Grande Plano MancheteTurismo | Desafios e perspectivas do sector depois da crise pandémica Andreia Sofia Silva - 5 Fev 2023 Os números do turismo no Ano Novo Chinês foram animadores. Mas será que o sector retirou ilações dos três anos de crise, ou tudo continua na mesma? Especialistas ouvidos pelo HM dizem que continua a ser importante apostar no turismo sustentável, de qualidade e com mais e melhores infra-estruturas, além de ser fundamental atrair mão-de-obra estrangeira “Depois de atravessarmos o deserto, qualquer água é boa”. É desta forma que Bruno Simões, presidente da Associação de Reuniões, Incentivos e Eventos de Macau, descreve o regresso da economia e do turismo quase à normalidade. Os números de turistas que entraram em Macau durante o período do Ano Novo Chinês foram animadores, com o território a receber, numa semana, mais de 450 mil visitantes, enquanto o Aeroporto Internacional de Macau registou um aumento de passageiros na ordem dos 80 por cento. Por sua vez, as receitas brutas do jogo, relativas a Janeiro, registaram o valor mais alto desde o início da pandemia, de 11,6 mil milhões de patacas. Face a esta realidade, importa aferir se os sectores do turismo, hotelaria e restauração adaptaram os serviços disponibilizados aos turistas, ou se não foram feitas mudanças significativas ao nível operacional. Para Bruno Simões, há ainda pouca inovação da parte do Governo, apesar de ter decidido eliminar as restrições de combate à pandemia. “Continuamos com o que tínhamos, uma falta de visão. O Governo tem de ser mais ágil e pró-activo. A nível do IPIM [Instituto de Promoção do Comércio e Investimento], não passaram qualquer mudança ou política para o turismo de negócios. Continuamos com as promoções que tínhamos antes, com algumas novidades. O que falta em Macau é audácia, projectos que nos diferenciem. Não temos visto nada disso”, defendeu ao HM. O futuro revela-se promissor, mas é ainda cedo para definir grandes objectivos. Bruno Simões assegura que na área de organização de grandes eventos empresariais “ainda não aconteceu nada”. “Nem sequer estão a chegar os primeiros pedidos, pois a abertura foi muito recente. Teremos de esperar um mês ou dois para termos notícias positivas.” O responsável dá conta que, daqui para a frente, a economia vai ter de funcionar com uma menor aposta do jogo VIP e com um maior enfoque no entretenimento. Posição assumida pelo economista José Sales Marques, que acredita que a necessidade de diversificação foi a grande lição aprendida pelo sector. “Aprendemos que, de facto, há que diversificar não apenas a estrutura da actividade económica de Macau, oferecendo coisas diferentes, mas também os mercados. O Governo lançou algumas pistas e fez um esforço para que a procura pelo jogo e turismo de Macau consiga ir além do mercado chinês. Veremos de que forma todas essas ideias são concretizadas. É preciso uma política muito assertiva, de atracção desses novos mercados.” Sales Marques destaca a “resiliência” ganha pela economia local e por muitos operadores durante a pandemia, que levou à extinção de empresas estrutural e financeiramente mais fracas. “Os operadores económicos de Macau adquiriram resiliência e esse é um bom sinal. Mas o ser-se forte depende de como os negócios estão organizados e também da sorte, muitas das vezes. A economia de Macau mostrou bastante resiliência tendo em conta que somos um mercado muito pequenino”, adiantou o economista, que defende o regresso em força à contratação da mão-de-obra não residente, à qual “é preciso dar valor”. “Macau tem de proporcionar condições favoráveis para que essa mão-de-obra regresse. A mão-de-obra que vem para Macau, com raras excepções dos sectores não diferenciados, é especializada e semi-especializada, e o que aconteceu em Macau foi muito mau nesse aspecto. Temos de saber atrair novamente a confiança desses trabalhadores para que contribuam para a nossa economia.” Sustentabilidade precisa-se Glenn Mccartney, especialista em Turismo e docente da Universidade de Macau (UM), diz que é altura de pôr em prática algumas das questões que foram sendo exigidas nos últimos anos, quando o território registava um turismo em massa com possíveis consequências negativas para o património, ambiente e bem-estar social. “Os três anos da pandemia deram-nos uma oportunidade para pensar naquilo que iríamos fazer aquando da reabertura, como podemos oferecer um melhor turismo, com políticas mais sustentáveis. Temos de estar atentos aos próximos tempos, pois a covid não desapareceu, e os sectores do turismo e hotelaria têm de se manter resilientes.” “No passado, tínhamos turismo em massa, com muita gente no território, no limite da capacidade. Isso faz parte da responsabilidade corporativa das empresas, olhar para a protecção do meio ambiente. Estamos a voltar à normalidade e todos querem voltar aos números de 2019, mas gostaria de ver mais reflexão sobre esses pontos, embora entenda a urgência dos sectores económicos para a recuperação das perdas e para que haja mais clientes nas lojas e restaurantes”, adiantou ao HM. Os números do Ano Novo Chinês foram animadores, mas Glenn Mccartney acredita que “vai demorar algum tempo” até que o sector MICE, de exposições e convenções, “volte à normalidade”. “Estamos a virar a página, teremos dez anos com os novos contratos de jogo, teremos de ver como crescer os elementos não jogo, como é o caso do entretenimento e dos eventos. É preciso mais trabalho em termos do número de voos e infra-estruturas, para conseguirmos atrair mais turistas internacionais”, frisou. Mãos à obra Luís Herédia, presidente da Associação de Hotéis de Macau, diz que “houve alguma aprendizagem” com a crise que está gradualmente a chegar ao fim. “Houve a noção de que dependemos muito da mão-de-obra importada para conseguirmos dar resposta à procura que Macau atrai e que temos necessidade de manter os padrões de qualidade, que novo recrutamento implica formação adicional e específica. A noção que sabemos o que fazer e que temos de fazer bem e depressa”. Luís Herédia considera que não existe “necessidade de alterar o produto ou o tipo de serviço” disponibilizado ao turista, pois este procura Macau “pelo produto singular que tem para oferecer, a sua cultura, o património, a gastronomia e o entretenimento”. É nesta área que “há bastante a fazer”, pois “os grandes espectáculos fecharam e não havia um programa geral em curso, o que faz falta na cidade”. “A Direcção dos Serviços de Turismo deu alguma resposta com a organização de paradas e animações de rua, bem como o fogo de artifício, mas, em geral, o programa de entretenimento oferecido pelos diversos players de Macau precisa de mais tempo para ser refeito”, acrescentou. Mesmo com “expectativas animadoras” em relação aos próximos meses, Luís Herédia confessa que “há ainda bastante a fazer em vários sectores”, nomeadamente no que diz respeito aos transportes e acessos a Macau. “É preciso dar um melhor aproveitamento ao aeroporto, reabrir mais rotas aéreas, alargar os horários dos ferries, recrutar mais mão-de-obra em geral e fazer um reinvestimento ao nível da animação e do entretenimento.” É também essencial, segundo o dirigente associativo, “fazer uma aposta redobrada na formação, reactivar a promoção junto dos mercados geradores de turistas e fazer uma aposta no sector MICE”. Para que Macau regresse a 2019 é preciso “trabalhar no vector da qualidade, na reorganização dos acessos e dos transportes, fornecimentos e capacitarmos melhor os nossos recursos humanos, além de atrairmos grandes eventos MICE”. Os números registados no período do Ano Novo Chinês “foram importantes, mas é mais importante conseguir regenerar e melhorar o nosso produto turístico, apostar na qualidade e aumentar o tempo de permanência dos turistas”, concluiu Luís Herédia. Mais turistas Helena de Senna Fernandes, directora dos Serviços de Turismo (DST) disse esperar que Macau possa registar a média diária de 40 mil visitantes em 2023. Para Luís Herédia, esta é “uma estimativa relativamente animadora, que traria 14,6 milhões de visitantes a Macau este ano, cerca de 37 por cento comparando com 2019”. “É difícil prever o comportamento dos mercados e é necessária alguma cautela. Mas se conseguirmos oferecer um produto diversificado, de qualidade e atraente para diferentes mercados e segmentos, se estivermos munidos de recursos suficientes e capazes, seremos capazes de atrair turistas. Possivelmente, iremos atingir um maior número de visitantes a partir de meados deste ano.” Ainda sobre o período do Ano Novo Chinês, Luís Herédia diz que alguns hotéis registaram “quebras significativas de negócio”, tendo-se mantido a actividade mesmo com problemas em matéria de recursos humanos. “Há quase três anos que as taxas de ocupação se mantinham baixas, bem como os preços dos quartos, mas os hotéis mantiveram o negócio. Foram-se ajustando os recursos, dispensaram-se trabalhadores, em algumas áreas cerca de 30 por cento da mão de obra importada, mas manteve-se a actividade. Alguns hotéis sofreram quebras significativas de negócio, outros menos, dependendo da sua dimensão. Todos sofreram e levarão alguns anos para recuperar.”