Caos nos hospitais

Os amigos leitores que me acompanham há mais de um ano devem estar lembrados do que escrevi não há muito tempo sobre a situação dos médicos em Portugal. Afinal, o caso é muito pior. A situação está caótica e os hospitais pelo país fora, bem como os centros de saúde, estão a rebentar pelas costuras. A falta de médicos e a falta de condições para trabalhar é algo de gravíssimo. No Hospital de São Bernardo, em Setúbal, o director clínico tinha-se demitido por falta de condições para trabalhar e logo 87 médicos pediram a demissão por solidariedade. A situação em Setúbal é dramática e o hospital já não tem condições para servir a população. As queixas estendem-se a vários serviços e unidades. Na anestesiologia, por exemplo, só há 50 por cento das salas a funcionar e não há um número suficiente de anestesistas que permita sequer voltar à normalidade quanto mais compensar um défice que já existia antes. Os anestesistas por todo o Portugal são o maior problema. Como na maioria são mulheres médicas, naturalmente têm problemas de natalidade, de tratamento de filhos e outros problemas que não acontecem com os homens. Quase todos os hospitais estão com problemas graves.

Muitos dos médicos já nem se queixam dos maus salários, dos milhões de horas extraordinárias que realizam, mas sim da falta de colegas na estrutura global de uma unidade hospitalar. Há falta de médicos, apesar do país ter cerca de 40 mil clínicos. Há médicos que gostariam de permanecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas ao fim de muitos anos de andarem a falar para o boneco optam pelos hospitais privados ou pelo estrangeiro. Para terem uma pequena ideia, há médicos que levam para casa mil euros, enquanto na Alemanha, Bélgica, França, Holanda e outros países europeus os médicos têm um rendimento entre os seis e os nove mil euros. Assim não há médico português, tal como os enfermeiros e outros técnicos de saúde, que aguente um sistema que não tem qualquer organização e que não olhe para a Saúde de uma forma realista e sempre tomando em conta que os hospitais públicos devem ser a sustentação de vida de uma população.

O Ministério da Saúde está cheio de incompetentes a ganhar três e quatro vezes mais que um médico e a Ordem dos Médicos e o Sindicato Independente de Médicos dizem que o problema está a chegar ao fim. É gravíssimo que em Lisboa o Hospital Egas Moniz também esteja à beira da ruptura. As salas de cirurgia estão vazias por falta de profissionais e o hospital viu-se obrigado a contratar uma clínica privada para realizar as intervenções cirúrgicas. Ao ponto a que chegámos quando tudo isto é pago com o nosso dinheiro.

Há dirigentes federativos ligados à Saúde que já se pronunciaram que existe uma estratégia para acabar com o serviço público indo paulatinamente passando o serviço de Saúde para os privados.

Os hospitais de Beja e de Évora estão há anos a passar pelas maiores dificuldades e estão igualmente com falta de pessoal médico para poderem aceitar os doentes que para estas unidades são dirigidos. O problema é geral e os médicos de todo o país só apresentam queixas na gestão da Saúde e ameaçam em numerário assustador que se vão embora para o estrangeiro ou para os hospitais privados, os quais começam a aparecer no território nacional como cogumelos. O Governo tem de se compenetrar que médicos e enfermeiros não são alfaiates e sapateiros. São especialistas que obtiveram um dos cursos mais difíceis do mundo para salvar vidas. Obviamente que a sua remuneração não pode ser de mil euros. Conheço um dos melhores cirurgiões de oftalmologia que Portugal tem e ele opera diariamente num hospital público e à tarde vai descansar? Não, à tarde vai melhorar o seu salário dando consultas numa clínica privada. Sai de casa às seis horas e regressa às nove da noite. É vida para um dos melhores que temos? Perguntei-lhe porque não opta pelo estrangeiro? Respondeu-me que foi Portugal que fez dele médico e que tem de servir o seu povo.

A situação no sistema de Saúde é mesmo muito grave. A situação no Hospital de Leiria já levou a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos a alertar para a situação grave devido à falta de médicos no serviço de urgência e pediu ao Ministério da Saúde uma solução imediata do problema. Esta não é uma situação que surgiu hoje, há vários anos que a Ordem dos Médicos tem denunciado a gravíssima carência de recursos humanos no Hospital de Leiria e de outros hospitais da Região Centro do país.

Uma situação que se agravou com a pandemia originária da doença covid-19. Os médicos foram requisitados para o combate ao vírus e os centros de saúde ficaram vazios. Os pacientes com outras doenças graves ficaram para trás e não tiveram consultas, cirurgias ou exames durante um ano e meio. Actualmente esses doentes, excepto os que entretanto morreram, tentam ser atendidos e ainda não existiu um planeamento que recupere o atendimento de milhares de portugueses.

*Texto escrito com a antiga grafia

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