Discurso Sobre o Ritual, Parte VII

Xunzi 荀子 – Elementos de ética, visões do Caminho
Discurso Sobre o Ritual, Parte VII

O ritual assegura que os eventos felizes ou infelizes não se intrometem uns nos outros. Quando chega o momento em que temos de colocar gaze sobre o rosto de alguém e escutar a sua respiração, o ministro leal e o filho filial sabem que a doença da pessoa é muito grave. Ainda assim, não buscam peças de roupa para vestir o cadáver nem o colocam em câmara ardente. Choram e enchem-se de medo. Ainda assim, não deixam de esperar que, miraculosamente, a pessoa viva e não deixam de tentar manter a vida da pessoa. Só quando a pessoa morre deveras preparam o que é necessário.

Assim, mesmo as casas mais munificentes passam um dia antes da câmara ardente e três dias antes de prepararem as vestes de luto. Só então são enviados mensageiros a quem está longe; só então começam a trabalhar os responsáveis pelos vários artigos [funerários].

A câmara ardente deve durar, no máximo, não mais de setenta dias e, no mínimo, não menos de cinquenta. E porquê? Para que aqueles que estão longe possam vir; para que muitas necessidades possam ser supridas e para que muitos assuntos possam ser resolvidos. A lealdade expressa nisto é do mais alto grau. A regulação apropriada envolvida nisto é do mais alto nível. A boa forma patente nisto é do mais alto género.

Depois, quando a lua se levanta, recorre-se a adivinhação para determinar a data do enterro e, quando a lua se deita, recorre-se a adivinhação para determinar o lugar do enterro, só então se procedendo ao enterro. Seria possível realizar o funeral de forma proibida por yi [justiça]? Quem poderia impedir as coisas que são realizadas de acordo com yi? Assim, quando o funeral se realiza no terceiro mês, toma por aparência exterior a parafernália dos vivos para ornamentar os mortos. Porém, tal não acontece simplesmente por não se querer abrir mão dos mortos, mas ao invés para consolo dos vivos. E essa é a mais elevada expressão de yi em termos de saudade e memória.

A prática padrão dos ritos funerários é mudar a aparência do cadáver através da adição gradual de mais ornamentação, afastando-o gradualmente para cada vez mais longe e regressando lentamente à rotina dos dias. A forma como a morte funciona significa que se não ornamentarmos os mortos começaremos a sentir repugnância por eles e, sentindo repugnância, não sentiremos tristeza. Se os mantivermos por perto, a eles nos habituaremos, e, habituando-nos, nos cansaremos deles. Cansados deles, esqueceremos o nosso lugar e, esquecendo o nosso lugar, deixaremos de ser respeitosos. Quando perdemos o nosso senhor ou pai, mas os enterramos sem tristeza ou respeito, ficamos muito próximo de sermos animais. A pessoa exemplar tem vergonha disto e gradualmente adiciona mais ornamentação ao cadáver para eliminar qualquer repugnância; afasta o cadáver gradualmente para cada vez mais longe para demonstrar respeito; regressa lenta e gradualmente à rotina dos dias de modo a ajustar a sua vida com propriedade.

 

 

Nota

 

Xunzi (荀子, Mestre Xun; de seu nome Xun Kuang, 荀況) viveu no século III Antes da Era Comum (circa 310 ACE – 238 ACE). Filósofo confucionista, é considerado, juntamente com o próprio Confúcio e Mencius, como o terceiro expoente mais importante daquela corrente fundadora do pensamento e ética chineses. Todavia, como vários autores assinalam, Xunzi só muito recentemente obteve o devido reconhecimento no contexto do pensamento chinês, o que talvez se deva à sua rejeição da perspectiva de Mencius relativamente aos ensinamentos e doutrina de Mestre Kong. A versão agora apresentada baseia-se na tradução de Eric L. Hutton publicada pela Princeton University Press em 2016.

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