Prós e contras da transição energética ou presos por ter cão e presos por não ter

Para quem segue com atenção os problemas associados às alterações climáticas, a transição energética é um assunto de primordial importância. É, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos decisores políticos, pois a tomada de decisões nesta área afeta a vida quotidiana dos cidadãos e é frequentemente motivo de protestos contra o custo de vida, em grande parte devido ao aumento dos preços dos combustíveis. Por vezes esse aumento não está relacionado com custo na origem, mas sim com a aplicação de taxas tendo em vista incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e promover a transição para uma economia mais sustentável e neutra em carbono.

Nos países democráticos a taxa de carbono é frequentemente tema de crítica por parte dos partidos da oposição. Quando um dos partidos alternantes nos governos das democracias sobe ao poder, recorre a esse tipo de taxas não só para o fim para que foram criadas, mas também para equilibrar as finanças do Estado. Quando na oposição, esses partidos voltam a criticar o aumento do preço dos combustíveis.

Sem dúvida que os combustíveis fósseis deram, desde meados do século XVIII, forte impulso ao progresso da humanidade. No entanto, passados pouco mais de 250 anos, desde o início da revolução industrial, é discutível que o balanço entre os benefícios do uso desses combustíveis e os prejuízos seja positivo. Os prós são muitos, mas os contras poderão ser mais significativos, considerando que a sua utilização tem sido a causa do aquecimento global e do aumento da poluição da atmosfera, dos recursos hídricos e dos oceanos, levando à degradação do ambiente, pondo em causa a sustentabilidade do nosso planeta.

Através da história da Terra, o sistema climático tem sofrido alterações significativas. Na realidade, durante muitos milhares de anos ocorreram vários períodos glaciais intercalados com períodos interglaciais, devido a vários fatores, tais como variações na inclinação do eixo da Terra, movimentos tectónicos, vulcanismo, variações do albedo (reflexão da radiação solar). Na transição dos períodos glaciais para os interglaciais a temperatura média do ar subiu alguns graus, mas essa transição demorou milhares de anos. A grande diferença entre as alterações que então ocorreram e as que estão a decorrer, consiste no facto que o aquecimento global estar a acontecer desde há menos de 300 anos, não restando dúvidas de que tal se deve ao aumento de concentração dos gases de efeito de estufa devido a causas antropogénicas.

Quanto mais quente está a atmosfera, maior quantidade de vapor de água pode conter, o que implica maior quantidade de precipitação em algumas regiões. Noutras regiões, a evaporação é mais intensa, o que é a causa de perda de humidade do solo, o que facilita períodos de seca mais longos e frequentes. Por outro lado, a circulação geral da atmosfera não distribui essa maior quantidade de vapor de água de maneira equilibrada. Estamos, na realidade, perante uma situação de extremos – excesso de água e água a menos.

Segundo o relatório da OMM “Estado dos Recursos Hídricos Globais” (“State of Global Water Resources”), os caudais dos grandes rios têm sofrido forte diminuição, o que implica redução da água disponível para as comunidades, agricultura e ecossistemas. Também os glaciares têm sofrido grande perda de massa. Tudo isto pode ser o reflexo do aquecimento global que continua a não abrandar. O ano transato, 2023, foi o mais quente à escala global, desde que há registos, e o segundo ano consecutivo em que os glaciares sofreram maior degelo. Foi também um ano de contrassensos, caracterizado por secas em extensas regiões e por inundações severas noutras. A transição de La Niña para El Niño contribuiu provavelmente para que tivessem ocorrido esses extremos hidrológicos.

Perante esta realidade, os governos estão a tomar consciência de que é necessária a aceleração da transição energética, de modo a diminuir as emissões dos GEE. No entanto, apesar do Protocolo de Quioto, do Acordo de Paris e das já 28 Conferências das Nações Unidas sobre o clima (COP), a concentração na atmosfera desses gases não deixa de aumentar. As medidas já tomadas e as que são imprescindíveis a breve trecho, não são populares. Os movimentos populistas, essencialmente negacionistas, estão a aproveitar o descontentamento das populações menos esclarecidas. Provavelmente o avanço da extrema-direita à escala mundial tem sido, e poderá continuar a ser, potenciado pela necessidade de acelerar a transição energética.

Esses movimentos aproveitam as legítimas preocupações dos cidadãos para propagandearem que as alterações climáticas são uma falácia e que, consequentemente, não é necessária a mudança de paradigma no que se refere aos combustíveis fósseis. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas 2023/2024, cerca de 25% dos países estão sob regimes com características que se podem classificar como populistas.

As Nações Unidas, através de algumas das suas agências especializadas e programas, tais como a Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization – WMO) e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP), continuam a insistir na necessidade de acelerar as medidas de mitigação das alterações climáticas e de adaptação a essas alterações. Mas as dificuldades são imensas. Os governos assinam acordos no sentido da redução dos GEE, mas, na realidade, continuam a autorizar novas explorações de petróleo. Também os atuais conflitos constituem obstáculos à transição energética, pondo em risco o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, cuja concretização tem em vista alcançar um mundo mais sustentável e próspero. Esses conflitos atuam como um travão à sustentabilidade. Outro obstáculo consiste nos danos colaterais inerentes à exploração de energias renováveis sobre a natureza, nomeadamente no que se refere à biodiversidade, agricultura, exploração florestal, paisagem, etc. Por exemplo, o impacto dos geradores eólicos sobre as aves, o abate de árvores ou a utilização de terrenos agrícolas para a instalação de painéis solares contribuem para a degradação do ambiente. Outro exemplo de interesses que se chocam consiste nas altas taxas impostas pela União Europeia aos veículos elétricos exportados pela China. Em princípio até seriam bem-vindos, atendendo a que são significativamente mais baratos, o que ajudaria na transição energética. Mas os interesses dos fabricantes europeus de veículos elétricos seriam seriamente afetados, pois a mão de obra europeia é muito mais cara, o que implicaria uma queda drástica no seu fabrico e, consequentemente, o despedimento de largos milhares de trabalhadores da indústria automóvel.

Por outro lado, as energias renováveis não são exploráveis ininterruptamente. Por exemplo, à noite não é possível a captação de energia solar; quando não há vento os geradores eólicos não funcionam; em situações de seca hidrológica a produção de energia hidroelétrica é escassa, etc. É, portanto, necessário o recurso a baterias. Estas, por sua vez, requerem para a sua fabricação minerais críticos, tais como lítio, cobalto, níquel, manganésio, grafite e terras raras, cuja extração e processamento podem implicar impactos ambientais significativos, com graves consequências sociais.

Em Portugal já há projetos de extração de lítio, nomeadamente o Projeto Barroso, no norte do país, que tem levantado grande oposição por parte da população, devido aos impactos ambientais.

Perante esta situação, os líderes políticos têm de decidir entre optar pela continuação da exploração dos combustíveis fósseis ou pela extração mineira dos minerais críticos. No primeiro caso, estarão em conflito com os movimentos ambientalistas e contribuindo para o aquecimento global, contrariando os compromissos assumidos em acordos internacionais (Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, etc.). No segundo caso, terão a oposição das populações, agricultores, e ainda dos ambientalistas. Ou seja, presos por ter cão e presos por não ter. Na China dir-se-ia “进退两难” (jìn tuì liǎng nán).

Meteorologista

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