VozesAdeus La Niña, El Niño está a chegar Olavo Rasquinho - 1 Jun 2023 Desde há cerca de dois meses que os serviços meteorológicos e oceanográficos observam a tendência para o aumento da temperatura das águas superficiais na parte central e leste da região tropical do Oceano Pacífico. Baseado em observações e modelos, os meteorologistas estão a prever que este aquecimento se vai acentuar dentro de alguns meses, o que muito provavelmente dará origem a mais um episódio do El Niño. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, este fenómeno poderá induzir um aumento da temperatura média global, reforçando a tendência geral para o aquecimento inerente às alterações climáticas. Atualmente a temperatura da superfície dessa região do Pacífico está próxima dos valores médios, o que indica que está na fase neutra que se seguiu a um episódio de La Niña extraordinariamente longo, que teve início em setembro de 2020 e terminou em março de 2023. Este é o segundo episódio de La Niña mais longo, desde 1950, apenas ultrapassado pelo que ocorreu entre a primavera de 1970 e a primavera de 1973 (37 meses). Como é do conhecimento público mais atento, o El Niño é um fenómeno oceano-atmosférico que consiste no aquecimento da água superficial, em relação aos valores médios, na parte central e leste da região tropical do Oceano Pacífico. É assim designado porque a sua máxima intensidade ocorre estatisticamente próximo do Natal, referido nos países de língua espanhola por El Niño. Apesar desta denominação, que poderia gerar bons augúrios, este fenómeno tem como consequências, entre outras, a fuga de cardumes para águas mais frias, principalmente de anchovas, o que traz graves prejuízos aos pescadores peruanos. Contrariamente, La Niña corresponde a um período em que a temperatura superficial do oceano nessas mesmas regiões apresenta valores de alguns graus abaixo da média. O conjunto destes dois fenómenos e da fase neutra é designado nos meios científicos por “El Niño-Oscilação Sul” (El Niño-Southern Oscillation – ENSO), na medida em que, simultaneamente às variações da temperatura da água, ocorrem flutuações da pressão atmosférica à superfície entre as regiões leste e oeste do Pacífico Sul. Para caracterizar este fenómeno, foi criado o chamado “Índice de Oscilação Sul” (Southern Oscillation Index – SOI), que se obtém com base na comparação de anomalias da pressão atmosférica (desvios em relação aos valores médios) no Taiti e Darwin, respetivamente na Polinésia Francesa e Austrália. As três fases do ENSO afetam a circulação geral da atmosfera de maneira diferente, principalmente no que se refere à chamada célula de Walker, conforme se ilustra de maneira esquemática, segundo interpretação da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration dos Estado Unidos da América). Como se pode constatar, nas zonas mais quentes da superfície oceânica em que o ar húmido converge, ocorre movimento ascendente (convecção) e consequente formação de fortes camadas nebulosas e consequente pluviosidade. Por outro lado, nas zonas em que há movimento descendente (subsidência) o céu apresenta-se praticamente limpo. Esta interpretação da NOAA ajuda a compreender como o tempo se comporta conforme as fases do ENSO. Estas alterações propagam-se temporal e espacialmente, afetando regiões longínquas. O fenómeno ENSO enquadra-se num mecanismo designado por “teleconexões”, que consiste no facto de certos fenómenos que ocorrem na atmosfera ou no sistema atmosfera-oceanos provocarem alterações na circulação atmosférica, não só nas regiões em que ocorrem, mas também em regiões longínquas, causando fenómenos meteorológicos significativos como, por exemplo, precipitação severa em algumas regiões e secas noutras. Na fase neutra, os ventos alísios que sopram de leste para oeste (representados pela seta inferior da célula de Walker) arrastam a água superficial, aquecida pela radiação solar, para a parte oeste do Pacífico, provocando convergência à superfície nesta região, o que por sua vez causa movimentos verticais do ar húmido cujo vapor de água condensa dando origem a fortes camadas nebulosas. Durante os episódios El Niño verifica-se um enfraquecimento dos ventos alísios sobre a região, passando a componente predominante do vento a soprar de oeste para leste, muito mais fraca, o que reforça o aquecimento da superfície do mar, atendendo a que não há arrastamento da água superficial pelo vento, o que impede a sua substituição por água mais fria vinda de zonas mais profundas. A convergência à superfície, agora mais para leste, origina forte convecção no parte central e leste da região tropical do Pacífico. Durante La Niña, os ventos alísios intensificam provocando arrastamento da água superficial e consequente subida de águas profundas mais frias para a superfície, o que provoca transporte de nutrientes, dos quais se alimentam os peixes. Este fenómeno (substituição da água superficial, arrastada pelo vento, por água mais fria vinda de zonas mais profundas) designa-se por afloramento ou ressurgência (upwelling, em inglês). Pode-se considerar La Niña, que consiste no arrefecimento de alguns graus em relação à média, como o fenómeno inverso ao El Niño. Enquanto o El Niño dura cerca de 9 a 12 meses, os episódios de La Niña têm uma duração maior, entre de 1 e 3 anos. Ambos ocorrem alternadamente com periodicidade aproximada de 3 a 5 anos, separados pelas fases neutras. No Peru o El Niño é classificado como “moderado” quando a temperatura da água à superfície sofre um incremento até 1,7 °C, “forte” quando o aumento é entre 1,7 a 3 °C, e “extraordinário” quando é superior a 3 °C. No Brasil, entre outras consequências, provoca redução da pluviosidade no norte e leste da Amazónia, o que cria condições propícias à ocorrência de incêndios florestais, seca no sertão nordestino, e pluviosidade intensa no sul. Também por influência deste fenómeno climático ocorrem secas, por vezes severas, na Índia, Indonésia, África e Austrália. No Peru, Equador, oeste dos EUA e litoral da Colômbia ocorre forte precipitação dando frequentemente origem a inundações e deslizamentos de terras nas regiões montanhosas. Na Venezuela, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e interior da Colômbia as chuvas são escassas. Ainda por influência do El Niño, nos meses de dezembro a maio, na parte da Ásia onde a região de Macau está inserida, ocorre maior precipitação do que nas fases neutra e La Niña, e a probabilidade de ocorrência de ciclones tropicais em abril e maio é menor. Em anos de La Niña é provável a ocorrência de mais ciclones tropicais a afetar Macau do que em período neutro, e a monção de nordeste é em geral mais intensa de setembro a fevereiro, o que provoca tempo mais frio e menos chuvoso do que o normal. Quando ocorrem fenómenos atmosféricos gravosos como ciclones tropicais severos, secas, marés de tempestade, etc., há uma certa tendência para imputar as suas causas às alterações climáticas, o que frequentemente não corresponde à realidade. Os fenómenos ENSO têm causas naturais e integram-se no que se convencionou designar por “variabilidade climática”, que consiste em variações do estado médio do clima em períodos relativamente curtos como um mês, uma estação, um ou poucos anos. As alterações climáticas, cujas causas são atribuídas aos gases de efeito de estufa, resultam da atividade humana e consistem em variações estatisticamente significativas do estado médio do clima, que persistem durante muito mais tempo e abrangem regiões mais vastas. Meteorologista