Via do MeioO Tranquilizante Caçador na Noite Fria de Gu Deqian Paulo Maia e Carmo - 26 Nov 2025 Xiao Yi (508-555), o imperador Yuan de Liang (552-555), mandou fazer um rolo de pinturas documentando, através dos retratos dos respectivos embaixadores, a quantidade de Estados vassalos que nas quatro direcções eram tributários do seu reino. Assim mostrando como eram diversas as faces e as vestimentas daqueles que viviam para lá das fronteiras. Com a passagem do tempo e os imprevistos das deslocações das cortes imperiais, esse rolo ter-se-á danificado mas durante a breve dinastia Tang do Sul (937-976) o seu terceiro e último imperador Li Yu (r. 961-976), que cultivava as artes do pincel descurando o governo do reino, ordenou que fosse feita, só a tinta, uma cópia. O uso da cópia como método permitiria a continuidade no tempo de ideias e percepções contrariando a fragilidade – dos limites da deterioração dos suportes e das próprias vidas dos autores. Ao pintor da corte em Jiankang (actual Nanquim, Jiangsu) escolhido para fazer essa Cópia dos convidados estrangeiros entrando na corte do imperador Yuan de Liang (Liang Yuandi fanke ruchao tu, no Museu do Palácio Nacional, em Taipé) são atribuídas outras duas pinturas que aludem de modos distintos à circulação e passagem de limites. No rolo vertical a tinta e cor sobre seda que lhe é atribuído, Lago de lotos e aves aquáticas, no Museu Nacional de Tóquio, está figurado o ciclo natural da flor de loto, desde o botão à flor até ao murchar das folhas e flores. Noutro rolo vertical designado Caçador de noite regressando a casa numa noite de neve (tinta e cor sobre seda, 114 x 61 cm, no Museu de Arte Aplicada de Francoforte, Angewandte Kunst, Frankfurt) vê-se a figura de um homem de aspecto zangado, para exprimir poderoso, de vestes requintadas para dizer que é nobre, com uma arma insólita, um tridente, de onde pendem dois animais mortos que podem ser dois arminhos. Vem caminhando na neve sob um penhasco acompanhado por um cão cuja coleira mais parece um colar. Na verdade essas figuras podem estar a contar outra história. Gu Deqian terá feito nessa pintura a reconhecível figura da religião popular e do daoísmo designada Erlang Shen, a «Divindade do segundo rapaz» com as suas vestes azuis de imortal, um cuidador e confiável protector, com o seu tridente sanchaji ou sanjian liangren qiang, «lança de três pontas de lâmina dupla» que xamãs manchus usavam para derrotar os espíritos maus que queriam atravessar a fronteira do outro Mundo. Aqueles que, como os arminhos (mustela erminea), eram vistos como errantes capazes de roubar e substituir as almas das pessoas. Erlang shen pode ver-se em várias representações, como aqui, acompanhado pelo cão preto xiaotian quan, o «uivante cão celestial». A neve vai derreter mas não haverá inundações porque Erlang shen não permitirá, no frio da noite o temível caçador é afinal uma figura de quietação.