VozesO homo sapiens, as alterações climáticas e a biodiversidade Olavo Rasquinho - 4 Jun 2024 Durante a formação do universo, há cerca de 15 mil milhões de anos, e seu sequente desenvolvimento, um feliz acaso permitiu que o planeta que habitamos se encontrasse à distância perfeita de uma estrela, de tal modo que se criaram as condições necessárias à formação de vida. Estas condições ideais, que alguns designam por “Goldilocks conditions1”, são tão raras que ainda não foi possível detetar qualquer outro planeta com características semelhantes que permitissem a existência de seres vivos. A Terra está situada na galáxia Via Láctea, que é constituída por milhões de estrelas e planetas. Por outro lado, esta é um dos muitos milhões de galáxias que proliferam no universo, o que nos faz perguntar a nós próprios qual a razão de este nosso planeta ser o único habitável de que temos conhecimento. A este propósito, é de mencionar a estranheza manifestada por cosmólogos e outros cientistas pela aparente contradição entre a alta probabilidade da existência de civilizações extraterrestres e a inexistência de evidências da sua ocorrência (Paradoxo de Fermi2). Como é do conhecimento geral, o clima está em crise devido às atividades antropogénicas, nomeadamente no que se refere à injeção de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera, provenientes da utilização desenfreada de combustíveis fósseis. Além da atmosfera, também as outras componentes do sistema climático (litosfera, hidrosfera, biosfera e criosfera) são afetadas pelo aquecimento global. Uma das muitas consequências consiste na degradação acelerada da biosfera, com a diminuição drástica da biodiversidade. De acordo com o IPCC3, a degradação que o clima tem vindo a sofrer é consequência da atividade humana desde a revolução industrial. No entanto, a consequência nefasta da ação do homem sobre a natureza não se limita a este curto período de cerca de duas centenas e meia de anos. Desde há milhares de anos que o Homo sapiens contribui altamente para esse efeito e, à medida que a população mundial aumenta, maior será a ação destruidora sobre a natureza. A necessidade de campos para fins agrícolas, cidades mais vastas, construção de aeroportos, autoestradas e outras infraestruturas, implicam a destruição de ecossistemas e o consequente desaparecimento de numerosas espécies animais e vegetais. Note-se que há 12 mil anos a população mundial era cerca de metade da população atual de Portugal, no início do século XXI atingiu aproximadamente 6 mil milhões e, atualmente, já ultrapassou os 8 mil milhões. De acordo com projeções das Nações Unidas, em 2050 poderá atingir 9,7 milhares de milhões e, em 2100, cerca de 10,3 milhares de milhões. Nestas condições não há planeta que aguente! Segundo alguns cientistas, estamos no limiar da sexta extinção em massa, tendo já ocorrido, desde há cerca de 500 milhões de anos, cinco grandes extinções, as quais foram causadas por fenómenos naturais, nomeadamente impacto de meteoritos, intensa atividade vulcânica e mudanças climáticas causadas por fatores cósmicos. A grande diferença consiste no facto de a sexta extinção estar a decorrer num intervalo de tempo muito curto e por ser consequência das atividades do Homo sapiens, considerado o maior predador de todos os tempos, devido à superexploração de recursos naturais, poluição, introdução de espécies invasoras e alterações climáticas. Estes fatores combinados, juntamente com o aumento desenfreado da população humana, têm exercido uma pressão sem precedentes sobre os ecossistemas naturais. Segundo Noah Harari4, autor de “Sapiens: uma breve história da humanidade” o homo sapiens é o maior assassino ecológico em série. Ainda hoje, em alguns países, os humanos divertem-se abatendo indiscriminadamente animais, como acontece em plena Europa, nas Ilhas Faroé, onde, uma vez por ano, se concretiza uma verdadeira chacina de centenas de golfinhos e baleias-piloto. Foi notícia muito comentada o abate de 1428 golfinhos-de-focinho-branco e baleias-piloto, em 12 de setembro de 2021, nessas ilhas dinamarquesas. Os golfinhos são animais comprovadamente inteligentes que frequentemente interagem com navegadores, acompanhando-os nas suas viagens, fazendo acrobacias, como que a saudá-los. Continua amanhã *Meteorologista Referências: Goldilocks conditions” (em português “condições caracolinhos dourados”) é uma expressão que, quando referida a um planeta, exprime a ideia de que este está a uma distância ideal da estrela em torno da qual orbita, i.e., nem muito perto, nem muito longe. A expressão é inspirada na história infantil “Goldilocks and the Three Bears”, do autor inglês Robert Southey (1774-1843), pela primeira vez publicada em 1837. Nesta história, a personagem principal, uma menina com caracóis dourados, entre várias possibilidades de escolha, selecionava sempre o meio-termo. Entre 3 pratos de papa, um muito quente, outro morno e outro muito frio, optava pelo do meio. Perante três cadeiras, uma muito dura, outra muito macia e outra medianamente macia, preferia esta. Enrico Fermi – físico italo-americano (1901-1953). IPCC – órgão da ONU para a monitorização das alterações climáticas. Yuval Noah Harari – historiador, investigador e professor de História do Mundo (Universidade Hebraica de Jerusalém).