Condições de trabalho

A semana passada, circularam em websites online várias publicações sobre as condições de trabalho em Hong Kong. A primeira assinalava que os habitantes de Hong Kong adoram trabalhar e, por isso, acabam por ficar sobrecarregados com horas extraordinárias. Alguns chegam a morrer devido ao excesso de trabalho, problema que ficou conhecido como “morte por trabalho em excesso”. Actualmente, Hong Kong ainda não tem legislação para regular este problema.

A julgar pelos dados estatísticos, nos cinco anos que medeiam entre 2018 e 2022, ocorreu no sector industrial de Hong Kong um total de 724 mortes causadas por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, cerca de um quarto das que ocorrerem no sector comercial e no sector de serviços. Em 2021 e em 2022, morreram mais trabalhadores no sector da segurança e da construção.

Outra das notícias teve origem na partilha online da experiência de uma trabalhadora. Depois de se mudar para o novo emprego, ficou muito satisfeita com as condições de trabalho porque podia sair a tempo e horas. Mas depois descobriu que outros colegas tinham de fazer horas extraordinárias e só podiam sair às 22.00h. Alguns dias mais tarde, o patrão chamou-a porque ela não estava a trabalhar até mais tarde, o que significava que não estava bem integrada.

A trabalhadora manifestou a sua perplexidade na publicação e perguntava: Porque é que ainda continuam na empresa e fazem horas extraordinárias de graça depois de completarem o vosso horário de trabalho? Muitos internautas responderam a esta publicação para manifestar o seu apoio à trabalhadora. Alguns deles chegaram a sugerir que ela se devia despedir.

A terceira publicação vinha de um trabalhador. Este homem disse que enquanto estava no estrangeiro, durante as férias, tinha recebido mensagens de trabalho enviadas pelo patrão, mas só as leu e não respondeu, precisamente porque estava de férias. Por causa disso, quando voltou à empresa, foi chamado pelo patrão que lhe disse que, embora estivesse de férias, deveria ter respondido às mensagens para que os colegas pudessem trabalhar. O empregado afirmou que, depois de verificar as mensagens, não lhe pareceram assuntos urgentes e que poderiam ser tratados pelos colegas e por isso não respondeu. Sem que tivesse esperado, o patrão acusou-o de incompetência. Na publicação, expressou a sua opinião sobre o assunto – “Será que competência significava estar em viagem durante as férias e responder às mensagens de trabalho simultaneamente?”

É fácil compreender a expressão “esgotamento pelo trabalho” que significa que as pessoas que se envolvem demasiado no trabalho podem vir a sofrer problemas físicos e fadiga mental que lhes afecta a saúde.

Porque é que este fenómeno é frequente em Hong Kong? Parte da justificação pode ter a sua origem na legislação laboral da cidade. Embora esta legislação tenha sido revista por diversas vezes desde a sua implementação em 1970, os princípios básicos permaneceram inalterados. A sociedade de Hong Kong da década de 70 do século passado, valorizava a auto-suficiência e a capacidade de “tomar conta de si próprio” por isso os benefícios para os trabalhadores não eram generosos. Com o desenvolvimento trazido pelos novos tempos, o ambiente de trabalho em Hong Kong e o estilo de vida das pessoas e as suas necessidades também mudaram. O Governo de Hong Kong esperava melhorar os benefícios laborais e reviu as leis do trabalho várias vezes. Não é difícil de perceber que se os trabalhadores tiverem mais benefícios os empregadores terão de pagar mais, o que pode facilmente provocar insatisfação no sector do patronato. Estamos a falar de medidas como o Fundo de Previdência Obrigatório, implementado em 2000 e a utilização antecipada do Fundo de Previdência Obrigatório para compensar pagamentos de serviços prolongados.

Outro motivo, que também representa um problema sério na sociedade de Hong Kong, é o preço elevado da habitação. O salário médio em Hong Kong é de cerca de 20,000 dólares de HK mensais. As informações que circulam na Internet mostram que depois de receber o salário, os hongkongers não podem comer, nem beber e, só depois de 20 anos, têm condições para comprar um apartamento.

Os elevados preços da habitação e a pressão da vida diária forçam as pessoas a trabalhar arduamente, por isso não é surpreendente que o trabalho em excesso ocorra frequentemente. Quanto à questão levantada pela trabalhadora que afirmava que na sua empresa as horas extraordinárias não eram pagas, o sistema jurídico da common law, em vigor em Hong Kong, tem precedentes claros que indicam que o trabalho extraordinário implica contribuição extraordinária para a empresa e que tem de ser pago. Portanto, o pagamento do trabalho extraordinário não é um assunto que se possa discutir. Do ponto de vista jurídico, mesmo que só se trabalhe um minuto para além do horário estabelecido, o empregado tem de ser devidamente compensado por esse tempo extra.

No entanto, na realidade, isso é realmente difícil de fazer. Tanto os empregadores como os trabalhadores compreendem que muitas tarefas não podem ser concluídas em horário comercial e que períodos curtos de trabalho extraordinário são inevitáveis.

Algumas empresas tentam resolver o problema do trabalho extraordinário estipulando que a primeira hora que os empregados trabalham após concluírem o seu horário normal não é considerada tempo extra. Embora esta norma esteja mais de acordo com a realidade, o empregado é pago por esse período adicional. Se o trabalhador não concordar, esta norma será dificilmente implementada. Ao mesmo tempo, este método tem o potencial para ser controverso.

Em relação às mensagens de trabalho referidas no terceiro ponto, não existe actualmente em Hong Kong legislação adequada para regular se os trabalhadores devem ou não responder às mensagens dos patrões fora do horário de trabalho. Anteriormente, nesta coluna, analisámos se deveria ser introduzida legislação para regular este assunto. Se os leitores estiverem interessados, podem reler os artigos anteriores, cujo conteúdos não voltaremos a repetir.

No seu todo, estas três publicações reflectem em certa medida as condições de trabalho em Hong Kong. A sobrecarga de trabalho nunca é positiva para os empregados nem para os empregadores. As questões do trabalho extraordinário e de responder a mensagens fora do horário de trabalho podem, em certa medida, ser resolvidas através de negociação. Só quando estes problemas foram devidamente resolvidos podem as condições de trabalho em Hong Kong ser melhoradas e os empregados e os empregadores mais beneficiados.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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