Tigres de papel

A presença de Nancy Pelosi em Taiwan poderia surpreender os mais ingénuos, na medida em que parece ser realizada à revelia do próprio presidente dos EUA. De facto, parece ridículo que, num momento em que estão envolvidos numa guerra na Ucrânia contra a Rússia, que os EUA façam esforços deliberados para provocar a China. Não somente ridículo mas um contra-senso. Lembramo-nos da aproximação a Pequim, efectuada por Nixon e Kissinger, num momento em que as relações com a URSS se agravavam. Como mandaria a lógica das relações internacionais.

O problema é que não estamos num momento em que a lógica pareça imperar, o que prenuncia um tempo especial, talvez catastrófico, em que um império perde o seu poder quase hegemónico para desembocarmos noutro tipo de equilíbrio planetário, agora constituído por diversos pólos de poder. Os EUA, não satisfeitos com a situação ucraniana e depois de uma retirada humilhante do Afeganistão, parecem apostados em fazer despoletar conflitos no Pacífico, onde a sua posição de força sofre constante reveses e onde a sua posição económica foi já ultrapassada.

A esmagadora maioria dos países do mundo está farta da retórica americana (democracia, direitos humanos, liberdade, blá, blá, blá…) que, uma vez posta em prática, unicamente resulta na expansão desenfreada de corporações e empresas que raramente trazem prosperidade (ou mesmo democracia) aos países em que se instalam, mas se limitam a extrair o máximo de lucros possível, sem qualquer respeito pelos “direitos humanos” que tanto apregoam e de que fazem bandeira, embora rasgada e humilhada pelos que a carregam e pagam menos de um dólar por dia aos seus trabalhadores.

A presença de Pelosi em Taipé tem toda a aparência de uma manobra desesperada de provocar a China, tentando passar-lhe o ónus da culpa, caso a situação venha a deteriorar-se. Os EUA sabem muito bem que a China nunca cederia nesta questão e também sabem que a colocação de material militar em Taiwan poderia ter uma resposta semelhante à colocação de mísseis chineses em Cuba. Ou pior. E, no entanto, continuam a provocar constantemente Pequim, com visitas, com a venda de equipamento militar, isto além de imporem a Taiwan , como reverso da “ajuda”, a compra de produtos nem sempre de qualidade garantida.

Por quê e para quê? Apesar dos estrebuchos de Biden, de facto, os EUA insistem em provocar a China. Sabida perdida a corrida para o futuro, o Império refila, o Império sofre convulsões internas, o Império arrisca a destruição global, o Império implode, e com ele corre-se o risco de arrastar para o abismo toda a civilização Ocidental. Ainda não satisfeitos de estarem por detrás de praticamente todas guerras depois de 1945, os EUA servem essencialmente o seu complexo militar-industrial privado, contra o qual o presidente Eisenhower havia debalde advertido.

Depois de uma guerra com a Rússia, através do proxy Ucrânia, querem agora os EUA uma guerra com a China através do proxy Taiwan? Parece que sim, parecem ser esses os passos do gigante americano, já que em termos económicos não consegue resistir ao imparável avanço de outros países.

Numa altura da Humanidade em que existe a possibilidade de haver comida para todos, medicina para todos, educação para todos, de limparmos o planeta de poluição, de travarmos as mudanças climáticas e explorarmos em conjunto o espaço, os seres humanos continuam a gastar recursos em guerras e outros conflitos que, no limite, não terão vencedor, apenas vencidos. Face às novas armas, às novas tecnologias, ao poder de destruição em massa, hoje somos todos tigres de papel.

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rui filipe torres
4 Ago 2022 08:06

Afinal escreves o mesmo que eu.