Estado do clima em 2022-2023 e sua evolução

Entre as muitas publicações produzidas pela Organização Meteorológica Mundial (agência especializada das Nações Unidas que trata do tempo, do clima e da água), sobressaem as que se referem à monitorização do clima e à sua evolução. Antes de tirar conclusões sobre essa evolução, o IPCC, órgão criado pela OMM e UNEP (United Nations Environment Programme), estuda em pormenor as características anuais do clima e tira conclusões sobre as alterações sofridas pelos valores médios dos parâmetros meteorológicos à escala global.

Com os resultados deste estudo a OMM tem vindo a publicar anualmente, desde 1993 até 2020, relatórios intitulados “WMO Statement on the State of the Global Climate” e, desde 2021, com o título “State of the Global Climate”. O mais recente consistiu no “State of the Global Climate in 2022”.

O clima é um sistema altamente complexo e, como tal, não é fácil o seu estudo. Para o monitorizar tem de se recorrer a milhões de dados referentes aos parâmetros meteorológicos medidos diariamente em estações meteorológicas padronizadas. Até há algumas dezenas de anos recorria-se a observadores meteorológicos para efetuar as leituras dos valores registados pelos instrumentos meteorológicos, nomeadamente da temperatura, pressão atmosférica, direção e velocidade do vento, humidade, visibilidade, etc.

As leituras eram feitas nas chamadas horas sinóticas principais (00:00, 06:00, 12:00 e 18:00 horas) e secundárias (03:00, 09:00, 15:00 e 21:00 horas). Desde que foi generalizado o uso de estações meteorológicas automáticas, a quantidade dos dados aumentou significativamente, o que permitiu a sua monitorização contínua.

Estes dados são transmitidos em tempo real para centros meteorológicos, onde são tratados. A principal vantagem das estações meteorológicas automáticas em relação às convencionais consiste no facto de poderem fornecer continuamente dados precisos e fiáveis, inclusive em locais remotos de difícil acesso, podendo ser programáveis para alertar as autoridades aquando da ocorrência de valores extremos. Com base nos dados recolhidos são traçadas cartas meteorológicas que traduzem as condições meteorológicas em vastas regiões.

Os centros meteorológicos mundiais, com base nestes dados, traçam as chamadas cartas sinóticas à escala global, onde se esquematiza o campo da pressão atmosférica referido a uma determinada hora sinótica com o recurso a linhas de igual pressão (isóbaras) e as localizações e intensidades dos vários centros de ação (depressões e anticiclones). Com recurso a modelos físico-matemáticos são elaboradas cartas de prognóstico nas quais se pode seguir a evolução espácio-temporal desses centros de ação, bem como a formação e evolução de outros sistemas de pressão, nomeadamente vales, cristas e colos1.

São também esquematizadas as chamadas frentes, que correspondem a zonas de separação de massas de ar com características diferentes. Estas cartas de prognóstico são válidas para intervalos de 12 ou 24 horas, estendendo-se por 5 ou mais dias, com base nas quais se podem fazer previsões cuja fiabilidade diminui à medida que o período de validade aumenta.

A análise da situação meteorológica, ou seja, do tempo, e a previsão da sua evolução cabe aos meteorologistas, que traduzem em linguagem clara as situações esquematizadas nas cartas de análise e de prognóstico. Compete, por sua vez, aos climatologistas, o estudo dos valores médios dos parâmetros meteorológicos referentes a períodos mais ou menos longos, de preferência no mínimo 30 anos, e a respetiva evolução.

O sistema climático reage a forçamentos externos, manifestando comportamentos que fazem lembrar a reação dos seres vivos a estímulos exteriores. O Professor José Pinto Peixoto (1912-1996), eminente meteorologista e climatologista conhecido mundialmente, referiu-se a esta analogia no livro de sua autoria Physics of Climate (conjuntamente com o meteorologista americano Abraham Oort), “the climate is always evolving and it must be regarded as a living entity”.

Infelizmente os conceitos de “tempo” e de “clima” são por vezes confundidos, não só por entidades oficiais, mas também por alguns meios de comunicação social. Não é raro usar-se a expressão “condições climatéricas” para justificar a interrupção ou impedimento de eventos ao ar livre, devido a ocorrências meteorológicas, como, por exemplo, chuva intensa, vento forte ou trovoada. Dever-se-ia usar a expressão “condições meteorológicas” (ou simplesmente “tempo” ou “estado do tempo”) nessas situações, na medida em que a expressão “condições climatéricas” se refere ao clima. No entanto, o termo “climatéricas” não seria o mais adequado, mas sim “climáticas”, na medida em que o primeiro destes termos é um galicismo que se pode confundir com “climactéricas”, que se refere ao “climactério”, período da vida em que ocorrem alterações significativas no organismo, como, por exemplo, a menopausa e a andropausa.

Além do cálculo dos valores médios e extremos dos parâmetros meteorológicos, a OMM recorre a 7 indicadores para proceder à monitorização das alterações climáticas: concentração de gases de efeito de estufa, temperatura, aumento do nível do mar, acidificação dos oceanos e energia por eles absorvida e armazenada (calor do oceano), gelo marinho e glaciares.

No relatório “State of the Global Climate 2022” sobressaem vários aspetos que põem as entidades governativas e o público em geral de sobreaviso, nomeadamente a alta probabilidade de aumento de frequência de fenómenos extremos, entre os quais secas, inundações, ondas de calor2 e fogos florestais.

É também evidenciado o facto de, apesar de um episódio extraordinariamente longo de La Niña (de setembro de 2020 a março de 2023), fenómeno a que corresponde a um certo arrefecimento do nosso planeta, a temperatura média à escala global nos últimos 8 anos (2015-2022) foi a mais alta registada. O nível do mar e o calor do oceano alcançaram valores recorde e o gelo do Oceano Glacial Antártico atingiu a menor extensão registada. Na Europa foram também alcançados recordes de degelo de glaciares.

Caso não tivesse ocorrido esse episódio de La Niña o aumento da temperatura média teria sido, provavelmente, ainda mais acentuado. Entretanto, o episódio atual do El Niño, iniciado há cerca de um mês, que poderá perdurar aproximadamente um ano ou mais, muito provavelmente contribuirá para um maior aquecimento nos próximos anos. É muito provável que as ondas de calor que estão a afetar a vastas regiões na Europa, América do Norte e Ásia estejam relacionadas com este fenómeno.

Os valores da temperatura máxima deste ano, em algumas regiões, aproximaram-se dos máximos até agora observados, e não seria de estranhar que se registassem recordes mundiais em várias regiões do globo nos próximos anos. Segundo o “Archive of Weather and Climate Extremes”, a temperatura mais alta registada foi em Furnace Creek, Death Valley, Califórnia, com 56,7 °C em 10 de julho de 1913. Na Europa continental o recorde foi de 48,8 °C, na Sicília, em 11 de agosto de 2021. Na Ásia foi de 53,9 °C, em Mitribah, no Kuwait, e em Turbat no Paquistão, respetivamente em 21 de julho de 2016 e 28 de maio de 2017. Os valores da temperatura máxima em Death Valley em 2020 e 2021 foram tão altos, que se decidiu retirar os sensores da estação meteorológica e enviá-los para que se realizassem testes num laboratório independente.

De acordo com uma declaração conjunta da OMM e do Copernicus3, o dia 6 de julho de 2023 foi caracterizado pela mais alta temperatura média global diária, ultrapassando o recorde que havia sido atingido em agosto de 2016, o que indicia o perigo de se estar prestes a atingir o limite de 1,5 ⁰C, estabelecido no acordo de Paris, para o aumento da temperatura média global até ao fim deste século.

Apesar de não querermos ser tão pessimistas como o nosso compatriota António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, não deixa de nos perturbar as suas palavras integradas num discurso proferido na sede da ONU, em 27 de julho deste ano: «The era of global warming has ended; the era of global boiling has arrived».

Segundo a OMM, diz-se que ocorre uma onda de calor quando durante pelo menos 6 dias consecutivos a temperatura máxima diária excede pelo menos 5 graus Celsius a temperatura máxima média durante o período em referência.

Copernicus consiste na componente de Observação da Terra do programa espacial da União Europeia, cujo objetivo de observar o nosso planeta e o seu ambiente para o benefício dos cidadãos europeus.

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