Sindicatos | Diploma aprovado sem consagração do direito à greve e negociação colectiva

Na discussão do direito dos trabalhadores consagrado na Lei Básica, os deputados ligados ao patronato pediram flexibilidade e houve até quem tivesse considerado que nada obrigava a que o direito fosse consagrado através de uma lei. Do lado laboral, pediu-se uma lei para regular o direito à greve e à negociação colectiva

 

Os deputados da Assembleia Legislativa aprovaram ontem a proposta do Governo para permitir a existência de sindicatos, uma obrigação que consta da Lei Básica, aprovada há quase 30 anos, mas que ainda não foi cumprida. No entanto, a discussão do diploma ficou marcada por pedidos, por parte de alguns deputados, para que se cumpra as outras obrigações do artigo 27.º da Lei Básica, como o reconhecimento do direito à greve.

José Pereira Coutinho foi um dos primeiros a intervir no debate, e acusou o Governo de nunca referir a obrigação de cumprir a Lei Básica na apresentação deste diploma. “Falamos sempre da Lei Básica, mas a nota justificativa não faz nenhuma referência ao artigo 27.º da Lei Básica. Não há uma única referencia à Lei Básica. Afinal qual é o rigor do Governo da RAEM no cumprimento da Lei Básica? Isto não reflecte a importância que atribuímos à Lei Básica”, começou por criticar o deputado ligado à Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM).

“Também não vemos neste diploma um direito à greve. Quando é que vão assegurar este direito? É um direito nuclear da Lei Básica. Quando vão apresentar uma proposta de lei para consagrar o direito à greve?”, questionou.

A ausência do direito à greve foi igualmente mencionada por Leong Sun Iok, da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), e por Ron Lam. Contudo, estes deixaram a esperança de que este seja um primeiro diploma, e que a sua revisão possa ser feita no futuro, a partir desta lei que definiram como “a primeira base” de trabalho.

Outra das críticas verbalizada pelos deputados, foi a ausência do direito à negociação colectiva, prevista nos acordos internacionais assinados por Macau, mas nunca aplicada.

E os direitos dos patrões?

Também os representantes do patronato na Assembleia Legislativa se mostraram insatisfeitos com algumas partes do diploma.

Ip Sio Kai, ligado aos empresários, desvalorizou o artigo 27.º da Lei Básica. “Não é só por haver um artigo na Lei Básica que temos de fazer uma lei sindical. Temos de discutir de forma prudente e ser pragmáticos”, afirmou durante a discussão. “Será que o facto de não haver uma lei sindical afecta a relação entre os patrões e os trabalhadores?”, perguntou e respondeu: “Não”, atirou.

Ip Sio Kai destacou também que a ausência de uma lei deste género permitiu que fossem estabelecidas na RAEM boas relações entre patrões e empregados. Este deputado mostrou-se ainda preocupado com a possibilidade de serem criados muitos sindicatos.

Por sua vez, Wang Sai Man, outro dos deputados eleitos de forma indirecta pelo sector empresarial, defendeu que a lei deveria proteger os direitos do patronato.

“Quando vimos que trabalhadores querem defender os seus direitos, estamos a falar de uma relação entre os trabalhadores e os empregadores. Mas não vemos os direitos dos empregadores, da parte patronal, a serem defendidos neste diploma”, afirmou.

Características de Macau

Face às questões e críticas dos deputados, o secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, não se comprometeu com qualquer lei para estipular a greve, nem o processo de negociação colectiva.

Pelo contrário, o secretário pareceu indicar que o Governo recusa seguir esse caminho e que esta lei foi feita a pensar nas especificidades do território. “Temos de criar uma lei sindical com características específicas de Macau”, defendeu. “É o nosso raciocínio”, acrescentou. “Esta é uma lei que resulta da nossa consulta pública de 40 dias e que cumpre com as exigências da Lei Básica”, atirou.

Lei Wai Nong destacou ainda o papel assumido pelo Governo, para manter a harmonia entre empregadores e trabalhadores. Por outro lado, elogiou o papel da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). “Ao longo dos anos, 93 por cento dos conflitos entre empregadores e trabalhadores foram resolvidos através da DSAL. Os restantes, cerca sete por cento, foram resolvidos pela via judicial”, indicou.

À 13.º tentativa, a proposta com vista à criação de sindicatos no território lei foi aprovada quase por unanimidade, com a excepção dos deputados da ATFPM, Pereira Coutinho e Che Sai Wang, que se abstiveram. “É uma lei muito insuficiente”, jutificou Che, em nome dos dois. Tradicionalmente, Kou Hoi In, presidente da AL, não vota a não ser que haja um empate, e ontem voltou a adoptar essa postura, pelo que não tomou uma posição.

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