CCCM | Lançada edição bilingue de livro sobre Ciência Humana

A Ciência Humana, que visa “integrar todas as áreas do conhecimento humano”, foi tema de um livro de Maria Burguete e Lui Lam lançado em 2015. Agora chegou a edição bilingue de “Science Matters – Ciência Humana, Uma Perspectiva Unificada nas Humanidades e nas Ciências”, editada com apoio da Universidade de Macau. A obra foi apresentada na quarta-feira no Centro Científico e Cultural de Macau

 

Houve um tempo em que a filosofia era a base do conhecimento antes de surgirem outras áreas do saber. Porém, actualmente separam-se as ciências exactas das ciências humanas, a arte da filosofia, como áreas completamente distintas. Maria Burguete, cientista e presidente da Associação Science Matters, estabelecida em Portugal, lançou na quarta-feira o livro bilingue “Science Matters – Ciência Humana, Uma Perspectiva Unificada nas Humanidades e nas Ciências”, escrito com o cientista chinês Lui Lam. A obra procura demonstrar como todas as áreas do saber podem viver e conviver em conjunto, numa espécie de complementaridade, sem esquecer a filosofia.

O livro foi apresentado no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) e contou com o apoio de várias entidades, nomeadamente a Universidade de Macau e o Instituto Rocha Cabral.

Lançada pela primeira vez em 2015, a obra é agora editada numa versão bilingue, em português e chinês, a fim de juntar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Maria Burguete, doutorada em Histórias das Ciências na Alemanha e com formação de base em Bioquímica, e o cientista Lui Lam. É na Associação Science Matters, a que está ligado, desde 2018, o Centro Science Matters, em Cascais, que Maria Burguete dá cursos sobre o conceito de “Ciência Humana”, enquanto Lui Lam se dedica ao mesmo trabalho na China.

Na sessão de quarta-feira, Maria Burguete explicou que Ciência Humana, tradução para português do conceito “Science Matters”, pretende “integrar todas as áreas do conhecimento humano, incluindo ciências naturais, sociais e humanas, sob o paradigma científico”. Assim, “a ideia é que todos os aspectos relacionados com os seres humanos podem ser estudados cientificamente, rompendo com as tradicionais divisões entre as ciências naturais e humanas”, promovendo-se “a unificação de todo o conhecimento produzido pela espécie humana numa única multidisciplina”. Englobam-se, portanto, as áreas das humanidades e das artes com as ciências sociais, ou ainda as humanidades com as ciências médicas.

Segundo a autora, a Ciência Humana traz uma “visão unificadora do conhecimento”, sendo “uma nova multidisciplina que é como uma nova filosofia do século XXI”. Trata-se de uma “nova abordagem ao conhecimento, onde se reconhecem padrões comuns” a todas as áreas, explicou ainda.

Maria Burguete diz ter tido contacto com o conceito a partir das ideias do físico nuclear inglês Charles Percy Snow, que numa palestra em Cambridge, em 1959, apresentou a ideia das “duas culturas”, ou seja, uma separação entre as ciências exactas e as humanidades, como dois pólos opostos.

“A minha formação de base é em bioquímica e engenharia química. Portanto, estou muito ligada às ciências naturais. E houve uma altura em que C.P. Snow, quando era professor em Cambridge, deu uma conferência em que falou da existência de duas culturas. Isso foi um escândalo na altura, porque parecia que havia a cultura científica e as outras, e todos os que não estavam dentro dessa cultura científica sentiram-se atingidos. Ainda hoje há pessoas que dividem a área das letras das restantes, e isso tem de acabar.”

Para Maria Burguete, “não faz sentido criar barreiras”, porque “todas as áreas se complementam”. “Todas as áreas, de uma forma ou de outra, estão sujeitas a um paradigma muito semelhante de conhecimento. Como se forma, de onde vêm e para onde vão? Todas passam por estas etapas. Claro que as abordagens são diferentes, conforme se trate de literatura, artes ou química, mas continuam a ser áreas de desenvolvimento do saber”, acrescentou.

O papel da filosofia

O contacto de Maria Burguete com Lui Lam deu-se por altura do 20º Congresso Mundial da História da Ciência, que decorreu em Pequim em 2005. “Aí apresentei uma nova epistemologia, e o meu colega, que é físico, ficou encantado e veio ter comigo, propondo-me uma nova multidisciplina, porque disse acreditar, como eu, que o saber é transversal”, frisou ao HM.

De resto, esta obra bilingue nasce de um projecto editorial de seis volumes, sendo que esta edição é apenas o primeiro volume. As conferências promovidas por Maria Burguete e Lui Lam relacionadas com o tema da Ciência Humana arrancaram em 2007 e decorreram várias edições nos anos de 2009, 2011, 2013, 2015, 2017 e 2019. O que foi falado nessas conferências foi compilado em inglês, editando-se agora, no livro apresentado na quarta-feira.

A académica acredita que “tudo surgiu com a filosofia”, remetendo para o período da Antiguidade Clássica. “A filosofia foi o marco principal do conhecimento, e só depois as áreas do conhecimento começaram a divergir.”

Álvaro Rosa, macaense e docente do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, deixou no ar alguns dos temas que podem ser encontrados na obra, nomeadamente a história da ciência na China. “Para quem está interessado nos problemas da China, este livro ajuda-nos a compreender como a China encara e vê a história das ciências, e como é feita a comunicação da ciência” no país, disse.

“A China não é exactamente igual ao Ocidente, tem as suas características, e este livro ajuda-nos a compreender como a China vê essa e outras questões. É um livro que vale a pena ler, feito para mentes abertas, para que se possa discutir o conhecimento sem que haja um vocabulário ou abordagem demasiado técnicas”, acrescentou Álvaro Rosa.

Álvaro Rosa lançou o repto à audiência do CCCM com o exemplo de como é encarada a beleza ou a fealdade de algo. “Muitas vezes dizemos que gostos não se discutem. O cientista começa por classificar quais as coisas que são bonitas e feias e depois realiza um inquérito, começando a observar se há ou não fealdade, colocando tudo em categorias. Há uma abordagem completamente diferente daquela que é feita pelo humanista. Portanto, a ideia da Maria Burguete é abranger todos os temas relacionados com a humanidade dentro daquilo a que chamamos ciência, no sentido de como é que conseguimos colocar, dentro do mesmo chapéu, o estudo de todos os temas e a sua interpretação. Acho isso muito interessante”, apontou Álvaro Rosa.

“Uma perspectiva integrada”

Ana Cristina Alves, coordenadora do serviço educativo do CCCM e formada na área da filosofia chinesa e da cultura, defendeu que o livro de Maria Burguete e Lui Lam apresenta “uma perspectiva holística e integrada” do conhecimento.

“A filosofia ocidental olha para a filosofia chinesa como não sendo filosofia, encarando-a como pouco científica, porque não começa e não acaba na lógica”, disse, falando do exemplo da integração de conhecimentos existente na medicina tradicional chinesa.

“A medicina tradicional chinesa é toda apoiada na filosofia, o seu substracto é a filosofia. Quando não se tem essa perspectiva filosófica integrada e holística, o que se faz na medicina é receber os pacientes em cinco minutos e pronto. E o que é importante para um bom diagnóstico é perceber os males que afligem o paciente. Isso só é possível de uma perspectiva integrada”, apontou.

Neste sentido, Maria Burguete defendeu que um médico não deveria terminar a sua formação sem “ter pelo menos três anos de filosofia, porque tratar das pessoas não é apenas tratar o corpo fisicamente, mas também perceber a pessoa que está à sua frente”.

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