Fórum Macau | As “moderadas” ambições e o lado técnico do plano de acção

Terminada a sexta Conferência Ministerial do Fórum Macau, a académica Cátia Miriam Costa destaca as “questões técnicas” saídas do novo plano de acção e a “novidade considerável” que é a inclusão da Zona de Cooperação Aprofundada. Francisco José Leandro, da Universidade de Macau, entende que o plano é “moderadamente ambicioso”

 

Aquele que foi considerado um dos eventos políticos e diplomáticos mais importantes do ano no território, a Conferência Ministerial do Fórum Macau terminou na terça-feira com a apresentação de um novo plano de acção a implementar até 2027, sem esquecer os encontros com empresários dos países de língua portuguesa que trouxeram projectos e expectativas de maior cooperação.

Dois académicos analisaram o plano de acção saído da sexta conferência, a convite do HM, e entendem que traz algumas novidades, reforçando o papel de Macau como plataforma de comércio e serviços entre a China e os países de língua portuguesa.

Cátia Miriam Costa, académica ligada ao ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e aos assuntos relacionados com a China e Macau, considera que, no novo plano de acção do Fórum Macau, a China “elenca uma série de questões técnicas, como por exemplo, as questões fitossanitárias ou o estabelecimento de seguros de crédito, que são uma novidade”. Na óptica da académica, são temas mais específicos que “constituem de facto obstáculos à circulação de bens e serviços”. Verifica-se, portanto, “a entrada em domínios técnicos específicos no que respeita ao alargamento das relações comerciais e o reforço da ideia de cooperação e outras áreas económicas e sociais como a saúde, a agricultura, ensino e cultura”.

Dividido em seis áreas, o plano de acção começa por abordar o tópico “Cooperação no comércio e investimento”, onde se incluem as linhas mais técnicas abordadas pela académica.

A China diz-se “disposta a apoiar e facilitar a participação de empresas dos países de língua portuguesa” em feiras de negócios, nomeadamente a Exposição Internacional de Importação da China, Feira de Importação e Exportação da China, Feira Internacional de Comércio em Serviços da China e Exposição Económica e Comercial China–Países de Língua Portuguesa (Macau), “entre outras importantes convenções e exposições”.

Pretende-se também, da parte de Pequim, “prestar seguros de créditos à exportação” para empresas chinesas e lusófonas com foco em “sectores prioritários como infra-estruturas, energias e construção naval”.

A China quer também “prestar apoio financeiro ao comércio, ajudando as empresas chinesas para expandir as importações provenientes dos países de língua portuguesa”. Além disso, o Governo Central pretende “prestar medidas de facilitação em matéria de inspecção sanitária e fitossanitária dos produtos alimentares e agrícolas importados” do mundo lusófono, além de cumprir o objectivo de criar guias de comércio e de investimento entre a China e os países de língua portuguesa.

Uma “ligação directa”

Cátia Miriam Costa entende que a sexta Conferência Ministerial veio materializar ainda mais a visão da China sobre Macau, considerando-o “um território essencial para a cooperação com os países de língua portuguesa”. “Agora materializa essa plataforma com uma proposta de ligação directa à China continental”, frisou.

Uma das novidades do plano de acção apontadas por Cátia Miriam Costa prende-se com a “indicação da Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin como espaço para desenvolvimento dos projectos que unam a China e os países de língua portuguesa”. Trata-se de um ponto que “reflecte a questão financeira, mas também científica e tecnológica”, sendo “indicador da vontade de dinamizar esta zona de cooperação e alargar o diálogo entre a China e os países de língua portuguesa a Guangdong”. É sinal de que as autoridades de Pequim pretendem uma cooperação que vá “além de Macau e que se projecte para a China continental”.

A cooperação na Zona de Cooperação Aprofundada de Guangdong e Macau em Hengqin surge no sexto ponto do plano de acção, intitulado “Cooperação na Plataforma Macau”. Nele lê-se que a China pretende, nesta região, apoiar a construção de uma “plataforma de serviços financeiros” e o desenvolvimento do “mercado internacional de obrigações em renminbi e patacas”.

Pretende-se ainda, neste domínio, dar apoio nas áreas da cooperação científica e tecnológica, promovendo projectos que se desenvolvam tanto na China, como Macau e o universo lusófono, e que tenham “condições para ser implementados de forma prioritária na Zona de Cooperação Aprofundada”.

A ideia é também, via Hengqin, apoiar Macau “na construção de um mecanismo de cooperação no sector audiovisual” através do “diálogo de políticas” e no fomento de projectos em “co-produção, intercâmbio de programas, cooperação técnica e formação de quadros”.

Comércio e saúde

Para Francisco José Leandro, académico da Universidade de Macau, o plano de acção sintetiza-se no apoio aos sectores da agricultura e educação, investimento nas áreas dos serviços médicos e turismo, sem esquecer a aposta na cooperação e serviços financeiros “em torno da utilização do renminbi e no desenvolvimento do eixo Cantão-Hengqin-Macau”. Contudo, o académico ressalva a importância de aguardar pela “versão final [do plano de acção] para melhor análise e estudo”.

“Há um esforço da parte chinesa no apoio às suas exportações através do crédito, seguros e facilitação da inspecção sanitária”, acrescentou Francisco Leandro. O académico destaca também “o interesse em reforçar o apoio à formação de quadros nos países de língua portuguesa, designadamente nas áreas médicas e da saúde, de turismo, da linguística e do audiovisual”.

Em termos gerais, considera que “o plano estratégico de cooperação agora aprovado é moderadamente ambicioso e aposta na continuidade do desenvolvimento das relações entre a China e os países de língua portuguesa”.

Relativamente à área da saúde, o plano de acção contempla todo um capítulo destinado à “cooperação médica e sanitária”, com a China a admitir a vontade de aprofundar as parcerias “entre hospitais associados da China e dos países de língua portuguesa”, com a prestação de “consultas gratuitas ou realizando outros projectos médicos de curto prazo”.

Relativamente à medicina tradicional chinesa, a China pretende aumentar a formação de quadros qualificados nos países lusófonos através do estabelecimento de centros de medicina tradicional chinesa. Além disso, Pequim quer “enviar aos países de língua portuguesa da Ásia e de África equipas médicas integradas no total por 300 pessoas”.

O plano de acção inclui ainda a área da economia azul, domínio onde “os ministros concordaram em promover o estabelecimento de parcerias relacionadas com a economia azul entre a China e os países de língua portuguesa, por forma a estudar e elaborar planos sectoriais, bem como desenvolver projectos de cooperação sustentável” nesta área.

Destaque ainda para as promessas de cooperação na área das pequenas e médias empresas (PME), pretendendo-se, através do Fórum, “organizar actividades de intercâmbio” entre empresas chinesas e lusófonas. Além disso, os ministros “acordaram em aproveitar a plataforma de Macau para desenvolver a cooperação em matéria de incubação, parceria e promoção de startups”.

Ainda na área do desporto, pretende-se o “reforço do intercâmbio e cooperação ao nível de diversas modalidades desportivas entre países participantes”, além de se “promover a formação de treinadores e outros técnicos”.

Seis em vinte

A China estabeleceu a RAEM como plataforma para o reforço da cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa em 2003 e, nesse mesmo ano, criou o Fórum de Macau. O organismo integra, além de Macau e China, nove países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. A Guiné Equatorial foi o mais recente a aderir, à luz da adesão do país à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Cada país nomeia um delegado permanente em Macau, à excepção do Brasil que ainda não nomeou nenhum representante desde que o Fórum foi criado, mas que nesta sexta Conferência Ministerial expressou vontade de o fazer.

Tal foi revelado por Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, secretário executivo do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte brasileiro. Citado pela Lusa, este referiu não existir ainda qualquer decisão sobre um delegado permanente do Brasil no Fórum de Macau, mas indicou ser “um instrumento a considerar para fortalecer a relação” com o organismo.

Cinco conferências ministeriais foram realizadas em Macau em 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016, durante as quais foram aprovados Planos de Acção para a Cooperação Económica e Comercial. Inicialmente prevista para 2019, a sexta conferência ministerial foi adiada para Junho de 2020, mas com a pandemia da covid-19 acabou por não se realizar. Em 2022, houve apenas um curto evento online que culminou com a assinatura de uma declaração ministerial.

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