Que destino?

[dropcap]A[/dropcap] Quinta Sinfonia de Ludwig van Beethoven é uma das composições mais populares e mais conhecidas em todo o repertório da música erudita europeia, além de ser uma das sinfonias mais executadas hoje em dia. Trata-se da primeira sinfonia de Beethoven composta em tonalidade menor, o que só voltaria a acontecer em 1824 com a Sinfonia n.º 9, em Ré menor op. 125. A Sinfonia n.º 5 em Dó menor é ainda hoje considerada um “monumento” da criação artística. O escritor e crítico musical E. T. A. Hoffmann descreveu-a como “uma das obras mais importantes de todos os tempos”.

Beethoven fixou-se em Viena, a capital austríaca, em 1792. Em 2 de Abril de 1800, a sua Sinfonia nº 1 em Dó maior, Op. 21 é estreada nessa cidade. Porém, no ano seguinte, o compositor confessa aos amigos que não está satisfeito com o que tinha composto até então, e que tinha decidido seguir “um novo caminho”.

Finalmente, entre 1802 e 1804, começa a trilhar esse ambicionado caminho, com a apresentação da Sinfonia nº 3 em Mi bemol Maior, Op. 55, intitulada “Heróica”, em 1805, uma obra sem precedentes na história da música sinfónica, e que marca o início do período Romântico na história da música. Os anos seguintes à “Heróica” foram de extraordinária fertilidade criativa, e viram surgir numerosas obras-primas: a Sonata para Piano nº 21 em Dó maior, Op. 53, intitulada Waldstein, entre 1803 e 1804; a Sonata para Piano nº 23 em Fá menor, Op. 57, intitulada Appassionata, entre 1804 e 1805; o Concerto para Piano nº 4 em Sol Maior, Op. 58, em 1806; os Três Quartetos de Cordas, Op. 59, intitulados Razumovsky, em 1806; a Sinfonia nº 4 em Si bemol Maior, Op. 60, também em 1806; o Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 61, entre 1806 e 1807; e a Sinfonia nº 5 em Dó Menor, Op. 67, entre 1807 e 1808.

A Quinta Sinfonia teve um largo processo de maturação. Os primeiros esboços datam de 1804, após a conclusão da Terceira Sinfonia. No entanto, Beethoven interrompeu o seu trabalho na Quinta para trabalhar noutras composições, nomeadamente as citadas e ainda na Missa em Dó Maior. A preparação final da obra foi levada em paralelo com a Sexta Sinfonia, que foram estreadas no mesmo concerto. Quando Beethoven a compôs já estava a chegar aos 40 anos e a sua vida pessoal estava marcada pela angústia que lhe causava o aumento da sua surdez mas, apesar disso, tinha entrado num processo imparável de “fúria criativa”. A Europa estava decisivamente marcada pelas guerras napoleónicas, a agitação política na Áustria e a ocupação de Viena pelas tropas de Napoleão em 1805.

A obra passou à história como “Sinfonia do Destino”, começando com o distintivo motivo de quatro notas ‘curto-curto-curto-longo’ (ta-ta-ta-taa), repetido duas vezes. Este título deve-se ao secretário e biógrafo de Beethoven, Anton Schindler. Segundo Schindler, quando perguntou ao compositor pelas quatro contundentes notas do início da Quinta Sinfonia, Beethoven respondeu: “Assim toca o destino à porta”. Jens Dufner, musicólogo do Arquivo Beethoven de Bona, no entanto, não dá demasiada credibilidade às palavras de Schindler. “Anton Schindler é uma figura duvidosa”, refere. “Embora tenha sido uma testemunha directa do que se pode tomar como sério, apresentou a sua relação com Beethoven de maneira diferente da que realmente era. Com o passar do tempo foi-se esforçando por fazer parecer que tinha uma relação muito estreita com o compositor e foi adornando os seus relatos com acontecimentos inexistentes”, assegura Dufner. Ao contrário da Quinta, a Sexta Sinfonia, sim, tem um título dado pelo próprio compositor. Em 1809, Beethoven comunica ao seu editor que o título da Sinfonia em Fá Maior é “Sinfonia  Pastoral”. Isto é algo que está bem documentado”, diz Dufner, “o que não sucede com a Quinta e o suposto título do destino”.

A obra foi estreada no dia 22 de Dezembro de 1808 no Theater an der Wien, num monumental concerto de quatro horas que consistia exclusivamente em estreias de Beethoven, e que foi dirigido pelo próprio compositor.​ As duas sinfonias apareceram no programa numeradas ao contrário da ordem pela qual as conhecemos hoje: a Sexta foi a primeira e a Quinta apareceu na segunda metade.

Os quatro andamentos da Sinfonia caracterizam-se pela homogeneidade orquestral, sendo, ao mesmo tempo, um exemplo de alternância: o primeiro andamento, revelando grande tensão, denunciada pelas cordas e elevada a um dramatismo extremo; o segundo andamento revela solenidade, numa marcha fúnebre que se eleva pela sua emoção e beleza; o terceiro andamento, uma crispação; o quarto andamento expressa triunfo e magnificência.

A sinfonia depressa adquiriu a condição de peça central no repertório. Como emblema da música clássica, foi tocada nos concertos inaugurais da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque no dia 7 de Dezembro  de 1842, e no da Orquestra Sinfónica Nacional dos Estados Unidos no dia 2 de Novembro de 1931. Na América Latina, o concerto inaugural da Orquestra Sinfónica Nacional do Peru em 1938, no Teatro Municipal de Lima, incluiu esta obra. Marcando um ponto de ruptura tanto pelo seu impacto técnico como emocional, a Quinta tem tido uma grande influência nos compositores e críticos musicais, e inspirou a obra de compositores tais como Johannes Brahms, Piotr Ilyich Tchaikovsky, Anton Bruckner, Gustav Mahler e Hector Berlioz. A Quinta permanece junto à Terceira e Nona sinfonias como a obra mais revolucionária de Beethoven.

Sugestão de audição:
Ludwig van Beethoven: Symphony No. 5 in C minor, Op. 67
Berliner Philharmoniker, Herbert von Karajan – Deutsche Grammophon, 1993
28 Abr 2020

A Sonata que abriu as portas do futuro

[dropcap]L[/dropcap]udwig van Beethoven, nascido em Bona no dia 16 de Dezembro de 1770, foi um compositor alemão do período de transição entre o Classicismo (século XVIII) e o Romantismo (século XIX). É considerado um dos pilares da música ocidental, pelo incontestável desenvolvimento, tanto da linguagem como do conteúdo musical demonstrado nas suas obras, permanecendo como um dos compositores mais respeitados e mais influentes de todos os tempos. “O resumo de sua obra é a liberdade”, observou o crítico musical alemão Paul Bekker (1882-1937), um dos mais influentes do séc. XX, “a liberdade política, a liberdade artística do indivíduo, a sua liberdade de escolha, de credo e a liberdade individual em todos os aspectos da vida”.

Durante os seus primeiros anos de vida em Bona, esteve exposto a uma exigente formação musical por parte de um pai obcecado em convertê-lo num “novo Mozart”. Tal ambição questionável, unida a um não menos perigoso carácter ligado ao alcoolismo, teve repercussões directas na vida pessoal, académica e social do jovem Beethoven, não apenas fazendo dele um rapaz introvertido e medroso, mas também um mau estudante demasiado cansado para ir à escola depois de passar as noites a praticar piano. Em todo o caso, sem justificar os meios que aperfeiçoaram o seu talento, a realidade é que com apenas sete anos, Beethoven já era capaz de dar recitais de piano que deixavam o público boquiaberto; entre eles, ao mesmo compositor e maestro Christian Gottlob Neefe, que ficou tão impressionado com a habilidade do pequeno Beethoven, que se interessou em guiar, enriquecer e aperfeiçoar a sua formação musical. Neefe era o melhor mestre de cravo da cidade de Colónia na época.

Assim, aos 10 anos abandonou a escola para dedicar-se inteiramente à música. Os seus progressos foram de tal forma notáveis que, em 1784, já era organista-assistente da Capela do Palácio Eleitoral em Bona, e pouco tempo depois, violoncelista na orquestra da corte e professor, assumindo a chefia da família, devido à doença do pai. O Conde Waldstein, um nobre de Bona, financiou-lhe uma viagem a Viena, em 1787, aos 17 anos de idade, para aprender com os melhores, de entre os quais com Mozart, que lhe previu um grande futuro e, mais tarde, com Haydn. O Arquiduque da Áustria, Maximiliano, subsidiou então os seus estudos. No entanto, pouco depois de chegar à “capital da música”, a sua mãe caiu gravemente doente e Beethoven teve que regressar a Bona.

Após a morte da sua mãe, o seu pai caiu numa profunda depressão que obrigou Beethoven a tomar a cargo os seus irmãos mais novos, tocando viola e dando aulas de piano. Por sorte, não teve que fazê-lo por muito tempo, pois o seu extraordinário talento era cada vez mais conhecido e eram várias as pessoas interessadas em financiar a sua completa dedicação à música. Em 1791, com apenas 21 anos, já desfrutava de prestígio junto da nobreza dessa cidade, que não dispensava a presença do músico nas suas festas.

Em 1792, Beethoven regressa a Viena, em definitivo, onde, fora algumas viagens, permaneceu o resto da vida. As cartas de apresentação que levava consigo abriram-lhe as portas da nobreza local. O Príncipe Karl Lichnowsky instalou-o no seu palácio e pagava-lhe uma pensão. Os recitais constituíam o divertimento predilecto da nobreza e as apresentações musicais limitavam-se quase a concertos nos palácios. Foi aí que teve o seu primeiro contacto com os ideais da Revolução Francesa, com o Iluminismo e com o movimento literário romântico alemão “Sturm und Drang”, do qual um dos seus melhores amigos, Friedrich Schiller, foi, juntamente com Johann Wolfgang von Goethe, dos líderes mais proeminentes, e que teria enorme influência em todos os sectores culturais na Alemanha.

Beethoven fez a sua primeira apresentação pública, delirantemente aplaudida, em 1795. Em 1796, apresentou-se em Praga e em Berlim, onde cumpriu um extenso programa para a corte imperial, do qual constavam as suas Duas Sonatas para Violoncelo, Opus 5, escritas especialmente para a ocasião. Em 1797, estava com 27 anos e um prestígio crescente que atraía alunos e convites para recitais, e que lhe proporcionava desafogo financeiro. Estudou também piano com Salieri, Foerster e Albrechtsberger, tornando-se um pianista virtuoso, cultivando admiradores, muitos dos quais da aristocracia. Afirmando uma sólida reputação como pianista, compôs as suas primeiras obras-primas, as três sonatas para piano Op. 2 (1794-1795), que mostravam já a sua forte personalidade.

Foi em Viena que lhe surgiram os primeiros sintomas da sua grande tragédia. Foi-lhe diagnosticada, por volta de 1796, aos 26 anos de idade, a congestão dos centros auditivos internos (que mais tarde o deixou surdo), o que lhe transtornou bastante o espírito, levando-o a isolar-se e a grandes depressões. Consultou vários médicos, inclusive o médico da corte de Viena.

Fez curativos, usou cornetas acústicas, realizou balneoterapia, mudou de ares, mas os seus ouvidos permaneciam tapados. Desesperado, entrou em profunda crise depressiva, pensando mesmo em suicidar-se.

Embora tenha feito muitas tentativas para se tratar, durante os anos seguintes a doença continuou a progredir e, aos 46 anos de idade (1816), estava praticamente surdo. Porém, ao contrário do que muitos pensam, Ludwig jamais perdeu a audição por completo, muito embora nos seus últimos anos de vida a tivesse perdido, condições que não o impediram de acompanhar uma apresentação musical ou de perceber nuances timbrísticas.

No entanto, o seu verdadeiro génio só foi realmente reconhecido com a publicação das suas Op. 7, Op. 10, e Op. 13, entre 1796 e 1799: a Quarta e Quinta sonatas para piano, em Mi Maior e Dó menor, respectivamente, Sexta e Sétima em Fá Maior e Ré Maior, respectivamente, e Oitava em Dó menor, op. 13, a famosa sonata “Pathétique”.

A Sonata para Piano Nº 8 em Dó menor, Op. 13 “Pathétique”, de Ludwig van Beethoven, foi publicada em 1799, embora tenha sido escrita no ano anterior, quando o compositor tinha 27 anos de idade. Beethoven dedicou esta obra ao seu amigo, o Príncipe Karl Lichnowsky. A obra foi designada “Grande sonate pathétique” pelo editor, impressionado com as sonoridades trágicas da obra.

Esta foi a primeira das sonatas para piano de Beethoven a alcançar o estatuto de cavalo de batalha. Beethoven abre esta composição em três andamentos, na tonalidade dramática de Dó menor (que mais tarde escolheria para a sua famosa Sinfonia Nº 5), com uma introdução lenta e meditativa – Grave – Allegro di molto e com brio, usando esse recurso pela primeira vez numa sonata. Aparentemente colocando uma questão, ou lutando para superar um dilema, a música busca resolução e alívio, que aparece na exposição propriamente dita, quando o andamento, impulsionado por oitavas tremulantes na mão esquerda, acelera, e o tema se transforma em enunciação profundamente ansiosa, introduzindo, mais uma vez, um humor questionador e incerto, sem excluir enunciados enérgicos, possivelmente indicando um desejo de transcender o sentimento de incerteza. Durante a breve secção de desenvolvimento, uma sensação de tensão dramática predomina, mas o tom geral muda na recapitulação, levando a uma coda, que fecha o andamento. O segundo andamento, Adagio cantabile, começa com uma melancolia calmante, lânguida e melancólica, de uma beleza outonal. Dominando todo o andamento, esse tema inicial eclipsa tanto o segundo tema moderado quanto o momento de tensão dramática na secção intermédia do andamento. O finale, Rondo (Allegro), é realmente o segundo Rondo na sonata, já que o andamento do meio possui as características estruturais dessa forma. Este andamento abre com um tema graciosamente eloquente acompanhado de figuras arpejadas tocadas pela mão esquerda. Embora o clima pareça brilhante, a música é tingida de melancolia, apesar do segundo tema lúdico. Seguindo a repetição e o desenvolvimento temático, o primeiro tema surge como simultaneamente mais ágil e mais delicado. Uma longa e brilhante coda completa o andamento.

Com esta sonata, principalmente com o seu primeiro andamento, Beethoven abriu as portas para o futuro – ninguém depois de ouvir essa obra – poderia fechar os olhos às possibilidades de expressão aqui apresentadas.

Sugestão de audição da obra:

Beethoven Piano Sonatas – Vol. 3
Sequeira Costa, piano
– Claudio Records, 1991/ No de catálogo: CB55732

24 Abr 2019

Efeméride | Centro Cultural assinala 20º aniversário com três espectáculos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Centro Cultural de Macau completa 20 anos e vai assinalar a efeméride com a apresentação de três espectáculos a realizar neste mês e no próximo. “Da música clássica e teatro de topo à dança contemporânea para toda a família, o CCM abre um novo ciclo com uma selecção internacional e regional de grandes produções e prestigiadas companhias”, aponta o organismo.

As festividades têm início no próximo dia 31 com um concerto levado a cabo pela Orquestra de Cleveland. Considerada “uma das melhores orquestras sinfónicas do mundo”, pela organização, o concerto no CCM vai contar com a direcção do maestro Franz Welser-Möst. Do repertório faz parte o Concerto para piano n.º 5 em Mi bemol maior, Op. 73 de Ludwig van Beethoven, popularmente conhecido como Concerto do Imperador, o último concerto para piano do compositor. Escrita entre 1809 e 1811 em Viena, a composição foi dedicada ao Arquiduque Rudolf, patrono de Beethoven. Além de Beethoven, o concerto integra ainda  a interpretação da Sinfonia N.º 3 de Prokofiev.

A orquestra vai contar com a colaboração de Daniil Trifonov como solista convidado, um pianista “prodígio formado no Instituto de Música de Cleveland e descrito como o mais espantoso pianista do nosso tempo”, aponta a organização.

 

Pinóquio em palco

Já nos dias 20 e 21 de Abril o Palco do Grande auditório do CCM vai dar lugar à marioneta mais famosa do mundo, o Pinóquio. O espectáculo homónimo junta dança e teatro e é concebido para ser apreciado por toda a família. O personagem da história clássica de Carlo Collodi volta a ganhar vida pela companhia britânica Jasmin Vardimon, através deste espectáculo “visualmente deslumbrante interpretado por um grande elenco de bailarinos” que vão dar vida à marioneta ao longo da sua metamorfose em que “o menino de madeira se transforma em humano”.

“O Pai” será a peça encenada pelo grupo de teatro “Repertório” oriundo da vizinha Hong Kong, que vai estar em palco de 26 a 28 de Abril. A peça que tem percorrido alguns dos mais prestigiados palcos internacionais traz a cena o humor negro do conto homónimo da autoria do francês Florian Zeller. “O Pai” é um homem de 80 anos que padece de Alzheimer e que vai perdendo gradualmente a memória e o contacto com a realidade. No principal papel vai estar o também director artístico da companhia, Fredric Mao.

13 Mar 2019