A Sonata que abriu as portas do futuro

[dropcap]L[/dropcap]udwig van Beethoven, nascido em Bona no dia 16 de Dezembro de 1770, foi um compositor alemão do período de transição entre o Classicismo (século XVIII) e o Romantismo (século XIX). É considerado um dos pilares da música ocidental, pelo incontestável desenvolvimento, tanto da linguagem como do conteúdo musical demonstrado nas suas obras, permanecendo como um dos compositores mais respeitados e mais influentes de todos os tempos. “O resumo de sua obra é a liberdade”, observou o crítico musical alemão Paul Bekker (1882-1937), um dos mais influentes do séc. XX, “a liberdade política, a liberdade artística do indivíduo, a sua liberdade de escolha, de credo e a liberdade individual em todos os aspectos da vida”.

Durante os seus primeiros anos de vida em Bona, esteve exposto a uma exigente formação musical por parte de um pai obcecado em convertê-lo num “novo Mozart”. Tal ambição questionável, unida a um não menos perigoso carácter ligado ao alcoolismo, teve repercussões directas na vida pessoal, académica e social do jovem Beethoven, não apenas fazendo dele um rapaz introvertido e medroso, mas também um mau estudante demasiado cansado para ir à escola depois de passar as noites a praticar piano. Em todo o caso, sem justificar os meios que aperfeiçoaram o seu talento, a realidade é que com apenas sete anos, Beethoven já era capaz de dar recitais de piano que deixavam o público boquiaberto; entre eles, ao mesmo compositor e maestro Christian Gottlob Neefe, que ficou tão impressionado com a habilidade do pequeno Beethoven, que se interessou em guiar, enriquecer e aperfeiçoar a sua formação musical. Neefe era o melhor mestre de cravo da cidade de Colónia na época.

Assim, aos 10 anos abandonou a escola para dedicar-se inteiramente à música. Os seus progressos foram de tal forma notáveis que, em 1784, já era organista-assistente da Capela do Palácio Eleitoral em Bona, e pouco tempo depois, violoncelista na orquestra da corte e professor, assumindo a chefia da família, devido à doença do pai. O Conde Waldstein, um nobre de Bona, financiou-lhe uma viagem a Viena, em 1787, aos 17 anos de idade, para aprender com os melhores, de entre os quais com Mozart, que lhe previu um grande futuro e, mais tarde, com Haydn. O Arquiduque da Áustria, Maximiliano, subsidiou então os seus estudos. No entanto, pouco depois de chegar à “capital da música”, a sua mãe caiu gravemente doente e Beethoven teve que regressar a Bona.

Após a morte da sua mãe, o seu pai caiu numa profunda depressão que obrigou Beethoven a tomar a cargo os seus irmãos mais novos, tocando viola e dando aulas de piano. Por sorte, não teve que fazê-lo por muito tempo, pois o seu extraordinário talento era cada vez mais conhecido e eram várias as pessoas interessadas em financiar a sua completa dedicação à música. Em 1791, com apenas 21 anos, já desfrutava de prestígio junto da nobreza dessa cidade, que não dispensava a presença do músico nas suas festas.

Em 1792, Beethoven regressa a Viena, em definitivo, onde, fora algumas viagens, permaneceu o resto da vida. As cartas de apresentação que levava consigo abriram-lhe as portas da nobreza local. O Príncipe Karl Lichnowsky instalou-o no seu palácio e pagava-lhe uma pensão. Os recitais constituíam o divertimento predilecto da nobreza e as apresentações musicais limitavam-se quase a concertos nos palácios. Foi aí que teve o seu primeiro contacto com os ideais da Revolução Francesa, com o Iluminismo e com o movimento literário romântico alemão “Sturm und Drang”, do qual um dos seus melhores amigos, Friedrich Schiller, foi, juntamente com Johann Wolfgang von Goethe, dos líderes mais proeminentes, e que teria enorme influência em todos os sectores culturais na Alemanha.

Beethoven fez a sua primeira apresentação pública, delirantemente aplaudida, em 1795. Em 1796, apresentou-se em Praga e em Berlim, onde cumpriu um extenso programa para a corte imperial, do qual constavam as suas Duas Sonatas para Violoncelo, Opus 5, escritas especialmente para a ocasião. Em 1797, estava com 27 anos e um prestígio crescente que atraía alunos e convites para recitais, e que lhe proporcionava desafogo financeiro. Estudou também piano com Salieri, Foerster e Albrechtsberger, tornando-se um pianista virtuoso, cultivando admiradores, muitos dos quais da aristocracia. Afirmando uma sólida reputação como pianista, compôs as suas primeiras obras-primas, as três sonatas para piano Op. 2 (1794-1795), que mostravam já a sua forte personalidade.

Foi em Viena que lhe surgiram os primeiros sintomas da sua grande tragédia. Foi-lhe diagnosticada, por volta de 1796, aos 26 anos de idade, a congestão dos centros auditivos internos (que mais tarde o deixou surdo), o que lhe transtornou bastante o espírito, levando-o a isolar-se e a grandes depressões. Consultou vários médicos, inclusive o médico da corte de Viena.

Fez curativos, usou cornetas acústicas, realizou balneoterapia, mudou de ares, mas os seus ouvidos permaneciam tapados. Desesperado, entrou em profunda crise depressiva, pensando mesmo em suicidar-se.

Embora tenha feito muitas tentativas para se tratar, durante os anos seguintes a doença continuou a progredir e, aos 46 anos de idade (1816), estava praticamente surdo. Porém, ao contrário do que muitos pensam, Ludwig jamais perdeu a audição por completo, muito embora nos seus últimos anos de vida a tivesse perdido, condições que não o impediram de acompanhar uma apresentação musical ou de perceber nuances timbrísticas.

No entanto, o seu verdadeiro génio só foi realmente reconhecido com a publicação das suas Op. 7, Op. 10, e Op. 13, entre 1796 e 1799: a Quarta e Quinta sonatas para piano, em Mi Maior e Dó menor, respectivamente, Sexta e Sétima em Fá Maior e Ré Maior, respectivamente, e Oitava em Dó menor, op. 13, a famosa sonata “Pathétique”.

A Sonata para Piano Nº 8 em Dó menor, Op. 13 “Pathétique”, de Ludwig van Beethoven, foi publicada em 1799, embora tenha sido escrita no ano anterior, quando o compositor tinha 27 anos de idade. Beethoven dedicou esta obra ao seu amigo, o Príncipe Karl Lichnowsky. A obra foi designada “Grande sonate pathétique” pelo editor, impressionado com as sonoridades trágicas da obra.

Esta foi a primeira das sonatas para piano de Beethoven a alcançar o estatuto de cavalo de batalha. Beethoven abre esta composição em três andamentos, na tonalidade dramática de Dó menor (que mais tarde escolheria para a sua famosa Sinfonia Nº 5), com uma introdução lenta e meditativa – Grave – Allegro di molto e com brio, usando esse recurso pela primeira vez numa sonata. Aparentemente colocando uma questão, ou lutando para superar um dilema, a música busca resolução e alívio, que aparece na exposição propriamente dita, quando o andamento, impulsionado por oitavas tremulantes na mão esquerda, acelera, e o tema se transforma em enunciação profundamente ansiosa, introduzindo, mais uma vez, um humor questionador e incerto, sem excluir enunciados enérgicos, possivelmente indicando um desejo de transcender o sentimento de incerteza. Durante a breve secção de desenvolvimento, uma sensação de tensão dramática predomina, mas o tom geral muda na recapitulação, levando a uma coda, que fecha o andamento. O segundo andamento, Adagio cantabile, começa com uma melancolia calmante, lânguida e melancólica, de uma beleza outonal. Dominando todo o andamento, esse tema inicial eclipsa tanto o segundo tema moderado quanto o momento de tensão dramática na secção intermédia do andamento. O finale, Rondo (Allegro), é realmente o segundo Rondo na sonata, já que o andamento do meio possui as características estruturais dessa forma. Este andamento abre com um tema graciosamente eloquente acompanhado de figuras arpejadas tocadas pela mão esquerda. Embora o clima pareça brilhante, a música é tingida de melancolia, apesar do segundo tema lúdico. Seguindo a repetição e o desenvolvimento temático, o primeiro tema surge como simultaneamente mais ágil e mais delicado. Uma longa e brilhante coda completa o andamento.

Com esta sonata, principalmente com o seu primeiro andamento, Beethoven abriu as portas para o futuro – ninguém depois de ouvir essa obra – poderia fechar os olhos às possibilidades de expressão aqui apresentadas.

Sugestão de audição da obra:

Beethoven Piano Sonatas – Vol. 3
Sequeira Costa, piano
– Claudio Records, 1991/ No de catálogo: CB55732

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