Pequim | “Duas Sessões” arrancam hoje com foco na economia

O mês de Março é sinónimo de movimentações políticas em Pequim, com a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, que começa hoje, e a sessão da Assembleia Popular Nacional, que se inicia amanhã. Nas reuniões serão discutidas metas e planos políticos e económicos para este ano, sem esquecer a evolução do panorama internacional

 

Começa hoje mais uma sessão da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), em Pequim, enquanto que para amanhã está agendado o arranque da Assembleia Popular Nacional (APN). Os dois acontecimentos são os mais importantes do sistema político chinês, materializando o sistema de representatividade política do país, contando com a participação de delegações todas as províncias e regiões da China, incluindo as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong. A CCPPC tem, como o nome indica, um carácter consultivo, enquanto a APN é o mais importante órgão legislativo do país.

As chamadas “Duas Sessões”, com periodicidade anual, chamam a atenção de todo o mundo porque é nessa altura que o Governo chinês apresenta as suas metas económicas e principais medidas políticas para o resto do ano.

Segundo a agência estatal Xinhua, os dados relativos ao Produto Interno Bruto (PIB) do país é um dos pontos que mais atenção atrai, mas as “Duas Sessões” “também irão servir para lançar algumas luzes sobre a política externa da China, algo particularmente notável num cenário global turbulento e em rápida mudança”.

Até ao dia 11 de Março, data prevista para o encerramento dos trabalhos, definem-se objectivos, calendários e políticas essenciais, moldando “a direcção política do país” num “ambiente doméstico e global complexo e desafiante”, lê-se ainda na Xinhua.

Olhemos, então, para aquilo que poderemos esperar em matéria de valores do PIB. “À medida que a economia chinesa se orienta para o desenvolvimento de alta qualidade, o PIB não é a única medida da economia, mas continua a ser um indicador importante. Em 2024, a China atingiu o seu objectivo de crescimento económico de cerca de cinco por cento, graças, em grande parte, a uma série de medidas macroeconómicas significativas, introduzidas para compensar a pressão da recessão económica”, lê-se.

Esperam-se, assim, “políticas mais concretas para estimular a actividade económica”. Segundo a Xinhua, a “China deu já sinais de mudança na sua orientação macroeconómica”. “Na última Conferência Central do Trabalho Económico, em Dezembro, os responsáveis políticos comprometeram-se a aplicar políticas macroeconómicas mais proactivas em 2025”.

Foi decidido, assim, a adopção de uma “política monetária ‘moderadamente flexível’, o que representa um afastamento significativo da abordagem ‘prudente’ adoptada nos últimos 14 anos”, descreve a agência. Neste encontro foram ainda definidas “nove prioridades fundamentais”, sendo a primeira “o aumento do consumo”.

Desta forma, espera-se que, nas “Duas Sessões”, a “China dê ênfase à procura interna como principal prioridade económica”, sendo que, este ano, se espera “que as actualizações de equipamento em grande escala e os programas de troca de bens de consumo sejam promovidos com maior intensidade e num âmbito mais alargado”.

É indicado que “a China irá utilizar de forma activa a margem de manobra para um défice mais elevado e aumentar a emissão de obrigações especiais das administrações locais”, além de “continuar a emitir obrigações do tesouro especiais com maior prazo e aumentar os pagamentos de transferências do Governo Central para as administrações locais”. As “Duas Sessões” irão revelar mais detalhes neste sentido.

IA em destaque

Ainda no plano económico, a Xinhua descreve como o Presidente Xi Jinping sublinhou noutras ocasiões “as principais prioridades, como o apoio ao crescimento do sector privados”, “a aceleração do desenvolvimento da economia digital” e ainda o aprofundamento da abertura do país.

Os membros da APN “irão analisar o orçamento anual e o plano de desenvolvimento do Governo”, esperando-se ainda “propostas e sugestões relacionadas com a inteligência artificial (IA)”. Aliás, este é “um dos principais pontos de interesse para os observadores da China”, a par dos valores do PIB. Importa salientar que, neste campo, o país tem procurado marcar pontos e ganhar um crescente posicionamento no mercado com a criação da plataforma DeepSeek.

Segundo o jornal Global Times, empresas chinesas como a Tencent, Baidu e BYD integram a DeepSeek nos produtos e serviços que disponibilizam, sendo que “alguns governos locais também anunciaram colaborações com modelos IA da DeepSeek para melhoria dos serviços públicos”.

“Muitos planos relacionados com a IA mencionados em relatórios de trabalho dos governos provinciais [da China] centram-se na construção de plataformas de inovação, na promoção de uma integração mais profunda da indústria e na melhoria dos quadros políticos. É importante notar que a ascensão de plataformas como a DeepSeek reflecte o compromisso da China em assumir a liderança nos avanços tecnológicos e um maior foco estratégico no cultivo de talentos e na existência de um ambiente propício à inovação”, lê-se.

As “Duas Sessões” constituem ainda “uma plataforma crucial para legisladores e conselheiros políticos apresentarem sugestões e promoverem um amplo consenso sobre o desenvolvimento nacional” na área da IA, sendo que “alguns deles são executivos de empresas e investigadores de renome”.

PIB: a manutenção

Ainda no que diz respeito ao PIB chinês, uma análise de Neil Thomas e Jing Qiang, do Asia Society Policy Institute, defende que as “Duas Sessões” deverão revelar “uma agenda ainda mais em prol do crescimento do que em relação ao ano passado, com objectivos aproximados de cinco por cento para o crescimento do PIB, de quatro por cento para o rácio do défice fiscal no PIB e de dois por cento na inflação em termos de consumo”. “Deverão ser também introduzidas medidas para aumentar o consumo e encorajar o sector privado em matéria de inovação”, escrevem os autores.

A mesma análise do Asia Society Policy Institute destaca também as medidas económicas de prevenção e combate ao desemprego, um problema que tem afectado a economia chinesa nos últimos tempos.

“A China irá anunciar também os objectivos anuais para os novos postos de trabalho nas áreas urbanas e a taxa de desemprego urbano. No ano passado, Pequim fixou estes objectivos em 12 milhões de novos postos de trabalho e 5,5 por cento de taxa de desemprego, e os números deste ano serão provavelmente semelhantes”, é referido.

No que diz respeito ao consumo interno, pretende-se que a China seja, cada vez mais, “um hub para lançamento de produtos, turismo de Inverno e que tenha uma ‘economia de prata’ com foco na área da restauração para uma população mais idosa”. Ainda segundo a análise do Asia Society Policy Institute, “outras prioridades incluem reequilibrar as regulações de plataformas económicas, estimular a actividade económica nas pequenas cidades, uma maior integração na área da Grande Baía e expandir o investimento nas indústrias marítimas”.

Atenção ao investimento

As “Duas Sessões” decorrem com Donald Trump de regresso à Presidência dos Estados Unidos da América e certamente que esse ponto irá marcar a agenda externa das reuniões em Pequim ao longo da semana.

Mas ainda no tocante à economia, as autoridades chinesas vão procurar apresentar e discutir medidas que possam manter a atracção de investimento estrangeiro no país, após o lançamento do “Plano de Acção para a Estabilização do Investimento Estrangeiro”, no passado dia 19 de Fevereiro.

Verifica-se, aqui, uma “mudança estratégica na abordagem de Pequim, afastando-se dos benefícios fiscais e subsídios e dirigindo-se à liberalização de sectores específicos, à racionalização da regulamentação e incentivos ao re-investimento”, apontam os mesmos analistas.

Assim sendo, Pequim pretende “enquadrar as empresas estrangeiras no quadro regulamentar da China para as transformar em partes interessadas a longo prazo, tornando a expansão local mais atractiva do que a reafectação de capitais para outros mercados”. Os analistas esperam também que as “Duas Sessões” revelem políticas concretas nesse sentido.

Sam Hou Fai em Pequim

O Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, está em Pequim desde ontem para assistir à cerimónia de abertura da terceira sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional (APN), que decorre amanhã.

Sam Hou Fai estará na capital chinesa até quinta-feira desta semana. Segundo um comunicado do Gabinete de Comunicação Social, Sam Hou Fai será substituído pelo secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, que passa a exercer, interinamente, as funções de Chefe do Executivo.

Na 14ª APN será feita a revisão do relatório de trabalho do Governo e a análise ao relatório sobre a implementação do plano anual de desenvolvimento económico e social nacional para 2024. Na agenda inclui-se ainda a análise ao projecto de desenvolvimento económico e social nacional para este ano. Será também analisado o relatório sobre a implementação dos orçamentos central e locais para 2024, bem como os projectos de orçamentos central e local para 2025.

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