VozesSopa de prédio Leocardo - 8 Set 2016 [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara o artigo desta semana pensei em falar na saída da Uber e na chegada “coincidente e oportuna” da sua irmã TaxiGo!, mas o assunto tem sido por demais escamoteado nas redes sociais e afins. Depois ponderei falar do tema dos uniformes da Escola Portuguesa de Macau, nomeadamente da polémica em torno da questão dos sapatos, mas isso requeria pesquisa para a qual me falta tempo, e sinceramente o assunto “cheira mal” – e nem é dos sapatos, uma vez que parece que ainda não estavam à venda, e a EPM já fazia finca-pé para que os alunos os usassem. Coisas de Macau. Assim no seguimento do artigo da semana passada, que versou sobre caixas de arroz, sopas de fitas e a escravatura a que o preço do imobiliário vetou a população, decidi debruçar-me esta semana sobre gastronomia. Nem de propósito, pois ainda na semana passada ficámos a saber que as futuramente renovadas Casas Museu da Taipa não vão ter um parque infantil – perdão, um “restaurante tipicamente português”. Isto apesar do entusiasmo inicial por parte de alguns (de alguém certamente, não sei ao certo quem), após ter sido prometido, “qué d’zer” que esse espaço seria um dos atractivos, “qué d’zer”, da zona do Largo do Carmo, agora pensada, “qué d’zer” para ser mais um, “qué d’zer”, pólo de atracção turística, “qué d’zer”. (Peço desculpa, mas agora quando falo de qualquer coisa relacionada com o Turismo, dá-me este tique de meter uns quantos “qué d’zer” no meio de cada frase. Se calhar pega-se). No fim de contas “mou ha”, não vai haver nada para ninguém, e se calhar até é melhor assim. É que no fundo este restaurante português ia ser apenas “Maizum” (podia muito bem ser esse o seu nome), e se a ideia era oferecer “algo especial e diferente”, tipo fadunchos ou algo que lhe valesse, a especialidade da casa seria “os olhos da cara”, a ser servida na altura de pagar a conta. E falando de contas, nunca se sabe se depois não acontecia a estes “lusitanos” o mesmo que aos outros da casa amarela aqui atrasado, e não eram corridos dali para fora à custa de algum pretexto economicista-empresarial, e o fado ia ser outro – o do costume, aliás. Pode-se dizer, portanto, que “estava escrito nas estrelas”. Era uma relação em que a moça ia acabar com magoar o cachopo, de tão castiça que leva de fama. O que eu propunha mesmo era um espaço que combinasse a vontade de comer com a fome da aquisição de suculenta posta do imobiliário. Um restaurante que necessitasse de dentes de leão, um estômago de ferro, e uma garganta bem larga para poderem passar alguns sapos. Não que os batráquios fizessem parte da ementa, pois essa seria, repito, algo completamente inédito, e que nem os chefes mais ousados da cozinha de fusão se atreveram a arriscar. Eis o “menu du jour” do restaurante…Sopa de Prédio! ENTRADAS Acabamentos sortidos: um “must”; estuque, tijolo, areia e pedaços de madeira dos acabamentos das habitações económicas de Macau. Seleccionado pelo próprio chefe, que foi “in loco” colher os ingredientes, com um firme pontapé numa esquina da sala-de-estar, garantindo assim não só os produtos mais frescos, mas também os mais amadurecidos. Au point! SOPA Sopa de Prédio: a especialidade da casa, e que também dá o nome ao restaurante. Não é o que se pode considerar uma sopa “enfarta-brutos”, ao contrário da sua congénere Sopa de Pedra, mas contém betão, tijolo e pedra escolhidos a dedo pelos operários mais brutos. PRATO PRINCIPAL Revestimenti con tutti: o nome em italiano não é por acaso, pois trata-se de um prato inspirado na transalpina lasagna. Uma argamassa servida em camadas de vigas e ripas de cimento pré-esforçado, “molto ai o dente”. Depois de algumas queixas de clientes que afirmam ter encontrado pedaços de caixas de esferovite tipo “ta bao” e garrafas de plástico vazias no seu “revestimenti”, o próprio chefe assegura a qualidade do betão, que assim é armado apenas, e não armado em parvo. SOBREMESA: Toucinho do chão: com escolha de soalho em azulejo, ou madeira de faia ou carvalho. A carta de vinhos inclui o afamado Chatêaux Dyrup, ou para quem prefere os vernizados, o Suvinil Reserva 2009. Não se aceita cartão de crédito, mas há uma tentadora oferta de um frasco de laxante na eventualidade de uma segunda hipoteca. Bon apétit!