CTM | Concessionária promete rever tarifas em 2018. Tarifas das chamadas internacionais baixam

A Companhia de Telecomunicações de Macau promete rever os preços de internet e telefone na primeira metade do próximo ano. A partir de 8 de Dezembro, as chamadas internacionais passam a ser mais baratas, com reduções até 45 por cento

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Julho, quando os deputados da Assembleia Legislativa concluíram os trabalhos da anterior legislatura, o Governo assumiu que havia margem de melhoria no que diz respeito a uma redução das tarifas por parte da Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM).

A promessa poderá ser uma realidade já no próximo ano, adiantou ontem à imprensa Eliza Chan, porta-voz da concessionária pública de telecomunicações. “A CTM sempre teve uma atitude pró-activa neste sentido. No próximo ano vamos fazer uma nova análise em relação à redução das tarifas e vamos tentar fazer o melhor possível.”

A responsável adiantou ainda que, mesmo que não haja uma redução nas facturas de telefone e internet, a CTM sempre oferece pacotes e vantagens mais atractivos aos seus clientes. “Fazemos muitas promoções nos serviços, e além da revisão das tarifas temos diferentes pacotes para responder às necessidades dos clientes e somos mais competitivos.”

Se é certo que os clientes terão de esperar até ver uma mudança nos valores das facturas mensais, a verdade é que a CTM vai implementar, já a partir do dia 8 de Dezembro, reduções nas chamadas internacionais, algo que o Executivo também já tinha defendido.

O plano de reduções, que podem atingir os 45 por cento, já foi submetido ao Governo, estando ainda a aguardar a aprovação final. Na prática, vai passar a ser mais barato ligar da China para Macau e também de Macau para Portugal e países de língua portuguesa.

Uma chamada do continente para Macau poderá custar apenas 1,9 pataca por minuto, quando o preço actual é de 2,53 patacas, uma redução de 25 por cento. Uma chamada de Macau para a China baixa das actuais 4,03 para 1,9 patacas.

Os países vão ser divididos em cinco grupos, sujeitos a diferentes tarifas, que vão desde uma a nove patacas por cada minuto de chamada. Telefonemas para a China, Hong Kong e Taiwan vão passar a custar uma pataca por minuto, enquanto que chamadas para Portugal passam a custar 1,4 pataca por minuto. Chamadas para os países inseridos na política “Uma Faixa, Uma Rota” também estão incluídos nestas reduções.

Influência nos lucros

Eliza Chan clarificou que, com estas reduções nas chamadas internacionais de quase 50 por cento (nas chamadas para alguns destinos, as reduções vão até aos 80 por cento), vai existir um impacto negativo nos lucros da CTM.

“Para alguns destinos não vai existir qualquer custo. Claro que esta medida vai ter impacto nos lucros, mas esperamos que possamos motivar mais utilizadores a recorrerem a este serviço para reduzir o impacto.”

O objectivo destas reduções é responder à procura do sector empresarial, graças às relações económicas com os países de língua portuguesa e a implementação da política “Uma Faixa, Uma Rota”.

“Cremos que o sector empresarial vai fazer um maior uso das chamadas internacionais, vai haver uma maior procura, e por isso decidimos fazer esta revisão. Tendo em conta também a política ‘Uma Faixa, Uma Rota’ e os países de língua portuguesa, queremos chegar a diversos segmentos, para responder a diferentes necessidades”, explicou Eliza Chan.

13 Out 2017

Portas do Cerco | Estudo concluído há cinco anos sem tradução

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Plano Conceptual de Intervenção Urbanística da Zona do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco e Envolvente”, concluído em 2012, ficou ontem disponível no website da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), apesar de estar apenas na versão chinesa.

O HM tentou, até ao fecho da edição, falar com algum responsável da DSSOPT no sentido de ter acesso a algumas conclusões de um documento com cerca de 600 páginas, sem sucesso.

Segundo um comunicado ontem divulgado, “o estudo ficou concluído em 2012 e foi elaborado o respectivo relatório”, além de que “em 2014 [foi elaborado] um relatório complementar”.

O documento em questão aborda o planeamento urbanístico da zona envolvente da fronteira com Zhuhai. “Através de um concurso público realizado em 2011, o Governo incumbiu uma entidade especializada de elaborar o estudo”, sendo que, para já, são poucas ou nenhumas as conclusões disponíveis numa das línguas oficiais do território.

“Através de uma concepção urbanística geral pretende-se organizar as funções da zona, tais como o aproveitamento dos terrenos, as funções da cidade e a sua paisagem, o metro ligeiro e as infra-estruturas de transportes, o património histórico, o turismo e as instalações comunitárias”, lê-se.

Tudo para “reestruturar e melhorar a disposição das instalações do terminal de autocarros das Portas do Cerco e da rede de equipamentos de tráfego desta zona”, remata o comunicado.

13 Out 2017

Grande Baía | Macau não consegue ser auto-sustentável, diz Joey Lao

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]oey Lao, recentemente nomeado deputado pelo Chefe do Executivo e presidente da Associação Económica de Macau, considera que o território não tem capacidade para ser auto-sustentável em termos de fornecimento de energia e bens de consumo. A passagem do tufão Hato veio mostrar que o futuro passa mesmo pela cooperação regional

A passagem do tufão Hato por Macau pôs a nu as fragilidades de um território que importa do continente a maior parte da electricidade que consome, bem como os principais bens de consumo.

Um estudo da Associação Económica de Macau, presidida por Joey Lao, que foi nomeado deputado pelo Chefe do Executivo, revela que o território não será capaz de ser auto-sustentável nos próximos anos, dada a sua pequena dimensão. Joey Lao falou aos jornalistas à margem de um seminário sobre a construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. 

“Sugerimos que esta oportunidade de cooperação seja aproveitada porque precisamos dela para reduzir as probabilidades [ de que potenciais danos aconteçam de novo]. Precisamos de uma cooperação regional, sobretudo com Guangdong e Zhuhai. Este estudo faz sobretudo sugestões e comentários sobre aquilo que o Governo deveria fazer em termos de cooperação”, explicou o economista à margem do evento que contou com a organização da associação a que preside, do Gabinete de Estudo de Políticas e da associação Grande Thought Think Tank, ligada ao deputado Ma Chi Seng.

Joey Lao frisa mesmo que “sem a ajuda destas cidades [Cantão e Zhuhai] será impossível fazermos as coisas sozinhos”.

“Devemos garantir que há prioridade na cooperação em prol de toda a sociedade de Macau. [O território] será sustentável com uma boa cooperação, pois sem o apoio do continente e do Governo Central não seremos auto-sustentáveis. É impossível, pois somos uma pequena economia.”

O economista referiu que, nos dias após a passagem do Hato, a cidade de Zhuhai também sofreu com falhas de electricidade, mas que Macau foi prioritária para as ajudas disponibilizadas pelo Governo Central.

“Se olharmos para Zhuhai, também tiveram problemas em termos de fornecimento de electricidade, e durante a passagem do tufão Hato, ainda sofreram mais do que nós a esse nível. O Governo Central deu prioridade ao fornecimento de electricidade a Macau e só depois se tentou colmatar as falhas em Zhuhai e em Guangdong. Deveríamos agradecer toda esta ajuda. Ninguém quer que desastres naturais aconteçam”, adiantou.

Questionado sobre a possibilidade de se conceder mais terrenos para que a Companhia de Electricidade de Macau (CEM) possa erguer mais estações de fornecimento de energia, Joey Lao respondeu com outra pergunta: e as habitações públicas?

“Se forem atribuídos terrenos para a construção de mais estações de fornecimento de electricidade, onde vamos construir mais habitações públicas ou infra-estruturas sociais? Temos de garantir um equilíbrio. Não é possível criar, no futuro, um sistema cem por cento sustentável em termos de fornecimento. O Governo está a rever a política e de certeza que vão haver alterações no futuro.”

Sobre a falta de medidas para travar a subida das águas na zona do Porto Interior, Joey Lao lembrou que a cooperação com o interior da China também será importante na construção de infra-estruturas.

“Quando construirmos a comporta, precisaremos de cooperar com a província de Guangdong, sem isso é impossível construir ou gerir nas suas áreas de governação.”

Finanças: Macau será diferente

O estudo elaborado este ano sobre o projecto da Grande Baía não tem, para já, qualquer tradução para português ou inglês por falta de recursos da própria associação, explicou Joey Lao.

À margem do seminário, o economista falou de algumas conclusões. “Este estudo foca-se sobretudo em duas áreas principais, e estudámos as experiências passadas de Macau ao nível da cooperação com Hong Kong. Também nos focamos a partir do momento em que se celebraram, em Hong Kong, acordos entre os três governos (China, Macau e Hong Kong), nas cerimónias de celebração da transferência de soberania de Hong Kong para a China.”

Isso porque o dia 1 de Julho marcou, na visão de Joey Lao, o arranque do futuro projecto da Grande Baía.

“Os três governos estiveram representados nesses eventos e assinaram um acordo para promover e firmar a cooperação em prol do desenvolvimento destas áreas. No estudo abordamos esses acordos e apresentamos sugestões sobre as principais áreas de cooperação”, frisou.

Um dos principais domínios da colaboração, já anunciados pelo Governo de Macau como sendo promissor e fundamental, é a cooperação na área financeira, que passa pelo desenvolvimento do sector em Macau.

“O sector financeiro tem vindo a desenvolver-se bastante nos últimos tempos e estamos a construir a sede do Fórum Macau, que vai ajudar a construir a plataforma com os países de língua portuguesa. Precisamos disso para estabelecer uma melhor cooperação com Guangdong, para atrair investidores e serviços de comércio dos países de língua portuguesa para Guangdong.”

Contudo, Joey Lao ressalta que a RAEM jamais será como Hong Kong neste campo.

“O nosso objectivo não é transformar Macau num centro financeiro e competir com Hong Kong. Se a ideia é construir um centro financeiro com características especiais, não o vamos fazer com vista a competir com Hong Kong, não é esse o alvo.”

A Associação Económica de Macau realizou, aliás, um outro estudo sobre este assunto. “Uma dessas características especiais é o estabelecimento de um centro destinado aos países de língua portuguesa, e esses negócios vão ajudar a estimular o sector financeiro e empresarial em Macau. Falo da criação de algumas empresas que disponibilizem planos de gestão de riqueza e de consultadoria.”

Confrontado com o papel que o sector do jogo terá no contexto da Grande Baía, ou sobre a melhor forma de integração dos casinos neste projecto, Joey Lao disse apenas, sorrindo: “uma integração do sector do jogo será impossível, uma vez que é estritamente proibido nestas áreas. Nunca será integrado”.

 

Gabinete de Ligação: “É preciso eliminar limitações políticas”

O director do departamento de assuntos económicos do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, Liu Bin, discursou ontem no seminário sobre  a construção do projecto da Grande Baía e defendeu que novas leis têm de ser implementadas.

“Macau é uma cidade com elevada densidade populacional, mas as leis carecem de ser aperfeiçoadas”, apontou Liu Bin. O responsável do Gabinete de Ligação frisou ainda que “é preciso eliminar ao máximo todos os tipos de limitações políticas” para que este enorme projecto de cooperação venha a ser uma realidade.

O responsável não esqueceu também a necessidade que o território tem de “aperfeiçoar a cooperação com outras cidades da Grande Baía, colmatando, assim, as insuficiências”.

Liu Bin deixou bem claro que o futuro de Macau deve passar pela ligação do turismo ao Delta do Rio das Pérolas. “Proponho que, no âmbito de cooperação, se possam desenvolver planos de concepções para aproveitar a área marítima e para apoiar neste sentido. [Deve ser explorada] a área do turismo, como é o caso do turismo oceânico, com tecnologia oceânica, de modo a responder ao desenvolvimento de sectores emergentes.”

O responsável do Gabinete de Ligação lembrou que Macau tem um ordenamento jurídico e legislação diferentes, e que isso se deverá manter nos próximos anos.

Estão em causa “dois sistemas políticos diferentes, com dois ordenamentos jurídicos diferentes”, sendo que o responsável falou da existência de algumas dificuldades. “Estas questões só se podem resolver gradualmente através de critérios científicos”, explicou. “Na verdade, determinadas políticas carecem de aperfeiçoamento ou ainda não estão devidamente implementadas”, disse, sem especificar quais.

Deve existir “complementaridade dos regimes existentes na Grande Baía” e, a partir daí, “construir um mercado a partir da articulação das diferentes áreas, com os dois sistemas”.

Casa do projecto piloto

Liu Bin deixou bem claro de que Macau não é apenas “o bom exemplo da concretização [da política] ‘Um País, Dois Sistemas’”, como pode ser o território onde o plano piloto da Grande Baía pode acontecer.

“Pode-se olhar para Macau como um projecto piloto para criar o plano e, a pouco e pouco, difundir essa estratégia para a construção da Grande Baía.”

O responsável destacou ainda a transferência da sede do fundo de cooperação, no âmbito do Fórum Macau, para o território, bem como da construção de uma nova casa para esta entidade.

Liu Bin deixou ainda bem clara a importância da cultura portuguesa neste processo.

“Macau e as cidades vizinhas devem aproximar-se ao máximo dos factores históricos no desenvolvimento deste projecto, mediante as vantagens dos dois sistemas.”

Isto porque “o Governo de Macau já definiu uma base de cooperação e intercâmbio onde predomina a cultura chinesa, mas com a existência de uma cultura diversificada. O projecto da Grande Baía deve então aproveitar essas vantagens de Macau, transformando a Grande Baía numa base para o turismo”, rematou Liu Biu.

 

Censura | Cooperação inter-regional pode ajudar

O director-executivo do Centro de Estudos das Culturas Sino-Ocidentais do Instituto Politécnico de Macau disse acreditar que a cooperação inter-regional com a China vai contribuir para aliviar a censura na edição de publicações.

“Penso que depende da temática e dos requisitos de diferentes territórios, mas claro que seria positivo se não houvesse tanta censura e que pudesse haver mais abertura em termos de criatividade, mas acho que com o desenvolvimento inter-regional esta situação pode melhorar”, disse Lam Fat Iam.

O responsável falou à margem do “Seminário sobre a construção da Grande Baía de Guangdong-Hong Kong-Macau”. Lam Fat Iam apontou que os diferentes ordenamentos jurídicos de Macau, Hong Kong e do interior da China complicam o desenvolvimento da área da edição, mas salientou que seminários como este ajudam a resolver situações de conflito.

“Alguns conflitos podem ser resolvidos futuramente, porque os custos de publicação em Macau são menores, e também temos mais procura ou oferta em termos internacionais, dos chineses do ultramar e até dos países de língua portuguesa”, acrescentou.

12 Out 2017

António Katchi | Mudanças na lei laboral são “regressão na protecção jurídica”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]ntónio Katchi, docente do Instituto Politécnico de Macau (IPM) e jurista, aponta algumas críticas às propostas feitas pelo Executivo para a revisão da lei laboral.

“Em termos globais, os documentos apresentados pelo Governo prefiguram uma regressão na protecção jurídica dos trabalhadores. É certo que, entrando numa análise mais pormenorizada, podemos encontrar algumas medidas positivas, mas que servem fundamentalmente para ‘adoçar a pílula’ – a orientação geral plasmada naqueles documentos é claramente reaccionária”, defendeu ao HM.

Katchi pensa ainda que algumas alterações ao diploma são “nefastas para os trabalhadores”. “Mesmo aquelas que, teoricamente, oferecem a possibilidade de opção por acordo entre o trabalhador e o empregador, redundam no mero alargamento da margem de opção para o empregador.”

O jurista destaca a proposta de criação de cinco dias de licença de paternidade, bem como a concessão de mais 14 dias para licença de maternidade, “ainda que sem remuneração”. Contudo, “as alterações têm um alcance bastante reduzido”.

“Uma licença de paternidade com a duração de apenas cinco dias seria francamente miserável. No entanto, nem sequer esses cinco dias estão por ora garantidos, pois o Governo recuou em relação ao que anunciara nas Linhas de Acção Governativa para 2017: expressara a intenção de propor um aumento de dois para cinco dias, mas agora mostra-se indeciso entre 5, e 4 dias”, lamentou o docente.

Tempo parcial sem direitos

O Governo pretende também regulamentar o trabalho a tempo parcial, mas, para António Katchi, a nova lei pouco ou nada trará de novo. “Note-se que a regulamentação proposta não visa colmatar qualquer vazio legal, pois o trabalho a tempo parcial encontra-se integralmente sujeito ao regime geral estabelecido [na lei laboral].”

O novo diploma visa, na opinião do académico, “subtrair os trabalhadores a tempo parcial de vários direitos e garantias consignados nessa lei: férias anuais pagas (mínimo de seis dias úteis); remuneração de uma parte das faltas motivadas por doença (mínimo de seis dias úteis) ou remuneração da licença de maternidade (mínimo de 56 dias)”, exemplificou.

António Katchi acrescenta ainda que a nova proposta de lei, também em processo de consulta pública, “visa também exonerar as partes (empregador e trabalhador) da obrigação de contribuir para o Fundo de Segurança Social”.

“Imagine-se quão lucrativo seria para um empregador substituir um trabalhador a tempo inteiro por três trabalhadores a tempo parcial”, remata.

12 Out 2017

Mostra de teatro lusófono “Teatrau” começa este sábado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] quarta edição do “Teatrau – Mostra de Teatro dos Países de Língua Portuguesa” arranca já este sábado, no contexto da semana cultural da China e dos países de língua portuguesa. Participam este ano cinco companhias teatrais de Portugal, Macau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Moçambique.

A companhia teatral Hiu Kok, de Macau, volta a participar com a peça “O cuco da noite escura”. Apesar desta companhia já ter estado presente noutras edições do Teatrau, trata-se, segundo João Laurentino Neves, director do Instituto Português do Oriente (IPOR), de um novo projecto.

“Há, no seio da companhia Hiu Kok, diversos projectos artísticos, um pouco à semelhança do projecto Artistas Unidos, em Portugal. Os jovens que vêm este ano fazer a peça fazem parte de um projecto que não tem a ver com as outras edições”, explicou ao HM.

A peça em questão será em chinês, com tradução em português. No caso da companhia que representa Macau, a escolha recai sob o Instituto Cultural. O IPOR decidirá, através de um concurso, a companhia que representa Portugal, e, este ano, é a Nómada Art & Public Space, que vai mostrar o projecto “Solange – uma conversa de cabeleireiro”.

No caso das companhias teatrais oriundas dos países de língua portuguesa, a escolha cabe aos delegados do Fórum Macau.

João Laurentino Neves declarou que, para participar no Teatrau, existem critérios que determinam a presença dos projectos de teatro.

“Não é comportável ter grandes companhias e isso obriga-nos a tomar opções. Apostamos numa mostra de teatro em que a companhia apresenta poucos actores, a mostra deve incidir sempre no trabalho do actor e no texto.”

Depois, é importante, no caso de Portugal, que se trate de “uma peça que tenha circulado e que tenha tido bons comentários”.

Além disso, “o texto deve ser revelador daquilo que é a literatura em português e que conte com um desempenho de actores que possa trazer às outras companhias propostas inovadoras”.

Público a crescer

João Laurentino Neves acredita que, na hora de falar de público, há que abordar três dimensões, que vão muito além das pessoas que se dirigem ao Teatro D.Pedro V.

Há que olhar para os workshops que se realizam nas escolas e universidades, pois abrangem “pessoas que não vão necessariamente ver as peças, mas que recebem os actores e fazem diversas acções”. “Essa é uma dimensão importante da mostra, não se esgota no palco”, acrescentou.

O director do IPOR destaca também “a dimensão dos workshops com associações ou projectos locais de artes performativas”. Ao todo, estão em causa cerca de mil pessoas. “Esperamos ter mais pessoas este ano”, acrescentou Laurentino Neves.

Ao nível dos espectadores, o director do IPOR sugere um maior apoio do Governo. “Esperamos que nesta edição possamos ter mais ajudas. Temos de analisar como podemos reforçar a informação junto dos diversos públicos, tal como as comunidades de estudantes e todos os que falam português, como língua materna ou não. Era importante que os serviços públicos da RAEM pudessem dar uma ajuda”, concluiu.

11 Out 2017

Li Gang, ex-director do Gabinete de Ligação, suspenso de funções no Partido

A uma semana da realização do 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, sabe-se que Li Gang, ex-director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, será suspenso pelo período de um ano. A medida insere-se na política de combate à corrupção promovida pelo governo de Xi Jinping e que tem atingido altos quadros do partido

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] antigo director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, Li Gang, foi suspenso das funções do Partido Comunista Chinês (PCC) por um ano, por alegadas “violações graves” da disciplina partidária, o eufemismo usado para a corrupção.

O anúncio foi feito depois da reunião, realizada na segunda-feira em Pequim, da Comissão Central para a Inspecção da Disciplina do Partido Comunista (agência anti-corrupção chinesa).

A suspensão acontece a uma semana da realização do 19º Congresso Nacional do PCC, um momento crucial que acontece a cada cinco anos e que, em 2017, tem prevista a consolidação do poder do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping.

Li Gang, de 62 anos, deixou o cargo em Macau em Junho do ano passado e, de acordo com a imprensa internacional, abandonou as suas funções como vice-director do Gabinete para os Assuntos dos Chineses Ultramarinos no final de Agosto deste ano.

A 1 de Setembro foi conhecida a expulsão do antigo director do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau da Assembleia Popular Nacional (APN), órgão máximo do poder legislativo no continente.

Passado suspeito

Antes de vir para o território, em 2012, Li Gang tinha cumprido funções em Hong Kong na qualidade de vice-director do Gabinete de Ligação da região vizinha durante dez anos. Ainda em Hong Kong, Li Gang foi sujeito a uma acção disciplinar que, de acordo com uma breve declaração prestada na segunda-feira, tem uma acusação legítima. A Comissão Central de Inspecção Disciplinar do Partido declarou ter “aprovado um relatório sobre a grave violação de disciplina de Li Gang”.

Em Macau, Li foi já substituído por Wang Zhiming. Na semana anterior ao anúncio da sua substituição, a Comissão Central de Disciplina anunciou que ia, pela primeira vez, enviar inspectores para o Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado.

Desde que o Presidente Xi Jinping assumiu o poder, cerca de 1,34 milhões de funcionários de baixo escalão já foram punidos, dentro da campanha contra a corrupção em que o Presidente da China prometeu atingir “tigres e moscas”.

O medida de combate à corrupção atingiu também cerca de 250 altos funcionários, incluindo o antigo chefe da segurança nacional, Zhou Yongkang.

Na visão de Eric Sautedé, politólogo, a campanha anti-corrupção de Xi Jinping não pode estar dissociada da suspensão do antigo menino de ouro do partido.

“Tendo em conta o período em que nos encontramos – a dias da realização do 19º Congresso do PCC – e o contexto, com uma concentração do poder de Xi Jinping junto dos seus afiliados, não é difícil de suspeitar que Li Gang seria um alvo a apontar, e pode muito bem ter sido a ‘vítima’ destas duas campanhas coincidentes”, defendeu ao HM.

A velha facção

Além desta suspensão surgir numa fase importante para a vida política da China, Eric Sautedé não esquece o que ela também representa: a perda de poder da facção do antigo Presidente chinês, Jiang Zemin.

Li Gang “esteve ligado ao Departamento de Propaganda Central e acredita-se que fosse próximo de Zeng Qinghong (próximo de Jiang Zemin e antigo vice-Presidente, de 2002 a 2007)”, apontou o académico.

“Parece então que a velha facção de Jiang Zemin está a perder um dos seus membros, e claramente os problemas de Li Gang começaram em 2016. A suspensão não é uma exclusão, e, para já, não parece dar direito a prisão”, lembrou Sautedé.

Este acrescenta ainda que Li Gang pode não estar preso, mas já desceu todos os níveis possíveis no ranking interno do PCC, ocupando actualmente a posição de secretário.

Sautedé acrescenta ainda aquilo que a imprensa chinesa de Hong Kong tem vindo a escrever nos últimos dias: de que esta pena mais “leve”, ou seja, uma mera suspensão, só aconteceu porque a esposa de Li Gang será uma grande amiga da mulher de Xi Jinping, Peng Liyuan.

 

Os interesses de Macau e os terrenos

As suspeitas sobre o homem forte do Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau não são de agora. Em Setembro do ano passado, a revista de Hong Kong Next Magazine noticiava, citada pelo Ponto Final, que a venda de pinturas de caligrafia chinesa e quadros com valor inflacionado terão estado na origem das investigações a Li Gang pelo PCC.

Mais do que isso, havia suspeitas da prática de abuso de poder na atribuição de terras na Ilha da Montanha. Utilizando fontes anónimas, a Next Magazine escreveu que Li Gang terá usado a sua posição para que terrenos em Hengqin fossem atribuídos a investidores de Macau. Os quadros também seriam vendidos a empresários locais.

Estas informações, que, para já, ainda são só suspeitas, são recordadas por Eric Sautedé, que estabelece uma ligação a Macau.

“Há outra possibilidade [que explica a investigação e suspensão] quanto ao facto de [Li Gang] poder ter ‘desagradado’ a alguns interesses de Macau”, apontou o politólogo.

“Isso foi visível em Março de 2015, quando surgiram rumores de que esteve ligado a interesses de Zhuhai e de Hengqin relacionados com terrenos. Daí a sua insistência para que Macau não revisse a Lei de Terras, pois assim os preços dos terrenos subiriam mais rapidamente em Hengqin.”

Eric Sautedé defende que Li Gang mostrou estar do lado “oposto a certos interesses de Macau”, pois “dava lições” e procurava “a recuperação de terrenos pelo Governo que não estavam desenvolvidos”.

Notícias de 2015 provam que Li Gang defendeu que a Lei de Terras implementada após 2013 não teria qualquer conflito com a Lei Básica e que de nada servia aos pequenos investidores do edifício Pearl Horizon fazerem queixa junto do edifício do Gabinete de Ligação.

Para Eric Sautedé, muitas pessoas na RAEM não estariam de acordo com o seu estilo de liderança.

“Foi uma figura que não passou despercebida em Macau e muitas pessoas, incluindo Ho Iat Seng [presidente da Assembleia Legislativa], mostraram reservas de imediato. Acredito que muitas pessoas em Macau não estivessem contentes com o seu estilo de liderança no Gabinete de Ligação.”

Palavras mil

Sautedé recorda ainda que, quando Li Gang foi destacado para liderar o Gabinete de Ligação, haveria um propósito já definido à partida. “Levou apenas um ano a trazer para junto de si as pessoas que queria (muitos directores de departamento mudaram nessa altura)”, além de que “levou apenas um ano a ser promovido”.

O politólogo, que deu aulas na Universidade de São José e que actualmente reside em Hong Kong, recorda a “voz muito activa” que Li Gang foi nos anos de 2014 e 2015. “Sobretudo em Março de 2015, quando prestou declarações em Pequim (durante os encontros da Assembleia Popular Nacional e Conferência Consultiva Política do Povo Chinês) sobre Macau, defendendo que o território deveria ser mais como Singapura e começar um fundo soberano.”

Em Janeiro, já depois de Li Qiufang, da Comissão Central de Inspecção da Disciplina, se ter juntado ao Conselho de Estado para os assuntos de Hong Kong e Macau, “para investigar oficiais alegadamente corruptos, envolvidos em actividades de lavagem de dinheiro em Hong Kong e Macau”, Li Gang ainda haveria de falar.

“Repetiu, por diversas vezes, no ano de 2016, que a quebra do desenvolvimento económico não tinha nada a ver com as suspeitas de lavagem de dinheiro”, frisou Sautedé.

O ex-governante chinês chegou a afirmar publicamente que eram “muito raras” as situações de rostos importantes do PCC, ou cidadãos do continente envolvidos em casos de corrupção, virem jogar a Macau. Li Gang disse ainda que a queda das receitas se poderia atribuir a “vários factores”.

O ano passado, Li Gang ainda foi “’promovido’ para ser director do Conselho de Estado para os Assuntos Externos da China em Pequim, em Julho, e mesmo a sua substituição veio mostrar que não se tratava de uma perda de estatuto”, rematou o académico.

11 Out 2017

Rethink Coffee Roasters, franchising | Andrew Chang, criador

Andrew Chang chegou a trabalhar num banco, até que decidiu apostar num negócio cem por cento local. Em regime de franchising, a Rethink Coffee Roasters quer abrir espaços em todo o território, à semelhança das grandes cadeias de cafés que existem no mundo

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]eber café em copos com o símbolo azul e branco ainda não é algo comum de se ver, mas é esse o objectivo de Andrew Chang. Fundador da Rethink Coffee Roasters, Andrew quer estabelecer por toda a Macau cafés com esta marca em regime de franchising, à semelhança do que já acontece com marcas mundialmente conhecidas, como a Starbucks ou a Tom n Tom, oriunda da Coreia do Sul.

Para já, a Rethink Coffee Roasters tem apenas um espaço no NAPE. “Ainda somos um micro negócio, mas esperamos conseguir fazê-lo”, explicou Andrew Chang ao HM. “O nosso primeiro café franchise deverá abrir no final deste ano, ou no início do próximo ano, se as coisas correrem bem.”

“O nosso principal objectivo é promover um café local de Macau. Sabemos que há muitos locais que adoptam franchises de cafés vindos de fora, o que não tem problema. É normal numa cidade multicultural”, explicou o criador deste negócio, que deseja que as pessoas optem por beber cafés Made in Macau.

“As pessoas gostam muito dos franchises de fora, da Coreia do Sul, Taiwan, ou mesmo a Starbucks, dos Estados Unidos. O meu objectivo não é ter um franchise, mas antes promover uma marca de café local, um negócio local. Se possível, gostaria que o franchise pudesse chegar a um nível internacional”, adiantou.

Apesar de querer expandir a marca, Andrew Chang não impõe o negócio a potenciais interessados.

“Não faço grande promoção, não digo que sou o melhor em Macau para as pessoas que queiram fazer parte do franchise. Acho que os clientes que adoram o nosso café, se gostarem mesmo vão sugerir-nos essa possibilidade. É essa a nossa estratégia.”

Do banco para o café

Andrew Chang já gostava de beber café e não chá, uma bebida mais tradicional da cultura chinesa, com 14 anos. Cresceu, fez os estudos superiores na área da economia e dos números, trabalhou num banco. Aí começou o seu interesse por esta arte de servir e fazer café.

“Realizei várias acções de formação ligadas ao café, em Macau, Hong Kong e mesmo em Taiwan e nos Estados Unidos. Viajei através do mundo para conhecer melhor o café. Adoro café.”

O trabalho na banca depressa o aborreceu. “Quando trabalhava no banco ficava sentado nove horas. E era isso. Mas no café tenho de ficar as nove horas em pé.”

“Sou licenciado em economia, por isso um trabalho no sector bancário é algo natural. Mas nunca parei de estudar e envolver-me nos passatempos. Porém nessa altura, considerei que não poderia ter este emprego até ao resto da vida. Por outro lado, sentia que se tivesse um negócio e pudesse ter um café que seria mais feliz”, acrescentou o fundador da Rethink Coffee Roasters.

Andrew considera que esta foi uma “mudança radical” na sua vida, e que teve de começar do zero até se tornar num empresário.

“Mesmo que uma pessoa perceba de café não é suficiente. É preciso saber como gerir um negócio. Por isso, antes trabalhei em vários estabelecimentos para ganhar essa experiência, para saber mais sobre os cafés.”

Desafios do dia-a-dia

Andrew Chang enfrenta as dificuldades que qualquer empresário de pequena dimensão tem neste território. “Os custos das rendas face às pessoas que passam na rua dos espaços arrendamos é muito elevado. Não é como em Hong Kong, onde se paga uma renda alta, mas há muita gente a passar nas ruas. Isto torna o negócio muito mais complicado.”

Além disso, a marca tem ainda de lidar com o facto da cultura do café, em Macau, “não ser muito madura o que faz com que o negócio seja muito mais difícil.”

“Servimos cafés muito específicos, ou seja com uma qualidade muito elevada. Por outro lado, importamos o café, mas somos nós que o torramos. Isto é uma grande diferença. Escolhemos os grãos, e depois servimos aos nossos clientes. Fazemos venda a retalho e por grosso. Controlamos toda a qualidade do café”, explicou o mentor deste projecto, que considera que este facto é uma mais valia da marca.

“Ao contrário de outros, não nos limitamos a importar o café já torrado. Nós gostamos de controlar o processo. Isto faz com que sejamos diferentes”, concluiu.

11 Out 2017

Obras | Empresa de Chui Sai Peng ganha mais dois contratos

A CAA – Planeamento e Engenharia vai ser a responsável pela construção do novo edifício do Instituto de Habitação. A empresa liderada pelo deputado e primo do Chefe do Executivo vai ainda levar a cabo o projecto de renovação do monumento Portas do Entendimento

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]eputado reeleito nas últimas eleições legislativas pelo sectores comercial, industrial e financeiro para a Assembleia Legislativa, José Chui Sai Peng acaba de ganhar mais dois contratos para projectos públicos.

O engenheiro civil, director da CAA – Planeamento e Engenharia, vai ter em mãos duas obras de alguma importância, sendo uma delas a renovação do monumento Portas do Entendimento, localizado na Barra e há muito votado ao esquecimento.

Segundo a edição de ontem do Boletim Oficial (BO), caberá à empresa do também primo do Chefe do Executivo, Chui Sai On, a concretização do “projecto de reparação das Portas do Entendimento”, um contrato orçamentado acima das três milhões de patacas.

A renovação do monumento da autoria do escultor Charters Almeida deverá ficar concluída no próximo ano, uma vez que o despacho publicado em BO determina que o pagamento de uma tranche do valor será feito em 2018.

IH com nova casa

Outra empreitada também adjudicada à empresa de José Chui Sai Peng foi a “obra de reconstrução do edifício da sede do Instituto de Habitação (IH) – elaboração do projecto de execução da obra”.

Este empreendimento terá um valor acima das 11 milhões de patacas, sendo que o orçamento será pago à empresa até ao ano de 2021.

A CAA – Planeamento e Engenharia tem vindo a ganhar diversos contratos públicos nos últimos meses. Um dos mais importantes está ligado à construção do novo complexo hospitalar de saúde das ilhas, em que a empresa de Chui Sai Peng será a responsável pela gestão e fiscalização da obra num consórcio com a AECOM.

Esta empresa de Hong Kong foi a escolhida no concurso público, depois de terem sido feitos convites directos a firmas do ramo pelo Gabinete de Desenvolvimento de Infra-estruturas. Coube à AECOM optar por trabalhar com a CAA – Planeamento e Engenharia.

O ano passado a adjudicação de serviços na área da educação à Associação Promotora das Ciências e Tecnologias de Macau, também dirigida por Chui Sai Peng, gerou polémica e levou o próprio Chefe do Executivo a pronunciar-se sobre os eventuais conflitos de interesses que possam surgir na assinatura de contratos públicos.

Num comunicado, Chui Sai On disse que “pedirá escusa em todos os casos onde possa surgir conflito de interesses, no cumprimento de uma conduta que considera indispensável para um Chefe Executivo”.

O Chefe do Executivo acrescentou ainda que cumpre “rigorosamente com o estipulado na Lei Básica”, assim como com o juramento da sua tomada de posse, onde se comprometeu a seguir a lei e a executá-la com lealdade.

10 Out 2017

Maria João Belchior, fundadora da Livros de Bordo: “Faltam conhecimentos sobre a China antiga [em Portugal]”

Saiu de Pequim para criar uma editora de nicho em Portugal, que só publica livros que versam sobre esse grande país que é a China e todo o continente asiático. Em entrevista, Maria João Belchior fala dos desafios que é publicar livros do outro lado do mundo no mercado editorial português

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]olaborou com vários meios de comunicação em Macau, viveu em Pequim, até que decidiu ir para Portugal e fundar a Livros de Bordo. Porquê publicar livros sobre a China e a Ásia?

Eu vivi durante 12 anos em Pequim onde trabalhei como correspondente para Portugal e Macau. Regressei a Portugal no último dia do ano 2013 (tinha chegado em 2002). A ideia de abrir uma editora focada em temas sobre a Ásia já vinha de há algum tempo, porque, apesar de haver muitos livros bons sobre a Ásia e o Oriente, encontrei vários que nunca tinham sido publicados. A Livros de Bordo nasce de um amor aos livros e de uma experiência bastante longa de vida na Ásia. Apesar de ter passado muito tempo na China, estive também no Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Tailândia, Laos, Cambodja, Índia, Taiwan. Fui encontrando livros e temas que nunca tinham sido publicados, ou que se encontravam há muito esgotados em Portugal, e decidi arriscar no mundo da edição.

Publica livros académicos sobre a sociedade, cultura ou sistema político da China, ou mais obras de escritores chineses?

A editora só conta até agora – Outubro de 2017 – com sete títulos publicados dos quais dois são reedições da obra de Wenceslau de Moraes. Cinco dos livros são inéditos. Os temas não têm sido exclusivos da China. Um deles apenas “Quando Mil Milhões de Chineses Saltam” é uma viagem pela China atravessando todas as províncias e registando os problemas ambientais e as soluções que têm sido encontradas. O autor, Jonathan Watts, foi correspondente do The Guardian na China durante 12 anos. Outro dos livros “A Antiga Rota do Chá e dos Cavalos” é uma viagem de um explorador canadiano pela história do comércio do chá desde as primeiras trocas que se faziam entre a província de Yunnan e o Tibete. Os outros três livros passam pela Mongólia, pelo Tibete e pela Índia. Não são livros académicos mas registos históricos de viagens feitas, nomeadamente desde o século XIII. “A História dos Mongóis aos Quais Chamamos Tártaros” é uma obra traduzida pela primeira vez do latim com o registo de viagem de um frade franciscano, Giovanni da Pian del Carpini, que chegou à corte Mongol em 1247. O livro “Cartas do Tibete” reuniu pela primeira vez na íntegra as quatro cartas escritas pelo padre jesuíta António de Andrade sobre a sua viagem até ao reino de Guge, no Tibete, e a criação da primeira missão jesuíta naquele território na primeira metade do século XVII.

Quais os grandes desafios de publicar estas obras em Portugal? Prendem-se com a tradução, sobretudo?

Publicar livros históricos tem sempre alguma dificuldade por serem livros específicos, que num sentido geral se podem considerar literatura de viagens, quando se fala na viagem feita há poucos anos pela Rota do Chá e dos Cavalos. No entanto, viagens do século XIII ou do século XVII têm um pendor histórico, tanto pela linguagem utilizada como pelo cenário descrito. As dificuldades de edição estão sobretudo ligadas à escala, porque sendo uma editora pequena é mais difícil entrar nas grandes redes de livrarias, o dito “mercado”. De qualquer maneira, já temos dois títulos em segunda edição o que mostra que tem havido interesse no trabalho por parte do público.

Quais os temas ou obras que mais interessam aos leitores portugueses? Querem compreender a China de hoje ou querem ler mais autores chineses?

É sempre complicado generalizar. Creio que existe um interesse por todos os temas, sendo que há formas mais comerciais de vender livros ou temas. A Livros de Bordo é uma editora de nicho e apenas posso dizer que existe de facto interesse na China, mas também na Ásia e na sua história antiga.

Há ainda um grande desconhecimento em relação à China e à Ásia, apesar de existir uma maior publicação de livros nos últimos anos?

Esta é outra resposta que não consigo dar com certeza. Há momentos em que determinados assuntos se tornam mais apelativos, seja pelos acontecimentos da actualidade, seja pelo momento criado pelos media, como por exemplo a divulgação de filmes históricos. É natural que a China ocupe um grande espaço, mas também é verdade que há já muitos títulos no mercado sobre a nova realidade chinesa. Por vezes, até o que falta mais é conhecimento sobre a China antiga. Aqui existe certamente o desafio de tradução de, por exemplo, textos clássicos, que é algo quase inexistente em Portugal pela dificuldade que representa. Só que também aqui tem havido uma grande mudança à medida que existe mais curiosidade sobre o país e a sua cultura.

10 Out 2017

Relatório | Congresso dos EUA alerta para proibições na fronteira entre Hong Kong e Macau

O mais recente relatório do Congresso norte-americano chama a atenção para os últimos casos de proibição de entrada em Macau de jornalistas e deputados de Hong Kong, sem ignorar a ausência de um calendário para a implementação do sufrágio universal. Sonny Lo e Leonel Alves alertam para as especificidades do território. Governo rejeita acusações

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ornalistas que queriam cobrir o impacto causado pelo tufão Hato, deputados do Conselho Legislativo de Hong Kong do campo pró-democrata, que vinham passar férias ao último enclave português a oriente e que viram a sua entrada negada. Estes foram alguns casos de proibições na fronteira que aconteceram nos últimos meses e que são citados no último relatório do Congresso dos EUA, que fala nas ausências de definições na lei em vigor.

“Durante este ano, o Governo de Macau continuou a negar a entrada a alguns políticos do campo pró-democracia e activistas de Hong Kong. A lei de segurança interna permite às autoridades a recusa da entrada de não residentes ‘que sejam considerados inadmissíveis ou que possam constituir uma ameaça para a estabilidade da segurança interna’. Contudo, a lei não define essa inadmissibilidade ou o que é que pode constituir uma ameaça à segurança de Macau”, pode ler-se.

O Executivo de Macau, contudo, já veio rejeitar estas acusações em comunicado oficial, afirmando repudiar “terminantemente o relatório”. O mesmo documento frisa também que o território pertence à China e “nenhum país estrangeiro tem o direito de ingerência nos seus assuntos internos”.

“Desde o regresso de Macau à Pátria, o princípio de ‘Um país, Dois sistemas’ e a Lei Básica têm sido implementados em pleno, no território, e a RAEM desenvolveu-se e registou resultados notórios”, sublinhou, considerando que o relatório “tece comentários irresponsáveis”.

Interferência indesejada

Ao HM, o deputado e advogado Leonel Alves também considera tratar-se de uma interferência nas questões internas de Macau. Em jeito de resposta, o último massacre ocorrido em Las Vegas, que vitimou cerca de meia centena de pessoas, surge-lhe imediatamente no discurso.

“Gostaria de questionar quando é que o governo norte-americano decide banir a venda de armas. Há uma ingerência nos assuntos internos de outro país. O que causa um grande espanto a nível mundial é a venda de armas a toda a gente, o que constitui um perigo. Penso que é uma ingerência. Porque é que os EUA se hão-de intrometer nos assuntos de outros países?”, questionou.

O deputado, que assume essas funções até ao próximo dia 15 de Outubro, deixando depois a Assembleia Legislativa, recorda que Macau “tem a sua própria contextualidade e características do sistema político”.

“Este tem de evoluir de forma gradual e harmoniosa e a imposição de valores norte-americanos, num território como Macau, pode trazer muitos problemas para a população.”

Sobre as proibições na fronteira, Leonel Alves defende que deve existir “bom senso”.

“Tratam-se de questões de segurança interna, não sabemos os estudos ou as informações que o Governo tem, barrando a entrada de determinadas pessoas. Em alguns casos haverá um exagero, uma vez que chegou-se a proibir a entrada de uma criança cujo nome tinha algumas parecenças com alguém suspeito. O bom senso tem de imperar.”

Leonel Alves alerta ainda que, quanto à proibição de jornalistas e deputados, “não sabemos qual o relatório que as autoridades têm e qual o grau de perigosidade dessas pessoas”. “Mas para que tudo corra de uma forma satisfatória o bom senso deve imperar e devem ser implementadas medidas concretas”, frisou.

Uma questão de perspectiva

Sonny Lo, analista político baseado em Hong Kong, adiantou que, no que diz respeito às proibições na fronteira, tudo depende da visão de cada território.

“Se olharmos para a perspectiva da aplicação da lei em Macau, essas pessoas foram proibidas de entrar por razões de segurança. Mas, da perspectiva estrangeira, e uma vez que a democracia se refere à ampla liberdade de movimento das pessoas de um lugar para o outro, então estas restrições de entrada em Macau são curiosas e intrigantes para a perspectiva dos norte-americanos.”

Por outro lado, Bill Chou, activista e académico na área da ciência política, também baseado em Hong Kong, acredita que estas proibições à entrada de Macau “são, de certa forma, uma violação da liberdade dos jornalistas e de expressão”. “Sem os media de fora, muitas coisas nunca teriam uma cobertura”, concluiu.

Alguma mudança?

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, recorda que algumas das recomendações produzidas por este relatório não são novidade. Uma análise negativa por parte dos norte-americanos ao sistema político local pode, no mínimo, levar as pessoas a reflectir e a agir, defendeu o activista.

“O Governo, ligado a pessoas do campo pró-Pequim, mais uma vez criticou o relatório e afirmou que interfere com os assuntos internos do território. Penso que parte do que o relatório afirma é verdade e apreciamos que as pessoas fora de Macau tenham em consideração o que acontece aqui.”

“Há um feedback negativo deste circulo internacional e questiono se será ou não positivo. Penso que, de tempos a tempos, a existência de incentivos, criticismo ou opinião da comunidade internacional pode ajudar Macau a não ter a mesma posição.”

Bill Chou não espera grandes efeitos práticos com a publicação deste relatório oficial. “Não vai existir uma verdadeira pressão internacional junto do Governo de Macau. No que diz respeito a pressões internacionais, a China surgirá sempre em primeiro lugar”, concluiu.

 

 

 

Sufrágio universal: a ausência de um calendário

Outro ponto abordado no relatório produzido pelo Congresso norte-americano prende-se com a ausência de eleições mais democráticas em Macau. É recomendado que os governos da China e de Macau “estabeleçam um calendário para a implementação do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo e para os deputados da Assembleia Legislativa”.

O mesmo documento lembra que, apesar da Lei Básica não determinar a realização de eleições pela via do sufrágio universal, “as suas provisões garantem a aplicação do Pacto Internacional sobra os Direitos Civis e Políticos em Macau e que garante que Macau ‘tem um elevado grau de autonomia’ em relação à China”.

Os norte-americanos afirmam ainda que não observaram nenhum “progresso” em relação ao sistema político local. O relatório indicou que a revisão da lei eleitoral, em Dezembro de 2016, pela Assembleia Legislativa permite desqualificar candidatos ou deputados que não sejam leais a Macau. Os críticos da revisão questionaram a necessidade destas alterações e manifestaram a preocupação que a nova legislação ameace o direito a eleições livres e justas.

Na visão de Sonny Lo, “é compreensível” que as autoridades norte-americanas tenham essa visão, uma vez que apoiam “as questões do sufrágio universal e de uma completa democratização de Macau”.

Mas “Macau tem os seus constrangimentos estruturais e políticos devido ao facto da Lei Básica de Macau não determinar o sufrágio universal como um objectivo a atingir. [Esses constrangimentos advém] do facto das forças democráticas serem fracas, da pressão existente e da fraca vontade política de implementar um ritmo mais rápido nas reformas politicas”, defendeu ao HM.

 

A importância dos órgãos municipais

Para Bill Chou, ex-académico da Universidade de Macau, actualmente a dar aulas na Universidade Chinesa de Hong Kong, uma maior participação da população poderia materializar-se através da implementação dos órgãos municipais sem poder político, algo que o Governo quer tornar uma realidade.

“São desejáveis mais eleições directas e isso pode ser posto em prática através da criação dos órgãos municipais sem poder político. Tal poderia levar a mais opiniões públicas, que poderiam ser canalizadas para o processo de implementação de políticas.”

Quanto ao sufrágio universal, “é verdade que há pouco progresso quanto à sua implementação”. “O Governo poderia aumentar os assentos na AL pela via directa, o que faria com que a AL não fosse apenas um conjunto de carimbos de borracha”, rematou.

 

Hong Kong: Desqualificações e liberdades

Sobre Hong Kong, a comissão norte-americana denunciou a acção dos governos da antiga colónia britânica e da China para desqualificar os candidatos pró-democracia eleitos para o Conselho Legislativo (LegCo), em Setembro do ano passado, que alteraram o juramento durante a tomada de posse.

Em Novembro, a comissão permanente do Congresso Nacional Popular chinês divulgou um parecer sobre a Lei Básica de Hong Kong, de acordo com o qual os juramentos que os deputados prestam ao serem empossados são compromissos legais perante a China e a RAEHK, proibindo ao mesmo tempo a repetição de juramentos considerados inválidos pela Justiça. A decisão permitiu desqualificar seis deputados eleitos.

Por outro lado, a comissão alertou que os jornalistas de Hong Kong manifestaram o receio de uma diminuição da liberdade de imprensa no território, devido a uma crescente autocensura e restrições governamentais aos jornalistas.

9 Out 2017

Fórum Macau | Novo edifício será “funcional, muito simples”

 

Carlos Marreiros será o arquitecto responsável pelo projecto do novo edifício do Fórum Macau, que será “muito simples, funcional, sem arestas”. A política “Uma Faixa, Uma Rota” dá o mote ao projecto, que tem “um problema funcional complexo” por resolver

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Fórum Macau vai finalmente ter uma casa própria que ficará erguida daqui a 600 dias, bem junto ao edifício da Assembleia Legislativa. Ao HM, o arquitecto Carlos Marreiros levanta a ponta do véu de um projecto cheio de complexidades por ultrapassar.

“O projecto está pronto. É só acertar os pormenores, porque até o orçamento está pronto. Temos, naturalmente, de ver que um projecto é sempre um livro aberto até ao fim.”

O edifício será “muito simples, funcional, sem arestas” e será erguido tendo como pano de fundo a ideia por detrás da política nacional “Uma Faixa, Uma Rota”, fundamental nas relações culturais e económicas que a China quer estabelecer com os países de língua portuguesa. Neste âmbito, o Fórum Macau será a casa onde essas relações se materializam.

Carlos Marreiros garante que o calendário será cumprido, apesar das dificuldades que o projecto acarreta, em grande parte associadas ao terreno onde será erguido o edifício.

“Vai ser um esforço brutal. A obra é de grande envergadura e tem dificuldades, porque é numa zona de aterro, tem uma cave. O edifício vai ter três andares e terá nove metros de altura. É um edifício baixo, mas vasto.”

“O problema funcional do edifício é muito complexo, com muitas regras de segurança. O edifício tem um programa muito exigente nesse sentido”, acrescentou Marreiros.

A Companhia de Construção e Engenharia Omas, ligada à família Ma, foi a vencedora do concurso público onde participaram um total de 12 candidatos. A proposta feita foi a quarta mais barata, no valor de 692,8 milhões de patacas. Carlos Marreiros vai trabalhar ao lado dos engenheiros José Silveirinha e Jorge Lipari Pinto e orgulha-se de estar inserido numa equipa cem por cento local.

“A equipa é toda local e isso dá-me muita alegria, porque não é fácil concorrer com construtoras de grande dimensão, que Macau não tem. Participaram construtoras da República Popular da China com muita experiência a nível internacional, mas nós fomos a equipa que ganhámos.

Um concurso polémico

O concurso público para a construção da sede do Fórum Macau não foi pacífico, pois houve atrasos que originaram desigualdades no acesso ao concurso, sobretudo da parte de arquitectos portugueses. A tradução para português das cláusulas técnicas do concurso chegou um mês depois, além de que houve alterações do projecto a meio do processo.

Confrontado com estas eventuais desigualdades, Carlos Marreiros lembrou que se tratam de situações “que não são agradáveis”, até porque ele próprio não lê chinês.

Ainda assim, “hoje em dia temos de fazer um esforço”, assegura. “A língua chinesa é a língua oficial de Macau. As traduções demoram algum tempo mas as pessoas têm de ter a noção de que estão em Macau, RAEM da China. A língua principal é a chinesa”.

“Houve algumas reclamações neste sentido, mas percebo que não é agradável. O tempo foi curto, mas como conseguimos responder, doze equipas também o fizeram”, frisou.

Marreiros afastado do projecto do Palácio Sommer

Carlos Marreiros assegurou ao HM que não será o arquitecto responsável pela renovação do Palácio Sommer, situado em Lisboa e recentemente adquirido pela Fundação Macau (FM). O arquitecto disse que chegou a ser convidado para participar como consultor ou colaborador, mas negou, por “não estar interessado”. “O projecto será desenvolvido por equipas portuguesas e faz todo o sentido que assim seja. Todo o projecto é feito lá”, contou Marreiros, que também faz parte do conselho de curadores da FM. O edifício foi comprado a Liu Chak Wan, empresário local que é, também, membro do mesmo conselho de curadores.

8 Out 2017

One Central | Carlos Marreiros traz “esculturas urbanas luminosas” à cidade

O 2º Festival de Lanternas de Macau decorre na Promenade do One Central e conta este ano com dez esculturas iluminadas, decoradas por vários artistas, incluindo Alexandre Marreiros e Konstantin Bessmertny. O arquitecto Carlos Marreiros pretende fazer deste um evento anual de relevo, que mostre a cultura local ao mundo

[dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]omo dizem os americanos, ‘The size does matter’ (o tamanho realmente importa).” É desta forma que o arquitecto Carlos Marreiros começa por falar do seu mais recente projecto, que mostra as tradicionais lanternas do Festival do Bolo Lunar numa versão mais contemporânea, de maior dimensão.

“Não queria que este evento fosse tradicional, mas que caminhasse para uma mostra de esculturas urbanas luminosas”, contou ao HM. “É uma iniciativa local, não no sentido de ser mais uma actividade de Macau, mas de ser a actividade de Macau. Não existe no mundo um festival, ou uma exposição, que esteja relacionado com lanternas de grande porte ou instalações artísticas urbanas”, disse Marreiros.

O ano passado, a primeira edição contou com 38 lanternas de grande porte, tendo sido convidados artistas locais para a decoração. Este ano são dez, sendo que cinco delas são decoradas por cinco artistas, dois deles locais: Alexandre Marreiros e Konstantin Bessmertny.

“Fiz uma instalação urbana, de arte pública, com lanternas que são esculturas, e que são iluminadas por dentro, com pintura de artistas. Este ano mudei e propus que fosse menos lanternas, mas com um tamanho mais significativo, pois têm entre cinco a oito metros”, explicou.

Para o arquitecto e membro do Conselho do Património Cultural, está em causa a criação de uma iniciativa que tenha “interesse turístico e de entretenimento”.

“A nossa ideia é que haja anualmente uma grande instalação de esculturas de luz, com estilos de artistas convidados de todo o mundo e excursões plásticas muito variadas, do mais figurativo ao mais abstracto.”

O que é local é bom

Carlos Marreiros considera que o território não tem capacidade para competir com as bienais de arte que acontecem um pouco por todo o mundo, mas sobretudo na Ásia. Daí a aposta nas esculturas cheias de luz, por representarem algo novo.

“Macau tem recursos, mas tem as suas limitações. Caso fosse feita outra bienal, [o território] não iria conseguir competir com outras regiões e países, e até mesmo com a China. A história e a cultura são um atractivo, esta miscigenação cultural, e isso tem de ser explorado.”

Na ideia de Marreiros, este objectivo pode ser atingido se for associado o conceito de lanterna tradicional “a uma dimensão contemporânea, de vanguarda”. “A tradição das lanternas chinesas é lindíssima e pego nesta tradição e reformo-a em fórmulas contemporâneas, mostradas em locais bonitos, que não são os habituais”, frisou.

O arquitecto garante que, com este projecto em mente, não está “preocupado com a arte de massificação”. “Estas esculturas estão num sítio bonito, têm tamanho e dimensão. Macau deve ser animada com qualidade e a tradição deve ser renovada”, adiantou.

Até porque, na sua visão, os museus e a própria arte têm de sair das paredes em que vivem enclausuradas e encontrar-se com as pessoas, o público.

“A arte deve ir de encontro à população. As pessoas vêm aos museus mas os promotores das artes têm de ir ter com o povo. E isso faz com que as pessoas sejam mais selectivas a frequentarem museus e galerias. Não estou interessado no produto massificado, para ser arte é porque é único e original.”

Marreiros já pensa noutras edições, e espera que, nos próximos anos, “haja mais esculturas de luz, com mais artistas internacionais”. “Gostava de produzir lanternas em menor número e convidar os artistas a fazer a escultura e a decorá-las”, concluiu.

8 Out 2017

Natália Io, estudante de português: “Gosto muito de bacalhau com natas”

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando chegou a Portugal sentiu-se “Lost in Translation”. Natália Io já tinha contactos com a língua em Macau, de onde é natural, mas foi para o outro lado do mundo que decidiu ir aprender melhor o idioma que está na moda. Em Portugal há três anos, Natália recorda ao HM os primeiros dias no país onde o sol é um privilégio.

“Achei logo que os portugueses eram muito próximos uns dos outros, porque a minha senhoria e colegas de casa cumprimentaram-me com beijinhos na cara. Sei que isso é um costume português, mas no início não estava nada habituada.”

Nos primeiros dias, o português era uma língua estranha, as expressões não tinham compreensão. “Pedia muitas vezes para as pessoas repetirem o que me diziam. Às vezes via expressões estranhas e perguntava às minhas colegas de casa o que significava aquilo. Elas eram simpáticas e explicavam-me. Com o tempo habituei-me à vida aqui.”

A estudante depressa se habituou ao clima, mas sobretudo à boa comida. “Sempre ouvi dizer que em Portugal as pessoas comiam sempre batatas, mas quando cheguei percebi que também comem arroz, massa e feijão. Gosto muito de bacalhau com natas, bacalhau à Brás, feijoada e arroz de marisco”, exemplifica.

Apesar de querer ficar em Macau, por ser a terra onde nasceu, Natália Io gosta de viver na terra das praias. “Gosto do ambiente aqui, é confortável e adequado para viver. A natureza também faz parte dos meus gostos, e gosto muito dos monumentos, que são magníficos.”

Natália só tem uma coisa a criticar: os portugueses gostam de aproveitar a vida e fazer as coisas de forma mais lenta. “Comparando com Macau as pessoas em Portugal têm um ritmo de vida mais lento, e para mim isso é bom, porque dá para aproveitar a vida. Mas no trabalho isso não é muito bom, uma vez que a eficiência e a produtividade das pessoas no local de trabalho pode aumentar.”

Uma longa viagem

Um dia, em criança, Natália encontrou-se com um amigo do interior da China que lhe perguntou se, em Macau, toda a gente falava português. “Quando ele me perguntou isto fiquei logo a sentir alguma coisa, e pensei que, se o português era língua oficial, talvez tivesse de aprender a falar um pouco.”

Na escola secundária, Natália Io acabaria por escolher o idioma como opção. “Felizmente tive um professor muito bom, ele tinha muita paciência connosco e assumia responsabilidades. Então aí fiquei cada vez mais interessada em aprender e quis melhorar.”

Natália estudou dois anos numa universidade e só mais tarde é que tomou conhecimento das bolsas de estudo disponibilizadas pelo Governo. Tinha chegado a altura de ir mais longe.

“Fiquei muito contente e surpreendida. Aqui em Portugal temos boas condições para aprender a língua, e depois do curso quero ficar mais tempo para me qualificar para ser professora.”

Pintura nos tempos livres

Quando não estuda a ligação entre caracteres e o alfabeto ocidental, Natália Io pratica caligrafia chinesa, por ser “uma maneira de relaxar e reduzir o stress”.

“Às vezes vou beber um café como fazem os portugueses, e comer algo. Se tiver uns feriados ou dias de férias vou visitar outras cidades portuguesas ou outros países, para que possa conhecer culturas diferentes e ver melhor o mundo.”

Apesar de já estar habituada a um estilo de vida europeu, Natália Lo quer regressar à terra de todas as oportunidades.

“Prefiro viver em Macau, porque foi onde nasci, onde tenho a minha família e amigos. Tenho um sentimento de pertença muito forte. Macau é um sítio onde posso fazer muitas escolhas e facilmente encontro as minhas comidas favoritas.”

Portugal é, para Natália, o sítio ideal para estudar, onde tem o seu espaço e onde aprende algo novo todos os dias. “Vou aos supermercados, ao banco, aos cafés e restaurantes, e encontro sempre palavras novas que uso no dia-a-dia. Esta é a maneira que mais gosto para aprender o idioma.”

6 Out 2017

Tarifas dos autocarros | Associações de Trabalhadores Não Residentes revoltados com medida

As tarifas dos autocarros vão aumentar mas residentes e não residentes vão pagar valores diferentes. A proposta, saída do Conselho Consultivo do Trânsito, está a gerar polémica e há várias associações de trabalhadores migrantes que não se conformam

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara o bolso dos trabalhadores não residentes (TNR) cada pataca conta e a decisão de aumento das tarifas dos autocarros públicos vai representar um gasto acrescido ao já magro salário de muitos. Na prática, a compra do Macau Pass passará a ser feito com base no registo feito com o BIR ou blue card, sendo que os TNR deverão pagar mais uma pataca do que os residentes, sejam permanentes ou não permanentes. A ideia é que o preço de cada viagem custe entre três a quatro patacas para os locais e entre quatro e cinco para os não-residentes. Este é o primeiro aumento nas tarifas em dez anos.

Raimundo do Rosário, secretário para os Transportes e Obras Públicas, reconheceu que a proposta apresentada “é uma discriminação positiva em relação aos residentes”, portadores do bilhete de identidade de residente (BIR), que pagarão menos pelo passe.

A proposta foi enviada na sexta-feira para o Conselho Consultivo do Trânsito e encontra-se “em fase de auscultação”, introduzindo pela primeira vez uma distinção entre residentes e não residentes, dado que as tarifas são subsidiadas pelo Governo, porque “foi entendido que o subsídio atribuído não deve ser igual para todos”, afirmou.

“Foi entendido, e é discutível, privilegiar [nos passes] os residentes em relação aos não residentes. A opção foi esta e não tem a ver com economias nem nada. Mas trata-se de uma proposta, não há uma decisão”, sublinhou o responsável.

Petição na calha

Ao HM, Eric Lestari, presidente de uma organização não governamental intitulada Union Indonesian Migrant Workers, garantiu que poderá estar na calha a preparação de uma petição para entregar no gabinete de Raimundo do Rosário. “Temos vindo a discutir esta questão e não compreendemos porque há tarifas diferentes para residentes e não residentes. Se olharmos para outras regiões, como Taiwan, Hong Kong ou Malásia, não existe esta distinção em relação aos imigrantes, não há discriminação nos autocarros ou no metro.”

Eric Lestari acrescentou ainda que “talvez seja feita uma petição ou uma carta para entregar ao secretário”. “É uma ideia, para já, mas iremos planear entregar alguma petição. Não concordamos com esta decisão porque vem sem nenhum outro tipo de benefício ou apoio adicional para nós.”

A responsável, que trabalha como empregada doméstica no território, e que já deu a cara numa reportagem da TDM, onde admitiu ganhar pouco mais de três mil patacas por mês, lembrou que os TNR vivem e trabalham em Macau, dando o seu contributo para a economia.

“Nós, que somos portadores de blue card, também servimos Macau, a sociedade e o próprio Governo, porque gastamos aqui o nosso salário, vivemos aqui, arrendamos casas aqui. Compramos comida aqui. Não prestamos apoio?”, questionou.

De recordar, porém, que os TNR não têm apenas nacionalidade indonésia e filipina. Há chineses do continente que aqui trabalham e que não são portadores de BIR, tal como alguns portugueses, brasileiros ou expatriados de países como Itália ou o Reino Unido, a título de exemplo.

A proposta está a indignar mais associações de migrantes, que lembram que os seus salários são, em média, significativamente inferiores. “Porque é que têm de aumentar o preço do autocarro só para as empregadas domésticas, mas nunca aumentam o nosso salário?”, reagiu a presidente da associação de trabalhadores filipinos Migrante Macau, Emer de Lina, em declarações à Lusa.

“Um aumento no preço do bilhete do autocarro será um fardo para nós. Gostava de saber porque é que o aumento vai ser maior para as empregadas domésticas, já que o nosso salário é tão baixo? É injusto, se querem aumentar, devia ser uniforme”, lamenta Emer de Lina.

A empregada filipina diz desconhecer os motivos que possam ter levado o Governo de Macau a avançar com a medida, considerando que a haver uma motivação económica deviam “ir buscar o dinheiro àqueles que têm os salários mais altos, não às empregadas domésticas, porque elas têm já salários tão baixos”.

Questionada sobre a possibilidade de um protesto ou de um apelo directo ao Governo, a presidente da Migrante Macau disse sentir que “os protestos são apenas para os locais” e afirmou não saber “quem abordar” junto do executivo para discutir a questão.

Reacção semelhante teve a presidente da Associação de Trabalhadores Migrantes Indonésios, Yosa Wariyanti: “Não sabemos como falar com o Governo”. A também empregada doméstica considerou a proposta “discriminatória e contra os trabalhadores migrantes”.

“O Governo não valoriza a contribuição dos migrantes. Isto vai afectar o seu bem-estar, a maioria usa transportes públicos. O Governo devia antes aumentar os salários dos trabalhadores migrantes”, defendeu.

“[Esta notícia] deixou-nos muito tristes. É uma política que directa e abertamente separa os trabalhadores de Macau entre locais e estrangeiros, aumenta o ressentimento dos locais contra os estrangeiros”, lamentou.

Para Yosa Wariyanti, tendo em conta os salários reduzidos dos trabalhadores migrantes, estes deveriam antes ter direito a uma redução do preço dos transportes.

Segundo a indonésia, grande parte das empregadas domésticas recebe cerca de 3.500 patacas de salário, mais 900 patacas de subsídio de alojamento. “Isto para comida, telefone, passe de autocarro, para enviar dinheiro para a família, é muito difícil para nós”, afirmou.

O patrão que pague

Eric Lestari lembra mesmo uma alternativa viável a este aumento: a possibilidade dos patrões virem a custear o passe mensal de autocarro. “Muitas das pessoas que trabalham em casinos e hotéis não têm acesso a ajudas de transporte. É barato apanhar o autocarro, mas este aumento deveria vir acompanhado de um aumento dos nossos salários ou de algum tipo de apoio do nosso empregador em relação ao transporte.”

Semelhante ideia tem Amélia António, advogada e presidente da Casa de Portugal em Macau. “Esta medida vem onerar pessoas que estão a trabalhar normalmente com ordenados mais pequenos. Isso implicaria que houvesse então uma obrigatoriedade dos patrões de pagarem o passe”, defendeu.

Amélia António frisa ainda que poderiam ser criados “passes mensais”, com diferentes percursos. “As pessoas escolheriam o que queriam comprar. Agora não estou de acordo existir um preço diferente para residentes e não residentes. Isso obrigaria a que fosse criada a obrigatoriedade do empregador pagar o passe.”

“Uma coisa seria se fosse criado um passe próprio só para turistas, como encontramos noutros sítios do mundo. Mas essas pessoas estão aqui a trabalhar e são, para todos os efeitos, residentes, com os seus ordenados controlados. Não me parece que, para quem vive aqui, seja residente ou não residente, deva existir esse tipo de discriminação”, adiantou Amélia António.

E os dados pessoais?

José Pereira Coutinho, deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), intitula esta decisão do Governo como sendo “errada”. E os aumentos, aponta, não são sequer proporcionais à qualidade do serviço prestado.

“Os autocarros continuam a prestar um mau serviço, não chegam a tempo e horas. Há autocarros que são desviados para transportar trabalhadores dos casinos. Isto está mau. É péssimo para os cidadão. Faz com que haja falta de autocarros para os cidadãos.”

Considerando que os TNR dão o seu contributo para o desenvolvimento económico, Coutinho frisa que o facto do Macau Pass vir a ser adquirido através do BIR ou do blue card poderá levantar a questão da protecção dos dados pessoais.

“Não sei se foi ouvido o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais para serem implementadas estas medidas. Não sei até que ponto o tratamento dos dados pessoais na Macau Pass é o mais correcto e como estão a ser utilizados.”

Pereira Coutinho lembra mesmo que podem ocorrer ilegalidades. “Será que é possível que o cartão de residente seja utilizados por terceiros? Se eu comprar um em meu nome e depois entregar a um não-residente, como é que o condutor vai ter meios para identificar se o cartão está mesmo a ser utilizado pela pessoa que o pediu?”, questionou o deputado recentemente reeleito para a Assembleia Legislativa.

Esta medida, que representa “um descaramento total”, traz, para o presidente da ATFPM, uma desigualdade não só para com as pessoas mas também para com as empresas de transporte.

“Os autocarros estão isentos do imposto do combustíveis e outros, por serem de utilidade pública. As transportadoras, ao praticarem outros serviços, estão a competir de forma desleal com as outras transportadores privadas, que também estão no negócio do transporte dos trabalhadores dos casinos. Mas efectivamente há uma situação de desigualdade. É uma situação nítida de desvantagem para essas empresas.

Além disso, Pereira Coutinho fala ainda da existência de uma “situação caricata”. “Há jovens de Macau que estudam em Zhuhai. São pessoas que vão e vêm, mas pelo facto de estudarem em Zhuhai, não conseguem ter os descontos para estudantes. É uma coisa absurda. Só porque estudam em Zhuhai, não têm o cartão de estudante.”

Em 2013, num debate na Assembleia Legislativa, os deputados Zheng Anting e Song Pek Kei levantaram a questão do excesso de pessoas no território. Não falaram na criação de tarifas mais caras para quem tem blue card, mas chegaram a defender que poderiam existir autocarros públicos só para residentes.

Dias depois, Song Pek Kei deu uma entrevista e revelou “não ser xenófoba”, apesar de considerar que Macau “é uma região com limitação de espaço”. A divisão que o Governo vem agora propor não é física, mas financeira.

 

 

Agnes Lam: Governo está a testar tolerância dos residentes

A recém-eleita deputada à Assembleia Legislativa, Agnes Lam, disse ao Jornal do Cidadão que o argumento utilizado pelo Governo, quanto ao facto das tarifas de autocarros não serem actualizadas há dez anos, não é justificação. Agnes Lam lembrou que, em todos os países do mundo, são as concessionárias de transporte público que propõem ou exigem aumentos ao Governo. O facto do Executivo ter tido a iniciativa de propor aumentos, “não tem lógica”, acrescentou.

Em termos concretos, a docente considera necessária a criação de um mecanismo regular para a revisão dos valores das tarifas.

Para Agnes Lam, o Governo está a testar o nível de tolerância dos residentes, alertando para a existência da falta de um planeamento geral e da ausência de lógica nesta decisão. A académica defendeu ainda que o aumento das tarifas é uma “medida desumana” que revela “falta de cuidado face aos grupos mais vulneráveis”.

Paul Pun: Bónus para quem anda a pé

O secretário para os Transportes e Obras Públicas chegou a sugerir, na sexta-feira, que as pessoas optem por andar a pé. A pensar nessa sugestão, o secretário-geral da Caritas, Paul Pun, defendeu a instalação de máquinas que concedam bónus aos portadores de Macau Pass que optem por se deslocar a pé. Paul Pun, que considera este aumento excessivo, defendeu ainda a criação de mais transportes marítimos de rápido trajecto para a Taipa, para aliviar o tráfego.

Além disso, Paul Pun aponta que os residentes e os TNR não devem ser sujeitos a critérios diferentes nas tarifas cobradas, uma vez que os TNR também dão o seu contributo ao território. Entretanto, Paul Pun mencionou que o Executivo deveria distinguir entre a população local e os visitantes nos preços de autocarros, considerando que os turistas não devem ter acesso a benefícios.

Macau Pass: Um ano será suficiente para alterar cartões

Lau Kin Keong, vice-director geral da Macau Pass, disse ao jornal Ou Mun que o Governo ainda não comunicou com a Macau Pass quanto ao calendário para implementar a nova medida, mas previu que um ano será prazo suficiente para mudar todos os cartões actualmente em circulação. Em termos técnicos, o responsável adiantou que a empresa consegue cobrar taxas diferentes em diferentes períodos, existindo ainda medidas para garantir a protecção dos dados pessoais dos portadores dos novos passes de autocarro. Au Kam Fai, membro do Conselho Consultivo de Trânsito, considerou a possibilidade de mais TNR virem a recorrer às bicicletas para se deslocarem, aquando da entrada em vigor das novas tarifas.

5 Out 2017

Wong Kit Cheng questiona atrasos em projectos na área da saúde

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Wong Kit Cheng, recentemente reeleita nas últimas eleições legislativas, entregou uma interpelação escrita ao Governo onde questiona os atrasos em diversos projectos de infra-estruturas na área da saúde.

“O ‘projecto de melhoramento das infra-estruturas do sistema de saúde – planeamento a dez anos’ já foi elaborado há sete anos. Qual é então o ponto de situação das obras que estão a ser realizadas nos centros de saúde de São Lourenço, Ilha Verde e Seac Pai Van, assim como noutras instalações médicas?”, questionou.

Wong Kit Cheng deseja saber “quando é que [esses espaços] vão ser inaugurados, para se poder prestar um serviço médico conveniente e de qualidade à população?”

Segundo o projecto de planeamento referido pela deputada, os centros de saúde da Ilha Verde e Seac Pai Van deveriam ter sido inaugurados em 2013 e 2015, respectivamente.

“Devido à falta de experiência ainda nos deparamos com limitações no desenvolvimento do sector da saúde. Quer o software, quer o hardware para o desenvolvimento do sector estão muito aquém do desenvolvimento sócio-económico e demográfico de Macau”, escreveu a deputada, que lembrou os atrasos nos acessos a consultas médicas.

Onde estão os dados?

Wong Kit Cheng, que antes de ser deputada foi enfermeira, referiu ainda na sua interpelação o atraso na implementação do “Programa Piloto eHR”, que “foi estudado durante muito tempo e ainda está em fase experimental”.

“Só dois hospitais e os centros de saúde é que podem aceder a esse programa. Actualmente cada instituição médica, seja pública ou privada, tem o seu sistema, o que impede a partilha de dados entre instituições e afecta a optimização do processo de diagnóstico, bem como a procura de soluções mais adequadas.”

Para dar uma melhor resposta a essa situação, a deputada defende que deve ser criado “um sistema de registo da história clínica e uma base de dados uniformizados, acessível às instituições médicas públicas e privadas”.

29 Set 2017

Licença de paternidade | As experiências e dificuldades de quem tem direito a poucos dias

Os dias do pai

A lei laboral vai ser revista e, actualmente, está em consulta pública a proposta de criação de uma licença de paternidade de três a cinco dias para o sector privado. Na Função Pública, os homens que são pais têm direito a cinco dias. Três testemunhos dizem que estes prazos “não dão para nada” e pedem mais tempo para apoiar a família no período pós-parto

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]er pai em Macau significa ter direito a dias que se contam pelos dedos das mãos para estar com o próprio filho recém-nascido. Na prática, não existe licença de paternidade, e os dias que a lei refere são encarados como faltas justificadas, contados até ao último minuto.

Quem trabalha no privado não tem direito a mais do que dois dias, que são considerados faltas ao trabalho, enquanto quem é funcionário público ganha cinco dias para estar em casa.

André Ritchie fez o pleno. Tem dois filhos, que nasceram em períodos diferentes. O seu filho foi o primeiro e veio ao mundo quando o pai ainda estava no Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT). Teve direito a apenas cinco dias, enquanto a mulher, também funcionária pública, ficou três meses em casa.

“Posso dizer desde já que esses dias não são suficientes. A minha mulher é funcionária pública e gozou dos seus três meses. A única diferença é que um é pai e o outro é mãe. Acho que isso corresponde a uma mentalidade que, se calhar, não tem muito a ver com a sociedade actual. O legislador na altura formatou as coisas desse modo, mas não tinha em mente que o pai hoje em dia desempenha um papel muito activo na educação das crianças”, contou ao HM.

No caso da sua segunda filha, nascida já quando o arquitecto se encontrava a trabalhar no sector privado, André Ritchie teve apenas dois dias de faltas justificadas, mas pensou noutro plano.

“Tive de recorrer aos meus dias de férias, não tive outra hipótese”, contou. “Os pais, no início, estão a tratar do bebé, depois têm de ir à conservatória tratar dos papéis, e esses dias não servem para nada.”

Depois de anos de reivindicações, o Governo parece estar a tentar alterar a situação. A lei laboral vai ser revista e o processo de consulta pública arrancou esta semana. Uma das mudanças prende-se com a instituição de uma licença de paternidade propriamente dita no sector privado.

A proposta que, está, por enquanto, em cima da mesa, estabelece três a cinco dias de licença. Não é certo, portanto, que os trabalhadores do privado venham a ter direito aos mesmos dias de paternidade de que dispõem os funcionários públicos.

André Ritchie considera que a legislação só revela uma mentalidade que já está fora de moda. “Antigamente a mulher não trabalhava, o homem era o chefe de família que trabalhava e punha a comida na mesa. Mas os tempos são outros. O papel do pai é essencial sobretudo para dar um apoio psicológico à mulher, que sofre, normalmente, de depressão pós-parto.”

Criar uma cota

Se no sector público são poucos dias, no privado ainda menos. No caso da Função Pública, André Ritchie considera que deveria ser criado mais um mecanismo para que o casal tenha acesso a um igual número de dias.

“Existe uma discrepância muito grande na Função Pública. Em situações desse género, em que os pais são ambos funcionários públicos, deveria haver uma espécie de cota que depois poderia ser dividida por ambos. Três meses ao dispor do casal, por exemplo.”

A título de exemplo, “quando o casal requer férias, e trabalha no mesmo serviço, podem ter prioridade pelo facto de ser um casal”. “Já existem mecanismos na Função Pública em que, ao casal, é dada uma atenção especial”, lembrou.

O arquitecto considera mesmo que Macau deveria olhar para os melhores exemplos: a Europa do Norte, onde pai e mãe usufruem dos mesmos (longos) dias para estarem em casa com o seu filho recém-nascido, ou outros países do ocidente.

“Podem dizer que estamos na Ásia, mas é preciso olhar em frente. Já tivemos o caso de violência doméstica, que deu o circo que deu na Assembleia Legislativa. Temos é de ver o que se está a fazer em sociedades mais abertas.”

O papel das empregadas

Beto Ritchie é músico nas horas vagas, trabalhador a tempo inteiro e pai de duas filhas pequenas, uma delas nascida há pouco tempo. O facto de trabalhar numa empresa de pequena dimensão deu-lhe mais dias de paternidade que ele, assume, não gozou.

“Trabalho numa agência pequena e temos muita liberdade por isso, mas não aproveitei. Tínhamos muitos projectos quando nasceram as minhas filhas. Mas sinto que os pais que trabalham em empresas pequenas, e em geral, como não há nada na lei que dê dias aos progenitores [enfrentam uma pior situação]”, considerou.

Beto Ritchie defende que os dias destinados aos que acabam de ser pais, na lei laboral “são um insulto”. “É um mau exemplo para as famílias e para as próprias crianças. Os dias de maternidade também são muito poucos.”

Para este pai, os homens deveriam ter direito a 15 dias de licença de paternidade, enquanto as mulheres deveriam estar em casa três meses, tal como determina o estatuto dos funcionários públicos.

Isto porque “em Macau há dinheiro” e o Governo “poderia dar subsídios para os custos não caírem todos em cima das empresas”.

Num território onde a taxa de natalidade não constitui um problema, como é que as famílias lidam com o pouco tempo que têm para estar com os seus bebés? Recorrendo a empregadas domésticas.

“Quem cria as crianças aqui são as empregadas, que acabam por passar a maior parte do tempo com elas, sobretudo nas famílias chinesas.”

Também Beto não consegue escapar a esta balada diária. “Eu e a minha companheira trabalhamos e seria impossível para nós. A creche da minha filha tem horas absurdas e temos de ir buscar as crianças às quatro da tarde. Não conseguimos, e são as empregadas que, na maioria, vão buscar as crianças. Todos têm aqui uma empregada por causa disso, porque os pais trabalham. Se não fossem os imigrantes que vêm para Macau à procura de trabalho, não daria para trabalhar e ter filhos em casa.”

Macau, terra de imigrantes, cheia de idas e vindas, está repleta de núcleos familiares que trouxeram apenas bagagem, mas não a família. Na hora de criar os filhos, essa falta de apoio familiar dificulta ainda mais a situação.

“As famílias chinesas podem ter cá familiares ou não, mas a maioria não tem cá os seus parentes mais próximos para ajudar”, rematou Beto Ritchie.

Um mundo de entraves e tradições

Não basta colocar no papel a licença de paternidade: há que aceitá-la com normalidade. A ideia é defendida por Miguel de Senna Fernandes, advogado especialista em Direito da família.

“A sociedade, se quer ser mais moderna, tem de começar por estas medidas, ainda que à revelia do tradicionalismo que existe em Macau. As pessoas podem não reagir bem, sobretudo o patronato. Este não vai reagir com bons olhos. Para os patrões não se justifica [conceder dias de licença], mas porquê? Hoje em dia já não faz muito sentido.”

“Podem dizer que é um estorvo ao ritmo de produção, progresso económico, mas é uma medida importante em termos de justiça social”, lembrou o advogado.

Se a licença de maternidade “já é aceite como uma necessidade social”, o mesmo não acontece com a licença de paternidade.

“A novidade hoje em dia é a licença de paternidade, ou seja, o pai que dá o apoio à mãe. Só assim é que em Macau se olha para esta situação. A questão é se vai haver alguma resistência. Não é um problema da lei, mas da própria cultura: é necessário que população sinta essa necessidade de o próprio pai dar este apoio.”

Num território caro como Macau, pai e mãe têm de trabalhar para arcar com as despesas da casa e do dia-a-dia. Beto Ritchie considera, no entanto, que há muita gente que pensa que o homem só deve dar alguma ajuda.

“Ainda há muito essa ideia retrógrada, mas isso é em toda a Ásia. Pensa-se que o pai não está envolvido na criação da criança e a mãe é que faz tudo.”

Miguel de Senna Fernandes não tem dúvidas: “Macau, neste aspecto, continua a ser muito reservada”. “A população ainda não aceitou em pleno que haja uma licença concedida ao pai, em pleno.”

Scott Chiang: o pai activista

Scott Chiang, presidente da Associação Novo Macau, teve há pouco tempo do seu primeiro filho, mas considera-se um homem de sorte. “Sou talvez um caso único em Macau, porque tenho o meu próprio horário de trabalho e colegas que me dão apoio quando não estou disponível. Mas precisamos de mais do que uns meros dias de licença.”

Quanto à proposta do Governo de instituir uma licença de paternidade de três a cinco dias, o activista considera que, tanto homens como mulheres precisam de igualdade neste campo.

“Deveria haver uma maior igualdade entre géneros, e a responsabilidade de tomar conta do recém-nascido também deve recair sobre os ombros do pai. Claro que deveríamos fazer esse ajustamento na lei. Se é suficiente ou não, é sempre susceptível de um debate, mas claro que ter mais dias de licença de paternidade é sempre melhor. Teremos, claro, de analisar o impacto junto dos patrões.”

Scott Chiang considera que o meio empresarial deve ser mais flexível em matéria de nascimentos. “Penso que as empresas devem ser mais flexíveis em termos de ajustamentos que são precisos no período pós-parto, para ir com os bebés a consultas, por exemplo. É preciso ver até que ponto a empresa é flexível nesse aspecto e em Macau ainda estamos muito atrás em relação a outros territórios.”

29 Set 2017

Deputados nomeados | Chui Sai On escolhe cinco académicos. Só Ma Chi Seng repete o mandato

Eddie Wu, Joey Lao, Pang Chuan, Davis Fong, Iau Teng Pio e Chan Wa Keong são os novos deputados escolhidos pelo Chefe do Executivo. Dos anteriores legisladores nomeados só se mantém Ma Chi Seng

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lista de deputados nomeados por Chui Sai On foi divulgada ontem, em Boletim Oficial, e trouxe grandes mudanças. Dos sete nomeados pelo Chefe do Executivo na anterior Legislatura, apenas Ma Chi Seng vai continuar. À saída de Vong Hin Fai, que se candidatou pelo sufrágio indirecto, juntaram-se os nomes de Fong Chi Keong, Gabriel Tong, Tommy Lau, Dominic Sio e Tsui Wai Kwan.

No sentido contrário, vão passar a fazer parte da Assembleia Legislativa Eddie Wu Chu Kit, engenheiro, Joey Lao Chi Ngai, economista, os académicos Pang Chuan, Davis Fong Ka Chio e Iau Teng Pio e ainda o advogado Chan Wa Keong.

Mas mais do que as mudanças nos nomes, o politólogo Larry So fala numa alteração de paradigma nas nomeações, apesar de reconhecer que a nível do sistema não há grandes alterações. Para So, em vez de privilegiar as relações pessoais, Chui Sai On focou-se, desta vez, mais nas capacidades e especialização dos novos deputados.

“Não estou a ver estas alterações a terem um grande impacto nas votações. Mas os deputados nomeados são mais novos e são profissionais ou académicos muito especializados. Ao contrário do que aconteceu antes, as relações pessoais não são evidentes, à excepção de um ou outro caso”, disse Larry So, ao HM.

O politólogo aponta que as nomeações foram feitas com dois grandes temas da próxima legislatura em mente: a renovação dos bairros antigos da cidade e as concessões do sector do jogo.

“A questão da renovação dos bairros antigos explica a nomeação de Eddie Wu. É engenheiro, tem opiniões bem conhecidas e tem conhecimento especializado e respeitado na área”, começou por defender So.

“Outra tarefa é renovação das licenças de jogo. O senhor [Davis] Fong já tinha trabalhado no estudo sobre o sector do jogo. Vai ser a pessoa a liderar este debate na Assembleia Legislativa, quando a renovação for discutida, apesar de não ser uma pessoa propriamente ligada ao jogo”, complementou.

Ainda em relação à escolha de Chui Sai On, Larry So aponta que não se deve esperar que estes deputados reflictam os problemas do quotidiano da população. O politólogo sublinhou igualmente que o Chefe do Executivo vai contar que estes legisladores não criem obstáculos na altura de aprovar as medidas propostas pelo Governo.

Regresso às origens

Os conhecimentos especializados dos novos nomeados foi também um ponto destacado pelo comentador político Éric Sautedé, que relevou sentir-se impressionado com as escolhas.

“Na minha opinião há um regresso ao verdadeiro espírito dos deputados nomeados. Não servem apenas para apoiar as políticas do Governo, mas também para levarem conhecimentos especializados para a Assembleia Legislativa”, disse Éric Sautedé, em declarações ao HM.

“À luz deste espírito, podemos dizer que a escolha é muito impressionante: foram escolhidos cinco professores universitários, apesar de um, Chan Wa Keong, desempenhar as funções em part-time”, acrescentou.

Entre as escolhas, Sautedé aponta apenas o dedo a Ma Chi Seng, o único nome repetido em comparação com as opções de Chui Sai On, em 2013.

“O corpo estranho é Ma Chi Seng, que é o único que já estava na AL. Parece que as únicas credenciais conhecidas que tem é pertencer à família Ma. Não parece ter grande articulação com os restantes e ainda está num processo de aprendizagem”, sublinhou.

Por outro lado, o comentador fez grandes elogios às capacidades de Davis Fong, o que não o impediu de admitir algumas reservas: “É um dos melhores académicos dentro da área do jogo em Macau. Mas, claro, isso não significa que vai ser um deputado fantástico, porque essa é uma questão diferente”, opinou.

Jogo silenciado

Se no passado alguns dos deputados nomeados, como Fong Chi Keong, ficaram conhecidos pela forma como expressavam as suas opiniões, sendo em alguns assuntos radicais, com as novas nomeações o órgão legislativo vai ficar mais moderado. Esta é pelo menos a opinião do académico Bruce Kwong.

“Todos os nomeados me parecem ser mais moderados do que os anteriores. Não são pessoas a quem se conheçam grandes opiniões. Acho que com a nova composição da Assembleia Legislativa, o número de pessoas que realmente têm opiniões vincadas fica reduzido para duas ou três”, disse Bruce Kwong, ontem, ao HM.

À imagem de Larry So, também Kwong acredita que as escolhas tiveram como prioridade os grandes temas com que o governo tem de lidar, como a renovação das concessões e a questão da habitação. Segundo o académico, Chui Sai On pretendeu recuperar alguma credibilidade com estas nomeações.

“Se olharmos para as escolhas e a exclusão de Fong Chi Keong, acho que foi uma opção para evitar problemas junto da população. Por exemplo, Fong tinha opiniões muito polémicas, que as pessoas comuns consideraram ofensivas em alguns momentos. Essas opiniões contribuíram para que o Governo perdesse legitimidade”, defendeu.

A opção de não nomear Chan Meng Kam e optar por Davis Fong, é encarada por Kwong como um sinal da vontade do Executivo de enfraquecer as vozes ligadas ao jogo durante o processo de discussão do futuro do sector. “Assim podem debater esse tema de forma mais pacífica”, notou.

 

Quem é quem no grupo dos sete

Ma Chi Seng | A continuação do bom neto

Faz parte de uma das famílias mais importantes de Macau e é neto de Ma Man Kei, figura histórica da comunidade chinesa, já falecida, que durante anos fez a ponte de ligação entre portugueses e chineses. Ma Chi Seng carrega aos ombros o peso do seu nome e estreou-se como deputado nomeado em 2013. É o único que vê a sua nomeação renovada e, para o deputado reeleito pela via directa, José Pereira Coutinho, isto tem uma razão de ser. 

“Provavelmente está a ser preparado para assumir as rédeas da presidência da Assembleia Legislativa daqui a uns anos quando o actual presidente, Ho Iat Seng, assumir, provavelmente, o cargo de Chefe do Executivo. E mesmo que não agarre esta oportunidade, a longo prazo será o deputado com mais credenciais para assumir o cargo da presidência. Está a ser preparado para isso.”

Nos últimos quatro anos, Ma Chi Seng tem usado o seu cargo de deputado para abordar as dificuldades sentidas pelas Pequenas e Médias Empresas. Mas não só: em pouco tempo, conseguiu formar um novo grupo de discussão, intitulado “Grande Thought Think Tank”, que visa promover o debate sobre a política chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”.

Pang Chuan | De vice-reitor a deputado

O vice-reitor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST) foi outro dos escolhidos pelo Chefe do Executivo para integrar a nova legislatura do hemiciclo. Ao canal chinês da Rádio Macau, um dos responsáveis pela universidade privada agradeceu a escolha e prometeu ouvir as opiniões da sociedade nos próximos quatro anos. Pang Chuan vai ainda lutar por um desenvolvimento rápido e estável de Macau, através das leis e da fiscalização. 

O vice-reitor admitiu ainda que vai dar atenção às questões relacionadas com o ensino superior, a economia e o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Ainda assim, admitiu que está a estudar a forma de funcionamento da AL, para que se possa adaptar o mais depressa possível.

Para o deputado reeleito José Pereira Coutinho, a escolha de Pang Chuan mostra a representação “dos interesses da MUST, que anualmente recebe subsídios chorudos da Fundação Macau”. O seu nome está também “ligado a Liu Chak Wan, [empresário] e membro do Conselho Executivo”.

Wu Chou Kit | O engenheiro próximo de Mak Soi Kun

O presidente da Associação de Engenheiros de Macau já vinha tendo um papel interventivo nas questões do urbanismo e construção civil, mas agora tem uma palavra a dizer na qualidade de deputado nomeado. Para José Pereira Coutinho, a escolha do seu nome significa que Chui Sai On fez a “divisão da carne de porco, como diz um ditado chinês”.

“Distribuiu [a carne] por Mak Soi Kun, o grande vencedor das eleições. O engenheiro Wu Chou Kit pertence ao núcleo duro de Mak Soi Kun. Podemos recordar que, aquando da grande manifestação contra o regime de garantias, foi ele que reuniu uma contra-manifestação a favor desse diploma.” 

Ao canal chinês da Rádio Macau, Wu Chou Kit disse que vai ter uma atitude calma em relação aos trabalhos no hemiciclo, tendo lembrado que, no passado, houve poucos deputados ligados à área da engenharia civil. Por essa razão, Wu Chou Kit espera poder implementar mais políticas de qualidade nessa área mas também na arquitectura.

Joey Lao Chi Ngai | O economista e académico

Docente na Universidade de Macau, presidente da Associação de Economia, Joey Lao também dirigiu equipas responsáveis por muitos dos estudos feitos sobre o panorama económico do território. Numa entrevista concedida ao HM em 2011, Joey Lao dizia que o Governo pouco podia fazer para travar a inflação e que Macau era uma cidade cara, mas segura e com mais oportunidades de emprego.

Escolhido por Chui Sai On, Joey Lao lembrou, em declarações à Rádio Macau, que a sua nomeação partiu do trabalho de todos.

“Não tem que ver apenas com o meu esforço pessoal, é um trabalho de grupo. E foram muitas as pessoas que me ajudaram. Os conselhos dados ao Governo no passado não são meus, em particular. Resultam de um trabalho colectivo”. Promete focar-se nas questões sócio-económicas na qualidade de deputado e frisa que, quanto à universalização do salário mínimo, é preciso fazer mais estudos.

Davis Fong Ka Chio | O senhor do jogo

Sempre esteve ligado ao sector do jogo e dos casinos, estudando a maior indústria do território nos circuitos académicos. Raro era o estudo encomendado pelo Governo onde o seu nome não aparecia, tendo participado em investigações sobre o panorama do sector do jogo desde a sua liberalização, por exemplo. 

Davis Fong Ka Chio, director do Instituto de Estudos sobre a Indústria de Jogo da Universidade de Macau, foi um dos nomes escolhidos por Chui Sai On para ser deputado. Ao canal chinês da Rádio Macau, o responsável agradeceu a confiança e disse que o principal trabalho dos deputados nomeados é auxiliar o Governo no seu trabalho, em prol de uma governação científica e de um debate racional.

O académico da UM falou ainda da sua experiência profissional de mais de dez anos, não só ligada aos casinos mas também ao turismo, economia ou jogo responsável. Na sua visão, esta experiência vai permitir-lhe dar uma opinião mais profissional dentro da Assembleia Legislativa sobre estes assuntos, incluindo a renovação das licenças de jogo, que terminam em 2020.

Questionado sobre o equilíbrio das forças políticas no seio do hemiciclo, Davis Fong considerou que a existência de deputados nomeados com outros deputados eleitos já pressupõe um equilíbrio, que pode até gerar mais consensos sobre a agenda política da Assembleia.

Pereira Coutinho não coloca grandes expectativas nesta nomeação. “Foi sempre o porta-voz do Governo para os assuntos de jogo. É um indivíduo pró-Governo, e não se espera mais nada dele além de aprovar as propostas apresentadas pelo Executivo para alterar a lei de jogo.”

Iau Teng Pio | O ex-candidato professor

Recuemos às eleições legislativas de 2009. Iau Teng Pio era número três da lista liderada pelo representante da comunidade de Fujian em Macau, Chan Meng Kam, mas não conseguiu ser eleito. Agora chega à Assembleia Legislativa pela via da nomeação e, na visão de Coutinho, é mais um exemplo de “distribuição da carne de porco” feita por Chui Sai On.

“Também se distribuiu carne de porco à lista do antigo deputado Chan Meng Kam, nomeadamente Iau Teng Pio, que é professor de Direito da UM e que foi número três da lista de Chan Meng Kam em 2009.” De recordar que Chan Meng Kam decidiu não se candidatar a um lugar de deputado nestas eleições legislativas. 

Além disso, o novo deputado nomeado é director assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, trabalhando ao lado de Gabriel Tong, actual director e ex-deputado nomeado. Em declarações ao canal chinês da Rádio Macau, Iau Teng Pio disse poder melhorar a legislação em vigor, estando mais atento às leis relacionadas com assuntos sociais. Espera ainda continuar a ouvir as opiniões das associações e da população e assumir a função de deputado em prol dos benefícios de Macau.

Chan Wa Keong | O advogado reformista

É advogado desde 2007 e trabalha essencialmente nas áreas do Direito Comercial, Civil e Penal. Chan Wa Keong é outra das novas caras do grupo dos deputados nomeados e, em declarações à Rádio Macau, disse prometer focar o seu trabalho na reforma jurídica.

“Uma vez que me dedico à área do Direito, proponho uma optimização do processo legislativo. Há propostas que têm uma perspectiva mais avançada e podem ou não ser implementadas com sucesso em Macau. Algumas podem causar problemas. Vou estudar em profundidade estas questões para que, no final, as leis sejam adequadas a Macau”. 

O causídico disse ainda à rádio que “os deputados nomeados são professores de instituições de ensino superior e profissionais. Podemos constatar que o Chefe do Executivo quis aumentar o grau de conhecimento profissional da Assembleia Legislativa”.

 

Macaenses fora das opções do Chefe do Executivo

Não tem macaense. Não é propriamente uma surpresa, mas o Chefe do Executivo não escolheu ninguém da comunidade macaense como deputado nomeado para a Assembleia Legislativa (AL). 

“Já sabia que não iria nomear e aceito isso pacificamente”, comenta o ex-deputado Jorge Fão. O presidente da mesa da assembleia da Apomac encara com naturalidade as escolhas de Chui Sai On, até porque “a comunidade macaense é muito pequena em Macau, não tem expressão em termos de votos”.

De resto, de acordo com Jorge Fão as opções do Chefe do Executivo seguiram a lógica sistemática de quem melhor serve o Executivo na AL.

“Eles estão lá para defender o Governo, é o seu papel, e é claro que iam nomear chineses mais próximos do idealismo deles”, comenta o ex-legislador.

Também o recém deputado eleito Pereira Coutinho não se surpreende com as escolhas, julgando que era expectável que o Chefe do Executivo distribuísse os lugares pelo seu círculo de amizade. “Como sabemos, Chan Meng Kam tem as melhores relações pessoais com o Chefe do Executivo. Como ele não quis aceitar o cargo porque, provavelmente, vai requerer uma licença de jogo, ou tentar ser Chefe do Executivo, é evidente que o seu braço direito foi escolhido como deputado nomeado”, comenta Pereira Coutinho aludindo a Iau Teng Pio.

Mas Jorge Fão vai mais longe ao referir que “um deputado macaense entre os sete não faria nenhuma diferença”. O ex-deputado recorda que quando estava no hemiciclo chegaram a ser quatro deputados da comunidade: Fão, Philip Xavier, Leonel Alves e José Rodrigues.

Um dos episódios recordados pelo ex-deputado é o da apresentação da proposta de lei sindical. “Consegui recolher a assinatura dos tradicionais, Kaifong, operários, dos empresários e quando foi para votação fui derrotado e quem votou contra a minha proposta foram, precisamente, os macaenses”, recorda.

O ex-deputado é da opinião de que a proveniência da pessoa não conta tanto quanto a sua personalidade. “Concordo plenamente com as escolhas, espero que façam bom trabalho”, acrescenta.

 

Fong Chi Keong admitiu estar farto

Depois de terem sido anunciadas as nomeações do Chefe do Executivo para a Assembleia Legislativa (AL), tornou-se do conhecimento público que Fong Chi Keong e Tommy Lau estão de saída do órgão legislativo.

Ao canal chinês da Rádio Macau, Fong Chi Keong, com 70 anos de idade, afirmou que já estava farto de ser deputado, e que considera que estava na altura de mudar os membros da AL. Fong recordou ainda que era deputado desde 1996, o que lhe permitiu acumular uma experiência de 21 anos. 

Em relação aos novos nomeados, o homem ligado ao sector da construção questionou se o facto da maioria dos nomeados serem académicos não resultará na ausência de um conhecimento prático: “Acha que é bom falar muito sobre a teoria, sem que haja verdadeiramente um conteúdo prático?”, perguntou Fong Chi Keong, ao entrevistador. O deputado conhecido como “canhão” sublinhou, ainda, que a vida precisa de pessoas com conhecimento prático.

Por sua vez, Tommy Lau disse sentir-se muito honrado por ter sido deputado na AL, frisando que foi uma experiência valiosa que tiver a oportunidade de viver. O ainda deputado destacou que o facto de ter estado na AL lhe permitiu compreender melhor o desenvolvimento geral de Macau, assim como a política local.

Sobre os seus substitutos, Lau considerou que os futuros deputados nomeados possuem capacidades nas áreas académica, profissional e do Direito, razão que diz fazê-lo acreditar que vão conseguir desempenhar com sucesso os trabalhos na AL. Além disso, divulgou que vai apoiar com todo o esforço os trabalhos dos deputados da seguinte legislatura.

28 Set 2017

Lei sindical | Coutinho pode unir-se a deputados para apresentar diploma

O deputado José Pereira Coutinho vai entregar novamente na Assembleia Legislativa o projecto de lei sindical, nem que para isso tenha de se unir à bancada com ligações aos Operários ou a “outros” deputados. Coutinho refere que “começam a surgir sinais” do fim das reuniões de comissão à porta fechada

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] canal chinês da Rádio Macau tem vindo a entrevistar todos os candidatos às eleições que obtiveram assentos na Assembleia Legislativa (AL). Ontem foi a vez de José Pereira Coutinho, que durante o programa atendeu 20 das 50 chamadas do público. Ao HM, o deputado reeleito explicou que um dos assuntos abordados foi a lei sindical, cujo projecto de lei será novamente apresentado nesta legislatura. Com ou sem companhia.

“Vou voltar a apresentar, mas deixo aberta a possibilidade de negociar com os meus colegas da AL, caso os colegas da Associação Geral dos Operários, ou outros, tenham a intenção de apresentar, de imediato, o projecto de lei. Mas se ninguém apresentar de imediato, apresentarei eu”, apontou.

José Pereira Coutinho disse ainda acreditar que algo pode vir a mudar na forma de funcionamento das reuniões das comissões permanentes e de acompanhamento da AL.

“Começam a surgir sinais, da parte dos deputados eleitos pela via directa, de que há abertura para uma discussão, a fim que as reuniões das seis comissões sejam à porta aberta, alterando, para isso, o regimento da AL”, frisou.

Licenças para todos

No programa radiofónico houve ainda tempo para falar da necessidade de protecção dos funcionários públicos que denunciem indícios de corrupção dentro da Administração. Coutinho disse acreditar que a lei deve ser revista, para garantir que estes trabalhadores não são despedidos ou transferidos para outras funções.

José Pereira Coutinho lamentou ainda a nomeação de Raymond Tam para o cargo de director dos Serviços Metereológicos e Geofísicos (SMG), que intitulou de “idiota”.

O deputado reeleito com mais de 19 mil votos deu também a sua opinião sobre os deputados nomeados pelo Chefe do Executivo (ver grande plano) e não deixou de lado a questão das licenças de jogo.

“O Governo ainda não deu quaisquer sinais de auscultação aos residentes de Macau sobre esse assunto. Nós achamos que há um monopólio de licenças que não é saudável, pois devíamos abrir o mercado a todas as pessoas que queiram ter uma licença de jogo e não estipular um número.”

 

“TDM tem de ser mais justa”

O deputado José Pereira Coutinho considerou que o canal chinês de rádio e televisão da TDM deve convidar todos aqueles que participaram nas eleições legislativas, quer tenham sido vencedores ou não. Em causa está o princípio da justiça, apontou Coutinho, que falou dos exemplos de Agnes Lam e Lam U Tou. “Não é aceitável que os deputados fiquem à sombra da bananeira durante quatro anos e só quando são eleições é que aparecem na televisão e na rádio. Os convites não são feitos. A TDM teve a Agnes Lam, que durante anos foi uma comentadora política, e Lam U Tou, que era dos Operários e que foi um comentador muito regular. Ambos conseguiram bons resultados.” Coutinho considera que a TDM, “como estação pública, tem de ser mais justa”. “Se quer apoiar os Operários, ou Agnes Lam, deve apoiar também as 25 listas, aqueles que conseguiram e os que não conseguiram ser eleitos deputados, para participarem nos debates. É uma forma de escolha arbitrária e injusta dos princípios básicos de justiça e imparcialidade por parte da TDM.”

28 Set 2017

Acesso de jornalistas a fontes judiciais e governamentais é difícil, aponta relatório 

Existe liberdade de imprensa mas há constrangimentos, na sua maioria provocados pelo difícil acesso dos jornalistas a fontes ligadas aos poderes Judicial e Executivo. Esta é a principal conclusão do relatório promovido pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] “Retrato da liberdade de imprensa e do acesso às fontes de informação no exercício da actividade de jornalista em Macau” prova que, no território, há liberdade para contar histórias, ainda que com nuances de algum constrangimento. O primeiro inquérito promovido pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) conclui que 79,55 por cento dos inquiridos considera que há liberdade de imprensa em Macau, mas a maioria considera que o acesso às fontes de informação é difícil.

Os dados mostram ainda que os tribunais e o Governo ficam mal na fotografia. Mais de 68 por cento dos inquiridos consideraram que o poder Judicial é o que coloca mais entraves ao trabalho dos jornalistas, uma vez que o acesso foi considerado “Difícil”. Em segundo lugar surge o poder Executivo com 58,82 por cento a considerar “Difícil” o acesso. Os jornalistas que responderam ao inquérito afirmaram ainda que o acesso às fontes de informação junto do poder Legislativo é mais fácil, ainda que tenha sido destacado o facto de reuniões de comissões da Assembleia Legislativa serem à porta fechada.

Algumas das respostas citadas pelo questionário afirmam que “nem sempre o acesso às fontes de informação é fácil, nomeadamente no que concerne à esfera governativa, legislativa e judicial”. Outra das respostas aponta ainda para o facto de existir “uma série de constrangimentos e restrições que, frequentemente, criam obstáculos ao exercício da liberdade de imprensa”.

Mudanças, é preciso

Os inquéritos foram respondidos por escrito no segundo semestre do ano passado e os resultados analisados por uma comissão de avaliação independente composta pelo advogado Frederico Rato, o académico e ex-jornalista Rui Flores e José Manuel Simões, ex-jornalista e coordenador do curso de comunicação da Universidade de São José.

Frederico Rato considerou que existe liberdade de imprensa em Macau e que os casos de auto-censura são difíceis de avaliar, pois dependem da personalidade de cada um. Ainda assim, propõe uma maior união das associações do sector.

“Deve haver uma maior aproximação, porque há seis ou sete associações de profissionais da comunicação e não faz sentido cada uma puxar para o seu lado, faz sentido que sejam solidárias. Não digo que seja criada uma federação, mas sim que haja uma maior aproximação das associações às organizações internacionais.”

Quanto à dificuldade de acesso a fontes judiciais e governamentais, o advogado, que ajudou a fundar o jornal Ponto Final, sugeriu mudanças.

“O Governo não tem necessariamente de mudar, mas terá de introduzir alguns aperfeiçoamentos e garantir um maior respeito pelo exercício da profissão. O poder Judicial é o que se sai pior e era aconselhável prestar alguma atenção aos mecanismos de transmissão de informação aos jornalistas e à opinião pública em geral, e atenuar um pouco a falta de informação da parte do Governo e poder Judicial”, concluiu.

28 Set 2017

Hato | Relatório expõe falhas do Governo na resposta à catástrofe

Há ainda muito a fazer em termos de “prevenção, redução e socorro em caso de catástrofes naturais”, conclui um relatório de trabalho publicado pelo Governo, que inclui ainda várias recomendações

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi ontem publicado o relatório de trabalho pelo Governo relativo aos danos causados pela passagem do tufão Hato em Macau. Segundo um comunicado oficial, o relatório, apenas disponível em língua chinesa, revela que o Executivo “tem ainda muito trabalho a realizar em termos de prevenção, redução e socorro em caso de catástrofes naturais”.

Existe uma “fraca percepção dos riscos e preparação psicológica”, algo que resulta na “pouca preparação em termos de prevenção e reacção a catástrofes”.

São ainda apontadas “insuficiências nas infra-estruturas fundamentais” e “fragilidades que deixam exposta a cidade [a riscos]”. Para dar resposta a isto, há a necessidade de ter mais “recursos humanos com conhecimentos técnicos e especializados, equipamentos, serviços de monitorização e alarme”. É ainda referida a “atenção limitada do público para a prevenção dos riscos de catástrofes naturais”.

As recomendações

O relatório publicado pelo gabinete do porta-voz do Governo apresenta ainda sete recomendações para melhores respostas em futuras catástrofes, que passam pelo reforço das infra-estruturas, o aperfeiçoamento do mecanismo de resposta, ou um maior aperfeiçoamento da cooperação com Guangdong e Hong Kong.

O Executivo deve ainda “complementar a regulamentação e padrões para gestão de emergências, prevenção e redução de catástrofes”, sem esquecer a implementação de um “sistema unificado de comando, sob liderança do Chefe do Executivo”. Este sistema terá “a tarefa de realizar a monitorização geral dos riscos na cidade, bem como coordenar o comando das operações de tratamento de crise”.

O relatório aponta também que deve ser melhorada “a capacidade de decisão das chefias governamentais em situações de emergência”, sem esquecer as regras sobre transmissão de informações.

“É necessário definir a responsabilidade de particulares, tais como de transmissões televisivas e do uso de telecomunicações, entre outros, pela divulgação de informações sobre eventos imprevistos, incluindo previsões, alarmes e informações sobre segurança pessoal e prestação de socorro.”

É ainda sugerida a criação de um “dossier especial prioritário”, para que se possam “fortalecer as capacidades de organização colectiva da sociedade e responder a situações de emergência, com base em recursos já existentes”. Serão compilados “seis projectos especiais prioritários, com alcance sobre todo o território, para que se exija planeamento e participação dos departamentos governamentais”.

28 Set 2017

Política no feminino | Eleição de Wong Kit Cheng e Agnes Lam podem agitar as águas

A reeleição de Wong Kit Cheng como deputada, pela lista Aliança do Bom Lar, e a estreia de Agnes Lam, com a lista Observatório Cívico, podem mudar o panorama da política local feita no feminino. Em termos numéricos, a Assembleia Legislativa mantém as mesmas deputadas que a anterior legislatura, mas as suas intervenções podem ser diferentes

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á quatro anos uma enfermeira chamada Wong Kit Cheng decidiu deixar os corredores do hospital para enveredar pela política. Apesar de pertencer à Associação Geral das Mulheres (AGM), Wong Kit Cheng decidiu aliar-se a Ho Ion Sang, da União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM, ou Kaifong), tendo conseguido a sua estreia no hemiciclo, como número dois do deputado.

Este ano a candidata da lista Aliança do Bom Lar terá sentido que já tinha terreno para avançar sozinha e decidiu fazê-lo, representando a AGM e afastando-se da espécie de coligação feita com os Kaifong em 2013. A estratégia compensou: Wong Kit Cheng obteve 9499 votos no passado dia 17 deste mês.

Agnes Lam, líder da Observatório Cívico, foi a grande vencedora das legislativas e é mais uma voz feminina no hemiciclo. Contudo, na prática, a saída da deputada Melinda Chan fez com que o número de deputadas permaneça inalterado. A nova legislatura da Assembleia Legislativa (AL) continua a fazer-se com cinco mulheres, eleitas pela via do sufrágio directo (Ella Lei, Angela Leong, Song Pek Kei, Agnes Lam e Wong Kit Cheng) e uma eleita pelo sufrágio indirecto (Chan Hong). Resta saber se o Chefe do Executivo vai nomear alguma mulher como deputada.

Ao HM, o advogado e analista político Sérgio de Almeida Correia disse acreditar que a vitória de Wong Kit Cheng, enquanto representante da AGM, pode significar uma maior participação do sexo feminino na política local. Ou pelo menos um começo.

“O facto de nestas eleições ter aparecido uma lista ligada à associação das mulheres, e de ter obtido um assento, é um resultado muito significativo e poderá ser um indício”, defendeu.

A eleição de Wong Kit Cheng pode, também, “constituir um estímulo à entrada de mais mulheres na política”. “Oxalá isso possa acontecer, porque já temos muito cinzentismo na política de Macau e era bom que houvesse novas representações”, acrescentou Sérgio de Almeida Correia.

A AGM, através de Wong Kit Cheng, na sua maioria, tem vindo a defender políticas como o aumento da licença de maternidade ou de paternidade, bem como medidas mais favoráveis à família, para que, aos poucos, a mulher possa ter um papel mais representativo na sociedade.

Contudo, aquando da implementação da lei da violência doméstica, a AGM não mostrou de imediato uma postura aberta em relação à constituição desse acto como um crime público.

Com ou sem tradicionalismos, e sem comentar se, de facto, a maioria das mulheres se sente representada pela AGM, Sérgio de Almeida Correia encontra um lado positivo na reeleição de Wong Kit Cheng.

“As coisas em Macau levam o seu tempo”, frisou. “O facto de ter havido alguma emancipação dessa lista tem a ver com razões estratégicas e conjunturais, e com outras ligações que a associação já tinha. Acredito que tenha sido ditado por uma estratégia eleitoral, mas o resultado pode servir de estímulo, para que não haja tantas ligações ao universo mais tradicional.”

Papel activo

Se na AL o número de deputadas se conta pelos dedos das mãos, fora do hemiciclo essa realidade também se verifica. Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, é a única mulher no Governo. Ao nível de direcções de serviços, surgem os nomes de Helena de Senna Fernandes (Turismo) e Susana Wong (Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água), mas são poucas as que chegam a líderes na Função Pública.

No activismo político, o panorama não é diferente. Cloee Chao tornou-se o rosto da defesa dos direitos dos croupiers e até concorreu nas últimas eleições. Winkie Kuan chegou a liderar a associação Juventude Dinâmica, mas afastou-se.

“Não sei responder porque é que na AL há mais homens do que mulheres, nunca fiz um estudo aprofundado sobre isso”, adiantou Winkie Kuan.

Na sociedade, Winkie Kuan defende que as mulheres têm hoje um papel mais activo.

“Antes as pessoas tinham um nível de escolaridade muito baixo. Os homens trabalhavam fora de casa e as mulheres ficavam no lar a cozinhar, a cuidar da família. Os homens tinham mais acesso à sociedade e podiam expressar as suas opiniões se não estivessem satisfeitos. As mulheres tinham um acesso mais limitado.”

“A maioria das pessoas nos dias de hoje tem uma maior escolaridade e há uma maior participação das mulheres na sociedade. Tive várias amigas que se voluntariaram para apoiar várias candidaturas nestas eleições”, acrescentou Winkie Kuan.

Para a antiga líder da Juventude Dinâmica, eleger mais mulheres para o hemiciclo seria importante para que o meio político desse mais atenção aos assuntos sociais.

Sem incentivos

Para Sérgio de Almeida Correia a tradição ainda é o que sempre foi na política e este panorama vai demorar a mudar.

“A falta de mulheres na política de Macau é resultado da tradição e da forma como a participação das mulheres na politica é vista aqui e na própria China. Tradicionalmente a mulher está reservada a um papel menos activo na participação cívica e politica. Isso tem a ver com factores históricos.”

O advogado recorda-se das palavras do deputado Fong Chi Keong aquando do debate sobre a lei de violência doméstica. O tribuno considerou normal bater nas mulheres, uma intervenção que originou um protesto nas ruas a pedir a sua saída do hemiciclo.

“Esses comentários foram inenarráveis e mostram como as coisas são vistas. Vemos que não há qualquer incentivo à participação das mulheres na política”, apontou Sérgio de Almeida Correia, que lembrou ainda o facto de parte dos deputados da AL ser eleita pela via indirecta ou através da nomeação.

“O próprio sistema não favorece a participação, não é aberto nem apelativo. O papel de democracia directa acaba por ser menosprezado pela forma como a AL é constituída e as reservas que existem a um pleno sufrágio universal. E isso tudo contribui para afastar as mulheres da politica.”

Saiu Melinda Chan, que fez da lei da violência doméstica uma das suas principais bandeiras políticas, e Kwan Tsui Hang, histórica deputada ligada ao sector tradicional. Os novos rostos vieram substituir as suas vozes, mas são precisos mais.

“Elas fazem falta porque é importante que a participação seja cada vez mais inclusiva, para que haja uma distribuição equitativa de género e para que todos se sintam parte de um projecto político”, reiterou Sérgio de Almeida Correia.

 

Agnes Lam vai promover maior participação das mulheres

Agora que foi eleita deputada, Agnes Lam espera que a sua acção na Assembleia Legislativa contribua para fazer com que mais mulheres participem activamente na política do território. Em conversa com o HM, a líder da lista Observador Cívico, confirmou que esta vai ser uma das suas bandeiras nas bancadas do hemiciclo.

“Sem dúvida que vai ser uma das bandeiras que vou defender. É importante que haja uma maior participação das mulheres na política de Macau”, afirmou Agnes Lam.

Em termos das vantagens de uma maior participação feminina, a recém-eleita deputada aponta os assuntos familiares, cuja gestão tem tradicionalmente sido mais associada à figura materna.

“Se nos focarmos nos assuntos familiares, elas têm uma opinião muito importante sobre esses tema, também porque permite contribuir para uma maior igualdade de tratamento mesmo dentro das famílias”, apontou.

No entanto, quando questionada sobre a eleição de Wong Kit Cheng, através da lista apoiada pela Associação Geral das Mulheres, e se isso representa uma possível mudança de paradigma em Macau, Agnes Lam realçou a importância de eleger mais mulheres.

“Independentemente de quem seja eleito, desde que faça com que haja mais mulheres no hemiciclo já é positivo porque leva as pessoas a pensar mais nas questões do género”, defendeu. “Dou as boas-vindas a todas as mulheres que quiserem participar nas eleições”, sublinhou.

Da tradição

Por outro lado Agnes Lam apontou que o menor número de deputadas face aos deputados também está relacionado com questões culturais e o papel tradicional da mulher, mais focado no tratamento dos assuntos da família.

“A participação da mulher na política não é encorajada pela sociedade chinesa, que lhe reserva um papel mais associado à ideia de tratar da família. Também como a participação na política requer que se passe muito tempo fora de casa e longe da família, isso não é muito bem visto pela sociedade”, comentou.

A legisladora reconheceu também que muitas vezes são as próprias mulheres que optam por se colocar à margem da política, por serem ensinadas a atribuírem mais importância a outras questões.

“São ensinadas a colocaram-se à margem e a não considerar estes assuntos importantes, sentindo que não têm grande capacidade política. Esta é também uma das razões para que não participem”, justificou.

27 Set 2017

Violência doméstica | Casos diminuíram nos primeiros seis meses face a 2016

O Instituto de Acção Social afirma que a adopção de critérios mais rigorosos com a entrada em vigor da lei da violência doméstica levaram a que tenham sido registados 57 casos, uma diminuição face aos 83 episódios do primeiro semestre de 2016

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s dados mais recentes sobre os casos de violência doméstica foram ontem analisados na segunda sessão plenária do Conselho para os Assuntos das Mulheres e Crianças. Segundo a apresentação feita por um representante da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça, no primeiro semestre deste ano foram registados 57 casos de violência doméstica. Trata-se de um número menor face aos 83 casos registados em igual período do ano passado, notou Tang Yuk Wa, chefe do departamento de serviços familiares e comunitários do Instituto de Acção Social (IAS).

Este responsável explicou ainda que a redução não se deve a uma diminuição da violência doméstica no seio das famílias, mas está sim relacionada com a adopção de critérios mais rigorosos na avaliação das situações.

“Esta descida está relacionada com a entrada em vigor da lei da violência doméstica, pois estabelecemos um mecanismo de avaliação e tratamento dos casos e só depois é que avaliamos de forma rigorosa se se trata ou não de um crime”, adiantou Tang Yuk Wa.

“A adopção de critérios é a principal razão para esta descida, antes não tínhamos critérios muito rigorosos”, acrescentou.

A ocorrência de 57 casos prova que, em média, acontecem pouco mais de dez casos por mês. A maioria dos casos, ou seja, 45, diz respeito à violência doméstica impingida ao parceiro, enquanto 11 casos dizem respeito a violência contra crianças. Há ainda um caso de violência contra um membro da família.

Em 66 por cento dos casos há maus tratos físicos, enquanto os abusos sexuais são a segunda prática mais comum, acontecendo em 5,26 por cento dos casos. Do total de ocorrências, 7,2 por cento dizem respeito a ofensas psíquicas, enquanto 3,5 por cento está relacionada com situações em que as crianças são negligenciadas.

Tang Yuk Wa não soube precisar números mais concretos, mas admitiu que mais de dez dos 57 casos de violência já estarão a ser investigados pelo Ministério Público.

Casamento já não é o que era

O Conselho discutiu ontem dois relatórios estatísticos preliminares que só deverão ser finalizados no final deste ano. Tratam-se do “Relatório sobre a condição da mulher em Macau”, relativo a este ano e que é realizado a cada cinco anos. Por concluir está também a “Base de Dados das Mulheres de Macau”, que terá mais de cem indicadores, relacionados com a educação, profissão ou salário, entre outros.

Os documentos preliminares estarão em breve disponíveis para consulta do público, mas Tang Yuk Wa levantou a ponta do véu quanto a algumas conclusões. Alguns membros do Conselho ter-se-ão mostrado preocupados com o facto de muitas mulheres acharem comum ou normal ter relações sexuais fora do casamento, bem como acharem que o casamento não é para toda a vida. Haverá ainda questões relacionadas com a diferença salarial entre homens e mulheres, bem como o aumento da participação das mulheres na sociedade.

O responsável do IAS disse esperar que a base de dados “ajude a sociedade a elaborar políticas e a tomar decisões”. As conclusões seguirão depois para o Governo.

27 Set 2017

“Enxins”, loja de produtos de beleza naturais | Cheiros de Taiwan

Shampôs e amaciadores, sabonetes, óleos essenciais e difusores. Todos estes produtos são naturais na Enxins, marca criada por Yves Wu. Em Macau já existem várias lojas que mostram o que de melhor se faz na Ilha Formosa em termos de produtos de beleza

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s cabelos parecem ficar mais macios e brilhantes sem químicos, a casa cheira melhor e transmite uma enorme sensação de tranquilidade, que nos leva a ignorar o caos da cidade e o stress do dia-a-dia. A pele fica brilhante e os cheiros são reais, sem ponta de artificialidade.

Nos últimos anos a utilização de produtos de beleza naturais, sem a adição de químicos, tem-se revelado cada vez mais uma tendência.

Em Macau, a “Enxins” apareceu no mercado há cerca de quatro anos pela mão de Yves Wu e vende não só produtos de beleza naturais, como champôs, sabonetes ou cremes, mas também produtos para a casa.

Vindo de Taiwan, o fundador desta marca, que já tem várias lojas no território, afirma sempre ter usado produtos feitos à base de ervas.

“Estes produtos faziam parte do meu estilo de vida em Taiwan antes de vir para cá. Sempre usei este tipo de produtos nos últimos anos. Gosto dos aromas e dos cheiros, dão-me uma sensação mais espiritual. Contudo, quando cheguei, percebi que havia poucas lojas a vender este tipo de materiais e há quatro anos decidi arrancar com esta marca”, contou ao HM.

Yves Wu assume ter investido neste negócio “para trazer para Macau produtos que possam ter consigo, ou transmitir, um sentido de Oriente, com ingredientes naturais à base de ervas, a sua principal componente”.

O fundador da marca quer que os clientes compreendam a forma como os produtos que vende são produzidos, sem químicos ou outros ingredientes falsos.

“A razão para ter criado a ‘Enxins’ em Macau está relacionada com um sentido de responsabilidade. Vem da necessidade que sentimos de informar as pessoas sobre a natureza dos produtos, de que forma são feitos e quais os métodos utilizados no processo de fabrico.”

Felicidade em qualquer lugar

Questionado sobre o produto que é mais procurado pelos clientes, Yves Wu explica que são os difusores de óleos essenciais ou aromas para dar um bom cheiro à casa.

“Os difusores de óleos e aromas são os produtos mais procurados pelas pessoas. Estas procuram qualquer coisa que lhes dê mais tranquilidade em casa ou no escritório.”

Esta procura está directamente relacionada com os principais objectivos da “Enxins” enquanto marca. “O mais importante é o uso de aromas que façam cada cliente ficar mais feliz, em qualquer hora e em qualquer lugar.”

Se em Macau só agora é que se começa a verificar uma maior procura por aquilo que é natural, em Taiwan esse mercado já existe há muito.

“As pessoas de Taiwan usam diferentes tipos de ervas e alimentos para fazer produtos naturais, como o gengibre. Há muitas diferenças em relação aos produtos de marcas ocidentais. E a maior parte dos chineses conhecem os benefícios das ervas.”

Para Yves Wu, “o uso de produtos naturais já é uma tendência mundial, porque não existe muita confiança nos produtos que são vendidos nos supermercados. Desconhecemos por completo a composição desses produtos”.

O criador da “Enxins” conseguiu implementar uma pequena e média empresa num mercado de pequena dimensão, mas, ainda assim, sofreu e ainda sofre com os desafios ligados a um negócio desta natureza.

“Em Macau é difícil contratar empregados e é difícil mantê-los no mesmo emprego durante muito tempo”, assegura.

27 Set 2017

Evandro Teixeira, fotojornalista: “Os políticos no Brasil são vergonhosos”

Evandro Teixeira esteve onde poucos conseguiram. Subiu nos palanques, fotografou a ditadura militar e captou o exacto momento em que um jovem cai no chão para morrer logo a seguir. A sua lente registou a febre do futebol no Maracanã, a pobreza das favelas, as visitas oficiais. São 81 anos de vida, 50 anos de carreira. Chegou a ser preso, mas nunca pensou em desistir: afinal de contas, o único fotojornalista que fotografou o corpo de Pablo Neruda numa maca de hospital sempre trabalhou por paixão. Até amanhã as suas imagens estão no Clube Militar, na exposição “Introspecção”, uma iniciativa da Associação de Fotografia Digital de Macau

[dropcap]A[/dropcap]ntes de falarmos das histórias por detrás das imagens, perguntava-lhe como surgiu a oportunidade de fazer esta exposição aqui em Macau.
Veja bem: o ano passado estive na China três vezes, onde fiz algumas exposições. E conheci o curador desta exposição numa dessas viagens. Aí ele perguntou-me se eu gostaria de fazer a exposição aqui em Macau. Foi muito curioso e gratificante estar aqui para ver a exposição porque em 1995 estive aqui, acompanhando a comitiva presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Mudou muita coisa, mudou radicalmente.

Quase tudo.
Sim. Eu viajo muito, já expus no mundo inteiro – França, Alemanha, Suiça, sei lá mais onde. Tenho dez livros publicados sobre fotografia, todos esgotados. Trabalhei durante 47 anos no maior jornal do país [Jornal do Brasil], que fechou em 2010. E aí parei. O que faço hoje é dar palestras no Brasil e fora também, e faço workshops. Continuo a fotografar muito.

O ponto mais alto desta exposição serão as imagens que captou durante o período da Ditadura Militar. Como foi fotografar quando havia censura no país?
O Jornal do Brasil teve uma actuação muito grande durante o período da ditadura. Sempre fiz tudo por prazer, e como era contra a ditadura, a minha maneira de brigar com os militares era fotografando. Subir no palanque para fotografar. O Jornal do Brasil foi contra a ditadura e pagou caro por isso. Chegou a fechar. Há uma foto ali, e por causa dela eu fui preso. O jornal era muito inteligente e fazia frases irónicas. E o Governo não gostava. Muitos foram presos, caçados, intelectuais, muitos mortos. Com uma das fotos, no dia seguinte o Presidente me mandou chamar para estar presente no palácio. E aí ele me disse “como ousa publicar uma merda destas na primeira página, e o Presidente tão pequeno ficou lá atrás?”. E eu ri, pedi desculpa e disse que era uma questão de edição. E ele me respondeu “edição é a filha da p…” e me mandou prender. Quando os jornalistas não eram pegos na rua, e quando se publicava algo que os militares não gostavam, acontecia isso.

Desse período tem também uma foto rara de uma marcha que foi feita em 1978.
Estava ao lado do Vladimir Palmeira [político brasileiro] fotografando, e quando vi aquela faixa [que dizia “Abaixo a ditadura – poder ao povo], cliquei. No jornal seleccionamos aquela foto para a primeira página, mas havia dois militares censores lá. Eles perceberam e não deixaram publicar essa, só a que não tinha a faixa. Alguns anos mais tarde publiquei a foto num livro e a designer desse livro se descobriu na foto e o marido, que estava no meio da multidão. Aí começaram a descobrir muita gente, e aí tivemos a ideia de fazer um livro com todas essas pessoas. Quarenta anos depois publicámos as histórias de cem pessoas que estiveram nesse local, e fotografei-as como se tivessem olhando para o Vladimir Palmeira. Esse livro esgotou.

Os abusos da ditadura militar no Brasil © Evandro Teixeira

Acredita que muitos se esqueceram da ditadura? É preciso lembrar a história novamente?
Na verdade a memória do povo brasileiro é muito curta. Hoje em dia faço muita palestra e sempre fotografei no contexto da história. Mostro imagens do Vietname, da Ditadura Militar e também do golpe do Chile, onde também fotografei muito. Fotografei o chileno Pablo Neruda, também fiz um livro sobre Neruda, intercalado com os seus poemas. Nas palestras que dou há muitos estudantes, e isso é bom porque hoje em dia, nas universidades, o período da Ditadura Militar está muito esquecido. Um pouco de propósito da parte do Governo e também das universidades.

Como vê o Brasil dos dias de hoje, depois do impeachment a Dilma Rousseff?
Na verdade a situação do país está tão caótica que as pessoas voltam a falar de ditadura para dar o baixa. Essas pessoas que berram e que cantam isso não viveram essa época da ditadura militar, quando todo o mundo foi massacrado, artistas presos, o Chico Buarque, o Caetano Veloso, músicas censuradas, pessoas mortas. Mas também falam isso porque os políticos são tão corruptos e safados que deixaram chegar o país a este estado. Todo o mundo rouba, mas não tanto como fizeram agora no Rio de Janeiro. Lá está uma loucura, funcionários públicos sem receber. As forças federais foram enviadas pelo Presidente para tentar conter a violência nas favelas.

Esperava encontrar a mesma realidade que fotografou nas favelas, nos anos 60, tantos anos depois? Tinha esperança que algo mudasse?
Houve abandono e não houve um governo para tentar. Todo o mundo foi abandonado. Isso também não justifica o que está acontecendo. A revolta nos presídios, Rio Grande do Norte, Pernambuco, com matanças, é um absurdo. Isso não pode acontecer. Os políticos no Brasil são vergonhosos, e fico pensando: agora vamos ter eleições em 2018. Vamos votar em quem? Não temos um líder.

Não há confiança.
Acompanhei o Lula com o Jornal do Brasil e antes não falava com ele, tinha horror dele. Aí quando ele ganhou as eleições, em 2003, viajei com ele por todo o Brasil, de ônibus. Passei a adorá-lo, amá-lo, porque o que ele dizia parecia que ia mudar o mundo. Ele é bom nisso [aponta para a garganta]. O primeiro Governo dele foi muito bom, e a coisa depois chegou no que chegou. Ele não era aquilo que pregava. O pai do ex-governador do Rio de Janeiro, é Sérgio Cabral, escritor, é meu contemporâneo. Uma figura maravilhosa e começámos na mesma época. Vi o Serginho nascer, e agora o governo do Rio não tem dinheiro nem para pagar a polícia.

Teve momentos em que sentiu medo, quis desistir?
Pelo contrário. Estou com 81 anos, e fisicamente não tenho mais a sua força. Mas de cabeça e memória continuo bem. Não vou pensar em desistir. Em nenhum tipo de cobertura minha disse: “não vai ser possível”. Sempre fiz tudo para conseguir. Houve situações que me diziam “não vai entrar aqui”. Mas eu entrava. O Pablo Neruda, por exemplo. Todos os jornalistas naquela época ficavam no Hotel Carreira, no Chile. E nós estávamos no terraço e tínhamos de cumprir o recolher obrigatório. O Pinochet, o chefe do golpe, não recebia jornalistas. E queríamos achar o Pablo Neruda, que era o conselheiro do Presidente e a pessoa mais importante do país. Soubemos que estava preso. Uma informante minha me disse o hospital onde ele estava, mal tratado. Cheguei lá e o director do hospital não me deixou entrar porque não gostava de jornalistas. Disse-lhe que era amigo dele mas não era nada, era só conversa jogada fora. Quando liguei depois, às dez da noite, ele já estava morto. No dia seguinte o hospital estava cheio de gente, tinha a câmara Leica escondida aqui debaixo do casaco, filmes no bolso. Não tinha como entrar, mas fiquei lá. Passou uma hora, uma das portas abriu por acaso e eu entrei. Quando entro, está o poeta morto na maca. Fotografei primeiro, depois falei com a esposa dele. No dia seguinte fomos para o cemitério, a bandeira do Chile estava no caixão. Pinochet convocou a imprensa, achou que todos iam largar e correr para ele. Eu fiquei lá. Foi emocionante ver todo o mundo no cemitério. Foi lindo. Foi talvez o momento mais dramático e importante da minha vida. Depois de vários anos se soube que ele foi morto alvejado pelos militares. E fui agora ao Chile prestar depoimento, contei o que estou contando agora pra você.

Que Brasil lhe falta fotografar?
Tudo. O Brasil é muito grande, o mundo é muito grande. Toda a viagem onde vou, fotografo. Aqui também fotografei. Outro dia viajei para o Ceará, vi uma menina na rua vestida de bailarina, e disse para o meu amigo: “pára o carro”. Fotografei. Me perguntaram se tinha levado a menina para aquele lugar, mas aconteceu assim.

26 Set 2017