A bola mundial rola sem direitos

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Obviamente, que hoje teria de vos falar do Mundial do Catar. Pelas mais diversas razões. A primeira de todas é a loucura que se viveu aqui por Portugal com o primeiro jogo da selecção nacional contra o Gana. O país parou. Os miúdos não foram às explicações, às aulas extras de desporto, aos cursos de ténis e muito menos aos treinos nas escolinhas de futebol.

Até na Assembleia da República os trabalhos do plenário foram suspensos para os deputados verem os golos de Portugal. Por acaso, o Ronaldo bateu mais um recorde na sua carreira fabulosa. Antes do apito inicial, Cristiano Ronaldo fazia parte de um lote restrito de cinco jogadores que tinham conseguido marcar, pelo menos, um golo em quatro Mundiais.

Mas na passada quinta-feira, com o golo apontado ao Gana, o capitão da selecção nacional superou Pelé, Uwe Seeler, Miroslav Klose e Lionel Messi e tornou-se no único a conseguir colocar a bola dentro da baliza em cinco Campeonatos do Mundo.

De bola, percebo pouco apesar de ter jogado futebol em miúdo, mas dá para vos dizer que o Mundial mobiliza todos os povos e o nosso Ronaldo continua a ser a maior atracção. Na madrugada de esta noite, em Macau, pelas três horas, lá vai acontecer mais uma emoção para todos os que vão assistir ao Uruguai-Portugal.

Pela minha parte, a bola rolou de outra forma. Comecei a ser logo na juventude molestado pela PIDE, polícia política da ditadura, senti o que era não poder escrever o que me apetecia e sobre liberdade, quando estava na conversa com uns quatro amigos junto à esquina de um prédio, logo éramos enfiados numa carrinha.

Onde quero chegar é aos tão badalados direitos humanos que durante toda a semana passada em tudo o que era comunicação social e Parlamento não se parou de ouvir cada um a defender a sua “camisola”. Vamos lá a ser sérios e a voltarmos atrás uns anos quando a FIFA decidiu “vender” o Mundial ao Catar. A corrupção foi enorme e atingiu as mais variadas personalidades europeias e americanas.

O Catar é um dos países mais ricos do mundo, se não o mais rico, e na luta gerada há muitas décadas com os Emirados Árabes Unidos e com a Arábia Saudita, o Catar quis mostrar por todas as formas que seria capaz de organizar um evento do mais alto nível mundial.

E nessa altura, todo o mundo sabia que no Catar os direitos humanos não existiam, que as mulheres eram, e são, umas escravas sem direito a nada, nem a opinar, quanto mais a fumar um cigarrito. Este Mundial de 2022 foi entregue a um reino que só tem dinheiro e ditadura e ninguém, ou muito poucos se pronunciaram ou manifestaram nas ruas das capitais mundiais contra a entrega do Mundial ao Catar.

Os ditadores fizeram o que quiseram durante 12 anos. Construíram uma cidade extravagante, deslumbrante, luxuosa e onde introduziram os estádios para a disputa do Mundial. Estádios, que é bom lembrar, são simplesmente cemitérios.

Na sua construção, os escravos da Coreia do Norte, da India, do Nepal, do Paquistão e até de Portugal, morreram aos milhares. Até se deram ao luxo de edificar um estádio, aquele onde jogou Portugal contra o Gana, constituído totalmente por contentores marítimos e que será completamente desmantelado no final do Mundial.

Os direitos humanos no Catar, ao fim e ao cabo, têm que se lhe diga. Naturalmente, que temos de criticar aquela ditadura e todo um procedimento que até proibiu beber cerveja nos estádios e que não admitiu braçadeiras dos capitães das equipas com o símbolo dos homossexuais.

A discussão em Portugal, neste aspecto, foi horrível. Uns, diziam que o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro não deviam deslocar-se ao Catar em protesto contra a falta de direitos humanos.

Outros, concordavam com a presença das mais altas figuras do Estado no Catar, simplesmente para dar apoio à selecção. Esta discussão oiço-a há décadas. Os direitos humanos são respeitados onde? Por mim, tenho a ideia de que onde existe uma polícia de choque já não podemos dizer que esse país cumpre os direitos humanos. Se se escreve um pouco além da inventada lei de imprensa, logo o tribunal trata da saúde ao escritor. E isso, não é incumprimento dos direitos humanos?

Por África fora, pelos vários Estados americanos, pela Alemanha ou Noruega, pela Indonésia ou Filipinas, pelo Japão ou China, pela Austrália podemos afirmar perentoriamente que os direitos humanos são cumpridos? Claro que não, todos o sabemos que na maioria do planeta, incluindo a Amazónia, não são cumpridos os direitos humanos. Mas, na semana passada em Portugal deu-se o ridículo de dar a entender que só o Catar era uma ditadura.

A bola está a rolar e todo o mundo está diante de um televisor a ver os jogos de futebol que emocionam e que dão alegria a milhões de pessoas. A única coisa que podemos afirmar, e que é incontestável, é que a bola mundial rola sem direitos…

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