China / ÁsiaVietname | Guerra comercial pode transformar região Hoje Macau - 21 Jan 2025 Reportagem de João Pimenta, da agência Lusa A uma hora de carro de Ho Chi Minh, a megametrópole no sul do Vietname, centenas de trabalhadores acorrem pela manhã às instalações do grupo brasileiro JBS, o maior processador de couro do mundo. Vestidos com uniformes azuis, os 750 operários distribuem-se rapidamente pelas 11 linhas de produção, dispostas ao longo de 35 mil metros quadrados, na cidade de Bien Hoa. As instalações no Vietname da JBS Couros, que tem sede em São Paulo, quase duplicaram de espaço em 2019, após um investimento de cinco milhões de dólares, mas Denis Almeida, gerente de vendas do grupo na Ásia, disse à agência Lusa que vão crescer muito mais nos próximos anos. “Hoje, fazemos por mês mais de meio milhão de metros quadrados de couro, que é já onze vezes mais do que quando compramos as instalações há dez anos. E estamos a montar mais uma linha para acrescentar 90 mil metros quadrados à produção este ano”, contou. “Estamos a crescer no Vietname ao ritmo da migração do fabrico de calçado e mobiliário da China”, acrescentou. O país do sudeste asiático foi um dos maiores beneficiários da guerra comercial lançada por Donald Trump contra a China, durante o seu primeiro mandato (2017-2021), à medida que várias multinacionais realocaram para ali as suas fábricas, visando evitar as taxas alfandegárias de 25 por cento impostas pelo republicano sobre centenas de milhares de milhões de dólares de produtos chineses. Passar de nível Os EUA absorvem agora quase 30 por cento das exportações vietnamitas, com o excedente do Vietname no comércio bilateral a fixar-se em 104 mil milhões de dólares, quase três vezes o valor de 38 mil milhões de dólares de 2017, quando Trump tomou posse. A Tailândia ocupa um distante segundo lugar na região, com um excedente comercial com os EUA de quase 41 mil milhões de dólares. No ano passado, Hanói e Washington, que travaram uma das mais sangrentas guerras do século XX (1955 – 1975), elevaram a sua relação para “parceria estratégica abrangente”, o nível máximo nas relações diplomáticas do Vietname. Joe Biden classificou o país asiático como “potência crítica no mundo e um termómetro nesta região vital”, e retirou ao país o rótulo de “manipulador cambial” imposto por Trump. A economia vietnamita expandiu-se 7,09 por cento, em 2024, em termos homólogos, segundo dados oficiais, superando o ritmo de 5,05 por cento alcançado em 2023. Em construção No horizonte da cidade de Ho Chi Minh, os esqueletos de aço de arranha-céus em construção e torres de escritório envidraçadas anunciam o nascimento de um novo Tigre Asiático – termo utilizado para Singapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan, que registaram um acelerado crescimento económico na segunda metade do século passado. Ao fim da tarde, milhares de motoretas entopem as ruas da cidade outrora designada Saigão, a capital do Vietname do Sul, aliado dos EUA durante a guerra. Tudo se serve ou se faz na rua – café, refeições ou barbearia – em cadeiras e mesas descartáveis, dispostas pelos becos, vielas e avenidas da metrópole de quase 10 milhões de habitantes, situada junto ao delta do Mekong, um dos mais longos rios do planeta. Com cerca de 110 milhões de pessoas e quase 70 por cento da população em idade activa (entre os 15 e os 64 anos), o Vietname posicionou-se como destino ideal para absorver indústrias de mão-de-obra intensiva: os salários dos operários duplicaram nos últimos dez anos, mas continuam a ser baixos, fixando-se em 350 dólares, em 2024. Mas Denis Almeida advertiu que o país é uma solução de curto a médio prazo. “O Vietname vai passar pelo mesmo processo de desenvolvimento de outros países da região”, previu. “Tem um dos sistemas de ensino mais avançados entre os países em desenvolvimento e rapidamente vai passar da produção intensiva para sectores de alto valor agregado”, notou. Os últimos resultados do PISA, uma das mais importantes organizações de classificação de estudantes do mundo, revelaram que as classificações médias das três disciplinas (matemática, leitura e ciências) dos estudantes vietnamitas ficaram em 34.º lugar entre 81 países, com uma pontuação de 468. O país assegurou o segundo lugar no Sudeste Asiático, logo a seguir a Singapura. “Daqui a 15 anos, o local desta fábrica será no Camboja, Bangladesh ou Paquistão”, previu.