Tao Yuanming – Três poemas

Tradução de Manuel Afonso Costa

 

No 11º mês do ano yi si.

Enfim! Regresso,
os campos e o quintal já devem estar cobertos de mato
porque não regressei mais cedo?
porque deixei que o corpo abusasse da alma?
é inútil ficar abatido, desiludido com a sorte
pois sei que se não há remédio para o passado,
é pelo menos possível tentar mudar o futuro
enfim, estou certo de que não perdi o rumo ainda
escolhi apenas o caminho errado,

o barco desliza protegido por uma brisa suave,
sinto-a através da roupa
interrogo quem passa para não me perder,
lamentando a indecisão matutina da luz
quando de repente vislumbro
sob uma luz crepuscular
a cabana, minha humilde morada
e logo desato a correr em viva excitação
o criado jovem, alegre vem ao meu encontro,
os meus filhos esperam-me na soleira da porta
os caminhos foram invadidos por ervas daninhas
e quase desapareceram
mas os pinheiros e os crisântemos estão intactos
de mãos dadas com as crianças entro em casa
onde me espera um jarro de vinho
na sala bebo um copo sozinho
ao ver as árvores e os campos alegra-se meu coração
apoiado no parapeito da janela que dá para sul
mastigo um desdém imenso pelo mundo
e deixo correr a felicidade
quem com pouco se contenta com pouco se satisfaz
ao longo dos dias por puro prazer passeio pelo jardim
a cancela continua fechada
de bengala na mão ando, passeio e descanso
de vez em quando levanto a cabeça e olho para longe
as nuvens aparecem e desaparecem, sem tréguas,
no cimo das montanhas
os pássaros invadidos pelo temor
sabem que é a altura de voltar a casa
a luz do Sol diminui, o pôr do Sol está breve
encosto-me, com melancolia, a um pinheiro solitário

agora sei que regressei ao lar
que tudo fiz para romper com o mundo,
ele e eu nunca nos demos bem
para quê alimentar ilusões? Não há nada a procurar
agrada-me mais uma boa conversa com a família e os amigos,
gozo o qin e os livros, são eles que curam as preocupações
quando a Primavera chega, os camponeses dão-me conselhos
é preciso trabalhar os campos a Oeste
às vezes dou uma volta numa pequena carroça
outras, remo um pouco na minha barca solitária
seguindo as águas mansas e serenas
ou penetrando ravinas profundas,
até ao inesperado de fontes silenciosas
é uma maravilha o mundo com tanta beleza
os ciclos inexoráveis da natureza
e comovo-me ao pensar que a minha vida
também se aproxima do fim, mas sem drama,

É tão pouco o tempo
que aos homens é dado sobre a terra,
enfim, é a vida! por quanto tempo ainda?
então sigamos apenas a voz do coração
a gente afadiga-se, a gente agita-se,
e onde é que isso nos leva!?
não tenho desejos de riqueza
e nem quero alcançar o céu
não quero mais que aproveitar os dias,
fazendo cera,
e andar por aí sozinho
a caminho dos cimos assobiando alegremente,
por margens de ribeiros de águas límpidas
ou mesmo fazendo poemas

sigo o curso das coisas até ao fim,
e se me regozijo com a ordem do céu
o que é que pode preocupar-me deveras?

Depois do incêndio a meio de Junho do ano wu sheng

A minha casinha de campo
ficava situada numa alameda afastada
foi por minha decisão que renunciei a mordomias
um dia em pleno Verão, levantou-se de súbito
um vento forte e violento,
as casas, rodeadas de árvores,
de repente ficaram em chamas
nem um só tecto, o fogo poupou

só o barco diante da casa ficou para nos abrigar
foi tão longa, tão longa essa noite
de um Outono inesperado
e a lua tão alta, tão alta e quase cheia
as árvores de fruto e os legumes
mal começavam a desabrochar,
assustados os pássaros não regressaram
no meio da noite, durante um breve espaço de tempo
fiquei de pé a contemplar a distância
com um golpe do olhar abracei os nove céus
desde criança, com os cabelos ainda em chinó
a minha pose já estava toda lá
e sem dar por isso já passei os quarenta

afinal o meu corpo segue o curso da natureza
mas o coração mantém-se livre e íntegro,
pois adamantina é a minha vocação
mais dura e resistente que uma pedra de jade
penso agora na época em que reinou Tung Hu ,
quando podíamos amontoar grão abundante
na borda dos campos
as pessoas, de barriga cheia,
viviam então sem medo
pela aurora, levantavam-se,
reentravam em casa para dormir ao anoitecer

uma vez que não nasci nesse tempo dourado,
não há nada a fazer
senão mesmo ir regar a horta.

Elogio da pobreza
Yuan An,
encurralado pela neve, recusou pedir ajuda
por orgulho

Mestre Chuan,
quando uma vez tentaram corrompê-lo,
nesse mesmo dia abandonou o emprego, …

afinal dorme-se quentinho no feno,
e respigar uns grãos silvestres dá para
um dia de comida

pode parecer duro e penoso, é verdade
mas eles não temiam
nem fome nem frio

pobreza e prosperidade podem ser inimigas,
mas como é o tao que decide,
nunca se preocuparam

a virtude de um reinava no seu país natal
a integridade do outro iluminava
a Passagem de Oeste

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