Perspectivas VozesA porta das estrelas (II) Jorge Rodrigues Simão - 26 Jun 2025 (Continuação da edição de 19 de Junho) Obviamente, não é certo que Trump tenha sucesso nesta complicada tarefa de dividir para reinar. Entretanto, é perfeitamente possível que um desses actores desenvolva modelos de IA ou outras invenções tão poderosas que não possam ser ignoradas, obrigando o presidente a cooptá-lo em detrimento de outra pessoa, com todas as consequências que isso acarreta. Um exemplo poderia ser a Microsoft, que em 2024 anunciou uma parceria com a Blackrock para fazer exactamente o que a Stargate deveria fazer, ou seja, lançar uma infra-estrutura física de IA. Já foram investidos trinta mil milhões e, este ano, serão adicionados outros oitenta mil milhões de dólares. Total são cento e dez mil milhões de dólares, dez a mais do que o portal das estrelas. Mas isso, para Trump, é um problema até certo ponto. Se as empresas competem para ganhar os seus favores e permanecem fiéis aos interesses americanos, tanto melhor. Os grandes nomes da tecnologia devem competir ferozmente entre si, produzindo inovação. Basta que não pensem que são mais importantes do que o presidente mesmo que talvez o sejam realmente. Na sua monumental “Sociologia”, Georg Simmel distinguia entre competição existencial em que está em jogo a vida dos contendores e competição orientada para o resultado em que importa é a consecução do objectivo. Enquanto este tipo de concorrência prevalecer entre os magnatas da tecnologia americana, o Manual Cencelli ou como partilhar o poder criado por Trump funcionará. Mas se alguém se sentir existencialmente ameaçado por outra pessoa, a situação poderá explodir. Estamos evidentemente em plena zona Elon Musk, campeão dos riscos existenciais. O fundador da SpaceX levou apenas algumas horas para reagir ao anúncio da Stargate. E, obviamente, fez no X, comentando secamente a publicação com a qual a OpenAi anunciava o nascimento do projecto afirmando que «Eles não têm dinheiro. A SoftBank tem menos de dez mil milhões de dólares, segundo fontes fidedignas». Ora, mesmo sem saber quais são as fontes fidedignas de Elon, os seus cálculos estão correctos. Se subtrairmos dos vinte e cinco mil milhões de dólares de liquidez que o fundo de Masa declarou no balanço de Setembro de 2024, os dezanove mil milhões de dólares que investirá na Stargate, restam cerca de seis mil milhões de dólares nas contas da SoftBank. Mas, como vimos, o problema não é esse. E certamente não é essa a dificuldade de Elon. O fundador da SpaceX ficou de facto surpreendido com a jogada de Trump, que depois de o ter usado durante toda a campanha eleitoral como imagem pública, o fez desaparecer das cenas que importam com excepção da polémica que se seguiu à sua suposta saudação romana. Acima de tudo, porém, o ex-chefe da Doge (deixou o governo Trump e o seu cargo no Doge, o órgão encarregado de reduzir os gastos do governo dos Estados Unidos e reduzir empregos) não tolera que o projecto Stargate seja construído em torno da OpenAi, empresa que Musk fundou em 2015 sem fins lucrativos e que lhe foi roubada por Altman, acusado por Elon de querer ganhar dinheiro desenvolvendo uma Inteligência Artificial Geral (AGI) capaz de destruir a humanidade. Em síntese clara de Musk, «A OpenAi é o mal». A situação é paradoxal. Trump, com quem Musk basicamente conviveu nos últimos três meses, despreza a IA de Elon e atribui a liderança operacional do maior projecto relacionado à IA da história americana àquele que, segundo o fundador da Tesla, não é simplesmente um concorrente, mas uma ameaça existencial à sobrevivência da humanidade. Consequência, um ex-representante do governo, como Musk, afirma publicamente que a Stargate é um projecto irrealista, incapaz de se financiar e liderado por pessoas malvadas prontas a «evocar o demónio da IA» para ganhar dinheiro. Nessa loucura, o presidente teve que se apressar em declarar que Elon está apenas um pouco agitado porque no projecto «há uma pessoa que ele odeia» e que, de qualquer forma, não há nada com que se preocupar porque «eu também odeio algumas pessoas». A resposta de Altman a Musk, também publicada no X, foi quase imediata «O que é bom para o país nem sempre é bom para as suas empresas. Mas espero que, no seu novo cargo, coloque sempre os Estados Unidos em primeiro lugar». O chefe da OpenAi demonstra conhecer Elon muito bem, porque acerta exactamente no ponto em que a América de Trump e o império de Musk podem tomar caminhos diferentes. Para o presidente, o governo deve apostar no desenvolvimento da IA sem qualquer tipo de preocupação ética, filosófica ou ambiental, porque o objectivo é tornar a América grande novamente ou, pelo menos, garantir que continue maior do que a China.