COP30 – Êxito ou desaire?

A 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, promovida pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP), decorreu pela primeira vez num país de língua portuguesa, em plena Amazónia.

Há que salientar que o Brasil, país rico em petróleo, oitavo produtor mundial, teve a coragem de acolher a COP30. Os primeiros dias não foram muito animadores, tendo ocorrido várias manifestações populares, algumas promovidas por autóctones da Amazónia.

Houve mesmo um momento tenso quando um grupo de representantes do povo Munduruku, composto por indígenas da bacia do Amazonas, bloqueou a entrada das instalações da Conferência, obrigando a que centenas de delegados permanecessem algum tempo no exterior, sob calor tórrido. A principal motivação desta manifestação poder-se-á atribuir ao facto de este povo ter sido vítima do garimpo ilegal de ouro, da construção de hidroelétricas e de desflorestação. Apesar das medidas do atual governo do Brasil para a proibição da exploração ilegal de minerais, vários rios da bacia do Amazonas continuam poluídos devido a essa exploração. Embora a época dos grileiros1 já esteja em decadência, os autóctones da Amazónia continuam a ser alvo de práticas ilegais dos que tentam ocupar as terras que lhes foram atribuídas por lei.

Ocorreram outras manifestações com número significativo de participantes, entre as quais um desfile com mais de duas centenas de barcos com cerca de 5 000 participantes, na Baía de Guajará, onde confluem os rios Acará, Guamá e Moju. Os protestos, além de versarem as alterações climáticas, incidiram também sobre vários aspetos relacionados com a exploração de minerais, nomeadamente no que se refere aos empreendimentos promovidos pelo Canadá em países da América do Sul. Além das manifestações, a organização viu-se a braços com um incêndio num dos pavilhões da Zona Azul, área destinada a reuniões oficiais entre as delegações e conferências de imprensa. Desde a COP26 (Glasgow, 2021) que não se realizavam manifestações tão expressivas contra a brandura com que os governos lidam com a crise climática.

Não há dúvida que o presente governo do Brasil está empenhado na luta contra a desflorestação e outras práticas ilegais com fortes repercussões na emissão de gases de efeito de estufa (GEE), a principal causa, segundo o IPCC, das alterações climáticas. Contrariamente ao governo anterior, chefiado por um negacionista confesso, que recusou que a 25.ª Conferência das partes se realizasse no Brasil, quebrando compromisso anterior, o atual presidente empenhou-se em acolher a 30.ª COP. Há, no entanto, uma certa ambiguidade no sistema político brasileiro: enquanto o presidente puxa para um lado, frequentemente o Congresso Nacional puxa para outro. Foi o que aconteceu com o chamado “Projeto-Lei da Devastação”, também referenciado como Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Enquanto Lula da Silva esteve ideologicamente ao lado dos ambientalistas, vetando vários aspetos relacionados com a proteção ambiental desse projeto-lei, este voltou ao Congresso Nacional que anulou a maioria dos vetos, o que permite que vá avante a exploração petrolífera “offshore”, relativamente próxima da foz do rio Amazonas, o que poderá ter fortes implicações ambientais.

+++

A Conferência teve início a 10 e terminou em 22 de novembro, um dia depois da data prevista. O prolongamento deveu-se à incompatibilidade entre vários pontos de vista dos participantes sobre a declaração final. Como em conferências anteriores, houve graves discordâncias sobre o texto final, atendendo a que, para alguns, seria importante renovar (e reforçar) o que já havia sido acordado previamente no que se refere ao abandono dos combustíveis fósseis e, para outros, seria de camuflar essa recomendação. Infelizmente, foram estes últimos que impuseram a sua vontade, fazendo com que não se renovasse a recomendação expressa na COP 28 (Dubai, 2023) em que, pela primeira vez, se reconheceu oficialmente a necessidade do abandono dos combustíveis fósseis e de acelerar a transição energética. Os principais oponentes a essa referência, na declaração final, foram Arábia Saudita, Índia e Federação Russa. A União Europeia acabou por ceder após se assegurar que seriam respeitadas algumas das suas linhas vermelhas, nomeadamente inserir no texto final a menção sobre a necessidade da não ultrapassagem do aumento de 1,5 ºC do aquecimento global até ao fim do século XXI (em relação aos níveis pré-industriais) e o objetivo de triplicar o orçamento para a adaptação às alterações climáticas nos países em desenvolvimento

António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, dirigindo-se aos jornalistas durante a COP30, enfatizou que nenhum país pode combater a crise climática isoladamente, e que a Conferência demonstrou que o multilateralismo continua ativo.

Não se pode afirmar que se conseguiu alcançar o sucesso das COP21 e COP28, na primeira das quais (Paris, 2015) foi adotado o Acordo de Paris, tratado juridicamente vinculativo que envolveu a quase totalidade dos países do mundo, que se comprometeram fazer esforços para que o aumento do aquecimento global não ultrapassasse 2 °C, de preferência inferior a 1,5 °C, e proceder à elaboração das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (“Nationally Determined Contributions – NDCs2”), a serem atualizadas de cinco em cinco anos. No entanto, alguns avanços foram feitos no que se refere ao reconhecimento de que as principais vítimas das alterações climáticas são os que menos contribuíram para a degradação do clima. Foi, assim, aprovado o “Mecanismo de Ação de Belém para a Transição Justa”, que consta de uma iniciativa para que a transição energética se processe de maneira socialmente equitativa e inclusiva, tendo em linha de conta os direitos e meios de subsistência de trabalhadores, afrodescendentes, povos indígenas e comunidades vulneráveis. É como se tentasse compensar o facto de não se ter praticamente tocado nos interesses da indústria dos combustíveis fósseis.

Embora não fosse mencionado no texto final a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis, André Corrêa do Lago (Secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores), como presidente da COP30, na sua alocução final, e para apaziguar a deceção de muitos dos participantes, comprometeu-se criar dois roteiros: um para “travar e reverter a desflorestação e outro para a transição dos combustíveis fósseis de uma forma justa, ordenada e equitativa”.

Deram-se alguns passos importantes na luta contra as alterações climáticas, mas a ausência dos líderes dos três países maiores emissores de gases de efeito de estufa (China, EUA e Índia) não nos permite concluir que as recomendações da COP30 sejam integralmente cumpridas. Não se tratou de um êxito absoluto, mas também não devemos ser tão pessimistas a ponto de afirmar que se tratou de um desaire.


*Meteorologista

Grileiros – termo para designar os detentores de títulos de posse de propriedades, falsificados com recurso a excrementos de grilos para parecerem antigos.

Contribuições Nacionalmente Determinadas: são o principal instrumento através do qual os países que ratificaram o Acordo de Paris comunicam os compromissos assumidos no que se refere ao combate às alterações climáticas.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários