Divisas | Yuan mais usado do que dólar em operações transfronteiriças

Pela primeira vez na história, a utilização da moeda chinesa ultrapassou a da divisa norte-americana nas transacções internacionais

 

A China realizou em Março, pela primeira vez, mais transacções transfronteiriças com a sua moeda do que com o dólar norte-americano, num novo marco nos planos de Pequim para reduzir a sua dependência da divisa norte-americana.

Segundo uma análise difundida ontem pela Bloomberg Intelligence, baseada em dados do Governo chinês, o uso do yuan neste tipo de operações atingiu o recorde histórico de 48 por cento, em Março, quando o uso do dólar nas transacções internacionais chinesas caiu para 47 por cento.

Em 2010, a China praticamente não utilizava o yuan para liquidar este tipo de transacções, utilizando quase exclusivamente o dólar. Estes dados são calculados com base no volume de todo o tipo de transacções transfronteiriças realizadas no país, incluindo a compra e venda de acções, através das ligações entre as praças financeiras da China Continental e de Hong Kong.

“O aumento do uso do yuan pode ser uma consequência natural da abertura pela China da sua conta de capital”, disse Stephen Chiu, analista de câmbio da Bloomberg. No entanto, a moeda chinesa ainda tem uma participação de apenas 2,3 por cento nos pagamentos globais, segundo dados do sistema internacional de pagamentos SWIFT.

A China tem tentado internacionalizar o yuan desde 2009, visando reduzir a dependência do dólar em acordos comerciais e de investimento e desafiar o papel da moeda norte-americana como a principal moeda de reserva do mundo. Esta questão tornou-se mais urgente à medida que fricções políticas e a prolongada guerra comercial e tecnológica entre Pequim e Washington resultaram na imposição de sanções contra várias entidades chinesas.

O debate sobre a fragmentação do mercado monetário e a diluição do domínio do dólar norte-americano foi renovado também pelas sanções impostas pelo Ocidente contra a Rússia. A China reforçou a cooperação com Moscovo, a nível de sistemas de pagamento, promovendo o uso do yuan nas trocas comerciais bilaterais.

O dólar é utilizado em 84,3 por cento das trocas comerciais a nível global, segundo dados recentes divulgados pelo jornal britânico Financial Times. Mas a participação do yuan mais do que duplicou desde a invasão da Ucrânia, de menos de 2 por cento para 4,5 por cento, reflectindo o maior uso da moeda chinesa no comércio com a Rússia.

Na terça-feira, o Conselho de Estado (Executivo) chinês reiterou a sua intenção de aumentar o uso do yuan para liquidar operações internacionalmente.

“A internacionalização do yuan está a acelerar à medida que outros países buscam uma moeda de pagamento alternativa para diversificar os riscos, já que a Reserva Federal [dos EUA] perdeu alguma credibilidade”, disse Chris Leung, economista do DBS Bank.

O especialista notou, no entanto, que o dólar norte-americano vai manter-se por muito tempo como a moeda de escolha mundial: “A participação do yuan nos pagamentos globais pode ser para sempre pequena”.

Ajuda brasileira

Este mês, o Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, atacou, em Xangai, o domínio do dólar norte-americano como moeda de reserva mundial e apelou para o uso de outras divisas na relação comercial entre Brasil e China.

“Eu todos os dias me pergunto por que motivo os países estão obrigados a fazer o seu comércio em dólar”, afirmou o chefe de Estado brasileiro, na sede do Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelo BRICS, o bloco de economias emergentes que junta Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “Nós precisamos de ter uma moeda que dê aos países um pouco mais de tranquilidade”, acrescentou.

Michael Pettis, professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim, escreveu então na sua conta oficial no Twitter que as afirmações de Lula são “palavras de político” e “não de quem conhece o balanço de pagamentos global”.

“Ele não percebe que o que importa não é a moeda em que o comércio brasileiro é denominado. Podem ser dólares, yuan, reais, euros ou até o ringgit da Malásia”, apontou. “O que importa são os activos em que os exportadores desejam acumular o produto das suas exportações”, afirmou.

Para os exportadores brasileiros acumularem o yuan nas suas trocas com a China, Pequim teria que executar reformas no sistema financeiro e monetário que são incompatíveis com o seu modelo de governação, apontou.
Pettis considerou que a “rigidez” do sistema financeiro da China, em contraste com o mercado de capitais “aberto” dos Estados Unidos, “impede o yuan de assumir maior predominância como moeda de reserva”.

“A China teria de abdicar do controlo sobre as contas correntes e de capital” e “aceitar um sistema de governação no qual as decisões de uma ampla gama de autoridades estariam sujeitas a um processo legal transparente e previsível”, para que o yuan pudesse, “pelo menos parcialmente”, ameaçar a posição do dólar, afirmou o académico, que vive no país asiático há duas décadas.

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