras áreas também do Governo – estão criadas as condições para que possamos eventualmente evoluir para uma situação onde ele possa ser obviamente um complemento, mas não um substituto”, notou.

Em Fevereiro, o Parlamento português aprovou uma resolução proposta pelo PSD para testar o voto electrónico na emigração. O Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, sugeriu, em Dezembro, uma experiência piloto de voto electrónico nos círculos da emigração.

O chefe da diplomacia portuguesa chega hoje a Macau depois de passar por Pequim e por Haikou, na província de Hainão, onde marcou presença no Fórum Boao.

Em Macau, Paulo Rangel tem agendados encontros com o chefe de Governo local, Sam Hou Fai, bem como com os conselheiros das comunidades portuguesas, representantes associativos, instituições de ensino e empresários portugueses. Visita ainda a EPM e o Consulado-geral de Portugal no território.

No final da tarde, o MNE segue para Hong Kong, para visitar “Estórias Lusas”, uma exposição dedicada à comunidade portuguesa, no Museu de História de Hong Kong. Com Lusa

28 Mar 2025

AFA | Salão de Outono prolongado por causa da Art Basel de Hong Kong

A 15.ª edição do Salão de Outono, evento anual organizado pela AFA – Art for All Society e que reúne obras de vários artistas locais, vai estar mais tempo em exposição por forma a coincidir com a Art Basel de Hong Kong. Assim, o público poderá ver, até à próxima segunda-feira, 30, obras diversas de artistas como Ung Vai Meng ou Carlos Marreiros, entre outros

 

Decorre na região vizinha a Art Basel de Hong Kong, uma das maiores feiras de arte do mundo, e para que Macau não perca o ritmo no que à arte diz respeito, a AFA – Art for All Society, decidiu estender os prazos da exposição do Salão de Outono, mostra anual com artistas locais que, este ano, celebra a 15.ª edição. Originalmente o Salão de Outono fecharia portas esta terça-feira, 25.

A extensão do Salão de Outono, patente no empreendimento Parisian, no Cotai, permite, assim, “oferecer uma oportunidade única aos entusiastas da arte internacional que visitam Hong Kong para a cena artística dinâmica que está a florescer em Macau”, refere um comunicado. A edição deste ano “oferece uma justaposição atraente de arte e comércio, ecoando o espírito do original ‘Salon d’Automn’ criado no início do século XX em França”.

Estão disponíveis mais de 200 obras de 116 artistas, “seleccionadas a partir de um número sem precedentes de candidaturas”, incluindo “uma gama diversificada de meios artísticos, desde a pintura tradicional chinesa e a pintura a óleo até à arte digital de ponta, modelação 3D e instalações de vídeo”.

Convida-se, assim, “os amantes da arte de todo o mundo a explorar as diversas expressões criativas que florescem em Macau”, lê-se na mesma nota.

Mistura de gerações

No Salão de Outono o público terá a oportunidade de ver os nomes habituais do panorama artístico local, mas também trabalhos de novos talentos, numa mescla de criatividade e visão daquilo que a arte pode ser.

Uma das artistas participantes é Un Chi Iam, mestre em Belas Artes no Instituto de Arte de Nanjing e membro do Círculo dos Amigos da Cultura de Macau, em parceria com Carlos Marreiros, Mio Pang Fei, já falecido, e outros artistas locais. Un Chi Iam foi ainda editora de arte e designer no Instituto Cultural, além de ter ensinado pintura chinesa na Academia de Artes Visuais de Macau e no antigo Instituto Politécnico de Macau.

Outro nome presente no Salão de Outono, é Lok Hei, natural de Macau e que apresenta “uma extensiva experiência na área do design publicitário e planeamento de exposições”. Lok Hei, que participa nesta edição do Salão de Outono com desenhos, está também ligado a diversas associações, sendo, por exemplo, vice-presidente da Associação da Promoção do Desenvolvimento Cultural de Macau.

Um dos destaques do Salão de Outono é a presença dos trabalhos do arquitecto macaense Carlos Marreiros, autor de diversos projectos arquitectónicos em Macau e grande promotor da cultura local. Em 2019 ganhou o “Prémio Identidade” atribuído pelo Instituto Internacional de Macau. Vítor Hugo Marreiros, seu irmão e designer, mostra também os seus trabalhos nesta mostra. Habitual nome do design local, depois de vários anos a colaborar com o Instituto Cultural, Vítor Marreiros tem realizado várias exposições ao longo da sua carreira, criando, todos os anos, o cartaz do 10 de Junho da Casa de Portugal em Macau. Detém uma “Medalha de Mérito Profissional” atribuída pelo Governo na fase final da administração portuguesa, em 1999.

Guilherme Ung Vai Meng, antigo presidente do Instituto Cultural e reputado artista local, participa também neste Salão de Outono com uma pintura da sua autoria. Nascido em Macau, estudo no reputado AR.CO, em Lisboa, em 1991, tendo feito um mestrado na Academia de Belas Artes de Guangzhou. Foi o primeiro director do Museu de Arte de Macau.

Outro artista presente, é ainda Chan Hin Io, que apresenta ao público o seu trabalho fotográfico. Há mais de 20 anos que faz fotografia, sobretudo conceptual, vertente que já revelou em diversas exposições. Desde 2009 publicou mais de dez livros de fotografia, tendo exposto em locais como o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, ou o Museu de Arte de Macau, entre outros.

Tong Chong, artista da nova geração, formou-se no anterior Instituto Politécnico de Macau, em Artes Visuais, e fez um mestrado em Escultura na Academia de Belas Artes de Guangzhou. “O seu trabalho explora a cultural social contemporânea, a sua relação entre o desenvolvimento humano e o mundo natural, a essência da natureza humana e o papel da humanidade dentro da actual paisagem ambiental”, descreve a mesma nota.

Joey Ho é outro nome bem presente no panorama local das artes, tanto na qualidade de artista, como de curadora. “Joey Ho é uma das poucas artistas que trabalha activamente com uma grande diversidade de meios. A sua abordagem única, misturando sensibilidades artísticas e literárias com um estilo que varia entre a tradição e os formatos contemporâneos, permite-lhe reinterpretar os trabalhos clássicos das artes e literatura, estendendo os seus valores humanísticos”, lê-se.

27 Mar 2025

APOMAC | Jorge Fão lamenta falta de pessoas para gerir associação

A APOMAC – Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau vai novamente a eleições amanhã com uma lista única. Francisco Manhão concorre novamente para presidente, Jorge Fão para a assembleia-geral e Daniel Mendonça para o conselho fiscal. Manhão sugere a criação de uma “cidade satélite” só para idosos e pede actualização de pensões

 

Aumentar as pensões de idosos seria “ouro sobre azul”. Enquanto isso não acontece, Francisco Manhão continua a lutar por essa e outras bandeiras destinadas a melhorar a vida dos residentes com mais idade, liderando novamente a lista candidata às eleições para a gestão da APOMAC – Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau, que decorrem amanhã.

A lista é única e os rostos pouco ou nada divergem dos anos anteriores: Jorge Fão continua a liderar a assembleia-geral, enquanto Daniel Mendonça concorre pelo conselho fiscal. Há apenas um novo nome no cargo de vogal do conselho fiscal.

“É muito difícil encontrar pessoas disponíveis para fazer este trabalho voluntário. Eu e o Jorge gostaríamos de encontrar alguém que nos pudesse substituir, porque estamos há bastante tempo nesta associação. Somos idosos, mas temos energia. Enquanto tivermos força nas pernas para andar, vamos andando e tentar fazer o melhor possível pela APOMAC”, disse Francisco Manhão ao HM.

Jorge Fão destaca o facto de a APOMAC estar prestes a comemorar 25 anos desde a fundação, salientando que existe, de facto, um problema de liderança, que se não for resolvido pode culminar no desaparecimento da associação. “Não estamos a ver o surgimento de outra lista com pessoas mais novas e capazes, de modo que oferecemos os nossos préstimos por mais um mandato e por aí fora, até onde for possível. Há um problema de liderança na APOMAC e noutras associações. A questão da APOMAC é mais séria, pois estamos de pé há 24 anos, aniversário que celebraremos em Maio.”

Cidade satélite e pensões

Numa lista que irá liderar a associação até 2028, o lema é “Somos Idosos, mas Enérgicos”, lê-se no programa de acção.

No primeiro ponto, é indicado que o objectivo da equipa é “acompanhar a política do Governo e da Fundação Macau, com vista a ajustar as necessidades do nosso programa de acção ao longo deste mandato de três anos”. Além disso, pretendem “prestar os apoios necessários aos associados para que possam usufruir dos benefícios atribuídos pelo Governo da RAEM e outras entidades oficiais”.

Um dos pedidos da lista ao Governo liderado por Sam Hou Fai é o aumento das pensões, que actualmente é de 3.740 patacas. O seria para a associação seria a actualização para quatro mil patacas mensais.

“Seria bom que o Governo da RAEM pagasse mensalmente em média a pensão para idosos, a compensação pecuniária e o subsídio de velhice, ao invés de termos de esperar de três em três meses para receber a pensão para idosos, sete meses para receber a compensação pecuniária e dez meses para receber o subsídio de velhice. A média seria de 5.323 patacas, dinheiro que faz muita falta aos idosos”, disse ao HM.

Outra ideia deixada por Francisco Manhão é da construção de uma cidade satélite só para habitações de idosos, no que seria um projecto de maior dimensão face à residência para idosos já construída pelo Executivo, na zona da Areia Preta.

“Gostava que um dia o Governo da RAEM construísse uma cidade satélite para os idosos. Preocupo-me muito porque há muitos a viverem sozinhos, e com a construção dessa cidade satélite deixavam de ter problemas de solidão, podendo conviver entre si, além de se poderem disponibilizar serviços comuns a todos. A construção de edifícios altos é algo bom, mas para os idosos não é tão bom assim”, defendeu.

Ainda assim, Manhão assegura que ser idoso em Macau é bem mais fácil do que em Hong Kong. “Hoje em dia, em Macau, os idosos vivem bastante bem, porque há muitos apoios sociais atribuídos a esse grupo de pessoas.

Recursos suficientes

Questionado sobre os pontos essenciais para tornar a APOMAC uma associação de maior dimensão, Francisco Manhão diz que “têm o suficiente”, lamentando, porém, o encerramento da clínica onde eram prestados aos idosos cuidados de saúde mais básicos.

“Naturalmente que tínhamos o plano de poder desenvolver mais a nossa sede, mas pela falta do subsídio tivemos de encerrar a nossa clínica. Nesse contexto, tínhamos um programa para desenvolver essa área que teve de ser abandonado, e que teria beneficiado os nossos associados. Procuramos organizar mais palestras sobre saúde, porque o grupo da terceira idade precisa de saber mais sobre doenças e questões de saúde no geral, algo que pode gerar grandes preocupações.”

Em termos políticos, Francisco Manhão, que até já foi candidato a deputado à Assembleia Legislativa, diz que a APOMAC é uma defensora do princípio de “Um País, Dois Sistemas”, pensado por Pequim para as regiões de Macau e Hong Kong. “Concordamos com a política nacional de ‘Um País, Dois Sistemas’, para que Macau possa ser um paraíso para nós. Até agora temos estado bastante bem em Macau, não temos problemas, mas gostaríamos que esse princípio continuasse.”

Muita burocracia

Um dos serviços prestados pela APOMAC passa pelo apoio burocrático a idosos na comunicação com a Caixa Geral de Aposentações (CGA), no caso dos antigos funcionários públicos que recebem a reforma de Portugal, ou o Fundo de Pensões de Macau.

“Melhorou um pouco a comunicação com a CGA, mas a parte burocrática continua a ser muito difícil de lidar por parte dos nossos associados. Ainda há pouco tempo um dos nossos associados esperou mais de três anos por um reembolso de um montante que foi cobrado indevidamente”, exemplificou Francisco Manhão.

Jorge Fão, por sua vez, salientou que a APOMAC é também bastante procurada por pessoas que não são sócias, incluindo da comunidade chinesa, para o tratamento de vários assuntos, como pedidos de subsídios ou papelada relacionada com funerais.

Olhando ainda o programa de acção, a lista da APOMAC pretende também “organizar mais passeios turísticos à China continental, dando a conhecer a sua cultura e o sucesso do país”, bem como a promoção de “mais convívios, para que os associados se juntem periodicamente”. Bastante procurada pelo serviço de refeições, uma vez que na APOMAC pode comer-se alguns pratos de gastronomia macaense, a lista quer “melhorar, sempre que possível, a gestão da cantina”.

Questionado se muitos idosos de Macau desejam, um dia, passar a reforma na China, numa altura em que a integração regional é, cada vez mais, uma realidade, Francisco Manhão admite que sim, embora muitos “prefiram ficar no território, por já terem aqui a sua vida enraizada, estando habituados aos usos e costumes de Macau”. “O Governo da RAEM tem feito muito trabalho para que se possam integrar na Grande Baía”, rematou.

27 Mar 2025

Violência | Dois feridos no centro de Macau em ataque com faca

Ocorreu ontem, ao final da tarde, um ataque com faca no centro histórico de Macau, junto à Travessa dos Anjos, dentro de uma loja de telecomunicações. Segundo informações divulgadas pelo canal chinês da Rádio Macau e jornal Ou Mun, um dos residentes, com 26 anos, foi ferido na zona do pescoço e perdeu a consciência, tendo sido enviado de urgência para o Centro Hospitalar Conde de São Januário.

O outro residente, de 29 anos, sofreu apenas um corte no braço esquerdo e foi enviado para o Hospital Kiang Wu para receber tratamento médico, depois de ter sido estabilizado pela equipa de bombeiros que se deslocou ao local.

O incidente ocorreu por volta das 18h e suspeita-se que o alegado autor do ataque, também ele residente, teria na sua posse uma faca quando começou uma discussão dentro da loja. Suspeita-se também que o mesmo tenha problemas do foro mental.

Quando os agentes das forças de segurança chegaram ao local conseguiram interceptar o homem, tendo a loja sido encerrada de seguida. Até ao fecho desta edição ainda não tinha sido divulgada qualquer informação em língua portuguesa.

26 Mar 2025

Rota das Letras | Da Mongólia às antigas colónias portuguesas: as exposições

O festival literário Rota das Letras apresenta três exposições de fotografia, duas delas patentes até Abril, que apresentam uma diversidade de temáticas e estilos criativos. João Miguel Barros colaborou na curadoria de todas elas: “Tempo Nómada: Uma Introdução”, de Jessie Rao; “O Vento Sopra na Pradaria”, de Wang Zhengping; e “Novas Independências”, com imagens do fotojornalista Alfredo Cunha. Eis uma viagem por três mundos distintos

 

Se fotografar é contar, ou transmitir sem palavras, compreende-se então a aposta do festival literário Rota das Letras em apresentar três exposições distintas, que vão desde os cenários distantes da Mongólia até às antigas colónias portuguesas em África. João Miguel Barros, curador, também ele fotógrafo, ajudou a fazer a curadoria de todas elas, e ao HM revela um pouco dos detalhes de cada projecto.

No caso de “O Vento Sopra na Pradaria”, com trabalhos de Wang Zhengping, a curadoria foi feita em parceria com Na Risong. Disponível até ao dia 28 de Abril na Galeria do Tap Seac, esta foi, “de longe, a exposição mais desafiante em termos curatoriais”, confessou.

“Tive de partir de um conjunto de cerca de 300 ficheiros com imagens e escolher a narrativa principal. Optei por centrar a exposição no projecto dos cavalos da Mongólia, que é o que mais me fascina, dando-lhe mais espaço, e complementei-o com o outro projecto das comunidades”, disse João Miguel Barros, explicando ainda que “poderia ter sido ao contrário, pois ele [Wang Zhengping] tem duas componentes muito bem desenvolvidas ao longo de décadas de trabalho”.

Além disso, o curador teve de criar “um diálogo entre o tamanho das imagens e a sua colocação no espaço da galeria, criando grupos com identidade própria”. “Fiquei muito contente com o resultado final e o acho que consegui surpreender o artista, que me confessou não estar à espera deste resultado”, adiantou.

Wang Zhengping é, além de fotógrafo, etnógrafo, sendo actualmente conhecido como um dos grandes fotógrafos contemporâneos da China, sobretudo pela sua vertente artística. Começou a obter reconhecimento internacional a partir de 2015, sendo considerado um dos dez principais pioneiros da fotografia asiática no ranking da revista fotográfica Pixel. Tem um trabalho muito virado para os cavalos que habitam nas estepes da Mongólia, na Região Autónoma da Mongólia Interior, região que tem marcado bastante o seu trabalho.

Da descolonização

Para um campo criativo e temático completamente diferente, João Miguel Barros organizou “Novas Independências”, com imagens do fotojornalista Alfredo Cunha, que pode ser vista no Antigo Matadouro Municipal até domingo.

“A mostra de Alfredo Cunha é um abrir de apetite para a exposição de grande fôlego que está a ser construída de raiz para vir a Macau no próximo ano”, anunciou.

Com a temática da descolonização portuguesa, que arrancou depois do 25 de Abril de 1974, “Novas Independências” foca-se nos países africanos de língua portuguesa, que viveram de forma mais intensa este processo de descolonização. Porém, o curador quis retirar-lhe “a carga institucional e política”, seleccionando “centenas de imagens enviadas pelo Alfredo para mim a partir de um critério mais pessoal e humanista”.

O curador decidiu, então, agrupar essas imagens em cinco conjuntos, intitulados de “Lugares”, “Pessoas”, “Às armas”, “Chegadas e Partidas” e “Rituais”. “As imagens são muito significativas e revelam o grande talento de um dos grandes nomes da fotografia portuguesa do pós-25 de Abril”, acrescentou João Miguel Barros.

Alfredo Cunha começou a trabalhar em fotografia em 1970, tendo entrado para os jornais no ano seguinte, começando no Notícias da Amadora. Desde então colaborou com os mais importantes jornais portugueses, como O Século, já desaparecido; o Público ou o Jornal de Notícias, tendo sido também editor da secção de fotografia.

Foi fotógrafo oficial dos presidentes da República Ramalho Eanes e Mário Soares, recebendo a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique em 1996. O seu trabalho sobre a Revolução dos Cravos, no 25 de Abril de 1974, e a descolonização portuguesa, contam-se entre os seus trabalhos fotográficos mais conhecidos.

Nómadas no Albergue

A terceira mostra integrada no festival literário Rota das Letras é “Tempo Nómada: Uma Introdução”, inaugurada esta segunda-feira no Albergue SCM e que fica patente até ao dia 10 de Abril.

“Trouxe a Jessie [Rao] a Macau no contexto deste festival por ser discípula de Wang Zhengping e pelo facto de o seu projecto ser também sobre a Mongólia. O trabalho que está exposto, que é todo a cores, ao contrário da mostra de Wang, que é totalmente a preto e branco, mostra uma visão diferente, e mais vivencial, das comunidades e das pessoas”, explicou.

Embora Jessie Rao não seja natural da Mongólia, a verdade é que acabou por captar algo da cultura da região, demonstrando, na visão do curador, “um enorme talento”. “Este projecto [Tempo Nómada] obteve o prémio de excelência, que é o prémio principal, no prestigiado Festival Internacional de Fotografia de Pingyao, em finais do ano passado. Ele capta o lado humano das pessoas com uma densidade única, e as suas fotografias são lindíssimas”, acrescentou.

26 Mar 2025

Macau Legend | Previstos prejuízos de 640 milhões de HKD

A Macau Legend Development anunciou esta segunda-feira à Bolsa de Valores de Hong Kong que prevê um prejuízo na ordem dos 640 milhões de dólares de Hong Kong (HKD) (660,5 milhões de patacas) relativamente às contas do ano passado.

O comunicado explica que estes números se devem, em parte, ao falhanço do projecto de casino e resort em Cabo Verde. Ocorreu, assim, “a perda por imparidade significativa em relação aos depósitos pagos, bens e equipamentos e activos de direito de uso detidos pelos projectos de investimento do Grupo em Macau e Cabo Verde”.

Além disso, a Macau Legend, liderada actualmente por Li Chu Kwan, que assina este comunicado, reconhece que este valor estimado de prejuízos se deve “à provisão para o imposto complementar de 415 milhões de HKD nos anos anteriores, resultante da alienação de uma subsidiária do grupo”.

Esta estimativa de prejuízos baseia-se “numa avaliação preliminar”, sendo deixado o aviso para accionistas e potenciais investidores, para que tenham “cuidado a negociar os títulos” da Macau Legend.

As contas finais, e auditadas, da Macau Legend deverão ser lançadas até finais deste mês, ou seja, até segunda-feira.

26 Mar 2025

Fórum Boao | IA, globalização e sustentabilidade em discussão

Começou mais uma edição do Fórum Boao, em Hainão, onde serão discutidos temas como inteligência artificial, globalização, questões económicas actuais e desenvolvimento sustentável. O Chefe do Executivo da RAEM parte hoje para o evento, que tem como tema “Ásia no Mundo em Transformação: Rumo a um Futuro Compartilhado”

 

Os cartazes a anunciar mais uma edição do Fórum Boao podem ser vistos um pouco por todo o lado em Hainão, a ilha chinesa que todos os anos acolhe o fórum internacional promovido por Pequim para discutir, com outros países, questões de natureza económica, comercial e de cooperação a vários níveis.

A RAEM será representada por uma delegação oficial liderada por Sam Hou Fai, Chefe do Executivo, que estará na ilha entre hoje e amanhã. Liu Xianfa, comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM, continua a integrar a delegação da RAEM como assessor convidado.

A delegação oficial da RAEM é composta ainda pelo secretário para a Economia e Finanças, Tai Kin Ip, e pela chefe do Gabinete do Chefe do Executivo, Chan Kak. Durante a ausência de Sam Hou Fai, o secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, exercerá, interinamente, as funções de Chefe do Executivo.

O Fórum Boao para a Ásia 2025 termina na sexta-feira e tem como tema “Ásia no Mundo em Transformação: Rumo a um Futuro Compartilhado” [Asia in the changing World: Towards a Shared Future], e, segundo uma nota divulgada pelo gabinete do Chefe do Executivo, foca-se em quatro áreas essenciais, sendo uma delas “reconstruir a confiança e promover a cooperação num mundo em rápida transformação”.

Seguem-se objectivos como “incentivar o crescimento e reequilibrar a globalização para um desenvolvimento inclusivo” ou “modelar o futuro e implementar aceleradamente os objectivos do desenvolvimento sustentável para responder de forma mais eficaz aos desafios globais”. Por sua vez, o quarto objectivo diz respeito a uma área bastante actual: a inteligência artificial (IA).

Pretende-se, assim, “explorar as potencialidades e intensificar a aplicação e a governança da IA para um desenvolvimento motivado pela inovação”.

Segundo o jornal nacional Diário do Povo, são esperados para este ano mais de dois mil participantes oriundos de 60 países e regiões, realizando-se 50 fóruns, ou grupos de discussão, em torno dos objectivos acima enunciados. Espera-se ainda 1.140 jornalistas para a cobertura do evento.

As previsões de um Fórum

As principais conferências do Fórum Boao incluem discussões sobre a economia chinesa e mundial, nomeadamente em “Diálogo de Alto-Nível: A Reforma da China e Previsões Económicas” e “Construção de uma Economia Mundial Aberta: Desafios e Soluções”. Segue-se “Melhoria da Construção da Capacidade Digital & Colmatar o Fosso entre o Digital”, bem como “Desbloquear o Grande Potencial dos Acordos Regionais de Comércio Livre”.

Entre os restantes painéis constam também conversas sobre as potencialidades da IA em “IA: Como Garantir um Balanço entre a Aplicação e a Governança”. Os países irão também abordar a questão da governança global na relação com a Organização das Nações Unidas (ONU), em “Diálogo de Alto-Nível: Governança Global depois da Cimeira da ONU do Futuro”.

Mas os fóruns de discussão arrancam com algumas previsões feitas no relatório lançado no contexto do Fórum Boao, intitulado “Asian Economic Outlook and Integration Progress”. Uma das previsões é de que o Produto Interno Bruto (PIB) do continente asiático deverá crescer 4,5 por cento este ano, reportou a Xinhua. “Apesar da crescente incerteza económica global, a Ásia continua a ser um motor de crescimento fundamental para a economia mundial”, afirma o relatório.

Além disso, em termos de paridade do poder de compra, o rácio do PIB da Ásia, dentro do total mundial, deverá aumentar do registo de 48,1 por cento no ano passado para 48,6 por cento este ano. Por sua vez, o relatório descreve que a situação geral do emprego e salários “está a melhorar na Ásia”, prevendo-se uma taxa de desemprego de 4,39 por cento para este ano, inferior à taxa global de 4,96 por cento.

O “Asian Economic Outlook and Integration Progress” também destaca os investimentos estrangeiros na Ásia, descrevendo-se que a China e a ASEAN – Associação das Nações do Sudeste Asiático “são as economias mais apelativas da Ásia”. Além disso, refere-se que a dependência do investimento directo estrangeiro (IDE) interno e externo das economias asiáticas na própria região atingiu 49,15 por cento em 2023.

Do ponto de vista da dependência bidirecional do IDE na Ásia, a China continuou a ser a economia mais dependente dos fluxos de IDE asiáticos, seguida pela Indonésia, com as suas taxas de dependência superiores a 80 por cento e 75 por cento, respectivamente.

O relatório também apontou que a China continua a ser o centro das cadeias globais de valor de produção, descrevendo-se que, desde 2017, o comércio global de bens intermédios tem estado mais dependente da China do que da América do Norte.

Em 2023, a dependência global da China para bens intermédios era de 16 por cento, em comparação com 15 por cento para a América do Norte. As fricções comerciais provocadas pelos Estados Unidos em 2018 não elevaram a sua posição nas cadeias de valor globais da indústria transformadora, acrescentou o relatório.

Desta forma, descreve-se também o avanço da Ásia ao nível das tecnologias verdes emergentes, uma vez que tal é “impulsionado por fortes capacidades industriais e apoio político”. Assim, o continente parece estar a posicionar-se “como um líder potencial em materiais avançados relacionados com baterias ou produção de plásticos biodegradáveis”.

A China, o Japão e a República da Coreia dominam a cadeia de abastecimento global de tecnologia de baterias de lítio, um factor considerado crucial para a electrificação dos transportes, sublinha o relatório. Entretanto, a China está na vanguarda da indústria de hidrogénio verde em expansão na Ásia, sendo a região responsável por quase 70 por cento da capacidade mundial de electrolisadores de hidrogénio, revela também o mesmo relatório.

Uma ilha ecológica

Segundo uma reportagem da Xinhua, a ilha de Hainão, que acolhe o Fórum Boao, é “pioneira no desenvolvimento com baixas emissões de carbono”, nomeadamente pelo recurso a energia fotovoltaica.

“Na ilha de Dongyu, na província de Hainan, no sul da China, a zona de demonstração de emissões quase nulas de carbono está a redefinir a harmonia entre a humanidade e a natureza – remodelando a vida moderna através da integração de tecnologia de ponta com o desenvolvimento sustentável”, descreve-se.

Mas há mais novidades tecnológicas, como o uso de “um simples código QR que desbloqueia uma experiência de café com zero emissões de carbono, e onde um braço robotizado prepara café com recurso a energias limpas”. Há também a aposta na reciclagem, pois “um avançado cubo de reciclagem separa os materiais, convertendo-os em ‘pontos de carbono’, que podem ser trocados por prémios ecológicos”.

A zona que acolhe o Fórum Boao tem uma área total de 190 hectares, onde foi feita uma aposta em “três estratégias-chave”, nomeadamente a “renovação de edifícios ecológicos, utilização de energias renováveis e transportes ecológicos”. A renovação da zona em prol de apostas mais sustentáveis terá começado em 2022, sendo Boao a prova de “como a inovação tecnológica e a renovação urbana podem moldar um futuro com baixas emissões de carbono, abrindo caminho para o desenvolvimento sustentável, particularmente nas regiões tropicais de todo o mundo”, descreve a Xinhua.

Ainda segundo a mesma reportagem, “um dos principais pontos fortes da zona reside na capacidade de produção de energia”, produzindo-se actualmente “cerca de 32 milhões de kWh de eletricidade verde, quase o dobro da sua procura de 17 milhões de kWh”. Por sua vez, “a energia excedente é introduzida na rede, contribuindo para uma poupança anual de 7 720 toneladas de recursos de carbono negativo”, segundo disse à Xinhua Ouyang Qinglun, director-adjunto do departamento de engenharia da COSCO SHIPPING Boao Co.

26 Mar 2025

Segurança social | Coutinho defende actualização do regime

O deputado José Pereira Coutinho exige que o Governo reveja o sistema de segurança social para que deixem de existir situações de discriminação para com os idosos portadores de deficiência.

Na interpelação escrita entregue ao Executivo, o deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) falou de uma das situações alegadamente discriminatórias, referindo que “um cidadão que, desde a juventude, recebe um subsídio por invalidez e atinge a terceira idade, deveria ter o direito de o acumular com a pensão de idoso”.

Além disso, Coutinho refere que se tem confrontado, através do gabinete de atendimento aos cidadãos, com “um crescente número de pedidos de apoio por parte de residentes com deficiência, especialmente os que, atingindo a terceira idade, se deparam com uma significativa redução dos rendimentos”.

“Esta situação revela-se particularmente alarmante para aqueles que não têm direito às pensões de idosos”, frisou.

Segundo o deputado, “os cidadãos deficientes que atingem a idade legal para serem considerados idosos são, por definição, indivíduos que apresentam impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, limitando a sua participação plena na sociedade, em condições de igualdade para com os demais idosos”.

Rever a lei

Neste sentido, o deputado diz ser “imperativo” que se “reavaliem as actuais normas que regem a concessão de pensões a cidadãos deficientes que atingem a terceira idade”, uma vez que “é fundamental garantir que todos os cidadãos, independentemente da sua condição, tenham acesso a direitos que promovam a dignidade e qualidade de vida”.

“Considerando ser fundamental a revisão da legislação pertinente, a fim de assegurar que os cidadãos deficientes tenham o direito a rever a pensão para idosos, questiono se o Governo vai proceder à actualização e modernização do actual regime de segurança social que se encontra manifestamente desactualizado tendo em conta a década e meia de vigência da lei 4/2010 [regime de segurança social]”, rematou.

25 Mar 2025

Galaxy | G-Dragon protagoniza dois concertos em em Junho

A Galaxy Arena, uma das principais salas de espectáculos do território, prepara-se para receber dois concertos do rapper e compositor sul-coreano G-Dragon, integrados na tour “Ubermensch”, que passa também por outras cidades asiáticas. Eis a oportunidade de o público local ver e ouvir de perto um dos nomes sonantes da música sul-coreana

 

G-Dragon, nome artístico de Kwon Ji-yong, é um rapper e compositor sul-coreano de 36 anos que, em Junho, nomeadamente nos dias 7 e 8, vem a Macau para dois espectáculos na Galaxy Arena, no Cotai, que prometem encantar os fãs ou os apaixonados por música da Coreia do Sul.

Os dois espectáculos fazem parte da tour “Übermensch”, que significa super-humano, e que passa por diversas cidades asiáticas, nomeadamente Tóquio, nos dias 10 e 11 de Maio; Bulacan, nas Filipinas, a 17 de Maio; Osaka, nos dias 25 e 26 de Maio e depois Taipei, Kuala Lumpur e Jacarta, no mês de Julho.

Destacado pela revista Forbes, em 2016, como a pessoa mais influente da indústria de entretenimento da Ásia com menos de 30 anos, G-Dragon está ligado ao mundo do espectáculo e das artes desde criança, pois a sua primeira aparição em televisão deu-se no programa infantil “Bbo Bbo Bbo”, da estação MBC. Com apenas seis anos integrou o grupo infantil “Litlle Roo’Ra”. Com o passar dos anos apostou no rap, tornando-se também compositor, empresário e designer de moda.

A sua ligação ao hip-hop foi gradual, tendo integrado, em 2006, a boys-band “Big Bang”, lançando o álbum a solo “Heartbreaker” em 2009, que incluía uma música com o mesmo nome. O sucesso sentiu-se logo aí, pois foi reconhecido como o “Álbum do Ano” nos Mnet Asian Music Awards. No ano seguinte, 2010, já integrava outro grupo musical, os “T.O.P.”, que lançaram um álbum com o mesmo nome, também outro de sucesso.

A primeira difressão mundial de G-Dragon aconteceu em 2013, chamando-se “One of a Kind World Tour”, sendo que nesse mesmo ano lançou o seu segundo álbum de estúdio, “Coup d’Etat”, que lhe valeu também reconhecimento da crítica.

No que diz respeito ao estilo musical, G-Dragon diz inspirar-se no grupo Wu-Tang Clan e o norte-americano Pharrell Williams que, para si, é o seu “herói musical”. Outros nomes do hip-hop, como Kanye West, contam-se na sua lista de referências.

Uma espécie de revolução

Segundo a revista Tatler Ásia, Kwon Ji-yong conseguiu inovar e “transcender as fronteiras tradicionais do estrelato pop asiático”, transformando tudo em “ouro criativo” em termos musicais.

É classificado por esta publicação como sendo um camaleão no mundo da música, sendo que em quase 20 anos de carreira conseguiu ser “um músico virtuoso, provocador da moda e um empresário inovador” que chamou a atenção dos fãs. Apresenta “roupas vanguardistas” que vestem “um génio artístico cuja trajectória profissional alterou permanentemente o ADN do entretenimento coreano”, escreve ainda a Tatler sobre G-Dragon.

Sobre a vertente de designer de moda, descreve-se que G-Dragon faz muito mais do que vestir as tais “roupas vanguardistas”, transformando-as em “declarações culturais”, tendo sido o primeiro embaixador global asiático da marca Chanel.

Na Semana de Moda em Paris, o rapper sul-coreano ousou vestir casacos femininos de tweed, transpondo os limites do género. G-Dragon adoptou recentemente uma estética chamada de “grandma-core”, que inclui o uso de lenços na cabeça e um cabelo em tons de ruivo. Pode ou não chocar, mas o estilo permanece.

25 Mar 2025

História | Lara Reis, professor do Liceu de Macau, recordado em Lisboa

O antigo professor do Liceu de Macau Fernando Lara Reis foi recordado nas “Conferências da Primavera”, do Centro Científico e Cultural de Macau, pela historiadora Celina Veiga de Oliveira. Natural de Leiria, Lara Reis lutou na I Grande Guerra Mundial e viveu na Avenida da República, na vivenda que hoje alberga a casa da Cruz Vermelha de Macau

 

Fernando Lara Reis nasceu em 1892 e faleceu em 1950. Ao longo de uma vida recheada de acontecimentos e testemunhos históricos, o homem natural de Leiria foi militar e professor no Liceu de Macau, acabando por fazer do território a sua casa.

A vida de Lara Reis foi recordada recentemente nas “Conferências da Primavera” do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) pela historiadora Celina Veiga de Oliveira, ela própria antiga docente no território.
Na sessão, a historiadora, que venceu o Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau (IIM) de 2024, recordou o “professor, benemérito, impulsionador das artes”, e dono de “um conhecimento invulgar”.

“Era natural de Leiria e viveu em Macau até à sua morte. Frequentou o liceu de Leiria, o Colégio Militar, ingressando depois na Escola do Exército. Na I Grande Guerra Mundial esteve em Elvas, tendo partido depois para Angola, em 1915, quando se enfrentava a ameaça alemã sobre as colónias portuguesas em África. Em 1917 embarcou para França, integrando o Corpo Expedicionário Português, como observador-aviador.”

Lara Reis nunca foi piloto como desejava, tendo dedicado grande parte da sua vida ao ensino e a Macau. “Em 1919, Lara Reis foi dar aulas para o liceu de Macau. Aproveitou para fazer uma longa viagem de circum-navegação, saindo de Portugal, de Lisboa, indo até aos Estados Unidos da América, atravessou todo o território e depois foi para o Japão, descendo para Hong Kong e até Macau. Foi professor, em Macau, de desenho, trabalhos manuais e ginástica até ao fim da vida”, destacou Celina Veiga de Oliveira.

A historiadora levou para a sessão alguns testemunhos escritos deixados por outras figuras de Macau que escreveram sobre Lara Reis, nomeadamente Monsenhor Manuel Teixeira no livro “Liceu de Macau”. Este referiu nunca ter encontrado “nenhum professor que tivesse servido o liceu com maior dedicação”.

“Era um professor metódico, rigoroso, cuja formação militar não foi alheia certamente a estas características. O que verdadeiramente sobressaía era a sua veia artística, pois Lara Reis preocupava-se sempre em apurar o sentido estético dos alunos e abrir os seus horizontes mentais. Isto no tempo em que Macau era uma pequena cidade. Sempre que era possível, fazia excursões culturais com os alunos a Hong Kong, e em Macau levava-o a visitar exposições que ele organizava e também exposições de artistas portugueses e estrangeiros que ele patrocinava”, recordou.

Celina Veiga de Oliveira destacou ainda as palavras deixadas pelo escritor Henrique de Senna Fernandes numa entrevista, sobre “uma das maiores qualidades de Lara Reis”, que “além do rigor e da disciplina, era a consideração pelos alunos, não distinguindo ricos dos pobres”.

O professor Lara Reis foi “um entusiasta promotor de festas que serviam para a obtenção de propinas destinadas a alunos carenciados”, e a “ele se deve a iniciativa da criação da Associação Escolar do Liceu, de que foi o primeiro presidente”. Esta associação organizou no antigo Canídromo “festas desportivas do fim do ano em que os alunos executavam os mais difíceis exercícios”.

Obra feita em Macau

A historiadora destacou também “outro aspecto da dedicação ao território” por parte de Lara Reis. O leiriense “participou na I Grande Guerra Mundial e tal levou-o a interessar-se por todos os que foram incorporados nesse conflito, tendo fundado a Liga dos Combatentes da Grande Guerra e mandado construir no Cemitério de S. Miguel Arcanjo o monumento onde repousam os corpos dos combatentes”.

Além disso, “outra faceta da sua personalidade era o gosto pelas viagens, pois não tinha família e, assim, partiu para o mundo”. “Visitava museus, escolas de arte e fotografava tudo o que via, tendo criado um espólio com 32 volumes que é hoje património de Leiria”.

Celina Veiga de Oliveira não esqueceu a antiga vivenda “Sol Poente”, localizada na zona da meia-laranja, nomeadamente a Avenida da República, e que foi a casa de Lara Reis, mais tarde doada à Santa Casa da Misericórdia de Macau para ali “ser instalada uma clínica anti-cancerosa que foi a primeira instituição do género no espaço colonial português”. Hoje essa vivenda serve de casa à Cruz Vermelha de Macau, sendo que nas suas paredes pode encontrar-se uma pedra com a seguinte mensagem: “Neste edifício legado pelo rotário Fernando Lara Reis à Santa Casa da Misericórdia de Macau, foi instalada por iniciativa do Rotary Clube de Macau o primeiro centro de luta anti-cancerosa desta cidade no dia 15 de Abril de 1951.”

“Mudança de ares”

Quando Fernando Lara Reis vai para Macau, os tempos políticos são conturbados, com a agitação política que se vive na China depois da queda do império e a revolução republicana de 1911.

“Nos anos 20 viveram-se no território as ondas de choque nacionalistas vividas em Cantão que, por vezes, assombravam o pacato enclave português, mas que nunca mexeram com o quotidiano. A Administração portuguesa garantia uma aparência de normalidade, e eram habituais as festas no Natal, Ano Novo Chinês, as festividades religiosas da comunidade católica e da população chinesa.”

Celina Veiga de Oliveira lembrou que, no final da década de 20, Lara Reis decidiu transferir-se para Goa, uma viagem que só iria acentuar a sua pertença a Macau.

“No fim dos anos 20, ele sentiu que estava na altura de mudar de ares e pediu para ser transferido para o Liceu Afonso de Albuquerque, em Pangim, e esteve lá entre 1941 e 1945, aproveitando para conhecer a Índia, e conheceu todo o país. Este interregno goês serviu para reforçar as saudades de Macau, para onde regressou em 1945 retomando a actividade liceal. Em 1948 foi a Portugal pela última vez, com licença graciosa e já doente, escolhendo Macau para ser a sua última morada”, recordou.

Celina Veiga de Oliveira recordou também as palavras de Orlando Cardoso, que no artigo “Macau e o Oriente na vida de Lara Reis” falou do homem que se deslumbrou com Macau “a partir do momento em que, às 8 horas da noite de 23 de Outubro de 1919, avistou pela primeira vez o Farol da Guia, um pouco antes de se instalar no ‘New Macao Hotel’ e sorver de sentidos atentos os sons, os cheiros e as luzes desta porta de uma imensurável e fantástica Ásia que ele iria descrever até à exaustão”.

Esses testemunhos de Lara Reis constam “num notável conjunto de livros de viagens que jazem praticamente inexplorados em todas as suas potencialidades de investigação nas prateleiras do Arquivo Distrital de Leiria”, e que foram investigados pelo próprio Orlando Cardoso.

No mesmo artigo, este refere um texto do jornal “Notícias de Macau” de 17 de Janeiro de 1950, sobre Lara Reis: “O professor austero e adorado; o turista tenaz e minucioso; o militar que combateu e consagrou a memória dos que a seu lado tombaram no campo da luta; o amigo sincero e firme; o companheiro amável e bem humorado; o cavaqueador que, por si só, era pessoa para sustentar, durante horas, a animação da conversa em qualquer meio social; o celibatário ferrenho que, apesar disso, não desdenhava toda e qualquer oportunidade de desferir os seus galanteios, sempre gentis e inconsequentes a qualquer palminho de cara que lhe desse no goto”.

Tendo em conta os poucos estudos que existem sobre Lara Reis e o espólio que deixou, Celina Veiga de Oliveira deixou uma sugestão: “que o CCCM obtenha o índice detalhado do arquivo de Leiria, de modo a que seja possível a pesquisa para eventuais investigadores interessados”.

25 Mar 2025

Contratação pública | Novo regime “está no bom caminho”, diz advogado

Marco Caldeira, advogado e professor auxiliar convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defende que a proposta de lei de contratação pública, em análise na especialidade no hemiciclo, está “no bom caminho”, no que diz respeito à tentativa de “promover a transparência e concorrência e apostar na digitalização”. O tema foi discutido na última semana no Centro Científico e Cultural de Macau

 

A proposta de lei de contratação pública, actualmente em análise na especialidade na primeira comissão permanente da Assembleia Legislativa (AL), foi um dos temas abordados nas “Conferências da Primavera”, no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), na última semana. O autor da palestra, o advogado e docente Marco Caldeira, teceu elogios ao diploma pela sua tentativa de reforma e inovação em vários aspectos.

“Embora não sendo perfeita, a proposta de lei em discussão justifica-se pela necessidade de actualizar legislação que foi aprovada há quatro décadas. Trata-se de uma proposta que parece apontar no bom caminho, havendo um esforço de codificar o regime, promover a transparência e a concorrência e apostar na digitalização”, defendeu o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) ao HM.

Além disso, Marco Caldeira entende que o diploma, e o conteúdo proposto pelo Governo, visa “seguir aquilo que são as boas práticas adoptadas na Europa e no Ocidente, em geral”.

“É também muito louvável o facto de a proposta ter sido elaborada na sequência de um procedimento sério e participado de consulta pública, que deu oportunidade aos operadores económicos e entidades contratantes de identificarem deficiências na legislação vigente e apresentarem sugestões”, acrescentou Marco Caldeira.

Na sessão do CCCM, o docente da FDUL apontou ainda ser “louvável a preocupação [demonstrada, no diploma] com a concorrência e transparência dos procedimentos”, e também “o foco na formação na utilização de bases de dados, bem como a aposta na centralização”.

O docente entendeu ainda que, nesta proposta de lei, o regime português “pode ajudar, pois a prática seguida em Portugal, e as evoluções legislativas, têm ensinamentos úteis que, com as devidas adaptações, podem ser transpostos para Macau”.

Pontos positivos

Na apresentação no CCCM, Marco Caldeira destacou vários aspectos positivos da actual proposta de lei, nomeadamente “a determinação expressa da inaplicabilidade a certos contratos”, ou o facto de estarem estabelecidos “princípios fundamentais da contratação pública”.

Exige-se, ainda, com a nova lei, “qualificações aos candidatos e concorrentes” de concursos públicos, existindo também “a clarificação e uniformização dos tipos procedimentos de contratação pública”.

Cria-se, assim, um “regime de contratação centralizada”, além de se regulamentarem “critérios de adjudicação” nos concursos, prevendo-se ainda a criação de um website exclusivo para a área da contratação pública.

Marco Caldeira chamou ainda a atenção para a real necessidade deste diploma, pois a contratação pública estava legislada com diplomas variados, incluindo dois decretos-leis de 1984 e 1985, que estabeleciam, respectivamente, o regime de despesas com obras e aquisições de serviços, e o processo de aquisição de bens e serviços. Tais diplomas estavam “desfasados da realidade” de Macau, mesmo que o decreto-lei de 1984 tenha sido revisto em 2021, considerou o docente.

Marco Caldeira considerou também que o processo de revisão deste diploma tem sido “moroso”, pois a consulta pública realizou-se entre 6 de Novembro de 2018 e 4 de Janeiro de 2019, tendo sido elaborado um relatório posterior, mas a verdade é que a proposta de lei está em análise na especialidade desde Dezembro de 2023, tendo sido votada na generalidade a 11 de Janeiro do ano passado.

O que tem de mudar

Na mesma sessão, o causídico e professor universitário realçou ainda os pontos já abordados pela primeira comissão permanente da AL quanto às mudanças necessárias para legislar na área da contratação pública. Impunha-se “consagrar expressamente os princípios jurídicos fundamentais, como a economia, eficiência e eficácia, bem como a publicidade e transparência”, existindo ainda “uma falta de regulação das políticas de contratação pública”.

Havia ainda a “necessidade de promover a transparência nos procedimentos de contratação pública” e assegurar “uma maior protecção da concorrência leal”. Verificava-se também “a falta de regulamentação rigorosa e explícita sobre a composição e funcionamento das comissões de avaliação das propostas” submetidas a concurso público, além de haver “falta de exigências explícitas sobre as qualificações e capacidades dos candidatos e concorrentes nos procedimentos de contratação”.

Outras lacunas apontam para a “insuficiência de regulamentação e transparência nos procedimentos de avaliação e adjudicação”, ou “falta de regulamentação explícita sobre situações de apresentação de propostas com um preço anormalmente baixo”. Era ainda necessário “aperfeiçoar o regime sancionatório e de fiscalização”, bem como apostar na “regulamentação que promova o desenvolvimento da contratação electrónica”.

Diz o Executivo

Olhando para a nota justificativa sobre a proposta de lei, submetida pelo Executivo à AL, lê-se que um dos grandes motivos para a sua apresentação foi mesmo a dispersão legislativa que se verificava e o desajustamento face à actual realidade.

“A parte nuclear desses diplomas foi elaborada em meados dos anos 80 do século passado, encontrando-se em vigor há mais de 30 anos. Uma parte significativa do disposto nos outros diplomas legais já apresenta uma evidente divergência relativamente às necessidades do desenvolvimento socioeconómico actual de Macau, à eficiência da gestão da Administração pública e ao reforço da transparência e fiscalização”, lê-se.

Segundo o Executivo, “dado que a contratação pública envolve a utilização do erário público, torna-se essencial rever esses regimes, a fim de ir ao encontro das necessidades da sociedade dos nossos dias”. Assim, nesta proposta de lei, “regulamenta-se, de forma integrada, o processo e regime de despesas com obras e aquisições de bens e serviços”, mantendo-se algumas disposições de uma lei de 1999, por se entender que “as disposições relativas ao regime de empreitadas de obras públicas têm um elevado grau de especialização e se apresentam ainda eficazes”.

Pretende-se, com a nova lei da contratação pública, “garantir a justiça, imparcialidade na avaliação das propostas”, definindo-se “expressamente critérios de ajudicação e determinando-se de forma rigorosa as normas de conduta dos trabalhadores e membros das comissões de abertura e avaliação de propostas” submetidas a concurso, para que “excerçam as suas funções de forma imparcial e íntegra”.

Prevê-se, assim, “que as entidades contratantes devem publicitar, de forma adequada, os elementos informativos relativos aos procedimentos de contratação pública”. São eles “os que estão relacionados com o concurso público, os esclarecimentos prestados, a rectificação de documentos, a prorrogação do prazo para a apresentação de propostas, as causas para a não adjudicação, a decisão de anulação do procedimento e a decisão de adjudicação”.

A fim de garantir a concorrência leal, o Governo quer garantir que todas as entidades interessadas em participar num concurso tenham “o mais amplo acesso” a todos os procedimentos, proibindo “todos os actos, acordos ou práticas susceptíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência”. Além disso, existe o “princípio da imparcialidade”, que determina que “o programa de procedimentos, caderno de encargos ou outros documentos, elaborados pela parte contratante, não podem conter qualquer cláusula destinada a favorecer ou prejudicar um determinado interessado”.

24 Mar 2025

Rota das Letras | Valério Romão apresenta “Mais uma Desilusão” este domingo

“Mais uma Desilusão – Primeira incursão de um novelista na criação poética” é o nome do evento em que Valério Romão, escritor e tradutor, apresenta o seu novo e primeiro livro de poesia, ou escrita poética. “Mais uma Desilusão” é um livro que reflecte sobre o Portugal de hoje, um país com várias crises, da económica à existencial, em que o autor se estreia numa nova forma de escrita. A apresentação começa às 16h no Antigo Matadouro, na Barra

 

Valério Romão gosta de Portugal, mas já não sabe muito bem porquê. Não entende o sentimento por um país que está permanentemente em crise, seja política ou económica, desde há vários anos, e que 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, quando caiu a ditadura do Estado Novo, ainda está à procura de se encontrar.

A identidade do português nem sempre é a mais optimista, e falta estratégia ao país para se encontrar e ter uma existência mais saudável.

Todas estas ideias podem ser encontradas no novo livro de poesia de Valério Romão, “Mais uma Desilusão”, recentemente lançado em Portugal com a chancela da Abysmo e que será apresentado este domingo no âmbito do festival literário Rota das Letras, no Antigo Matadouro, na Barra.

Macau não é uma novidade para Valério Romão, por ser um território que o acolheu para uma residência literária, ou para anteriores participações no Rota das Letras. Apesar disso, o regresso faz-se sempre com curiosidade.

“Espero poder falar do meu mais recente livro, e como é um festival internacional, com forte presença de escritores chineses, quero conhecer o trabalho dos outros e alargar um pouco os horizontes”, confessou ao HM.

“Não sei se a cultura chinesa tem uma influência declarada no meu trabalho, mas certamente tem uma influência devida. Os escritores são, normalmente, produto das suas experiências, do que colheram e viveram. Nesse sentido, a cultura chinesa tornou-se central, na medida em que mostra uma forma de pensar diferente, estranha e às vezes incompreensível. Mas estimula-me sempre uma curiosidade tremenda”, adiantou.

Novos territórios

Voltando ao livro, Valério Romão assume que “quis explorar um novo mundo na escrita, sobretudo na forma”, depois de ter brindado os leitores com romances onde a família é tema central, como “Autismo” ou “O da Joana”, que pertencem a uma trilogia.

“As ideias andavam na minha cabeça há algum tempo, mas essa forma de escrita, que algumas pessoas chamam de poesia e outras, prosa poética, sim, foi uma novidade. Despir a pele de romancista foi algo natural, porque mesmo na minha escrita em prosa utilizo muito a metáfora, a comparação e figuras de estilo, e a ironia também. Muito do que está em ‘Mais uma Desilusão’ pode ser visto nos meus romances e contos anteriores, nessa prosa, mesmo que de forma embrionária”, confessou.

País em chamas

Valério Romão mostra, na escrita, a desilusão para com Portugal. “Não acho que ofereça grandes condições de vida. Estamos a recondicionar o país nos serviços, numa espécie de ‘tailandização’ para explorar tudo o que possamos dos turistas que vêm cá, mas depois não há apostas estratégicas. Não vejo grande liderança nacional que nos possa conduzir, nem sinto que haja ideias que, daqui a uns anos, nos possam levar para outro sítio. Se estivermos noutro sítio, e melhores, daqui a 30 anos, será mais por carolice e desenrascanço, que são tipicamente portugueses, do que propriamente por planeamento”, defendeu.

O autor entende que os portugueses são pessimistas, com pouca auto-estima, e com uma maior tendência para a melancolia do que para outro tipo de sentimentos mais alegres. “Só conseguimos olhar-nos ao espelho se alguém nos colocar o espelho à frente. E é importante [que essa análise] seja feita por historiadores, escritores, poetas, músicos. Temos a tendência a achar que somos os melhores e, ao mesmo tempo, os piores do universo, tendo uma auto-estima frágil e uma imagem distorcida, para o bem e para o mal, de nós próprios”.

Com “Mais uma Desilusão”, Valério Romão não quer “fazer um exercício de reflexão nacional”, tratando-se apenas de um “exercício de reflexão privada”. “Espero que contribua para mais conversas e reflexões”, aponta.

Sobre a identidade do português, “é demasiado tudo, é muito mediterrânico, mas ao mesmo tempo tem o Fado nos genes, então mais depressa vai para o Fado do que para o Samba”.

Portugal está na cauda da Europa em termos geográficos e, para Valério Romão, esse pode ser um dos factores para a crise existencial do país. “A classe política é um reflexo da nossa população e tem de melhorar quando nós, como país e portugueses, melhorarmos também. Isso tem a ver com os anos da ditadura, com o estarmos entre o Atlântico e a Europa central, com o estatuto periférico da Europa. Essa recuperação não se consegue em 50 anos [de democracia], talvez em 100, mas falta a educação também.”

O autor, que considera que, actualmente, “é pouco sexy falar de educação, por parecer haver uma ditadura da opinião pouco esclarecida”, mas, para si, “a educação é mesmo o elevador do indivíduo e dos povos”.

“As pessoas têm dificuldades económicas e até existenciais. Nos anos 90 toda a gente queria enviar os filhos para a faculdade, porque achavam que isso dava garantia de um futuro garantido, mas nesta altura percebemos que essa garantia não existe.”

O autor frisou ainda que “estamos numa altura em que existe um sentimento anti-ciência, anti-academia, em que se suspeita de tudo o que vem da academia”. “Estamos no paradoxo, em que achamos que a tecnologia nos dá acesso à árvore das patacas e em que, por outro lado, considerarmos que a ciência não serve para nada, sobretudo as ciências sociais”, disse ainda.

Em “Mais uma Desilusão”, Valério Romão confessou não ter sentido “grande diferença enquanto autor na escrita deste livro”. “Segui o roteiro que estava a ser imposto, a forma estava a adequar-se ao conteúdo, e vice-versa. Sou bastante livre quando escrevo um livro, no sentido em que acabo por não ter grandes regras antes de o começar, e não tenho grandes regras quando o estou a escrever”, rematou.

21 Mar 2025

Vera Lúcia Raposo, jurista e docente: “IA propaga-se hoje como um vírus”

Vera Lúcia Raposo apresentou na quarta-feira na Universidade de Macau o novo quadro regulatório da União Europeia para Inteligência Artificial, numa sessão promovida pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau. A ex-docente da Universidade de Macau defende que a China está a ganhar a corrida numa área que nunca esteve tão presente nas nossas vidas

 

 

Falou na quarta-feira do “AI Act” aprovado pela União Europeia (UE). Concretamente, quais são os principais pontos deste documento?

Trata-se do regulamento de Inteligência Artificial (IA) publicado no ano passado no jornal oficial da UE. É uma lei europeia, mas é também, até ao momento, o mais detalhado regime legal sobre os produtos que envolvem a IA.

É difícil legislar sobre a IA nesta fase tão preliminar?

Se calhar nunca vamos deixar de estar nesta fase. Repare, a IA não surgiu com o ChatGPT nem nada que se pareça. Desde meados do século passado, e ainda antes, mas sobretudo desde o ‘paper’ de Alan Turing que a IA existe, primeiro em laboratório, cingida a um grupo de investigadores. Depois começou a ser lançada no mundo e a fazer parte das nossas vidas, mas nunca como agora. Actualmente, estamos numa espécie de outra pandemia, em que a IA se propaga na nossa existência como um vírus, mas não um vírus mau, pois entendo que, muitas vezes, a IA se propaga com efeitos positivos. Claro que, apesar de não ser uma coisa completamente nova, é uma realidade ainda muito misteriosa para nós juristas. O problema começa pelo facto de nem sequer conseguirmos obter uma definição maioritariamente aceite pelos especialistas do que é a IA. Desde logo, não sabemos o que é, porque é uma entidade em movimento, que muda constantemente. O que achávamos que há dez anos era IA, hoje já será um algoritmo.

Nas áreas da defesa da vida privada, ou dados pessoais, por exemplo, ou ainda direitos de autor, o que nos diz a legislação europeia em termos concretos?

O regulamento de IA [da UE] insere-se no que chamamos “data package” [pacote de dados], insere-se no grupo de regulamentos que dizem respeito à segurança do produto. Mas isso é entendido em termos muito abrangentes, não é apenas a segurança como estamos habituados a pensá-la, como algo que põe em causa a integridade física, mas abrange questões ambientais, o respeito pelos valores fundamentais e direitos de tecnologia e protecção de dados. É verdade que o regulamento tem essas aspirações e concretizações práticas em algumas normas, mas a ideia é que se desenvolva com outros regulamentos já existentes em matéria de protecção de dados e propriedade intelectual, e que não entre em conflito com eles.

Temos, actualmente, o ChatGPT do lado americano, e o DeepSeek do lado chinês. Acha que a China se posiciona como líder na área da IA?

Constata-se que a China é um colosso no mundo digital. A forma como o mundo tem vindo a evoluir tem diferenciado. Há 100 anos atrás tínhamos conflitos bélicos, e hoje temos guerras onde se continua a matar pessoas, mas temos também guerras comerciais e estas guerras tecnológicas. E digo que mais do que uma guerra, é uma corrida para chegar à nova invenção. Os velhos blocos de países têm estratégias diferentes. Por exemplo, no caso dos Estados Unidos da América (EUA), essa estratégia mudou muito com a Presidência de Trump, mas sempre foi mais liberal e “laissez-faire”. Essa também tem sido a forma de actuação dos EUA, mas com Trump está mais na linha do “vale tudo”, do que importa é chegar em primeiro lugar. Há um grande fomento das companhias tecnológicas, como se vê com o grande apoio que elas deram à campanha presidencial de Trump. Depois temos a China, com uma política estatal, que não está tanto nas mãos dos privados. Há um foco muito grande no avanço tecnológico, mas é visível que o país está já numa posição que, dificilmente, será alcançada pelos outros. A Europa não está propriamente bem posicionada.

Porquê?

A Europa tomou a decisão de que a melhor forma de desenvolver o progresso tecnológico e fomentar a inovação é pela via da hiper-regulação. Não há um centímetro que não esteja regulado ou que não venha a ser regulado pela UE. Claro que pode ter algumas vantagens, e as aspirações é que possamos estar perante um desenvolvimento controlado e sustentável, e que respeite os nossos direitos fundamentais e o Estado de Direito. Mas tenho algumas dúvidas. Primeiro, de que isto seja conseguido, porque a protecção dos direitos fundamentais também não passa por esta hiper-regulamentação. Depois parece-me que estamos a fazer isto à custa de um valor que me parece primordial, que é a inovação. Essa ideia vem, aliás, no relatório de Mário Draghi, que alertou a UE para a possibilidade de hipotecar as gerações futuras porque estamos a deixar a inovação para trás. Não vejo que nenhum destes três modelos tecnológicos [EUA, China e UE] seja particularmente frutífero, porque têm benefícios e desvantagens. Temos um modelo interessante, que é o britânico.

Em que sentido?

O Reino Unido mantém o quadro jurídico que herdou da UE, e ainda não o alterou. O Reino Unido não vai adoptar o regulamento da IA [Europe’s AI Act], porque já não faz parte da UE, parece que também não vai criar um quadro regulatório semelhante a esse, mas têm uma abordagem que é ter um quadro muito genérico que fixa os pontos principais e limites, mas depois haverá uma regulamentação sectorial. Esta regulamentação, que ainda está a ser criada, é para estabelecer as ‘guidelines’ para cada área de actividade, para que haja autonomia em cada sector e sempre no respeito das particularidades de cada um. Em teoria, é mais interessante, mas está tudo no início e ainda não vi casos aplicados na prática.

Como comenta o uso da IA na área jurídica e judicial?

Utilizar fontes que não são desejáveis para fazer o nosso trabalho não foi algo que chegou com o ChatGPT. Falando de algo que conheço bem, como teses académicas ou ‘papers’ científicos, não é inaudito que alguns autores menos escrupulosos citem fontes nas quais nunca puseram os olhos, e depois citam de forma errada, ou citam fontes que não existem. Há situações em que se citam fontes pouco credíveis, como blogues, ou ‘papers’ que não foram sujeitos ao sistema de revisão por pares. Isso não é novo. Termos o ChatGPT ao lado ajuda muito e a tentação é grande. Não acho que seja o fim do mundo. A literacia IA é fundamental para a academia e qualquer cidadão. Todos temos de compreender quais os benefícios da IA generativa e riscos também. Uma pesquisa nas páginas da Wikipedia também pode gerar erros. É impossível dizer aos alunos para não usarem o ChatGPT, porque essa proibição seria oca. Não posso saber como as pessoas fazem o seu trabalho. Pode haver situações de desonestidade científica e situações em que a informação não é verdadeira, mas se alguém me disser que escreveu algo com apoio do ChatGPT, não tenho problema com isso. Tenho se a pessoa se considerar na totalidade a autora do trabalho. O ChatGPT funciona muito como uma pesquisa no Google, não é algo completamente novo. Mas tenho de perceber que a informação que o ChatGPT me dá tem de ser muito analisada e novamente investigada. O ChatGPT só me pode dar pistas para onde posso ir, e aí pode ser útil e fazer-nos pensar. É uma fonte como outra qualquer, mas que não tem muito credibilidade. O ChatGPT nunca trata das coisas em detalhe, por exemplo.

21 Mar 2025

Charles William Ricou e a história da aviação em Macau

Célia Reis, historiadora e docente, encontra-se a desenvolver um projecto de investigação em torno dos primórdios da aviação em Macau e foi esse o tema que levou às “Conferências da Primavera” na segunda-feira, com a sessão “A aviação e navegação aérea em Macau nos anos 20 – um processo de inovação colonial”.

Célia Reis falou de um período em que a aviação começou a ser importante para a China, por questões de segurança, e começa também a ser pensada para Macau. Neste processo, há uma personalidade cujo nome importa reter, um francês nascido em Hong Kong: Charles William Ricou, um piloto formado em engenharia e em aviação. Este começou a equacionar, a partir de Novembro de 1919, a possibilidade de “estabelecer uma carreira aérea entre Macau, Hong Kong, Xangai, Filipinas, Java, Índia”, contactando com entidades governamentais locais para a obtenção de facilidades e acordos.

Célia Reis explicou que Ricou pretendia formar duas companhias aéreas, a “Far East Aviation Company”, com “uma ligação bastante mais alargada, chegando até Manila”, e outra para ligar Macau, Hong Kong e Cantão, com o nome “Macau Aerial Transport Company Limited”.

Esta empresa “foi constituída em Hong Kong, com um capital de 50 mil dólares, e tinha como sócios fundadores personalidades de Macau, como Humberto de Avelar, Rodrigues dos Santos, Francisco Nolasco e Francisco da Silva”. A historiadora disse ainda na apresentação que a ideia “era completar o resto do capital necessário com acções de baixo valor para que pudessem ser compradas por todos [os habitantes] em Macau”.

“Chega mesmo a haver o apelo por parte do conselho de administração da companhia para que os macaenses subscrevessem o capital, mostrando que a empresa era extremamente importante para os habitantes de Macau, realçando-se o seu valor patriótico, de solidariedade para com o progresso”, acrescentou.

“Várias vozes demonstraram nessa altura que o sucesso comercial da companhia, no início, poderia ser pouco ou nenhum, embora se pensasse que a empresa poderia vir a ter alguns lucros, tendo a capacidade de servir de transporte ao correio aéreo. Porém, essa capacidade de transporte seria extremamente limitada, pois o número de objectos de correio a transportar de Macau eram 24 cartas por dia”, adiantou Célia Reis.

Na altura pensava-se que Macau seria pioneira, pois “seria o primeiro território a Extremo Oriente a ter uma companhia de aviação”, algo que “traria mais visitantes e aumento do comércio”. O Governo de Macau, então liderado pelo Governador Correia da Silva, “cede aos apelos da companhia, concedendo várias facilidades, como a permissão de construção de um hangar provisório num terreno público que estava vago ou de infra-estruturas de acesso ao mar”. Além disso, foi permitida “a isenção do pagamento do imposto sobre o armazenamento do combustível”.

Assim, Macau chegou a ter hidroaviões e 21 aviadores americanos contratados pela companhia. “Considerava-se que era o maior carregamento de material aéreo exportado pelos Estados Unidos da América (EUA), todo trazido para Macau.” Depois, a companhia tenta organizar-se, “chegando a pedir espaço na ilha da Taipa, concebida para ter hangares definitivos, embora tenham existido concessões provisórias”. Nesse contexto, recordou a historiadora, “houve subsídios, um contrato para o transporte de malas postais”, para que se “permitisse um desenvolvimento da navegação aérea”.

Impasses até ao fim

Em Maio de 1920 surgiu uma nova convenção mundial na área da aviação, à qual Portugal adere, o que faz com que a “Macau Aerial Transport Company Limited” tivesse de ser nacionalizada. O projecto chega a avançar, mas depressa recua.

“A companhia aérea acede, portanto, a nacionalizar-se com a condição de obter um subsídio, e ter quatro aviões disponíveis para o serviço militar em Macau, caso fosse necessário. A questão da defesa estava sempre presente. Começou depois a haver algum desentendimento entre as condições exigidas pela companhia e aquelas que o Governador entendia serem necessárias. Além disso, o Governo de Macau precisava da autorização de Lisboa para o funcionamento da companhia aérea. Lisboa demora muito a responder, mas depois diz que o Governador pode avançar, e este começa a negociar com a companhia. Porém, começam a surgir vozes em Lisboa que vão fazer com que as coisas mudem.”

Tal passa pela ideia de que os EUA estariam a demonstrar interesses ocultos através do estabelecimento da companhia. “[Em Lisboa] receia-se que esta seja a forma encontrada de uma companhia de aviação americana instalar-se em Macau, território português, por vias diferentes.”

Primeiro, Lisboa proíbe, recuando-se nas negociações, sendo que o Governador seguinte, Rodrigo Rodrigues, “não está de acordo com a companhia, entendendo que não será viável”, o que leva a que todo o projecto e diálogo fiquem suspensos.

Célia Reis destacou ainda que “o Governo de Correia da Silva passou por várias dificuldades nestes anos, em termos de segurança”, tendo ocorrido “incidentes muito graves na relação entre Portugal e a China”.

“Por essa razão, o Governador considerava que ter aviões era extremamente importante porque, neste momento, a China também estava a recorrer à aviação. As autoridades de Portugal, porém, consideravam que os aviões de Macau não teriam nenhuma importância, comparando com o conjunto de aviões que teria a China ou mesmo o Japão. Quando se dá permissão para a constituição da companhia aérea em Macau, Lisboa entende que o território estava numa situação preocupante e poderia ter aviões com funções militares, mesmo que fossem poucos”, explicou a historiadora. O projecto cairia, porém, por terra.

20 Mar 2025

Ruby Hui, presidente da Associação de Autismo de Macau: “Autismo difere de pessoa para pessoa”

Criada em 2012, a Associação de Autismo de Macau continua a lutar por mais cuidados destinados a crianças e jovens com esta perturbação de desenvolvimento. Mas a presidente da associação, Ruby Hui, alerta para a necessidade de políticas mais incisivas para adolescentes e as suas necessidades específicas, sobretudo no acesso ao emprego

 

 

Que balanço faz do trabalho realizado pela associação nos últimos anos?

O meu trabalho é sobretudo estabelecer uma ligação com todas as entidades e recursos disponibilizados pelo Governo e também com a indústria do jogo, pois as autoridades passaram a pedir [no contexto dos novos contratos de concessão de jogo] que desenvolvam mais actividades de apoio social. Portanto, reunimos todos esses recursos para que sejam organizadas actividades recreativas para crianças e jovens. Além disso, organizamos sessões de terapia para os nossos membros. Habitualmente, pedimos apoios financeiros a empresas privadas e ao Governo, cobrindo 30 a 50 por cento dessas despesas.

O apoio do sector do jogo é, portanto, bastante importante.

Sim, mas na verdade não tem sido um apoio muito grande. Por exemplo, o Governo cobre parte das nossas despesas mensais, cerca de 40 mil patacas. Mas esse montante chega apenas para contratar dois funcionários a tempo inteiro e um funcionário a tempo parcial. São eles que organizam todas as actividades, tratam da parte burocrática, onde se inclui a apresentação de muitos relatórios ao Governo, porque pedimos subsídios para quase metade das nossas despesas.

Assim sendo, considera que são precisos mais apoios do Executivo para poder contratar mais profissionais?

Sim, seria o ideal. Associações como a nossa estão a ficar maiores e as crianças a que damos apoio estão a crescer. Diria que 60 por cento dos nossos membros têm 11 ou mais anos, e cerca de 20 por cento são ainda maiores, com mais de 14 anos. Temos de pensar no futuro deles e das necessidades em termos de terapia e tratamento para adolescentes, pois não são só os miúdos pequenos que precisam de terapias, como terapia da fala ou ocupacional. São jovens que ainda estão no liceu e precisam de adquirir diferentes tipos de competências sociais, os rapazes precisam de saber lidar com raparigas e vice-versa. Depois, quando se tornam adultos, precisam de saber lidar com os chefes, no emprego. Há muitas valências a explorar e sim, neste momento diria que os apoios não são suficientes.

As escolas ainda não estão preparadas para receber estes alunos, por exemplo?

O autismo pode ser diferente de pessoa para pessoa. Os alunos com autismo, mas que têm melhores capacidades de aprendizagem, estão em escolas normais. Mas os pais dizem-me que não há professores suficientes com determinadas competências para lidar e ensinar estas crianças. Há professores que têm ainda uma mentalidade muito tradicional para tratar deste tipo de jovens, que muitas vezes têm de lidar sozinhas com situações de bullying, por exemplo. Diria que existem muitas crianças e jovens com autismo com problemas psicológicos por causa da escola.

Quando fala da mentalidade tradicional, o que significa isso em concreto?

No caso do meu filho, por exemplo, ele é obrigado a estar sempre sentado na escola, mas muitas vezes gosta de se mexer e levantar da cadeira. Do ponto de vista dos pais que têm filhos com este problema, não haveria problema, desde que não incomodasse os outros, mas para os professores não pode ser, e queixam-se. Dizem coisas do género: “Ele vai bater na mesa, vai mexer no quadro, faz muito barulho”. Todos os dias recebo queixas dos pais na ligação com a escola, e por situações pequenas como esta.

Quais são as principais dificuldades ou desafios que as famílias de Macau enfrentam quando lidam com um filho autista?

No meu caso, a minha família é de classe média, e financeiramente estamos bem. Mas quando o meu filho era mais novo precisou de fazer terapia e ficou muito caro. Agora essas terapias custam ainda mais. No tempo em que o meu filho andava no ensino primário, pagava-se 600 a 700 patacas por cada sessão de terapia, mas há dias um pai disse-me que as sessões custam agora cerca de 1000 patacas por aula, o que é muito caro. Famílias de classes sociais mais baixas não conseguem pagar. Portanto, esse apoio é um dos grandes objectivos da nossa associação, angariar dinheiro para podermos fornecer explicações, sessões de terapia ou outro tipo de apoio. Tudo para que os nossos membros possam frequentar as aulas com 50 por cento de desconto, em que a associação paga metade do valor.

Quando a associação foi criada, quais eram os seus principais objectivos?

Em 2012 o autismo não era um tema muito falado. Por isso, juntámo-nos [alguns pais e famílias] e começámos a pedir apoio ao Governo e a tentar chamar a atenção para o assunto. Conseguimos algumas coisas, porque o Governo agora dá mais apoio a estes jovens, pelo menos para os que têm menos de 12 anos. O problema que sentimos é que esses jovens estão a crescer e para os adolescentes são necessários outros tipos de apoios, que não existem.

O que é preciso mudar nas mentalidades e na sociedade em relação ao autismo?

Em Macau não há muitas empresas dispostas a contratar jovens com autismo. Situação que não se verifica em Hong Kong, onde existem vários programas de contratação com empresas de cariz social. Macau precisa seguir esse caminho.

Um dia no rio

O Dia Mundial da Consciencialização do Autismo celebra-se a 2 de Abril e, nesse contexto, a Associação de Autismo de Macau juntou-se à Sands China para uma série de actividades com crianças e pais, que decorreu no passado dia 10 de Março. Através do Programa “Sands Cares”, a operadora de jogo proporcionou uma visita à exposição “Coastal Fantasia”, com a figura do “Rei Lagosta”, uma criação do artista Philip Colbert, e um passeio de barco pelo Delta do Rio das Pérolas.

No total, participaram 70 pessoas. Citada por um comunicado da operadora de jogo, Ruby Hoi disse que o passeio “permitiu às crianças desfrutarem ao máximo da viagem”. “Agradeço por todo o apoio prestado às pessoas com autismo em Macau, e espero que todos os sectores da sociedade possam continuar a apoiar o desenvolvimento destas pessoas e a promover a sua inclusão na sociedade”, referiu.

Para a operadora de jogo, este tipo de eventos pode ajudar a “reforçar a coesão das famílias que lidam com o autismo, mas também promover a sensibilização da sociedade e o apoio à comunidade de pessoas com autismo fomentando um ambiente social mais inclusivo e solidário”.

19 Mar 2025