[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]IPÓLITO
Muito obrigado, Teseu! Decidiste justamente.
TESEU
Continuo a acreditar em Fedra, Hipólito! Mas estás certo quando referes os diferentes comprimentos do fio de espada. Aguardemos que Fedra chegue.
(algum silêncio e Fedra entra em cena)
FEDRA
Que desejas de mim, meu marido? (vê Hipólito e fica surpresa e contrariada) Que faz ele aqui, meu amor?
TESEU
Fedra, Hipólito lembrou-me os ensinamentos que eu mesmo lhe dei: podemos ajuizar erradamente, mas não podemos ajuizar negligentemente. Por isso, quero exigir de ambos o mesmo comprimento de espada: factos e palavras. Já sei da tua parte do relato, quero agora escutar a de Hipólito e que estejas presente, para contrariar com factos, se possível, ou argumentando acerca da mentira das palavras dele.
FEDRA
Minha parte? Agora aquilo que digo é a minha parte e não a verdade? Desde quando a minha palavra ficou no mesmo chão de um cão sem dono?
TESEU
Por muito que me custe, Fedra, este é o preceito, este é o modo justo de proceder em relação a algo tão grave.
FEDRA (furiosa)
Não me vou prestar a isto! E se queres saber, Teseu, não me importa se acreditas ou não em mim. Se preferes acreditar nele, acredita, e toma as providências necessárias a essa decisão, mas eu não vou ficar aqui, vou embora. (e sai)
HIPÓLITO
Não achas este comportamento estranho, Teseu?
TESEU
Deixemo-nos de hermenêuticas estéreis. Já escutei a parte dela, conta-me então agora a tua!
HIPÓLITO
Como tentei dizer-te antes, ainda nem o sol deu uma volta completa à Terra e Fedra estava no pequeno jardim do palácio tentando seduzir-me. Acabou mesmo por me dar um beijo na boca. Empurrei-a e fugi. Envergonhado com tudo.
TESEU
Envergonhado com o quê?
HIPÓLITO
Envergonhado com isso ter acontecido. Envergonhado por tudo. Por ti, por mim, por ela, por esta casa…
TESEU
Se o que dizes é verdade, então porque razão Fedra inventaria outra história, em que ela mesma sai prejudicada?
HIPÓLITO
Não vês, Teseu, que ainda que ela saia prejudicada, eu fico muito pior, nessa história que ela conta? Ela pode até acabar com o vosso casamento, mas acaba também com a minha vida.
TESEU
E por que razão ela quereria acabar com a tua vida, se tivesse acontecido aquilo que me contas? Por tê-la empurrado? Por tê-la rejeitado?
HIPÓLITO
Que sei eu do que pensa uma mulher, Teseu?
TESEU
Mas para quem não sabe, adiantas muitas conjecturas…
HIPÓLITO
Não são conjecturas, mas pura dedução.
TESEU
Pura dedução, disseste? Pura dedução? Pura dedução, Hipólito?
(desembainha a espada e rasga os intestinos de Hipólito; entra o coro de mulheres)
QUARTO ESTÁSIMO
CORO DE MULHERES
Pobre desgraçado, Hipólito!
Julgava estar protegido
Pela devoção a Ártemis,
Mas ninguém tem mais artimanhas
Do que a deusa Afrodite.
Contra ela nenhuma razão
Um dia irá ter efeito.
A intempérie duma paixão
Arrasará até amores;
De qualquer pai pelos seus filhos
Ou dum marido pela mulher.
Que mortal pode se defender
Deste tão poderoso ataque,
Se não arrancar os seus olhos?
É sempre por uma imagem
Que a história começa.
Também se conta que escutar
Pode ser mal de Afrodite.
Pois há palavras que não são
Nem neste mundo nem em outro,
Apenas mentira, ilusão.
Com uma palavra se morre,
Se Afrodite assim quiser.
CORIFEU
Como vós estais enganadas!
Fedra, a única culpada,
É bem pior do q’ Afrodite.
Digo: foi ela e só ela
Que destruiu a sua casa!
A deusa acendeu-lhe o corpo,
Mas não acende a todos nós?
E destes todos, quantos cedem
À tentação de continuar
Até que não haja mais volta?
Nenhum deus tem esse poder
De sem nossa ajuda nos matar.