Timor-Leste | Protocolo e muitos VIP dominam cerimónias do 20.º aniversário

Celebram-se hoje 20 anos da restauração da independência do Estado timorense. Dili vestiu-se de gala para receber as várias delegações diplomáticas que acorreram à capital de Timor-Leste, com destaque para a presença de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente português encontrou-se com Xanana Gusmão e visitou o Cemitério de Santa Cruz, palco do massacre que despertou a comunidade internacional para as atrocidades cometidas pelo regime indonésio

 

Fotografia de António Cotrim, Lusa

A presença de delegações de dezenas de países e das principais individualidades do Estado timorense domina as celebrações do 20.º aniversário da restauração da independência, nos próximos dois dias, com uma extensa agenda.

As comemorações, que coincidem também com a investidura do novo Presidente, José Ramos-Horta, envolvem uma complexa máquina protocolar, com inúmeros eventos oficiais, reuniões bilaterais e multilaterais e visitas.

Os momentos mais importantes da investidura decorrem no recinto de Tasi Tolu, exactamente no mesmo local em que decorreram, em 20 de Maio de 2002, as cerimónias que assinalaram o nascimento do 192.º país do mundo.

As cerimónias oficiais do 20.º aniversário da restauração da independência começaram na quarta-feira, com uma missa, antes de um jantar de “despedida e reconhecimento” aos funcionários públicos e contratados da Presidência, com vários portugueses condecorados pelo Presidente cessante, Francisco Guterres Lú-Olo.

Na manhã de ontem foi inaugurado um memorial do 1.º Governo Constitucional no Palácio Nobre de Lahana. A agenda do Presidente terminou ontem com um banquete oferecido aos convidados que participaram na investidura do seu sucessor José Ramos-Horta e nas celebrações dos 20 anos da independência, que decorreu ao final do dia no recinto de Tasi Tolu.

As celebrações contam com a presença do Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, que chegou hoje a Dili às 06h (hora de Macau). Ontem, também chegou a comitiva do governador-geral australiano, David Hurley, entre representantes de outros países.

As cerimónias dos 20 anos da restauração da independência, por outro lado, começaram hoje às 08h30, na zona à frente do Palácio Presidencial, estando prevista, à tarde, uma sessão plenária no Parlamento Nacional que comemora o aniversário e onde participa, entre outros, Marcelo Rebelo de Sousa.

Corrupio diplomático

Desde o início da semana que Díli tem sentido uma azáfama que já não se via há vários anos, com delegações de diversos países e equipas avançadas das principais individualidades, incluindo o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, já no país.

Ontem, realizaram-se já vários encontros, tanto com responsáveis timorenses como entre delegações diplomáticas de vários países acreditadas em Timor-Leste, uma fatia das quais oriundas de Jacarta, de onde acompanham o país.

Mas um dos momentos mais simbólicos, foi o encontro entre o líder histórico timorense Xanana Gusmão e o Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, abraçaram-se efusivamente, trocando beijos no rosto, no início de um encontro entre ambos em Díli.

Xanana Gusmão deslocou-se ao hotel onde Marcelo Rebelo de Sousa está alojado para um encontro fora da agenda prevista em que entregou ao chefe de Estado português um tais timorense, o pano tradicional oferecido a convidados especiais e reconhecido como património imaterial pela UNESCO.

“Um tais especial para um amigo especial”, disse Xanana Gusmão, pedindo que o pano fosse pendurado “na sala principal” do Presidente português. “De um amigo muito especial. Especialíssimo”, respondeu Marcelo Rebelo de Sousa.

Depois, já sentados, Marcelo Rebelo de Sousa quis ‘entrevistar’ o líder timorense, questionando Xanana Gusmão sobre os 20 anos desde a restauração da independência de Timor-Leste e qual era a sua memória mais forte.

“A memória mais forte foi termos conseguido ultrapassar as cicatrizes da guerra. Depois do 20 de Maio, o estigma da guerra vivia ainda no espírito e no comportamento dos timorenses. Entrámos num ciclo de crises que criou quase 150 mil deslocados internos no jardim aqui ao lado”, disse, referindo-se aos confrontos e tensão política de 2006.

“Uma crise que dividiu os timorenses, com violência, queimaram casas, a matar-se e até membros das forças armadas mataram membros da polícia”, explicou Xanana Gusmão.

O líder histórico timorense disse que “depois de dois anos” foi possível resolver a crise levando o país “a adoptar o mote de adeus conflito, bem-vindo desenvolvimento”. “E aí é que se conseguiu uma unidade de pensamento, sobretudo em termos de que é necessário paz para o desenvolvimento”, afirmou.

Meridiano de sangue

O Presidente da República português visitou ontem o cemitério de Santa Cruz, em Díli, palco do massacre de 12 de Novembro de 1991, recordando que as imagens desse trágico acontecimento foram uma “faísca” no despertar das consciências internacionais.

“De repente, certo tipo de realidades, são uma espécie de faísca que despertam as consciências em Portugal e no mundo. O que se passou foi espantoso. Aquele povo que tinha a nossa solidariedade, mas estava muito isolado ao nível de grandes potências mundiais, acordou as opiniões públicas, povos de todo o mundo e os responsáveis desses povos”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

Acompanhado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, e pela vice-presidente da Assembleia da República portuguesa Edite Estrela, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de atravessar praticamente todo o cemitério para visitar a campa de Sebastião Gomes.

O jovem, de 18 anos, foi morto num ataque à igreja de Motael em Outubro de 1991, tendo sido num cortejo fúnebre em sua honra que milhares de jovens se concentraram em Santa Cruz, acabando por ser baleados por militares indonésios.

Mais de 200 pessoas morreram nesse dia e nos seguintes e a grande maioria dos corpos nunca foi recuperada, com Santa Cruz a tornar-se um dos principais símbolos da violência da ocupação indonésia que durou quase um quarto de século. “Quando aqui chegamos (…) temos uma emoção muito forte porque é ver o local onde tudo se passou e imaginamos como se terá passado e em condições dramáticas”, disse.

Um momento, considerou, em que se funde “religião, identidade nacional, espírito de independência e liberdade” na “procura de um cemitério para se fazer o último refúgio contra os invasores”.

“Todos os portugueses que tenham mais de 50 anos, porque isto se passou há mais de 31 anos, têm memória do que aqui se passou e nos chegou no dia seguinte. Para fugir, um punhado de timorenses teve que se refugiar num cemitério, no fim do fim do cemitério. O último e desesperado grito de defesa”, afirmou.

“Percebe-se bem o que foi a luta timorense para chegar ao que chegou contra todos os argumentos, toda a geopolítica, da localização geográfica, de estar em condições de isolamento no mundo. Apesar disso tudo resistiu, resistiu e venceu”, afirmou.

Importante testemunho

O chefe de Estado português referiu-se à importância das imagens, recolhidas pelo jornalista Max Stahl, considerando que sem elas o processo até à independência poderia ter sido mais demorado ainda.

“Com o que sabemos hoje do povo timorense sabemos que chegaria sempre à independência, mas quanto tempo mais não demoraria. Mesmo assim foram mais oito anos até ao referendo, 11 até à independência”, disse.

“O que não seria necessário de resistência, mortes, sacrifícios, prisões de dominação sobre uma cultura e identidade nacional muito forte”, sublinhou.

Um dos momentos mais fortes das imagens de Stahl, pelo menos para Portugal, foi o facto de sobreviventes se terem juntado na pequena capela do cemitério, começando a rezar em português, língua que se tornou da resistência.

“Lembro-me perfeitamente. É uma mistura muito identitária, fortíssima, identitária e de história, de cultura, de tradição nacional e de componente religiosa e naturalmente depois de afirmação em língua portuguesa uma maneira de rejeitar a língua do invasor, a imposição cultural do invasor”, considerou.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou o “respeito, admiração, a coragem” do povo de Timor-Leste, referindo que o apoio dado por Portugal durante a ocupação indonésia, e desde então, pode ter servido como alguma “redenção” de alguns aspectos que “não correram bem no processo de descolonização”.

“Uma espécie de redenção, ao menos parcial, do nosso país e do nosso povo quando, compreendendo os erros cometidos, alinha ao lado do povo timorense, sem uma dúvida, sem uma hesitação, se bate pela causa timorense, talvez a única causa que teve o apoio de 100 por cento dos portugueses em tantos anos de democracia”, considerou.

Em particular, disse, ajudando a convencer a comunidade internacional a agir, para que a Indonésia renunciasse a “violentar o povo timorense”.

“Aquilo que se fez nesse período, nesses 25 anos, no período de transição para a independência e depois no apoio a seguir, explica talvez porque é que o povo timorense tem uma relação tão doce, tão fraternal e apesar de tudo grata em relação em Portugal”, afirmou.

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