Paul French, escritor: À procura de Wallis Simpson na China

O Festival Literário Rota das Letras, que começa na sexta-feira, vai contar com a presença do escritor Paul French, que lançou no ano passado um novo livro biográfico, “Her Lotus Year”, que descreve a vivência de Wallis Simpson na China, antes de ser duquesa de Windsor. O autor britânico irá também falar sobre “Destination Macau”, um relato nostálgico e quase cinematográfico da história da cidade

 

Como chegou à história da experiência de vida de Wallis Simpson na China?

Vivi em Xangai durante muitos anos e muitos visitantes sabiam que Wallis Simpson tinha passado um tempo na cidade. Corriam rumores sobre o que tinha feito, e os visitantes queriam sempre saber se os boatos eram verdadeiros, como a ideia de que ela tinha aprendido técnicas sexuais esotéricas ou se tinha posado nua para fotografias. Também se falava que tinha pertencido a um grupo de contrabando de ópio, ou a um grupo de apostas que combinava corridas de cavalos. Para mim, como autor e especialista nas experiências de estrangeiros em Xangai na primeira metade do século XX, nada disto fazia sentido. Então pensei que esta era a altura ideal para descobrir realmente o que Wallis tinha feito na China. O facto de ela ter estado no país em 1924 e 1925, dois dos anos mais fascinantes da história da China moderna, ajudou bastante.

Como descreve a vida da duquesa no país durante aquele período político específico?

A China estava num caos total quando ela lá esteve, pois Puyi, o último imperador, tinha sido expulso da Cidade Proibida e ocorreram as maiores greves de sempre na história de Hong Kong. Além disso, registaram-se fracções políticas em Guangzhou, senhores da guerra a lutar em Xangai e no Norte da China. Esses foram também os anos mais húmidos de que há registo na China, com quebras de produção nas colheitas e a ocorrência de surtos de febre tifoide e cólera. Disparou o número de bandidos e piratas. Depois, em Março de 1925, morreu Sun Yat-sen, líder da revolução republicana de 1911, sem que tenha deixado um sucessor óbvio. Wallis deparou-se com tudo isto, pois ficou retida na ilha de Shamian, em Guangzhou, enquanto a cidade se debatia; em Xangai, viu cadáveres a serem trazidos para a cidade, vindos das batalhas dos senhores da guerra; viu vítimas de tifo e cólera em Tianjin; e tropas dos senhores da guerra a ameaçarem Pequim. Mas também se encontrava, em grande parte, numa bolha protectora estrangeira que a protegia dos soldados estrangeiros e da sua pele branca. Podia deleitar-se com a cultura e a estética da China, enquanto à sua volta o país inteiro ameaçava explodir.

Como era a personalidade de Wallis Simpson, figura controversa no contexto do casamento com o duque de Windsor?

É muito importante não confundir a Wallis de 1924 com a Wallis posterior, dos longos anos de exílio e controvérsia como Duquesa de Windsor. Em 1924, Wallis tinha apenas 28 anos, fugia de um marido fisicamente abusivo (o seu primeiro marido, Win Spencer, um comandante da marinha americana) e ainda não era particularmente sofisticada ou cosmopolita. Estas eram caraterísticas que aprenderia na China, misturando-se nas “colónias” [concessões] estrangeiras internacionais e boémias de Xangai e Pequim. De facto, foi em Pequim que se misturou pela primeira vez com embaixadores, políticos chineses de alto nível, oficiais militares de alta patente e estetas, e com eles aprendeu tudo, desde jogar bridge e apreciar jade até como se comportar na alta sociedade. Obviamente, isso foi útil uma década mais tarde, quando conheceu o Príncipe de Gales em Inglaterra. É certo que a Wallis posterior, a duquesa, é uma figura mais difícil de gostar. Talvez ela e o duque tenham tomado algumas más decisões políticas e feito algumas amizades, talvez Wallis se tenha tornado um pouco amarga por não ter sido aceite pela família real britânica. Mas o certo é que em 1924 era jovem, livre de um mau marido e estava num dos países mais fascinantes do mundo.

O que podem os leitores percepcionar desta figura e sobre a China daquele tempo, com “Her Lotus Year”?

A China em 1925 estava à beira de uma potencial explosão, pois todo o país poderia ter caído no caos total, dividindo-se em territórios do tamanho de Portugal geridos por senhores da guerra com exércitos privados, ou uma dinastia Qing ressurgente apoiada pelo Japão no Norte [da China], os republicanos no Sul e, claro, as potências estrangeiras – Inglaterra, América, França e Japão – que detinham terras chinesas como colónias. Em última análise, isso não aconteceu, mas ninguém sabia disso em 1925. A própria Wallis oscilou entre sentir-se incrivelmente confortável e feliz naquele que foi o seu “Ano de Lótus”, como a própria o descreveu, citando os soporíferos náufragos de Homero que nunca querem regressar a casa; e sentir-se aterrorizada com a violência dos senhores da guerra ou daqueles que eram contra estrangeiros.

Quais os maiores desafios, como escritor, no processo de investigação da história de Wallis?

Wallis tornou-se provavelmente a mulher mais fotografada e falada da história, mais do que Marilyn Monroe, mais do que até a Rainha Isabel II. Mas em 1924 ela não era famosa de todo. Por isso, deixou um rasto muito difícil de seguir. Escreveu as suas memórias, mas estas foram “desinfectadas”. Um grande problema foram também os rumores que o Governo britânico e os serviços secretos fizeram circular em 1936, numa tentativa de destruir a ideia de um casamento entre o Rei Eduardo VIII e Wallis. A tentativa falhou, pois ele abdicou do trono e eles casaram, mas esses rumores e insinuações sexuais, muitos deles racistas e misóginos, mantiveram-se até hoje, além de que continuam a ser regularmente reciclados na imprensa tabloide britânica e americana. Achei a verdadeira Wallis uma personagem muito mais simpática do que esperava, e espero que os leitores também sintam isso.

É convidado de mais uma edição do Rota das Letras. Como se sente por fazer parte do festival?

Adoro fazer parte do Festival Literário de Macau. Embora já tenha falado antes em Macau, nomeadamente na Livraria Portuguesa e outros locais, nunca tinha participado no festival. Estou ansioso por poder falar sobre Wallis Simpson e também sobre a minha nova colecção de ensaios sobre Macau, intitulada “Destination Macau”. Algumas histórias de Macau que me têm agradado ao longo dos anos, algumas delas apresentadas com um olhar mais inglês, por assim dizer, poderão interessar e serão uma novidade para o público local.

Livro | “Destination Macau”, a cidade entre “o imaginário e o real”

Paul French acaba de lançar o terceiro volume da colecção “Destination”, que teve edições sobre Xangai ou Pequim, e que agora se dedica a contar histórias da Macau antiga, um “lugar tão imaginário como real”, como descreve a sinopse da obra. A obra do autor britânico apresenta “a Macau dos artistas George Chinnery e George Smirnoff, dos escritores Deolinda da Conceição e Maurice Dekobra, até às fantasias da ‘Pulp Fiction’ e sonhos febris cinematográficos de Josef von Sternberg e Jean Delannoy”.

Não faltam ainda, escritas pela pena de Paul French, histórias em torno de figuras históricas como Pedro José Lobo e Ian Fleming, autor e criador de James Bond. É descrita a Macau do tempo da II Guerra Mundial, dos que “vieram para Macau em busca de ouro e os que procuravam refúgio da guerra”, sem esquecer “os combatentes que procuravam uma passagem secreta através da ‘neutra’ Macau”.

Paul French desvenda mistérios ou conta histórias esquecidas para muitos, como a ideia de que o Japão terá tentado comprar Macau em 1934 ou a pessoa que navegou com a rainha dos piratas de Macau, Lai Choi San. São, ao todo, 18 histórias “verdadeiras de pessoas fascinantes que viveram ou visitaram Macau nos séculos XIX e XX”.

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