Efeito dominó

Ilustração de Anabela Canas

Sempre achei de algum modo abismal e, como tal, infinitamente sedutor, o efeito que cada pequeno gesto natural ou premeditado, pode causar, em cadeia, numa quantidade de outras coisas desligadas entre si – ou na aparência – mas, por uma razão qualquer de momento, alinhadas com uma ponta ou um elo qualquer dessa cadeia de que tornam parte.

É uma subtil injecção de adrenalina, o simples pensar, temível, em exemplos de possibilidades que por uma ínfima fracção de segundo não se concretizaram ou por um pequeno gesto não intencional, se tornaram parte dessa cadeia ininterrupta, acontecem e desenham outras consequências e assim sucessivamente. Penso que é o factor de aleatoriedade, o que torna a possibilidade de este acaso particular, se dar, que torna este assunto abismal. E a noção da profunda e inultrapassável diferença, entre algo acontecer ou não acontecer.

O efeito determinante que pode ser a grande fronteira entre o nunca e o para sempre. À partida, o próprio momento gerador de vida humana, envolto em competição de células, esquecendo critérios de competência que tornam mais válidas umas do que outras, ou mais rápidas, ou mesmo que uma possa escolher a outra, como se pensa hoje, mas que visto à posteriori pode ser definido como acto de acaso do destino de alguém, futuro, tornado existente. A diferença, é que a vida e as suas intermináveis cadeias de causa-efeito, não tem somente vinte e oito peças.

É curioso o amor. Eu jogava – muito pequenina – com o avô e estas pedras aqui secretamente fechadas numa caixa de madeira antiga e encerada simplesmente pelas mãos. Uma e outras, feitas por ele. E jogava numa progressão de estruturas, em que simplesmente tentava prolongar igualando o sinal da pedra anterior. Similitudes. Igualar o igualável e prosseguir seguindo.

Ele nunca me ensinou que para ganhar um jogo é precisa a memória das mãos do adversário. Nunca fiz esse exercício e ainda hoje. Não sei se foi o bater de asas de uma libelinha, nessa Tóquio, assim, nos confins da infância.

Curiosamente, já nessa altura e desde sempre até hoje, desconfiava que as regras e os objectivos, não podiam ser tão simples como o simplesmente seguir e igualar. Com o meu pai jogava Damas, e mais animado o seu contrário a que chamávamos Ganha-Perde. Tentar perder a todo o custo, invertendo as regras. “Come, if you say my name”.

Uma canção – era assim quando já não recordo o resto? – talvez assim. Como no amor. Jogar para perder para o outro. Hoje, e porque mais do que conversar e tirar dúvidas de uma vida, sobretudo com quem já cá não está, vamos ao motor de busca e lemos, entendi finalmente o que no fundo sempre soube. As regras existem, ganhar e perder resulta de memória e de um raciocínio estratégico como nas cartas, para as quais sempre tive preguiça e pouca memória para jogar, com um sucesso que fosse mais do que sorte de principiante, como a que me levou a ganhar a minha primeira partida de xadrez, no final da adolescência, a uma amiga fanática do jogo e de uma cadela chamada Toscana, de colorido ruivo, como o dos montes nessa região em Itália.

A perplexidade dela gerou uma revolução bélica na sua mente e obviamente nunca mais lhe ganhei. Algo em mim rejeita a estratégia e sente a preguiça de memorizar o jogo que saiu, adivinhar à transparência o dos parceiros e antever as jogadas seguintes a partir das anteriores. Por isso também sou sempre a espectadora que faz mentalmente tricot, outro desporto de corredor solitário, em jogos de Mahjong de amigas.

Mas o amor tem coisas assim. Com o meu avô, a questão nunca foi a de ganhar ou perder. Passávamos o tempo. E assim, o que me ensinou, colocava em pé de igualdade sem resultados ambos os jogadores que éramos. O final era sempre como se tivessem acabado as pedras. Somente um acabava imediatamente antes do outro como no amor. Mas o que importa é que ambos acabem.

(Querido avô).
Também não me imagino a querer ganhar-lhe uma partida.

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